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  • Era uma vez um ponto iluminado nas madrugadas do Centro de São Paulo…

    Era uma vez um ponto iluminado nas madrugadas do Centro de São Paulo…

    Segunda-feira, dia 24 de abril de 2017, quase dez horas da noite. Um segurança interrompe a conversa da galera no jardim. A estudante coloca os cadernos na mochila. Dois amigos fecham seus laptops – quase sem bateria pois as tomadas elétricas estão lacradas na sala de convivência. Um senhor sexagenário mergulhado na revista de arte leva alguns instantes para entender por que a funcionária tocou seu ombro e atrapalhou a leitura. Era hora de ir embora da Biblioteca Mário de Andrade. O prefeito João Dória Júnior que mandou.

    O fim do horário estendido da maior biblioteca de São Paulo, que por um ano e meio funcionou por 24 horas, sete dias por semana, com todas as portas abertas, foi melancólico. Funcionários estavam visivelmente chateados –  pela interrupção dos serviços e pela perda de seus empregos. Uma tranca e um cadeado grandão foram passados no portão por guardas da GCM, a Guarda Civil Metropolitana. Tinha até um carro da Polícia Militar na rua para conter os tristes notívagos que se reuniram na portaria da Mário de Andrade para protestar. Uma garota tentou devolver um livro às 21h30 mas os guardas não a deixaram entrar.

    A partir de agora, aliás, ninguém mais poderá estender uma noite tendo ao alcance da mão um acervo de mais 50 mil livros circulantes entre os mais de 7 milhões de itens, entre livros, fotos, periódicos e documentos. Dória não gosta disso, não. Diz que custa caro.

    O corte do horário da Biblioteca Mário de Andrade vai economizar cerca de R$ 2.200 por dia. Ou R$ 800 mil por ano. Menos do que os R$ 804.959,44 que o prefeito Júnior gastou APENAS com propaganda nos principais programas de televisão para divulgar o programa Corujão da Saúde, sua principal plataforma de campanha. Dória também diz que pouca gente está frequentando o horário noturno na biblioteca.

    Quando o horário extendido foi implantado – depois de três anos de estudo – o aumento de custo foi de cerca de 30%, com abertura ao público também nos finais de semana. Quem conta é o ex-supervisor de planejamento da Mario de Andrade, o historiador Fabrício Reiner, que participou de todo o processo e estava na portaria da biblioteca. Inconformado. “O número de livros emprestados dobrou quando a biblioteca passou a ficar aberta 24 horas. Antes, o fluxo era de 1500 pessoas por dia. Em 2016, a média foi de 3 mil visitantes por dia. Está tudo em relatório!”.

    Doria diz que não é bem assim. Fala que o público não só diminuiu como deixou de pegar livros emprestados. O prefeito Júnior só não lembrou que os eventos e atividades noturnas foram cancelados. Também esqueceu de medir o impacto na permanência no local quando tampou as tomadas de energia para carregamento de celulares e notebooks. Nem mencionou, ainda, a retirada de jornais e periódicos da sala de convivência, entre outras pequenas perversidades econômicas. Ah, a mudança no tipo de programação também não foi levada em consideração, claro.

    Hoje, em vez de roda de samba, há espetáculo de flamenco na Mário de Andrade. Nada contra. Mas quem quis assim foi o atual diretor da biblioteca, o milionário e ex-diretor da editora Cosac Naify, Charles Cosac. Ele também acabou com as baladas que aconteciam um sábado por mês. Inimaginável ele permitir, por exemplo, mais um Sarau Erótico, que em 2015 contou com apresentação do grupo de teatro Sensus, estendida até 4 da manhã com festa que amanheceu na rua. Inesquecível para quem estava lá.

    “Infelizmente vejo um trabalho de quatro anos arruinando. Tanto a programação quanto o horário expandido foram criados a partir das necessidades dos frequentadores. Muitos trabalham o dia todo no Centro, que é um local de aglomeração. Tudo foi feito para atender a todo e qualquer cidadão em qualquer horário do dia e noite”, conta Reiner, o ex-funcionário, que cuidava do planejamento da biblioteca. O diretor do local na época, o filósofo e professor da USP, Luiz Armando Bagolin, entendia a Mário de Andrade não como um depósito de livros, mas como um centro de encontros.

