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  • “É importante mostrar às pessoas trans que um dia é você quem pode estar aí” diz primeira apresentadora transgênero da Bolívia

    “É importante mostrar às pessoas trans que um dia é você quem pode estar aí” diz primeira apresentadora transgênero da Bolívia

    Por Maycon Esquer

    Aos 26 anos, Leonie Dorado acaba de entrar para a história da televisão em seu país como a primeira apresentadora de notícias transgênero da história televisiva da Bolívia. Mas a conquista pessoal também é histórica  na comunidade LGBTIA+ da Bolívia, onde ser trans e ao mesmo tempo ocupar espaços de trabalho, principalmente com tamanha visibilidade nacional, pode soar como uma realidade inalcançável. “É importante mostrar às pessoas trans que um dia é você quem pode estar aí”, afirma Leonie Dorado.

    O acontecimento, histórico, foi fortemente comemorado pela comunidade LGBT do país latino-americano, assim como da América do Sul, e representa um passo importante para um horizonte de inclusão trabalhista da comunidade trans boliviana. “Foi uma felicidade muito grande, estar à frente de um noticiário é uma responsabilidade jornalística muito grande”, conta Leonie.

    Não é a primeira vez que Leonie se torna a primeira mulher trans a ocupar espaços na sociedade boliviana. Antes de entrar para a história da televisão boliviana esse ano, em 2019, a ativista, que também é musicista, entrava para a história da música do seu país ao se apresentar no “Festival Internacional Festi Jazz”, evento que acontece todos os anos desde 1987.

    “Concentrado na cidade de La Paz, o festival de jazz recebe gente do mundo todo, inclusive artistas do Brasil. Eu resolvi encarar esse desafio ano passado e consegui”, relata Leonie relembrando o esforço e a disciplina que teve. “Eu penso que foi tudo atitude. Levei quase seis meses para me preparar para esse festival e no final deu tudo certo”, declara orgulhosa.

    Leonie Dorado nasceu em La Paz, capital administrativa da Bolívia. Estudou música clássica desde os seis anos de idade no Conservatório Nacional de Música, onde aos 18 anos também estudou licenciatura em Música. Aos 21 anos decidiu estudar Comunicação Social em Buenos Aires, Argentina. Em 2015, depois de concluir a graduação no exterior, Leonie decidiu regressar à Bolívia e iniciar sua transição de gênero. Ao mesmo tempo, começou a se dedicar a outras coisas.  

    Apesar da formação, Leonie conta que é essa a primeira vez que exerce a profissão de jornalista e que sua entrada nos meios de comunicação surge exatamente como um projeto da Abya Yala Televisión, canal boliviano de alcance nacional operando desde 2012, que atualmente tem apostado na “construção e difusão dos direitos individuais e coletivos que fortalecem o respeito à diversidade e inclusão social”.

     Assim como qualquer apresentadora de noticiários do seu país, em Ahora Bolívia, programa em que ela é âncora na Abya Yala Televisión, Leonie trata de temas nacionais e internacionais desde a cidade de La Paz, a segunda cidade mais populosa do Estado Plurinacional da Bolívia. “Abya Yala está mostrando uma pessoa trans não mais de um ângulo físico, como se fossemos um experimento humano, mas sim nos mostrando em um espaço social comum, como é o espaço na televisão”, explica Leonie.

    “Eu tive apenas um mês de preparação para estar à frente de um noticiário”, comenta Leonie ao relatar o desafio ancorar o “Ahora Bolívia”, em um projeto que surgiu em plena pandemia. “No começo, eu estava muito nervosa mas agora, que é o segundo mês que estou nos meios de comunicação, já percebo um grande avanço. As pessoas que me sintonizam hoje em dia podem ver esse crescimento que venho tendo no meu desenvolvimento jornalístico”, declara.

    FOTO:  Arquivo Pessoal

    Puro Ativismo

    A jornalista conta que o que a motivou a fazer parte da iniciativa da Abya Yala Televisión foi, principalmente, ver a “situação lamentável” das pessoas trans em seu país.

    “Mundialmente, as ONGs e outras organizações que zelam pelos direitos humanos da comunidade LGBTIA+ têm hoje em dia uma preocupação especial com transgêneros, porque são as pessoas que mais enfrentam discriminação dentro e fora da comunidade”, revela Leonie.  

    A jovem tem rompido barreiras no seu país ao mostrar, com o cargo que ocupa em uma cadeia de televisão nacional, uma pessoa trans exercendo uma “profissão comum” em um “espaço comum”. “Mostrar uma pessoa trans exercendo uma profissão comum,  como uma jornalista, advogada, veterinária, ou engenheira, é muito importante”declara Leonie ao argumentar sobre o significado da sua conquista para a comunidade trans.

    Coletivo LGBTIA+ na Bolívia

    Em termos legais, nos últimos anos a Bolívia teve avanços quanto à garantia de direitos à comunidade LGBTIA+. O artigo 5º da Lei Contra o Racismo e Todas as Formas de Discriminação – Lei Nº 45 de 2010 – proíbe a discriminação por motivos de orientação sexual e de identidade de gênero e o artigo 281º do Código Penal do país – modificado pela Lei Nº 45 – tipifica como delito qualquer ato de discriminação baseado na orientação sexual e/ou identidade de gênero. A promulgação da Lei Nº 807, em 2016, também estabeleceu a criação do procedimento para a troca do nome próprio e permitiu a utilização de nome social à comunidade transexual e transgênera do país. Porém, o coletivo LGBTIA+, especialmente a comunidade trans, à qual Leonie é parte, segue tendo tropeços.

    “A Bolívia é um país onde temos muitas leis aprovadas, como a Lei de Identidade de Gênero e agora há pouco também se aprovou uma lei que permite a pessoas do mesmo sexo casar-se legalmente em um matrimônio civil”, esclarece Leonie. “Mas como em qualquer outro país, no geral podemos falar de América Latina, a comunidade trans segue tropeçando, não consegue ter acesso a fontes trabalhistas, não pode formar uma família, não pode adotar”.

    Trabalhar na pandemia

    Com mais de 80 mil casos de coronavírus e mais de 3000 mortes, a Bolívia atualmente enfrenta um caos desencadeado não apenas pela pandemia mas também pela ebulição política que aconteceu junto com o final de 2019. Entre outubro e novembro do ano passado, os bolivianos foram espectadores de um turbulento processo que envolveu a deposição e fuga de Evo Morales Ayma – presidente eleito pelo partido “Movimento ao Socialismo” – para o México, e posteriormente para a Argentina, onde atualmente se encontra exilado, e a posse de Jeanine Añez – atual presidente interina do país andino do partido liberal-conservador Movimento Democrático Social .

    O conflito ainda é lido de duas maneiras pela população boliviana cada vez mais polarizada. Parte dos bolivianos acredita na narrativa de que o caso se resume à fuga de um líder populista por ter fraudado as eleições. Para outra parte, no entanto, houve um golpe de estado movido por forças políticas das classes médias urbanas e da direita do país, que não conseguiu se eleger em nenhuma das últimas eleições presidenciais. 

    Os efeitos da pandemia do novo coronavírus na Bolívia, então, se cruzam não apenas com a carência hospitalar mas também com o cenário dramático da política atual. “Eu penso que se tivesse feito isso em uma época que não tivéssemos que viver essa pandemia, de todas as formas teria sido complicado, mas agora é duas vezes mais complicado”, explica a apresentadora sobre como tem sido o seu trabalho. “Na Abya Yala temos protocolos de biossegurança muito rigidos. Quando apresento o jornal, meu companheiro está a quase dois metros de mim”.

    Bastidores do noticiário | FOTO: Arquivo Pessoal

    Manifesto à comunidade trans

    Outra bandeira do ativismo de Leonie, além da garantia de direitos básicos à comunidade LGBTIA+, é a luta pela conscientização dos riscos de tratamentos invasivos na população trans durante o período de transição. A ativista intitula como “O Surgimento da Nova Ideologia Pós-Moderna” a corrente que defende que a comunidade trans “não desperdice anos de vida lutando contra seus próprios corpos”, não se submetendo a cirurgias plásticas invasivas ou ao uso indiscriminado de hormônios. 

    “Existem problemas de trans-feminicídio, sim, claro que existem. As pessoas ainda matam outras simplesmente por serem trans”, afirma Leonie, que durante a transição não fez uso de hormônios e nem se submeteu a operações plásticas. “Mas o que eu quero esclarecer é que outra grande porcentagem de morte de pessoas trans são os tratamentos invasivos, e não estamos falando de deformações corporais, estamos falando de tumores cancerígenos, problemas graves”, insiste.

    Enquanto ocupa o seu espaço no país latino-americano e tradicionalmente conservador, Leonie amplia a sua voz para abrir caminhos para que a comunidade trans do seu país também possa reivindicar o seu espaço na sociedade.

    “Pelo simples fato de você ser um ser humano, você já tem direitos trabalhistas, independente do gênero”, diz Leonie. “A sociedade sempre escondeu as pessoas trans, não só nessa época. Mas as pessoas trans podem e merecem ocupar espaço na sociedade e por isso temos que ir abarcando esses espaços”.Leonie Dorado sentencia: “Não é fácil! As coisas não vão ser cor de rosa do dia para a noite. No nosso caso, sempre temos que nos esforçar duas vezes mais para que nossos frutos sejam reconhecidos, por isso é muito importante não desistir e seguir adiante”. Um  exemplo disso é a sua própria história, que neste momento renova as esperanças de inclusão social e representatividade da comunidade trans da Bolívia.

  • Leia a íntegra do discurso de posse de Alberto Fernández

    Leia a íntegra do discurso de posse de Alberto Fernández

    “Senhora Vice-Presidenta,
    Deputadas, Deputados e Senadores
    Querido povo argentino,
    O 10 de dezembro de cada ano não é um dia comum em nossa memória coletiva.
    Hoje celebramos o momento em que toda a Argentina enterrou a mais cruel das ditaduras que tivemos de suportar. Naquele dia, 36 anos atrás, Raúl Alfonsín assumiu a Presidência, abriu uma porta para respeitarmos a pluralidade de ideias e nos devolveu a institucionalidade que havíamos perdido.
    Desde então, nosso país passou por momentos diferentes. Alguns mais tranquilos e felizes e outros mais tristes e tumultuados. Mas, de qualquer modo, sempre perseveramos na institucionalidade e, em todas as crises impostas a nós, soubemos como lidar com elas, preservando o funcionamento da república.
    Nós, argentinos, aprendemos que as fraquezas e os limites da democracia são resolvidos apenas com mais democracia. É por isso que hoje quero começar essas palavras reivindicando meu compromisso democrático que garante a todos os argentinos, para além de suas ideologias, a convivência em relação aos dissidentes.
    Quero dirigir-me pessoalmente a todos os argentinos que habitam este país.
    Faço isto perante os representantes desta Assembléia Legislativa, as autoridades de toda a comunidade internacional que nos visitam hoje e as diversas expressões de nossa vida em sociedade.
    Não quero usar frases feitas nem artificiais.
    Gostaria que minhas palavras expressassem o mais fielmente possível o eco de milhões de vozes que ainda ressoam em toda a Argentina.
    Da humildade dessa escuta e da esperança que milhões de compatriotas expressaram nas eleições de 27 de outubro, convoco a unidade de toda a Argentina na busca da construção de um novo contrato de cidadania social.
    Um contrato social que seja fraterno e solidário.
    Fraterno, porque chegou a hora de abraçar o diferente.
    Solidário, porque nesta emergência social, é hora de começar com o último e, em seguida, chegar a todos.
    Este é o espírito do tempo que inauguramos hoje.
    Com sobriedade na palavra e expressividade nos atos.
    https://youtu.be/qNfnTlEh96c
    Venho convocá-los, sem distinções, para colocar a Argentina em pé. Para começar a andar. Passo a passo. Com dignidade. Rumo ao desenvolvimento com justiça social.
    Hoje, mais do que nunca, é necessário colocar a Argentina de pé como condição necessária para que ela volte a andar. Isto significa, antes de tudo, recuperar um conjunto de equilíbrios sociais, econômicos e produtivos que não temos hoje.
    É hora de abandonar o aturdimento.
    Estarmos cientes de que as feridas profundas que sofremos hoje precisam, para começar a curar, do tempo, da calma e, acima de tudo, da humanidade.
    Quero convocar esta Argentina Unida lançar um novo olhar de humanidade, que reconstrua os elos essenciais entre cada um de nós.
    Por esse motivo, tenho a necessidade de compartilhar com vocês a convicção que sinto no momento, sobre as grandes muralhas que temos de superar para colocar a Argentina em pé.
    Temos de superar o muro de ressentimento e ódio entre os argentinos.
    Temos que superar o muro de fome que deixa milhões de homens e mulheres fora da mesa que é comum a nós.
    E, finalmente, temos de superar o muro do desperdício de nossas energias produtivas.
    Estes muros, e não nossas diferenças de ideias, são o que nos divide neste tempo histórico.
    Por isso, desejo que essas palavras não sejam um monólogo, mas o convite a uma reflexão profunda e sincera sobre este momento importante.
    Superar barreiras emocionais significa que todas e todos sejamos capazes de viver a diferença e que reconheçamos que ninguém está sobrando em nossa nação, nem em sua opinião, nem em suas ideias, nem em suas manifestações.
    Temos que suturar muitas feridas abertas em nosso país. Apostar na fratura e na divisão significa apostar que essas feridas continuem sangrando. Agir desta maneira seria o mesmo que nos empurrar para o abismo.
    Expresso este sentimento do fundo da alma, tanto para quem votou em mim quanto para quem não votou. Não contem comigo para continuar percorrendo o caminho do desencontro.
    Quero ser o presidente capaz de descobrir a melhor faceta de quem pensa diferente de mim. E eu quero ser o primeiro a conviver com essa pessoa sem afundar nas falhas.
    Quero ser capaz de corrigir meus erros, em vez de me colocar no pedestal de um iluminado.
    Venho convidá-los a construir essa sociedade democrática.
    O sonho de uma Argentina unida não precisa de unanimidade. Ainda menos de uniformidade. Para alcançar o sonho de uma convivência positiva entre os argentinos, partimos do fato de que toda a verdade é relativa. “Talvez pela soma ou pelo confronto dessas verdades possamos alcançar uma verdade maior”, dizia Néstor Kirchner com correção.
    Ao dizer isso, não ignoro que os conflitos que enfrentamos expressam interesses e conflitos distributivos.
    Mas também estou ciente de que, se agirmos de boa-fé, poderemos identificar prioridades muito urgentes e compartilhadas para, posteriormente, concordar com os mecanismos que superem essas contradições.
    Além das diferenças, tenho certeza de que todas e todos concordamos que começar a superar o muro de fraturas na Argentina implica criar uma ética de prioridades e emergências.
    Começando pelos últimos para alcançar a todos.
    Mais de 15 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar em um país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
    Precisamos de toda a Argentina unida para acabar com essa catástrofe social. Um em cada dois meninas e meninos é pobre em nosso país.
    Sem pão, não há presente ou futuro. Sem pão, a vida só sofre. Sem pão, não há democracia nem liberdade.
    Por isso, a primeira reunião oficial de nosso governo consistirá em uma reunião de trabalho sobre essa prioridade, o Plano Global Argentina contra a Fome. Ali, com todo o nosso gabinete e as personalidades da sociedade civil que se uniram generosamente ao nosso chamado, iniciaremos a ação que dará fim a este presente doloroso.
    Mas eu não seria sincero diante de vocês se não compartilhasse outra convicção: os marginalizados e excluídos de nosso país, os afetados pela cultura do descarte, não precisam apenas que deixemos apressadamente um pedaço de pão aos pés da mesa. Eles precisam fazer parte e jantar na mesma mesa. Da grande mesa de uma nação que deve ser nossa “casa comum”.
    Isto exige que reorientemos as prioridades em nossa economia e em nossa estrutura produtiva.
    A solidariedade na emergência tem muitas faces.
    As economias das famílias são sufocadas por altos níveis de endividamento, a taxas de agiotagem e, em alguns casos, com esquemas de retorno diário.
    Hoje, nossos compatriotas tomam empréstimos para comprar alimentos e remédios ou pagar as contas de serviços públicos. Avós e avôs se endividaram para comprar remédios e começaram a comer menos e pior.
    A situação das PMEs também tem proporções dramáticas, exigindo alívio fiscal e estímulos adequados.
    A capacidade ociosa de nossas fábricas, indústrias e negócios constitui também um desperdício de energia produtiva.
    Queremos um Estado presente, construtor de justiça social, que dê respiro às economias das famílias: é por isso que vamos implementar um sistema abrangente de crédito não bancário, que conceda empréstimos a taxas baixas.
    A economia popular e seus movimentos organizados, o cooperativismo e a agricultura familiar também serão atores centrais dessas políticas públicas.
    A cultura do trabalho é garantida pela criação de empregos formais com todos os benefícios da seguridade social. Por isso colocaremos em andamento ações que facilitem a todos os titulares de salário social suplementar a possibilidade de entrar no mundo do trabalho e cobrar por seu trabalho.