    Não espanta, portanto, notar que nem todos os que estavam ali na portaria para serem expulsos às 22 horas eram exímios apreciadores da leitura. As portas abertas e a fachada iluminada a noite toda abrigava os usuários de wi-fi grátis, gente que fugia do frio ou que perdeu o último metrô ou ônibus e moradores de rua que travavam uma luta inglória contra os olhos dos seguranças e o sono nas mesas de madeira. A presença desse público, por sinal, é um dos incômodos do prefeito.

    Intérprete de Mário de Andrade no teatro e na TV, o ator Pascoal da Conceição, devidamente caracterizado como o poeta e escritor, perguntou: “E então é assim? Fecha a porta porque essa gente feia toda está incomodando a biblioteca? Eu dormi tantas vezes em cima de livro… Acho que é uma das coisas mais deliciosas de se fazer. É de uma mesquinharia inescrupulosa o que estão fazendo com a Cultura”, diz o ator-ativista.

    Pascoal, quel também é conhecido em todo país também por ter vivido o personagem Doutor Abobrinha, do premiado infantil Castelo Rá-Tim-Bum, na TV Cultura, segue em sua bravata: “temos uma luta muito forte no campo do simbólico nesses tempos difíceis. A Cultura é um ganho que entra dentro de você, que faz transformar o mundo. É na Cultura que a gente gera direitos humanos, igualdade entre as pessoas, avanços em relação ao convívio. Quando atacam a Democracia e a Liberdade e isso chega na Cultura, o que se ataca, no fundo, é o lugar onde se geram os desejos, as vontades. É contra isso que temos a felicidade guerreira, emotiva e humana da luta. A luta é essa”. A fala é emocionada, com uma lágrima escorregadia que depois emenda numa outra enquanto o ator lembra que Mário de Andrade foi artista engajadíssmo na gestão pública da cidade.

    De fato, em 1935, o escritor, musicólogo, folclorista, autor de “Paulicéia Desvairada”, festeiro, principal articulador do movimento modernista, criou uma biblioteca circulante com uma caminhonete que levava livros nas casas dos leitores. Tudo para que o prazer da leitura chegasse à população. Então primeiro diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, Mário de Andrade falou para o prefeito na época: “Em vez de esperar em casa pelo seu público, vai em busca de seu público onde ele estiver.”

    A biblioteca Mario de Andrade passa a funcionar das 8h às 22h, de segunda a sexta-feira, e aos sábados e domingos, das 8h às 20h.

    Leia o comunicado oficial anunciado pela direção: http://bit.ly/2piGsZW

     

  • Como fazer arte numa cidade em que o embrutecimento é a palavra de ordem do poder?

    Como fazer arte numa cidade em que o embrutecimento é a palavra de ordem do poder?

    Por Filipe Brancalião*, especial para os Jornalistas Livres

    ⁠⁠⁠⁠⁠A Cidade de São Paulo vem atravessando dias sombrios no que tange às políticas públicas na área da cultura. Construídos ao longos dos anos, com a participação da classe artística e da sociedade civil, diversos programas e leis estão sendo desmontados pela atual gestão.

    O ataque desmancha os editais de fomento à pesquisa, criação e circulação artística e hoje, mais especificamente, minou também os projetos de formação.

    Nesta hora de tristeza, recorro ao filósofo francês Jacquès Rancière e me lembro de suas formulações no espaço entre política, arte, filosofia e educação. Me lembro do binômio por ele proposto: emancipação e embrutecimento e me pergunto: Como fazer arte em uma cidade em que o embrutecimento é a palavra de ordem do poder instituído? Como conduzir processos formativos quando somos calados sob o argumento de que foi vontade das urnas?

    A política emerge quando aqueles que se vêem lesados em seu direito de fala e participação nos rumos do convívio público proclamam sua igualdade e reivindicam para si o espaço que lhes é devido.

    Igualdade aqui entendida como atribuição básica de todo ser humano, capaz de falar, argumentar e, em conjunto, determinar os caminhos da convivência pública.

    Fala aqui entendida como possibilidade de expressão das divergências, dos pontos de vista, das visões de mundo. Divergências essas não necessariamente mediadas pelo cronômetro de uma casa legislativa ou de uma instituição do poder executivo, mas presentes na Ágora, no espaço público da visibilidade, que coloca aquele que fala como agente na teia das relações humanas.

    Há dias venho assistindo as ações de governo de João Dória, o prefeito de São Paulo, e seu séquito na área da cultura – como o secretário André Sturm, a diretora da Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA)  Luciana Schwinden e a nova assessora de dança Lara Pinheiro -, propagarem que escutam, que trabalham e que o resto é mimimi.

    Ora, não percebem a contradição em seus discursos?

    O diálogo político se faz na igualdade de fala e portanto, acusar ao seu diferente de mimimi é justamente colocá-lo no lugar de um animal ambulante, incapaz de articular o pensamento e expressar visão de mundo, relegado aos mugidos de dor e gemidos de prazer.

    Acusar àqueles que divergem de fazerem mimimi mina a possibilidade de qualquer diálogo pois reduz os interlocutores a qualquer coisa diferente do humano.

    Pois bem, essa ação também têm resultados.

    O secretário de cultura André Sturm já postou vídeos acusando a classe artística de ações violentas na obstrução da saída da Secretaria Municipal de Cultura.

    Ora, não percebe ele que a possibilidade de diálogo já havia sido recusada por ele horas antes, quando informou as medidas jurídicas que impediriam a recontratação de 336 artistas da cidade em um programa público? Quando inviabilizou a continuidade de processos artísticos e pedagógicos por toda a cidade? Quando cancelou e propôs a redução da verba destinada ao cumprimento de uma lei que prevê a pesquisa e criação em dança? Quando feriu a gestão democrática da Escola de Iniciação Artística e colocou lá uma interventora que quer implementar o “seu” projeto, sem reconhecer que entra em uma escola que já carrega consigo 30 anos de história?

    Onde estava o direito a igualdade de fala e participação na construção das políticas públicas de interesse da cidade e de seus cidadãos? Onde estava o diálogo quando os anos de luta e construção conjunta entre poder público e sociedade civil foram ignorados?

    Juridiquês nunca foi nem nunca será política. A judicialização do espaço público não vê pessoas, apenas papéis e documentos, não lê história, apenas autos em um processo que determina as normas a serem cumpridas e exclui o debate, o confronto de visões de mundo e pluralidade como marca do humano.

    Ao nos calarem e garantirem apenas para si o direito à determinação das políticas públicas, a prefeitura e a secretaria de cultura nos coloca na condição de animais que apenas emitem grunhidos. Ao colocar nós, artistas, na condição de meros ouvintes, seres não dotados do direito à fala, Sturm e seu séquito condicionam o mugido de dor, já que nos tiram o espaço de expressão e trabalho, o urro de raiva, já que nos impedem de exercer o ofício, nos convocam eles próprios à desobediência civil!

    Afinal, se só podemos ouvir e não falar, não somos mesmo capazes de entender. Assim, se não somos civilizados o suficiente a ponto de podermos participar das determinações do espaço público, o que nos resta???

    *Filipe Brancalião é ator e diretor do Teatro do Abandono e pedagogo do teatro. Atuou no Programa Vocacional como artista orientador e coordenador artístico-pedagógico de 2004 a 2014.

  • Artistas pedem a impugnação do edital de fomento publicado por André Sturm

    Artistas pedem a impugnação do edital de fomento publicado por André Sturm

    Na tarde da útima quinta-feira (16), trabalhadores da arte se reuniram mais uma vez com a Secretaria Municipal de Cultura para saber quais as razões de cancelamento do 22º Edital de Fomento à Dança e para exigir a impugnação do novo edital, publicado na última terça-feira (14),  de forma arbitrária e sem nenhum diálogo com a classe artística e a sociedade.

    O novo edital trouxe cortes significativos em relação ao previsto na Lei, simbolizando um retrocesso a tudo que foi conquistado pelos artistas da dança, desde 2005, quando a Lei de Fomento à Dança foi criada. Além disso, foi apresentado um estudo sobre o novo edital, elaborado por advogados e artistas da dança, que questionou juridicamente cada modificação realizada no novo edital.