    Hoje, o desemprego afeta quase 30% dos jovens e, a taxas ainda mais elevadas, as mulheres jovens. Existem mais de 1.200.000 de jovens que não estudam nem trabalham. Devemos garantir o direito ao primeiro emprego, por meio de subsídios financiados pelo Estado, para que os jovens sejam treinados e trabalhem em empresas, PMEs, organizações sociais e na economia popular e na agricultura familiar.
    A idéia de um Novo Contrato de Cidadania Social envolve aliar vontades e articular o Estado com forças políticas, setores produtivos, confederações de trabalhadores, movimentos sociais, o que inclui o feminismo, a juventude e o ambientalismo. Acrescentaremos também o tecido científico-tecnológico e os setores acadêmicos.
    Estou certo de que todos concordamos que chegamos a essa situação porque políticas econômicas muito ruins foram aplicadas. Essa série de decisões econômicas foi decisiva para o povo argentino, na maioria das vezes, desqualificá-lo nas últimas eleições.
    Da fidelidade ao mandato popular, promoveremos um conjunto de medidas econômicas e sociais de natureza diferente, que comecem a reverter o curso estrutural do atraso social e produtivo.
    Nos próximos dias, convocaremos trabalhadores, empregadores e diferentes expressões sociais para colocar em marcha um conjunto de Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência, que constituam a base sólida a partir da qual se reacendam os motores da nossa economia.
    Pretendemos expor nessas convocatórias uma série de medidas com o objetivo de restaurar os indispensáveis ​​equilíbrios macroeconômicos, sociais e produtivos, para que a Argentina dê a partida e possa andar novamente.
    Sabemos que percorreremos um caminho estreito, complexo e desafiador, onde não haverá lugar para dogmas mágicos ou conflitos sectários.
    Eu estaria faltando com a verdade e a responsabilidade se não compartilhasse com vocês o cenário exato em que assumimos hoje. Há números e dados contundentes, fornecidos pela administração que saiu. E trata-se de informação indispensável para entender os desafios que teremos que assumir como sociedade.
    Se eu não fizesse isso, não poderia explicar por que levará algum tempo para alcançar o que todos queremos.
    A inflação que temos atualmente é a mais alta dos últimos 28 anos. Desde 1991, a Argentina não tinha inflação acima de 50%.
    A taxa de desemprego é a mais alta desde 2006.
    O valor do dólar passou de 9 para 63 pesos em apenas quatro anos.
    A economia argentina não para de encolher. O PIB de 2019 é o mais baixo da última década.
    A pobreza atual está nos níveis mais elevados desde 2008. Retrocedemos mais de dez anos na luta para reduzir a pobreza.
    O PIB per capita é o menor desde 2009.
    A dívida externa em relação ao PIB está em seu pior estado desde 2004.
    A indigência atual está nos valores mais altos desde 2008.
    O nível de produção industrial hoje é equivalente ao de 2006: retrocedemos 13 anos.
    O emprego industrial registrado tem o nível de 2009.
    O número de empresas é equivalente ao nível registrado em 2007: recuamos 12 anos. Vinte mil empresas foram fechadas em quatro anos. Destes, 4.229 eram empresas industriais.
    O PIB industrial caiu 12,9%, comparando o primeiro semestre de 2019 com o mesmo período de 2015.
    Vinte e três dos 24 setores da indústria reduziram seu nível de atividade em 2018 em comparação com 2015.
    Nestes quatro anos, mais de 141 mil empregos com registro no setor privado foram perdidos na indústria.
    Em termos interanuais, o emprego industrial registrado soma 42 meses consecutivos de destruição.
    Por trás desses números terríveis, existem seres humanos com expectativas dizimadas.
    Temos de dizer com todas as letras: a economia e o tecido social hoje estão em um estado de extrema fragilidade, produto dessa aventura que levou à fuga de capitais, destruiu a indústria e esmagou as famílias argentinas.
    Em vez de gerar dinamismo, passamos da estagnação para uma queda livre.
    Neste contexto, decidi que não daremos tratamento parlamentar ao Orçamento Nacional apresentado pelo governo saliente para o ano de 2020. Seus números não refletem nem a realidade macroeconômica, nem as realidades sociais, nem os compromissos de dívida que realmente foram assumidos.
    Um orçamento adequado só pode ser projetado quando a negociação de nossas dívidas estiver concluída e, ao mesmo tempo, pudermos implementar um conjunto de medidas econômicas, produtivas e sociais para compensar o efeito da crise na economia real.
    A Nação está endividada, com um manto de instabilidade que descarta qualquer possibilidade de desenvolvimento e deixa o país refém dos mercados financeiros internacionais.
    Temos que contornar esse cenário. Para colocar a Argentina em pé, o projeto deve ser nosso e implementado por nós, não ditado por ninguém de fora com receitas repetidas que sempre fracassaram.
    A Argentina que buscamos construir é uma Argentina que cresce e inclui. Uma Argentina onde há incentivos para produzir e não para especular.
    Uma Argentina com uma visão de Projeto Nacional de Desenvolvimento, na qual a agroindústria, a indústria manufatureira, is serviços baseados em conhecimento, as PMEs, as economias regionais e o conjunto das atividades produtivas são capazes de agregar valor a nossas matérias-primas para exportá-los e fortalecer um mercado interno robusto.
    Portanto, os Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência serão o ponto de partida para impedir a queda livre da situação que recebemos. Sairemos desta situação com consenso e de maneira gradual e sustentada.
    É essencial recuperar a economia. Uma macroeconomia ordenada é condição necessária para dar lugar à criatividade de políticas em prol do desenvolvimento. Não há progresso sem ordem econômica.
    Para reordenar a economia, precisamos sair da lógica de mais ajustes, mais recessão e mais dívidas imposta nos quatro anos que terminaram hoje. Nesta ação de reordenação, protegeremos os setores mais vulneráveis.
    Neste presente que enfrentamos, os únicos privilegiados serão aqueles que foram presos no poço da pobreza e da marginalização.
    Precisamos aliviar a carga da dívida para mudar a realidade. Devemos voltar a desenvolver uma economia produtiva que nos permita exportar e, assim, gerar capacidade de pagamento.
    Quero que todos entendamos que o governo que acabou de terminar deixou o país em uma situação virtual de default. Às vezes sinto que estou atravessando o mesmo labirinto que nos pegou em 2003 e do qual poderíamos sair com o esforço do conjunto da sociedade.
    Nosso plano de Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência busca solucionar esta situação de desordem, para garantir consistência econômica e social à nossa recuperação.
    A consistência integral do que propomos em todas as variáveis ​​do plano – preços, salários, tarifas, taxa de câmbio, aspectos monetários, fiscais e sociais – será explicada nos próximos dias, convocando todos os setores envolvidos.
    Faço um apelo à responsabilidade e ao patriotismo de todos.
    Recebemos um país frágil, prostrado e magoado.
    É o momento da vocação compartilhada que busca um país que ofereça um destino melhor para todos.
    O plano macroeconômico que perseguimos é uma parte central, mas não isolada, de um Projeto de Desenvolvimento Nacional que inclui várias áreas inter-relacionadas. Trabalharemos simultaneamente em novos eixos para transformar nossa estrutura produtiva, com políticas ativas responsáveis ​​pela mudança tecnológica vertiginosa que enfrentamos, pela inter-relação entre indústrias, recursos naturais e serviços.
    Vamos enfrentar o problema da dívida externa. Não há pagamentos de dívida que possam ser sustentados se o país não crescer. Simples assim: para poder pagar é preciso crescer.
    Buscaremos um relacionamento construtivo e cooperativo com o Fundo Monetário Internacional e com nossos credores. Resolver o problema de uma dívida insustentável que a Argentina agora possui não é uma questão de vencer uma disputa contra ninguém. O país tem vontade de pagar, mas não tem capacidade para fazê-lo.
    O governo que sai assumiu uma dívida imensa sem gerar mais produção com a qual obter os dólares essenciais para pagá-la. Os credores se arriscaram investindo em um modelo que falhou em todo o mundo repetidas vezes. Queremos resolver o problema e, para isso, precisamos que todas as partes trabalhem com responsabilidade.
    Não vamos repetir a triste história de missões de técnicos imprudentes que prometem planos que não podem cumprir e tomar decisões que mais tarde acabam comprometendo o destino de milhões de argentinas e argentinos.
    Seriedade na análise e responsabilidade nos compromissos assumidos para que os mais fracos deixem de sofrer. Sob essas premissas, assumiremos toda negociação de nossa dívida.
    Há outro equilíbrio básico que precisamos construir: o equilíbrio federal e territorial.
    A Argentina precisa terminar uma estrutura que mostre um país “central” rico e próspero e um país “periférico” que busca desenvolver-se a partir das concessões mínimas que o país “central” oferece. Não pode haver argentinos de primeira classe e argentinos segunda. A Argentina é uma só e deve, em conjunto, tender a desenvolver todas e cada uma de suas regiões. Este é o desafio que enfrentamos e devemos superar.