    O Secretário Municipal de Cultura, André Sturm, não compareceu à reunião que estava agendada desde segunda-feira (13) e enviou sua assessora de dança, Lara Pinheiro, que chegou escoltada por vários guardas civis municipais (GCMs). Ela não soube responder a nenhum dos questionamentos jurídicos feitos pelos advogados e artistas, demonstrando a fragilidade do novo edital. Além disso, as justificativas que deu sobre o cancelamento do 22º edital foram fracas e não convenceram os mais de 200 trabalhadores da arte que lotaram o auditório do Cine Olido. Diante da sua incapacidade de argumentação a tantos desmandos jurídicos, a assessora sugeriu aos trabalhadores da arte que formassem uma comissão e se reunissem com o próprio secretário. Ela saiu do Cine Olido sob vaias e escoltada pelos GCMs.

    “O edital que nasceu e sobrevive, há onze anos, contra a barbárie mercadológica sucateadora, mostrou outra vez seu poder. O poder de coesão – de unir artistas dos mais diferentes caminhos e logradouros em um único objetivo: defender a pesquisa, a criação e a liberdade artística. Hoje, todas as batalhas internas da classe foram postas de lado, hoje, a ameaça é uma. Diante da tamanha força, da classe da dança unida, a assessora se minimizou em si mesma, incapaz de qualquer argumento, e saiu covardemente escoltada por vários policiais armados”, afirma Diogo Granato, artista da dança.

    Já Gal Martins, durante sua fala na reunião com a assessora, enfatizou que a força está nas diferenças. “A gente observa o quanto esse momento é histórico e nos fortalece. O Fórum Permanente de Danças Contemporâneas: Corporalidades Plurais, formado na sua maioria por mulheres, e mulheres negras, acredita que a discussão da especificidade é potência e não fragilidade. E o que está acontecendo aqui hoje é o exemplo disso. Então, governo, não utilize isso contra a gente, porque já se viu que a dança e a potência que ela está na cidade, nas periferias, é muito maior do que esses jogos e essas manobras políticas”, afirmou Martins.

    Anelise Mayumi Soares, outra artista da dança presente no ato, concorda: “Todas as diferenças, de todas as frentes desse movimento plural, que é a dança, em uníssono pedem a impugnação do edital, publicado na última terça-feira (14).”

    O deputado estadual José Américo (PT), que, em  2004, quando vereador, foi autor do projeto de lei que criou o Fomento à Dança, articulou uma reunião com o secretário André Sturm que deveria ter acontecido no mesmo dia, mas a mesma foi cancelada. Sturm foi, segundo o deputado, convocado às pressas para uma reunião com o prefeito João Doria. O secretário remarcou a reunião para hoje, sexta-feira (17), às 16h30, na Secretaria de Cultura, que fica localizada na Galeria Olido.

    O Programa Municipal de Fomento à Dança, que foi criado em 2006, a partir da Lei de Fomento (2005), tem como objetivo principal subsidiar grupos, selecionar projetos de trabalho continuado em dança e difundir a produção artística da dança independente, promovendo o acesso da população à produção artística e aos bens públicos.

  • Artistas da Dança lutam pelo Fomento

    Artistas da Dança lutam pelo Fomento

    Ocorreu neste 13 de Março, ao longo do dia inteiro, um ato na Galeria Olido, que reuniu aproximadamente 300 artistas, contra o cancelamento arbitrário do 22º edital de Fomento à Dança pela Secretaria Municipal de Cultura, que pegou a classe artística de surpresa quando a notícia saiu na imprensa.

    A última edição do edital foi aberta no fim da gestão Haddad (PT) e teve recorde de inscrições, 66, apesar da secretaria atual inicialmente afirmar que não houve divulgação suficiente.

    Uma comissão de 12 artistas presentes no ato se reuniu com o Secretário André Sturm, que afirmou que o edital será relançado por não haver dotação orçamentária pra contemplar o edital publicado. A justificativa não foi aceita pelo movimento.

    Além disso ele pretende alterar o período de desenvolvimento dos projetos de 2 para 1 ano. Mudança vista pela classe artística como ilegal, uma vez que a duração de 2 anos consta na Lei de Fomento à Dança, aprovada na Câmara Municipal de SP por unanimidade.

    “O executivo não pode alterar uma decisão feita pelo legislativo, fruto de uma conquista das entidades ligadas à dança”, afirma Ana Cecília Coutinho, artista da dança.

    O novo edital deve ser publicado nesta terça (14/3) com os novos prazos para inscrição de projetos. E já se sabe que o valor não será mantido.

    Criado em setembro de 2006, o Programa Municipal de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo (Lei 14.071/05) virou uma página na capital paulistana. Pela primeira vez, a classe de dança passou a contar com suporte financeiro garantido por lei e fruto de reivindicações e esforços conjuntos dos próprios artistas.

    Este novo edital de fomento à dança a ser lançado pela SMC não foi mostrado a ninguém da classe artística e não passou pela comunidade cultural.

    O ato foi organizado pela Cooperativa de Dança, Cooperativa de Teatro, Dança se Move, Fórum Permanente de Danças Contemporâneas : Corporalidades Plurais, Movimento Teatro de Rua, Frente Única da Cultura e pelos artistas do Programa Vocacional e Piá.

    Após a intervenção na galeria Olido, os artistas se manifestaram nas ruas da região, levando suas demandas e dialogando com a população local.

    Ato Pelo fomento à Dança. 13/03/2017. Foto: Beto de Faria
  • Cultura não se congela: Programa Vocacional

    Cultura não se congela: Programa Vocacional

    Por Marcio Castro, ator e dramaturgo, especial para os Jornalistas Livres

    O secretário municipal de Cultura André Sturm se encontrou com a classe artística na última terça feira (07/02). Mesmo sendo o encontro destinado apenas à classe teatral, os artistas atuantes e cidadãos da cidade de São Paulo atravessaram as pautas circunscritas nas linguagens e especificidades, afirmando o lugar de luta necessário para enfrentar a austeridade do governo eleito.

    Nem sempre tudo assim é (se lhe parece). O local é a sala Adoniran Barbosa, uma arena envidraçada em meio ao Centro Cultural São Paulo. Na conversa entre o secretário e os cidadãos, uma mesa. Que momentos antes ancorava uma faixa com o recado: cultura não se congela. A faixa não ficou, foi retirada, não sem uma grande discussão.

    A população que lotou o espaço e que se encontravam nas galerias clamou pela autorização de adentrarem o andar de baixo junto aos outros que lá já estavam para realizar mais de perto o diálogo. O acesso foi vetado. A justificativa foi a da segurança dos munícipes. Plausível. Mas em qualquer show que se tenha ido, quem quisesse descer e subir, sempre esteve liberado.

    André Sturm sabe o vespeiro que está envolvido. Recentemente, o prefeito anunciou o congelamento de 43,5% da verba destinada à cultura no ano. Sabendo dos gastos fixos que a secretaria possui com funcionários, terceirizados e contratos de gestão de informação, praticamente não sobra nada aos projetos da cidade, aos fomentos às artes e nem aos programas de formação artística. Assim, tenta sem sucesso justificar o injustificável, que o corte atingiu mais a Secretaria por um erro da Câmara em colocar os programas de fomento e formação fora da rubrica de projetos permanentes. Foram classificados como projetos futuros, investimentos. Não adiantou, segundo ele, explicar este erro aos administradores do dinheiro da cidade. Eles parecem não querer saber. Erro da Câmara, azar da cultura.

    Sturm assinou um documento se comprometendo a lutar pelo descongelamento integral da verba da cultura para o ano. Assim, os artistas permaneceram na ágora. Deram mais um voto de confiança ao gestor. Por ora.

    O CONGELAMENTO E A FORMAÇÃO ARTÍSTICA

    O Programa Vocacional existe há mais de 15 anos. Se trata de um projeto de ação artística no campo da formação que tem como propósito o estímulo à criação e autonomia cultural pela arte, pela sua condição intrínseca de cidadão, inalienável. É resultado do mesmo projeto de cultura  que implementou o programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, a ocupação dos Teatros Distritais por coletivos teatrais e o programa Formação de Público.