    Vamos implementar esses Acordos Básicos de Solidariedade em Emergência contando também com a participação dos governadores de todo o país, com um critério federal inovador, na chave produtiva e social, além do puramente fiscal.
    Levaremos uma parte substancial da atividade política e administrativa do Estado Nacional às províncias, criando capitais alternativas, para que a realidade desses lugares em nosso país possa ser incorporada pelos formuladores de políticas, pela mídia e adquira, por sua vez, a visibilidade que eles não tiveram durante décadas.
    Também realizaremos uma análise exaustiva para descentralizar e/ou realocar em diferentes províncias os organismos do Estado Federal.
    Assim como agora o Instituto Nacional de Viticultura trabalha na Província de Mendoza e o Instituto Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Pesqueiro na cidade de Mar del Plata, devemos pensar em várias alternativas que garantam um novo federalismo.
    Vamos colocar a Argentina em pé, com uma infraestrutura federal de qualidade, eficiente e sustentável, promovendo o desenvolvimento regional e juntos criando milhares de empregos juntos em cooperativas de serviços, pequenas e grandes empresas.
    Implementaremos um Plano de Reativação de Obras Públicas em todo o país, associado ao desafio ecológico e que permitirá melhorar um ecossistema de relações ambientais, sociais e produtivas.
    Serão projetos de execução rápida e com grande uso de mão-de-obra local, visando à melhoria da segurança e da acessibilidade viária, planejamento urbano e territorial, construção e manutenção de prédios públicos e infraestrutura hidráulica, entre outros.
    Nosso compromisso é garantir transparência absoluta na administração de recursos destinados a obras públicas. Os cidadãos poderão acessar todas as informações sobre o projeto da obra, seus custos, o processo de licitação e seleção da empresa executora, monitorar o andamento e reportar irregularidades.
    Desenvolveremos um ambicioso plano de regularização de habitats e construção de moradias. É inaceitável pensar que no século 21 milhões de argentinos não tenham um teto para se abrigar. O novo Ministério do Habitat e Habitação foi instituído com o objetivo de solucionar essas deficiências.
    Atenderemos a saúde dos argentinos através do Ministério que antes se degradava. A negligência que nesses anos sofreu a saúde na Argentina está à vista. Doenças que acreditávamos erradicadas ressurgiram entre nós. A partir de agora, arbitraremos as medidas pertinentes para que nossos filhos sejam vacinados em tempo hábil, para que os hospitais não fiquem sem suprimentos e para que os remédios cheguem gratuitamente aos nossos avós com menos renda.
    Todos esses desafios devem ser enfrentados em um contexto internacional convulsionado. A Argentina não deve ser isolada e deve ser integrada à globalização. Mas deve fazê-lo de maneira inteligente, preservando a produção e o trabalho nacionais.
    Queremos uma diplomacia comercial dinâmica que seja politicamente inovadora. Por isso, em termos de relações internacionais, lançaremos uma integração plural e global.
    Plural, porque a Argentina é uma terra de amizade e relações maduras com todos os países.
    Global, porque essa integração é com o mundo e com o local ao mesmo tempo. Uma Argentina inserida na globalização, mas com raízes em nossos interesses nacionais. Nem mais nem menos o que todos os países desenvolvidos fazem para promover o bem-estar de seus habitantes.
    Nosso Ministério das Relações Exteriores estará focado em conquistar novos mercados, motorizar as exportações, gerar uma promoção produtiva ativa de investimento estrangeiro direto, contribuindo para modificar processos tecnológicos e gerar emprego.
    Nessa globalização, também sentimos a América Latina como nosso “lar comum”.
    Fortaleceremos o MERCOSUL e a integração regional, em continuidade ao processo iniciado em 1983 e aprimorado desde 2003.
    Com a República Federativa do Brasil, em particular, temos que construir uma agenda ambiciosa, inovadora e criativa, na área tecnológica, produtiva e estratégica, apoiada pela irmandade histórica de nossos povos e que vá além de qualquer diferença pessoal daqueles que governam no momento.
    Vamos honrá-la, avançaremos juntos na construção de um futuro de progresso compartilhado.
    Continuamos apostando em uma América Latina unida, para nos inserirmos com sucesso e com dignidade no mundo. Em 1974, o general Juan Domingo Perón assinalou que “em nível nacional, ninguém pode atuar em um país que não é realizado. Da mesma forma, no nível continental, nenhum país pode ser realizado em um continente que não é realizado”.
    Sabemos que estamos em um mundo altamente complexo. Com sérios problemas e desequilíbrios econômicos. Os movimentos autoritários cresceram em vários países, houve golpes e, ao mesmo tempo, em vários países, crescentes reivindicações dos cidadãos contra o neoliberalismo e a desigualdade social.
    Em qualquer cenário, a Argentina elevará seus princípios de paz, de defesa da democracia e de plena validade dos direitos humanos. Defenderemos a liberdade e a autonomia dos povos para decidir seus próprios destinos.
    Reafirmamos nosso maior compromisso com o cumprimento da Cláusula Transitória 1ª da Constituição Nacional e trabalharemos incansavelmente para fortalecer “a reivindicação legítima e imprescritível de soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e espaços marítimos e insulares correspondentes.”
    Faremos isso sabendo que somos acompanhados pelos povos da América Latina e do mundo e convencidos de que o único caminho possível é o da paz e da diplomacia. Honraremos a memória daqueles que caíram na luta pela soberania. Faremos isso trabalhando para a solução pacífica da disputa e com base no diálogo proposto pela Resolução 2065 das Nações Unidas.
    Não há mais lugar para colonialismos no século 21.
    Sabemos que para esta tarefa não basta o mandato de um presidente ou de um governo. Isto requer uma política de Estado de médio e longo prazos. Por isso, convocarei um Conselho na órbita presidencial onde todas as forças políticas, a Província da Terra do Fogo, representantes do mundo acadêmico e ex-combatentes participem. Seu objetivo será estabelecer um consenso nacional para projetar e executar as estratégias que permitam que a reivindicação seja conduzida com sucesso além dos calendários eleitorais.
    Defenderemos nossos direitos de soberania sobre as Ilhas Malvinas, a plataforma continental, a Antártica argentina e os recursos naturais que essas extensões possuem porque pertencem a todos os argentinos.
    A Argentina precisa de uma política ambiental ativa, que promova a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável, consumo responsável e valorização dos ativos naturais.
    Nessa busca, somos inspirados pela Encíclica “Laudato Si” de nosso amado Papa Francisco, uma Magna Carta ética e ecológica em nível universal. Por isso, tomamos a primeira decisão de elevar a área ambiental a Ministério.
    Reafirmamos nosso compromisso com o Acordo de Paris, promovendo o desenvolvimento integral e sustentável por meio de uma transição justa que garanta que ninguém seja deixado para trás. Tais medidas são essenciais para lidar com as vulnerabilidades do país, em particular dos setores mais desprotegidos, que sofrem mais com os efeitos das mudanças climáticas. Precisamos ordenar as condições para a conservação e uso racional dos recursos ambientais, florestas e biodiversidade, pântanos e solos, o mar e seus recursos.
    Queridas argentinas, queridos argentinos:
    Simultaneamente com a solidariedade em situações de emergência, enviaremos ao Parlamento as bases legislativas para institucionalizar um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que será o órgão permanente para projetar, concordar e consagrar um conjunto de políticas de Estado para a próxima década.
    Daremos a elas uma posição legislativa e proporemos que suas mais altas autoridades sejam eleitas com um acordo parlamentar, por um período de gestão que transcenda nosso mandato.
    Pretendemos que, neste campo plural, sejam projetados os grandes pilares institucionais e produtivos de médio e longo prazos – sem discussões de curto prazo – para um desenvolvimento humano abrangente e inclusivo.
    Esperamos que, a partir deste Conselho, iniciem-se debates informados, com evidências científicas, com participação criativa, com o concurso de técnicos e profissionais de toda a Argentina que possam inspirar a construção de diferentes direções.
    Sabemos que nosso país não se destaca por ter políticas de Estado. Desde 1983, existem apenas duas constantes: a decisão irrevogável de viver em uma sociedade democrática e o desejo de integração regional.