    Na mudança de gestão com o fim do governo Marta, apenas dois destes programas permaneceram: o Fomento ao Teatro (por ser projeto de lei, não sem a luta contra aqueles que tentaram derrubá-lo mesmo assim) e o Vocacional, por pressão dos cidadãos e aprendizes da cidade. O Programa Vocacional se desenvolveu em vários aspectos, ampliando a orientação em teatro para outras linguagens (música, dança, artes visuais, artes integradas e literatura) e assim continua em constante luta pela sua manutenção.

    Vale frisar que ocorre quase que essencialmente na periferia, sendo uma política pública de cultura à sociedade que rompe com o elitismo, proporcionando que as franjas da cidade construam pensamentos e ações culturais na perspectiva de uma estética própria. A interrupção ou redução de um programa como este – e também como o PIÁ e a EMIA – significa um grande retrocesso nas artes da cidade, pois grande parte do que se produz de mais genuíno é fruto destes programas de formação que proporcionaram a criação de outros projetos potentes na cidade como o VAI, Programa de Valorização de Iniciativas Culturais, destinado a jovens artistas e coletivos da cidade, realizado na sua maioria nos bairros menos favorecidos.

    Tão contundente é esta realidade que houve a necessidade de se criar o programa VAI 2, com aumento da verba oferecida para atender as necessidades dos cidadãos. É também de dentro do Vocacional que nasceram uma série de artistas e coletivos estáveis da cidade que hoje são contemplados pelos programas de fomento municipais, estaduais e até federais.

    FORMAÇÃO E CASAS DE CULTURA

    Em recente entrevista concedida a um grande veículo de comunicação, Sturm disse que em relação as Casas de Cultura as ações estarão mais fortemente direcionadas ao povo e não aos coletivos de artistas. Se trata de um olhar desviante do que se tem pensado sobre a arte atualmente em política pública na cidade de São Paulo: dissociar o cidadão da arte é dizer que a cultura é algo que está fora do cidadão comum e que ela é destinada ao consumo e não à fruição pessoal e coletiva. É sobre este problema que se debruça o conceito de cidadania cultural: a quebra de distinção entre aquele que pode ter acesso a arte, seja artista ou não. Quem é o melhor gestor de um equipamento público de cultura do que os próprios moradores e agentes culturais de seu entorno? Será que é necessário uma mediação de sua arte por um técnico externo ao território?

    Muito se ganhou na última gestão quando a grande maioria dos gestores das casas foram os próprios agentes culturais dos bairros, mesmo em condições precárias como sabemos. Mas foi um grande ganho. Acredito que este seja um dos pontos decisivos que a cidade terá como debate com o novo secretário. Há uma realidade muito potente dos fazedores de cultura desta cidade, e algumas conquistas mesmo que ainda conceituais e precárias não serão desarticuladas. Pelo contrário, a cidade vive hoje um momento de grande fortalecimento de luta pela cultura e cidadania. Ela está cada vez mais autônoma em relação às suas necessidades, fruto de tanta luta. Não à toa, pela sua cidadania cultural cultivada em meio a solos áridos, mas aguerrida.

    SOBRE O ENCONTRO

    Os programas de formação artística da cidade figuraram no encontro de forma acessória. Os fomentos e a formação, o VAI e a formação, os espaços de coletivos teatrais e a formação. Eram acessórios sempre, mas sempre presentes. A lacuna diz o que se escolhe, mas também o que não se quer escolher. Ao fim, quando tudo parecia ter acabado, o Secretário já levantando da mesa, um artista lá do alto, lá do fundo, lá de onde nem se pode ver o Secretário, clama por um diálogo específico com os programas de formação. Este mesmo artista que já trabalhou no Vocacional tem hoje um filho na EMIA que não iniciou as inscrições este ano porque (ainda) não tem verba. A mesma EMIA que possui mais de 30 anos de história na cidade. Que atravessou Erundina, Maluf, Pita, Marta, Serra, Kassab, Haddad, esta mesma EMIA, a esmo.