    Temos a responsabilidade de assumir outros imperativos morais irrevogáveis ​​da sociedade argentina como políticas de Estado. Desde 1983, a sociedade trabalha pelo Terrorismo de Estado Nunca Mais, para alcançar Memória, Verdade e Justiça. Os primeiros avanços foram feitos desde 1983 e muitos outros foram retomados a partir de 2003. E qualquer revés nessa área foi evitado coletivamente. Como sociedade, temos orgulho de ter hoje as Forças Armadas comprometidas com a democracia.
    Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos. E hoje, novamente, a Argentina está mais uma vez comprometida em respeitar os direitos do homem e em elevar esse compromisso como uma bandeira inflexível em qualquer país do mundo.
    Melhorar a qualidade dos direitos humanos e cívicos também implica superar essa má qualidade institucional em que vivemos.
    É tempo de cidadania democrática. Temos uma democracia com contas pendentes e sinto que estou expressando uma geração que chega ao poder neste momento para tomar a decisão de resolvê-las.
    Uma democracia sem justiça realmente independente não é democracia.
    Um jurista clássico foi capaz de dizer que, quando a política entra nos tribunais, a justiça escapa pela janela.
    Sem uma justiça independente do poder político, não há república nem democracia. Existe apenas uma corporação de juízes atenta para satisfazer o desejo dos poderosos e punir sem motivo aqueles que o enfrentam.
    Vimos deterioração judicial nos últimos anos. Assistimos a perseguições indevidas e detenções arbitrárias induzidas pelos governantes e silenciadas por certa complacência da mídia.
    É por isso que hoje venho manifestar diante desta Assembléia e diante de todo o povo argentino, um contundente Nunca Mais.
    Nunca mais a uma justiça contaminada por serviços de inteligência, “operadores judiciais”, procedimentos obscuros e linchamentos midiáticos.
    Nunca mais a uma justiça que decida e persiga de acordo com os ventos políticos do poder do dia.
    Nunca mais a uma justiça usada para resolver discussões políticas, ou a uma política que judicializa a dissidência para eliminar o adversário de turno.
    Digo isto com firmeza de uma decisão profunda: nunca mais é nunca mais.
    Porque uma justiça atrasada e manipulada significa uma democracia assediada e negada.
    Queremos uma Argentina onde a Constituição e as leis sejam respeitadas estritamente. Queremos que não haja impunidade, nem para um funcionário corrupto, nem para quem o corrompe, nem para quem viola as leis. Nenhum cidadão, por mais poderoso que seja, está isento da igualdade perante a lei. E nenhum cidadão, por mais poderoso que seja, pode estabelecer que outro é culpado se não houver processo devido e firme convicção judicial.
    Quando se pressupõe a culpa de uma pessoa sem condenação judicial, não apenas a Constituição é violada, mas também os princípios mais elementares do Estado de Direito.
    Para superar esse muro de que a única garantia que se tem na Argentina é a da impunidade estrutural, nos próximos dias enviaremos ao Parlamento um conjunto de leis que estabelecem uma reforma abrangente do sistema de justiça federal.
    Ao mesmo tempo, buscaremos reorganizar e concentrar os esforços da justiça para que a investigação do crime organizado, do crime complexo e do narcotráfico e das drogas, flagelos que devemos abordar com caráter sistêmico, possa ser enfatizada de maneira eficaz e transparente.
    Trata-se de tirar proveito dos recursos valiosos e majoritários existentes hoje em nosso sistema de justiça, a fim de acabar com a mancha sinistra que um setor minoritário causa à credibilidade das instituições.
    No mesmo sentido de profunda transformação, decidi que a Agência Federal de Inteligência deveria intervir, promovendo uma reestruturação de todo o sistema de informações estratégicas e de inteligência do Estado.
    Como mudança imediata, ordenarei a revogação do Decreto 656 de 2016, que foi uma das primeiras e dolorosas medidas que o governo anterior promoveu e que significou consagrar o segredo pelo uso dos fundos reservados pelos agentes de inteligência do Estado.
    No âmbito da revogação desta medida, o que significou um infeliz revés institucional, também tomei outra decisão: esses fundos reservados não apenas deixarão de ser secretos, mas serão realocados para financiar o orçamento do Plano Contra a Fome na Argentina.
    Faremos o mesmo com o restante dos fundos reservados que o atual orçamento nacional hoje fornece para as outras forças armadas e de segurança, que serão mantidas como tal na medida indispensável, somente quando demandas muito rigorosas de defesa e segurança o exigirem, e sempre com um nível máximo de controle parlamentar.
    Eu digo e reitero com a firmeza de uma profunda convicção.
    Nunca mais para o estado secreto.
    Nunca mais para a escuridão que quebra a confiança.
    Nunca mais para os porões da democracia.
    Nunca mais é nunca mais.
    Neste contexto, também anuncio que, nas próximas semanas, enviaremos ao Parlamento e submeteremos ao debate informado da sociedade civil e especialistas de todo o país uma proposta de transformação e coordenação estrutural de toda a política de segurança cidadã e prevenção da violência
    Aspiramos que seja não apenas uma política de Estado, mas também uma política da sociedade. Negociada, plural, integral e cogerida, além do prazo de nosso mandato, entre todos os atores do sistema político. Para evitar pêndulos perigosos que não fazem nada além de questionar a credibilidade das instituições.
    Queremos colocar a Argentina em pé. E com vistas a este objetivo, nossas forças armadas também devem ser incluídas.
    Para tanto, elas devem ser treinadas e equipadas, preparadas e treinadas, para o cumprimento de sua missão principal e das missões secundárias.
    Queremos uma política de defesa autônoma, defensiva e cooperativa, articulada principalmente com os países da região, com os quais não temos mais hipóteses de conflito.
    Estamos convencidos de que ciência, tecnologia, produção para Defesa e defesa cibernética podem se tornar vetores fundamentais do desenvolvimento nacional.
    Queremos que o Sistema de Defesa continue apoiando a política antártica nacional, sendo o nosso o país com a maior presença ininterrupta no continente branco e também o com mais bases. Lá, a contribuição logística das forças armadas possibilita que centenas de cientistas e pesquisadores realizem suas tarefas, mesmo em situações extremas.
    Continuaremos com as missões de manutenção da paz no marco de nossos deveres para com a Organização das Nações Unidas.
    Como comandante em chefe, quero dizer claramente às nossas forças armadas: temos uma enorme oportunidade de olhar para o futuro e fazer da política de Defesa uma verdadeira política de Estado, com um amplo consenso das forças políticas e um forte compromisso com a Constituição Nacional.
    Cidadania democrática também significa respeitar a liberdade de expressão e todas as opiniões expressas nos meios de comunicação de massa.
    Em tempos de operações de intoxicação com notícias falsas por meio de redes sociais, precisamos mais do que nunca de mídias vibrantes, comprometidas com informações de qualidade.
    A mídia está agora imersa em uma mudança tecnológica exponencial que, quando desafiada, também desafia nossa democracia. Nosso governo assume o compromisso de acompanhá-los independentemente nessa transição. E consolidá-los como uma grande indústria do conhecimento.
    Nesta dimensão de pleno respeito, vamos pedir uma melhor qualidade institucional em nosso relacionamento com a mídia, através da reformulação do que tem sido a gestão do padrão de publicidade do Estado até hoje.
    O governo encerrado hoje gastou um total de 9 bilhões de pesos em propaganda oficial.
    Um absurdo da propaganda do estado, em um país faminto por pão e faminto por conhecimento.
    Queremos uma imprensa independente do poder e independente dos recursos que a vinculam ao poder.
    Portanto, reorientaremos o orçamento de publicidade do Estado sob outros critérios.
    Queremos que eles parem de servir propaganda do estado para que possam melhorar a qualidade da educação.
    Não cortaremos esse número enorme na sua totalidade, porque isso afetaria o movimento comercial de nossa mídia. Mas vamos redirecioná-lo.
    Queremos que os anúncios pagos pelo nosso governo, em vez de propaganda, ajudem a melhorar o processo de aprendizado de nossos jovens.
    Para que a matemática, a história, a literatura, a física e as ciências de nossos currículos escolares possam ser ensinadas de maneira mais eficaz e criativa, por meio de conteúdo desenvolvido e disseminado pelas diretrizes publicitárias que são acionadas com Recursos estatais.
    Não queremos anúncios pagos com o dinheiro de todos para elogiar os benefícios do governo de plantão.
    Vamos investir o orçamento da publicidade oficial para publicar na mídia anúncios que serão ferramentas pedagógicas, que nos ajudarão a melhorar o desempenho educacional de nossos jovens em todo o país. Temos que colocar esses recursos a serviço de ditar conteúdos mais acessíveis e mais adaptados às demandas modernas.
    Nas próximas semanas, convocaremos as instituições jornalísticas de todo o país, para que possam oferecer seu talento e se comprometerem com professores, cientistas, pedagogos e especialistas em educação, sob o lema de melhorar a qualidade da educação.
    O sistema de mídia do Estado – rádio, televisão, agências de notícias, espaços culturais – também contribuirá para esse objetivo prioritário. Mais e melhor educação para todos.
    E também incentivaremos que todas as jurisdições e outros poderes do Estado do país, com um critério federal, se somem a este propósito.
    Não haverá diretrizes de Estado para financiar programas individuais de jornalistas. Irá apenas para instituições jornalísticas. No relacionamento com jornalistas, mais do que nunca essa frase faz sentido, a de que “as contas às claras preservam a amizade e o respeito”.
    No mesmo contexto de inovação, proporemos uma Grande Escola de Governo, com altíssima excelência acadêmica, como eixo de um processo de profissionalização, mérito e carreira administrativa no âmbito do Estado Nacional.
    Promovemos todas essas decisões porque entendemos que um Novo Contrato de Cidadania Social implica em iniciar um desenvolvimento educacional, científico e tecnológico. Como Arturo Frondizi disse uma vez, devemos nos lançar “com determinação e coragem para conquistar o futuro”.
    Empenharemos todos os esforços necessários para universalizar a educação infantil, para que todas as nossas meninas e meninos, de 45 dias a 5 anos de idade, aprendam, brinquem e vivam nesse espaço fundamental para o seu futuro como povo e para o nosso futuro como nação que é a escola.
    Não descansaremos até que um garoto em uma zona rural tenha o mesmo acesso a uma educação transformadora que uma garota em um centro urbano, more no ponto do país que for. Hoje existem regiões em que três em cada dez crianças não iniciam seus estudos antes dos cinco anos de idade e outras em que metade não o faz antes dos quatro.
    Da mesma forma, teremos como prioridade avançar na ampliação da jornada escolar, uma iniciativa fundamental para romper as desigualdades de origem. Começaremos com as escolas frequentadas por meninas, meninos e jovens de setores que mais precisam do Estado, que não podem mais esperar.
    Nada disso será possível se não valorizarmos a parte mais importante deste sonho que temos em nossas mãos: queremos que toda professora e todo professor desejem ser os educadores do futuro, o mecanismo de mudança e transformação de nossa sociedade. Melhorar as condições de trabalho e garantir treinamento inicial e contínuo deve ser uma prioridade.
    Durante o meu governo, estabeleceremos as bases de um grande pacto educacional nacional, com todos os atores da comunidade educacional e da sociedade.
    E isto não é a letra morta de um discurso.
    A Argentina se tornou valiosa quando Alberdi e Sarmiento trabalharam para tornar a educação pública. Ficou rica com a Reforma Universitária. Tornou-se mais poderosa quando o justicialismo declarou a gratuidade da educação universitária.
    Reivindicamos pesquisa científica e tecnológica porque nenhum país pode se desenvolver sem gerar conhecimento e sem facilitar o acesso da sociedade ao conhecimento. Decidi que em nosso governo a área recuperará a hierarquia ministerial que nunca deveria ter perdido.
    Juntamente com o movimento trabalhista organizado, a espinha dorsal do acordo social, também promoveremos um essencial fortalecimento da formação contínua para o trabalho do presente e do futuro. Queremos que a mudança tecnológica tenha alma, esteja a serviço de viver bem, que multiplique produtividade, inclusão e equidade.
    Não quero concluir sem mencionar enfaticamente que nos próximos quatro anos empenharei todos os esforços necessários para que os direitos das mulheres estejam na vanguarda. Procuraremos reduzir, através de vários instrumentos, as desigualdades de gênero, econômicas, políticas e culturais. Vamos dar ênfase especial a todas as questões relacionadas aos cuidados, uma fonte de muitas desigualdades, uma vez que a maior parte do trabalho doméstico recai sobre as mulheres na Argentina e em outros países.
    Nenhuma a menos deve ser uma bandeira de toda a sociedade e de todos os poderes da república. O Estado deve reduzir drasticamente a violência contra as mulheres até sua total erradicação.
    Também na Argentina há muito sofrimento por estereótipos, estigmas, pelo modo de vestir, pela cor da pele, pela etnia, gênero ou orientação sexual. Abraçaremos todos os que são discriminados. Porque qualquer ser humano, qualquer um de nós, pode ser discriminado pelo que é, pelo que faz, pelo que pensa. E essa discriminação deve se tornar imperdoável.
    Nossa ética política justifica os valores da solidariedade e da justiça. A crise afeta a todos os argentinos. Também quero me dirigir por um momento àqueles que estão em uma situação econômica melhor. Aos argentinos que, por seu esforço ou por qualquer motivo, têm uma situação mais tranquila.
    Em um contexto de extrema gravidade, emergência, devemos entender que não há possibilidade de pedir sacrifícios a quem está com fome. Não se pode pedir sacrifício para quem não consegue chegar ao fiml do mês. Devemos sair dessa situação com solidariedade, para que, quando a economia estiver em retomada, todos os setores, sem exceção, possam se beneficiar. Mas até eliminarmos a fome, pediremos maior esforço de solidariedade para aqueles que têm mais capacidade de dar.
    Comecemos com os últimos para alcançar todos.
    E assim, propomos uma Argentina onde o abraço cresce, se multiplica, porque precisamos nos unir. Se conseguirmos deter o ódio, poderemos deter a queda da Argentina.
    A primeira e principal libertação como país é garantir que o ódio não tenha poder sobre nossos espíritos. Que o ódio não nos colonize. Que esse ódio não signifique um desperdício de nosso povo que vive em comunidade.
    Quero terminar agradecendo profundamente a generosidade e destacando a visão estratégica que nossa vice-presidenta, Cristina Fernández de Kirchner, expressou neste momento na Argentina.
    Permitam-me também recordar neste momento de três pessoas que me deram significado à vida.
    Quero lembrar minha mãe que me marcou com seu exemplo.
    Quero lembrar a Esteban Righi, que incutiu em mim como mais ninguém os melhores valores do Estado de Direito.
    E quero lembrar Nestor Kirchner, que em 2003 me permitiu participar da maravilhosa aventura de tirar a Argentina da prostração.
    Quero também agradecer a todas as companheiras e todos os companheiros no espaço político que nos levaram à vitória, pela dedicação e militância permanentes.
    Muitos têm me perguntado pelo que gostaria que nosso governo fosse lembrado no futuro.
    Quero que sejamos lembrados por poder ajudar a reunir a família na mesa novamente. Que as diferenças políticas lógicas e saudáveis ​​que podem existir em uma família possam ser discutidas em clima de paz e respeito, sem divisões ou brigas.
    Gostaria que fôssemos lembrados por podermos superar a ferida da fome na Argentina, que é um insulto ao nosso projeto coletivo de vida comum.
    Gostaria que fôssemos lembrados por podermos superar a lógica perversa de uma economia que gira em torno de desorganização produtiva, da ganância, da especulação e da infertilidade para as maiorias.
    Gostaria que deixássemos como marca a reconstrução da casa comum com um grande projeto nacional, um Acordo de Desenvolvimento Estratégico, do qual nos orgulhemos.
    Portanto, desejo que as palavras finais da minha primeira mensagem como Presidente de toda a Argentina não constituam uma resposta, mas uma pergunta.
    As respostas sem perguntas são como árvores sem raízes. E somente no encontro entre as perguntas e as respostas, nossas palavras adquirem vida real.
    Poderemos, como Argentina Unida, ousar construir essa utopia serena e possível a que a história nos chama hoje?
    Seremos capazes como sociedade?
    Seremos capazes como líderes?
    Eu quero ser o presidente da escuta, do diálogo, do acordo para construir o país de todos.
    Dias atrás, um amigo destacou a importância de tudo isso no futuro. Ele estava certo ao dizer que precisamos aprender a escutar, mesmo sabendo que não pensamos o mesmo. Por tempo demais, tentamos o método da raiva e do ressentimento. Todos devem se livrar do rancor que carregamos. Vamos ganhar a confiança um do outro novamente. Vamos confiar um no outro novamente.
    Nossa hora chegou. Por isso estou aqui.
    Quando meu mandato terminar, a democracia argentina estará completando 40 anos de vigência ininterrupta.
    Quando este dia chegar, eu gostaria de mostrar que Raúl Alfonsín estava certo.
    Espero que juntos possamos demonstrar que a com a democracia se curada, se educa e de come.
    Vamos nos erguer e começar nossa marcha novamente.
    Muito obrigado!”
  • Apoie a campanha dos Jornalistas Livres para a América Latina!