    Ele, artista da cidade, sem ter o que responder para os pais e cidadãos da cidade o que iria acontecer com a EMIA. O Secretário se comprometeu, também, em estabelecer um diálogo com os programas de formação de forma efetiva. E ainda lá de baixo, Sturm garante: o acordo é que os programas de formação, que em palavras claras a ele é mais importante que os fomentos, iniciarão em seus períodos normais como todos os anos, ou seja, junto com o calendário escolar. Ele garantiu, como quem assina uma carta, como quem se diz comprometido. Assim sendo, a Secretaria tem 20 dias para viabilizar o contrato e o início das atividades da EMIA, do PIÁ e do Programa Vocacional.

    Não se pode esquecer. Um criador da cidade, negro, pergunta sobre as ações afirmativas da Secretaria e do Governo sobre esta questão. Este mesmo negro, conhecido de todos nós, saiu de lá sem nem ao mesmo uma menção sobre sua indagação. Faltou esta resposta do Secretário.

  • O compromisso do gestor público com o público

    O compromisso do gestor público com o público

    Por Cooperativa Paulista de Teatro, com fotos de Beto de Faria e Nataly Cavalcantti, especial para os Jornalistas Livres

    Na noite da última terça-feira (8/2), no Centro Cultural São Paulo – uma das maiores referências para quem acompanha a vida cultural e artística da cidade – aconteceu o encontro entre o novo secretário de Cultura do município, André Sturm, e os artistas do teatro. Embora não se possa afirmar que todos os artistas que lá se encontravam fossem do teatro, certamente eram atores desse segmento da cultura a imensa maioria. O peso da ameaça dessa nova gestão (que apaga pinturas das paredes da cidade como se isso não fosse cultura) sobre todos aqueles que pensam, produzem e acreditam na arte como forma de transformação talvez nos tenha trazido uma certa unidade.

    Antes do início da reunião, o diretor do CCSP, Cadão Volpato, recém-nomeado pela nova gestão, envolveu-se numa discussão no mínimo curiosa com alguns artistas que fixaram na mesa onde se sentaria o Secretário e os servidores chamados para acompanhá-lo uma faixa, feita pelos próprios artistas, com os dizeres ‘cultura não se congela’. Indignado com a colocação da faixa, o diretor exige que a mesma seja retirada. (Veja abaixo)

    Acontece que o povo de teatro não está nessa de brincadeira. Uma pessoa que escolhe fazer da sua própria vida um rito de dedicação continuada à arte dos palcos e das ruas não vai a uma reunião com o Secretário de Cultura para brigar por esmola, nem pra pedir verbinha pra realizar sua pecinha. A gente só topa se for pra discutir política pública. Por isso a fala da atriz, diretora, dramaturga e militante da arte Dulce Muniz abriu dando as boas-vindas ao Secretário: “bem vindo, Secretário André Sturm, à luta pelas políticas de Estado para a Cultura”.

    E estamos nessa luta há muito tempo. Construímos políticas estruturantes com o objetivo óbvio para que não possam ser desmontadas por qualquer governo de plantão. Estamos preparados para a luta desde sempre e sabemos claramente como “toca a valsa” nessas terras onde um governo faz e o outro desfaz… O que aconteceu na terça-feira no Centro Cultural foi a mobilização de uma categoria preocupada com o horizonte à frente e não com políticas imediatistas e midiáticas de gabinetes executivos.

    O encontro começou tenso e o Secretário chegou a se irritar com os artistas que lotavam as galerias e solicitavam que se liberasse a entrada para mais gente na parte de baixo da sala, onde também já estavam ocupados todos os lugares; a plateia só silenciou quando um dos dirigentes da Cooperativa Paulista de Teatro solicitou aos companheiros que o fizessem a fim de que a pauta central do encontro fosse iniciada. O início já delimitou o campo de luta, já que foi imediatamente atendido.
    Em seguida, o Secretário colocou os motivos do congelamento dos recursos da Cultura e o microfone foi aberto aos interessados, sendo o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro o primeiro a falar e, em sua fala, trouxe o números aproximados da pasta de André Sturm.

    “Lutamos intensamente na Câmara Municipal para que a pasta de Cultura tivesse mais do que os R$ 480 milhões propostos, naquele momento, pelo Executivo. Não conseguimos muito, mas conseguimos elevá-lo para R$ 518 milhões que foi o valor que conquistamos na Câmara, previsto em Lei Orçamentária. Na imprensa, no entanto, foi divulgado que a verba destinada à Cultura era de R$ 453 milhões, faltam, então, R$ 65 milhões que não sabemos exatamente onde estão, mas que constam no orçamento aprovado no Legislativo. A Secretaria tem um custo com funcionários de R$ 121 milhões e mais R$ 100 milhões, aproximadamente, para custos com vigilância, limpeza, internet, água, luz, etc. Portanto, a pasta opera com cerca de R$ 220 milhões. O que significa que, se houver um congelamento de 43,5% do orçamento, a verdade é que o Secretário tem mais ou menos R$ 255 milhões para trabalhar. Sendo que destes, R$ 220 milhões estão comprometidos para seu próprio custeio e o que resta para atividades e políticas públicas de cultura, são pouco mais de R$ 34 milhões. Isso significa dizer que este congelamento inviabiliza totalmente a pasta da Secretaria.
    Exigimos, por respeito à cidade, aos artistas e aos movimentos culturais de toda São Paulo que  descongelem imediatamente os recursos da Cultura. Que se cumpra a legislação, uma vez que as políticas culturais estruturantes, que foram construídas na forma de lei e em diálogo com a cidade, os artistas e o parlamento sejam continuadas e nem sequer, em hipótese alguma, atrasadas.”

    Em seguida falou o artista Pedro Granato presidente do Motin (Movimento de Teatro Independente):

    “São Paulo é uma cidade plural, com diversos tipos de teatros sendo feito e o Fomento ao Teatro permitiu que tivesse teatros por toda cidade. Muitos teatros de São Paulo sobrevivem de maneira aguerrida, muitos abrem mão de receber algum salário para manter seu teatro. Quero dizer, o teatro é feito com paixão e o teatro existe em São Paulo como uma força potente culturalmente. Isso aconteceu também por uma parceria com o poder público. E dessa parceria, um processo histórico levou muitos dos artistas a ser nomes de prêmios, nomes de salas de teatro, participaram da inauguração de leis como o Prêmio Zé Renato, diversas leis e conquistas. E essas leis permitem uma função e fusão de poder público, estudiosos, críticos, pessoas ligadas às artes. São leis orgânicas conquistadas. A nossa preocupação é com o congelamento. A cultura não respira. E quando a gente congela, e por isso essa mobilização tão grande, colocamos em risco grupos, projetos sérios, pessoas podem perder emprego, teatros podem fechar. As ações que estão chegando para a gente não indicam o diálogo que a gente esperava. Mais de 40% de congelamento, pra gente, é um tiro no peito. Nosso maior interesse é um diálogo profundo com o poder público, mas o congelamento não é um diálogo.””

    O secretário, aparentemente desconfortável, se comprometeu publicamente com a plateia presente, em lutar junto com a categoria pelo descongelamento integral da verba da cultura, assinando inclusive um documento entregue pelos artistas Dulce Muniz, Fernanda Azevedo e Luciano Carvalho.

    “Afirmo meu compromisso com a Cultura de São Paulo, com quem está aqui hoje, majoritariamente do Teatro… mas com certeza gente da Dança, do Circo, da Periferia, enfim, Artes Cênicas é a mistura de tudo e nós vamos estar juntos”, declarou Sturm.

    Em seguida, os artistas se retiraram e seguiram para uma assembleia no Teatro Heleny Guariba, onde começaram a tecer os caminhos e a sequência da luta.

    Como tão bem foi dito pela companheira Dulce Muniz: a luta pela Cultura na cidade de São Paulo não pode ser dissociada da própria história da cidade, não pode ser dissociada da construção efetiva de uma identidade cultural paulistana, rica, diversa, liberta e libertária. Assim, as fazedoras e fazedores de teatro têm certeza e não arredamos pé: Cultura não se congela, Teatro não se fecha!

    Assista a íntegra da reunião (via Cia Teatro Investigação):