    Apoie a campanha dos Jornalistas Livres para a América Latina!

    A América Latina está sob ataque da extrema direita e do projeto neoliberal do capital financeiro de países como os Estados Unidos. Democracias como as da Bolívia e Equador estão sendo desestabilizadas pelas elites oligárquicas, altamente racistas e reacionárias. É o neofascismo de Bolsonaro, Camacho, Trump e outros atacando mulheres, indígenas, negros e LGBTs. Na Bolívia, após o golpe de estado sofrido por Evo Morales, legitimamente reeleito, a violenta repressão golpista está deixando mortos e muitos feridos. E isso pode piorar! A mídia tradicional, comprometida com os interesses do capital, não está mostrando a realidade. Nós, Jornalistas Livres, fomos até a Bolívia e Argentina cobrir as eleições desses países, mesmo sem ter os recursos suficientes. Queremos mostrar a verdade para nossos leitores, atuando in loco nos países em crise. Para isso, precisamos da ajuda de todos e todas, para que possamos enviar correspondentes com segurança, porque agora o momento é perigoso para a imprensa, especialmente na Bolívia. Ajude-nos a fazer o que a mídia tradicional não faz: mostrar os fatos!

  • EUA, BRICS e América Latina – Tudo conectado

    EUA, BRICS e América Latina – Tudo conectado

    Em artigo publicado recentemente no jornal Monitor Mercantil, o analista geopolítico Fábio Reis Vianna mostra como a crescente militarização e convulsão na América Latina faz parte dos planos de Washington para minar a influência de China e Rússia na região e controlar as velhas e novas fontes de petróleo, gás e outros produtos minerais. Vale a pena ler:

    Eleições argentinas, enquadramento da América do Sul e os Brics


    Por Fábio Reis Vianna

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    No último dia 29 de outubro, o Ciclo de Seminários de Análise da Conjuntura Mundial, organizado pelos professores Monica Bruckmann e Franklin Trein, recebeu no Salão Nobre do IFCS-UFRJ, no Rio de Janeiro, a ilustre presença do ex-vice-presidente do Banco de Desenvolvimento dos Brics, o professor Paulo Nogueira Batista Jr.

    Em meio ao peculiar momento de convulsões sociais que se espalham pelo mundo, discutiu-se a Nova Rota da Seda, grande projeto chinês de integração geoeconômica da Eurásia por vastas redes de estradas, trens de alta velocidade, gasodutos, cabos de fibra ótica e portos, e que beneficiará milhões de pessoas (incluindo a Europa Ocidental, e incidentalmente, o continente africano e a própria América Latina).

    Para isso, três instituições criadas na órbita deste projeto cumpririam papel fundamental: o Silk Road Fund, o AIIB (Banco de Investimento e Infraestrutura da Ásia) e o NBD (Banco de Desenvolvimento dos Brics).

     

    Para EUA, era preciso separar o Brasil de Rússia e China a qualquer custo

     

    Sendo o Estado brasileiro acionista e fundador do NBD, muitos projetos de financiamento oriundos desta instituição global já poderiam ter sido aprovados e seriam muito bem-vindos à cambaleante economia brasileira.

    Porém, não obstante nos últimos anos, especificamente de 2003 a junho de 2018, empresas chinesas terem investido quase US$ 54 bilhões em mais de 100 projetos, segundo dados do próprio governo brasileiro, a partir de 2017, os investimentos caíram vertiginosamente.

    Segundo estudo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), os investimentos chineses no Brasil somaram US$ 8,8 bilhões em 2017 e não mais que US$ 3 bilhões em 2018. Uma queda de 66%. O aprofundamento do enquadramento brasileiro à órbita imperial norte-americana diz muito sobre isso.

    Com a institucionalização da Nova Estratégia de Defesa dos Estados Unidos, promulgada em 18 de dezembro de 2017, oficializou-se o que na prática já vinha ocorrendo desde meados de 2012, com a aceleração da disputa interestatal e a escalada da competição mundial: o reposicionamento norte-americano no xadrez geopolítico mundial de maneira cada vez mais agressiva e unilateral.

    Deixando de lado a retórica multilateralista promovida ao longo do século passado, os norte-americanos, diante do fortalecimento das potências “revisionistas” Rússia e China – questionadoras da centralidade americana no uso das regras e instituições criadas e geridas de maneira unilateral durante todo o século XX – agora procuram impor sua vontade, sem concessões, aos países do chamado Hemisfério Ocidental.

    Região ao qual os Estados Unidos se atribuem, por direito, o pleno exercício da soberania, por considerarem sua zona de influência direta, inadmitindo assim, qualquer contestação à sua supremacia, nem mesmo qualquer aliança estratégica de países que possa criar um polo alternativo de poder; muito menos no Cone Sul do continente.

    Sendo assim, a postura de total alinhamento do atual governo brasileiro aos interesses da administração Trump, em muito diz respeito a este enquadramento do Hemisfério Ocidental à estratégia de contenção do expansionismo dos atores eurasiáticos.

    Se o aprofundamento do projeto eurasiático e da parceria estratégica sino-russa – dentro da teoria do controle do heartlandde Mackinder – já seria inadmissível por si só, então a participação de um grande país do Hemisfério Ocidental como protagonista de uma instituição contestadora de antigas normas estabelecidas e reguladas pelo hegemon já seria demais: era preciso separar o Brasil de Rússia e China custe o que custar, mesmo que para isso o país tenha que arcar com o preço de ver suas instituições destruídas e envolvido no labirinto de um quase fechamento militar de regime.

    Os últimos meses têm sido de muita agitação em várias e diversas partes do mundo; em particular na América do Sul. Mesmo que por motivos não exatamente similares, principalmente nos casos específicos de Peru e Bolívia, os protestos populares ocorridos no Equador e no Chile teriam em comum as características de uma reação, quase natural, de autoproteção destas sociedades às políticas restritivas neoliberais.

    Como se fora uma velha ironia da história, bem no momento em que vivemos o esgarçamento da competição interestatal, surge uma correia de transmissão espalhando por vários países, tão distantes quanto díspares entre si, a fagulha dos protestos sociais.

    Curiosamente, essa potente e perigosa combinação entre insatisfação social e acirramento de conflitos entre países, em outras épocas da história acabaria por configurar-se naquele período de transição entre os ciclos finais e de reconfiguração do grande tabuleiro do sistema mundial.

    Diante disso, é importante ressaltar o risco de uma característica em comum que vem aos poucos se delineando em alguns países da América do Sul: a militarização.

    Com o acirramento dos conflitos globais, o enquadramento da América do Sul à estratégia norte-americana de contenção dos adversários eurasiáticos e diante das agitações populares à deterioração dos padrões de vida, surge a lamentável opção pela imposição da ordem nua e crua, trazendo de volta ao cenário politico desses países a presença dos militares como garantidores da estabilidade institucional.

    Caminha-se na região para um cenário em que governos eleitos, enfrentando a crescente agitação interna, passariam a depender dos militares para sobreviver. Os recentes acontecimentos no Peru, Equador e Chile não deixam mentir. Fora o fato de que o Brasil já vive sob a sombra de uma velada tutela militar às suas instituições.

    O ponto fora da curva desta história é a Argentina e a impressionante vitória eleitoral da oposição peronista (num momento em que o uso de ferramentas de desestabilização tem sido frequentes para interferir em resultados eleitorais, como no caso da propagação em massa de fake news via Whatsapp em favor de Jair Bolsonaro no Brasil).

    Contra todas as tendências, em uma região acossada pela interferência cada vez mais agressiva dos Estados Unidos – vide a atual tentativa de deslegitimar e desestabilizar a recente eleição de Evo Morales por meio da já manjada e forjada “Revolução Colorida”, que se aprofunda na Bolívia – a Argentina caminha para a retomada de um projeto de nação autônomo e soberano.

    Diante da bem-sucedida, por hora, destruição da aliança estratégica Brasil-Argentina, que vinha se fortalecendo desde a redemocratização das duas nações em meados dos anos 80, caberá àquele país o complexo desafio de buscar expandir sua inserção internacional sem o seu antigo parceiro de Mercosul.

    Algo interessante dito pelo professor Paulo Nogueira Batista Jr., no Ciclo de Seminários de Análise da Conjuntura Mundial, diz respeito à atual postura chinesa diante da agressividade e truculência da administração Trump: paradoxalmente, tal agressividade estaria contendo o ímpeto expansionista chinês dos últimos anos na América do Sul, o que, segundo o professor, poderia abrir ótimas oportunidades para os países da região barganharem acordos mais favoráveis aos chineses.

    Com o engessamento do Brasil e o seu alinhamento cego à Nova Estratégia de Defesa dos Estados Unidos, abre-se à Argentina a oportunidade não só de barganhar acordos comerciais favoráveis, mas ocupar o espaço deixado vago pelo Brasil no projeto de integração eurasiático.

    Como bem disse o professor Paulo Nogueira Batista Jr., os Brics e em especial o seu banco de desenvolvimento (NBD) estariam caminhando para um processo de ampliação de seus participantes.

    Na nova configuração geopolítica mundial, em que o acirramento da disputa global aumenta a necessidade das potências competidoras em garantir sua segurança energética, a América do Sul já é vista por muitos analistas como o novo centro de gravidade da produção mundial de petróleo, em substituição ao Oriente Médio.

    A se confirmar esta tendência, não cabe outra alternativa a países baleia como Brasil e Argentina do que retomarem o projeto estratégico sul-americano sob risco de terminarem seus dias fragmentados e engolidos por interesses e disputas de potências externas à região.

    Por hora, cabe a Argentina caminhar sozinha e por necessidade, ampliar os laços econômicos e geopolíticos com China e Rússia porque a tendência é o país tornar-se alvo das próximas campanhas de desestabilização, guerras de “quarta geração” e asfixia econômica desferidas sempre sorrateiramente pelo hegemon.

    Fábio Reis Vianna

    Escritor e analista geopolítico.

    Leia o artigo original em: https://monitordigital.com.br/eleicoes-argentinas-enquadramento-da-america-do-sul-e-os-brics

  • Feministas bolivianas denunciam golpe de estado no país

    Feministas bolivianas denunciam golpe de estado no país

    Neste domingo (10), toda a América Latina volta seus olhos para a Bolívia, que vive um golpe de estado. Durante todo o dia, circulou pelas redes um texto do movimento feminista boliviano que alerta e denuncia a oposição golpista, que não aceita o resultado do último pleito eleitoral e tem promovido um estado de terror no país. Confira a íntegra do texto divulgado pela Revista Marea.

    ¡Compañeras, hermanas, les hablo desde Bolivia!

    Sé que hay mucha información confusa sobre lo que está sucediendo en Bolivia y por eso tratamos de informar, pedirles que nos acompañen y que sigan denunciando.

    En primer lugar, es importante que quede claro que, esto es un golpe de Estado y un golpe a las organizaciones sociales, un golpe encabezado por las organizaciones cívicas del oriente, organizaciones empresariales de terratenientes y de oligarcas. Es un golpe fundamentalista, porque plantea devolver la biblia al palacio para poner al país en manos de Dios, es un golpe profundamente racista porque busca e identifica a las mujeres y a los hombres originarios dentro de las organizaciones y los escarmienta.

    Anoche se ha amotinado la policía y esta mañana han terminado de amotinarse todos los regimientos con un pedido específico para su sector. Pero además se suman a este golpe cívico y exigen también la renuncia de Evo Morales; la policía ya no está resguardando las ciudades, la policía ya no está en las calles.

    Por su parte los militares han hecho una declaración esta mañana, han intentado desconocer a su comandante planteando que no van a salir. Están planeando un desacato al presidente Morales; no van a salir a resguardar, no van a salir a enfrentarse a la gente, no van a salir a desmovilizar, es decir, están con el golpe de los cívicos, de los empresarios, de los oligarcas. Esto no se está difundiendo porque internamente en Bolivia los medios son propiedad de los empresarios y de los grupos de poder, no está quedando clara la idea de que es un golpe de Estado y un golpe a las organizaciones sociales, no está quedando claro que es un golpe racista.

    Así mismo no se está difundiendo lo que está pasando en el país, están quemando las sedes de las organizaciones sociales campesinas, las sedes de las organizaciones sociales indígenas, están quemando los espacios que ha tenido el movimiento al socialismo, sus sedes, sus espacios. Es importante recordar que el movimiento al socialismo es un instrumento conformado por las organizaciones sociales.

    También están quemando casas de autoridades indígenas, de dirigentas y dirigentes sociales; se está persiguiendo a nuestras compañeras, a nuestros hermanos, se nos está persiguiendo en las calles, pues hemos tomado el espacio público para buscar la forma de resistir, pero se nos ha perseguido y se nos ha amedrentado. Estos grupos que se hacen llamar cívicos, están queriendo plantear que es una recuperación de la democracia, pero esto es falso, porque nosotros no vivíamos en una dictadura. Están queriendo plantear que su organización es resistencia civil, pero esto también es falso, porque son grupos que están armados. Compañeras, hermanas, son grupos que tienen lanzas, cascos, escudos, gases, explosivos y que además están utilizando la violencia sexual.

    Yo creo que utilizan esas armas para plantear un supuesto golpe civil, pero no olviden que detrás de esas armas están las de los policías y las de los militares, entonces, es todo un teatro que están llevando a cabo para decir que no es un golpe. Nosotras sabemos que sí es un golpe de Estado, que sí es con violencia, que sí está generando terror y que sí es escarmiento racista porque están yendo a todas las organizaciones sociales indígenas, originarias y campesinas. Han tomado la Confederación de Trabajadores Campesinos (CSUTCB), han amarrado a un compañero periodista director de esa radio que estaba transmitiendo y hasta el momento sigue secuestrado, sigue amarrado. Han saqueado, han destruido la CSUTCB, han bajado la Wiphala que estaba izada en esta sede y han izado la bandera tricolor, la bandera de Bolivia, se ha orado y se ha cantado el himno nacional.

    Eso mismo han hecho en todas las organizaciones que han tomado, han bajado, han roto y han quemado la Wiphala, han orado y han puesto su bandera. Ese es un escarmiento desde el racismo, desde el colonialismo, ese es un escarmiento para las organizaciones que hemos estado en este proceso de cambio. Esto es una persecución a las organizaciones y eso no está saliendo en los medios, lo único que se ha mostrado en los medios es que la violencia es generada por el MAS y por el gobierno.

    Actualmente el gobierno no tiene ya el apoyo ni de la policía ni de los militares, las organizaciones sociales nos estamos reorganizando para resistir y las organizaciones que más posibilidades tienen de hacer presión son las que están preparándose para hacer un cerco a las ciudades, esas son las organizaciones campesinas y originarias. La CSUTCB ya ha planteado que va a hacer un cerco, que va a cerrar la provisión de agua, esto seguramente será denunciado como violencia, pero no tenemos otra posibilidad. Lo que ese está pidiendo es que se vaya de la ciudad Luis Fernando Camacho que es quien está encabezando este golpe y toda la gente que ha llegado en el comité cívico de Santa Cruz y que se ha tomado la ciudad.

    Ésta es una situación que no esperábamos, no habíamos visto a tanta gente que de repente se tomara la ciudad, las instituciones, la televisión nacional, las radios comunitarias con tanta violencia y generando terror; o sea, hoy nos tienen escondidas, perseguidas y eso no está saliendo en los medios. Les pido que puedan compartir que lo que estamos viviendo en Bolivia es un golpe de Estado, con violencia, con persecución y escarmiento a las mujeres y a los hombres indígenas. Por ello, necesitamos la presión y la denuncia internacional de las organizaciones sociales.

    El Evo ha convocado a un diálogo, creemos como feministas comunitarias antipatriarcales que esto está fuera de tiempo, que la derecha no va a querer ningún dialogo, quiere sacar al Evo en las peores condiciones humillantes y darle a él en su cuerpo y a las organizaciones un escarmiento, para que el país siga existiendo sobre el colonialismo y sobre el racismo manejado por los oligarcas y por los empresarios.

    Les pedimos que puedan difundir esta información, es muy importante la denuncia y la presión internacional.

    Muchas gracias hermanas.

    Transcripción: Camila Murcia

    Foto principal: Tomada de Marcha Noticias. www.marcha.org.ar

  • Violência golpista avança na Bolívia e Evo Morales anuncia novas eleições

    Violência golpista avança na Bolívia e Evo Morales anuncia novas eleições

    Na manhã deste domingo (10), o presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, anunciou a realização de novas eleições no país. A decisão foi tomada após a casa de sua irmã ser incendiada durante a noite, em mais um ataque que compõe uma série de tentativas violentas e desesperadas da oposição, que visam deslegitimar o pleito eleitoral que se encerrou no mês passado e consolidar o golpe fascista que Evo e o povo boliviano vêm denunciando para o mundo.

    No sábado (9), a oposição golpista atacou a emissora Bolívia TV e a rádio Pátria Nova, cortando sinais. Além disso, José Aramayo, diretor da rádio Comunidade, ligada à Confederação de Trabalhadores Campesinos (CSUTCB), foi levado da sede e amarrado em uma árvore. Diante do recrudescimento da violência dos opositores, Evo propôs um amplo diálogo com a sociedade boliviana, mas a oposição não aceitou o convite.

    Em pronunciamento transmitido pela TV Unitel, na manhã deste domingo, Evo pediu à imprensa e à toda a população que se comprometam com a pacificação da Bolívia.