A foto que mostra um vagão do BRT (ônibus de transito rápido), na cidade do Rio de Janeiro, com uma super lotação viralizou na internet enquanto o Brasil assume a liderança de infectados pelo novo coronavírus e assume um dos primeiros lugares de número de mortes.
Quem tirou a foto foi Yan Marcelo Carpenter, após sair do trabalho na segunda por volta das 21:30, “assim que eu bati a cara no VRT, vi que estava impraticável. [Estava] o auge da doença. Estava ali, proliferando”. Ele conta que não manifesta nenhum sintoma até agora, mas se preocupou. A cidade esta em processo de flexibilização do isolamento, mas o movimento já é mais intenso do que nas ultimas semanas. O fotógrafo ainda conta o que impressionou “voltou a ser os dias comuns, só que com a maioria de máscara. É sinistro. E todos os veículos de transporte público são assim, em praticamente todas as linhas”.
O fotógrafo Yan Marcelo Carpenter / Arquivo Pessoal
O Yan, que atualmente trabalha em uma hamburgueria, é formado em história e começou a fotografar após sair de uma banda na qual tocava como baterista “no tempo em que a bateria estava ali encostada, eu já vinha fotografando com câmeras emprestadas. Depois consegui comprar a minha câmera. Já estou há seis anos na fotografia”.
A imagem que mostra uma cena comum dos transportes públicos brasileiros, os pequenos espaços de vagões de trens e cabines de ônibus lotados, ganha mais simbolismo enquanto explode no mundo protestos antiracistas que começaram por conta do assassinato de George Floyd, nos EUA, e passaram a adotar pautas internas em outros países, como aconteceu no Brasil. Os dois últimos finais de semana viram grandes atos nas principais cidades do país em solidariedade aos atos estadunidenses, mas também por conta de assassinatos causados por policiais, como a do menino João Pedro , ou de casos de racismo explícito, como o que resultou na morte do garoto Miguel. A foto (que já passou a ocupar lugar na história da fotografia brasileira) mostra que os trabalhadores aglomerados no vagão são, em sua maioria, negros. Não é preciso dizer mais nada.
Ao longo dos últimos três meses, quando o país passou a adotar as primeiras medida de isolamento social, o abismo econômico e racial brasileiro se mostrou novamente. Quem pôde parar de se locomover nas cidades foi a classe média, majoritariamente branca. Quem teve que se manter em movimento? A foto de Yan responde.
Prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, inerente à República Federativa do Brasil.
O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito, e tal constitui o princípio máximo do estado democrático de direito. Está elencado no rol de Principios Fundamentais da Constituição Brasileira de 1988.
Porém, em Ribeirão das Neves, ou qualquer outro município que tenha o sistema de transporte administrado pela iniciativa privada, pode-se afirmar que a capacidade de dialogar sobre este princípio ainda está distante.
O que se encontram são poucas linhas troncais, milhares de pessoas que dependem deste transporte e que a mediação do Estado para a garantia deste Direito Constitucional não existe na prática.
Sentados no chão, escorados nas janelas: crianças, grávidas, idosos, pessoas cansadas do dia trabalhado. A realidade do povo brasileiro nas grandes cidades, não apenas dos usuários do “transporte público” no entorno da capital mineira.
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Foto e texto: Leonardo Koury, especial para os Jornalistas Livres.
Foto: Reprodução facebook com intervenção artística
A cidade de São Paulo acabou de completar 466 anos, e os quase 400 mil cidadãos que se locomovem diariamente de bicicleta por aqui não têm razões para comemorar. A política do “Acelera” que o elegeu infelizmente tem sido catastrófica desde o início para ciclistas e pedestres, que são os mais frágeis do trânsito.
Em 2019, o número de ciclistas assassinados nas ruas de São Paulo cresceu em inaceitáveis 64% em relação a 2018. Esses números não são só estatísticas: representam vidas, como a da Márcia, do pequeno Vítor, da Keila, do Rafael e de tantos outros cidadãos inocentes.
Não nos culpabilize: assuma suas responsabilidades!
As explicações divulgadas pela imprensa para essas tragédias ofendem a nossa inteligência. Baseadas em análises rasas e em preconceitos classistas, acabam sempre culpando as vítimas. As acusações infundadas tem punido especialmente os ciclistas de baixa renda que usam os aplicativos de entrega para sobreviver em um cenário econômico adverso.
Basta um olhar um pouco mais atento aos dados para entender que o aumento das fatalidades se concentrou nos ciclistas de meia-idade, não nos jovens. Também não podemos justificar assassinatos pelo suposto comportamento errático dos ciclistas no trânsito – tal acusação é preconceituosa e não comprova tamanha variação dos números de um ano para o outro.
O fato é que estamos sendo assassinados. Mortes no trânsito não são acidentes, pois são evitáveis. Conclusões apressadas sobre os números não podem eximir a Prefeitura de São Paulo de sua responsabilidade para com a vida de seus munícipes. Nos últimos anos, o número total de fatalidades no trânsito até chegou a diminuir, mas ainda é pífia em relação às metas acordadas publicamente na Década de Ação pela Segurança no Trânsito, e que provavelmente não serão atingidas ao fim desta gestão.
Vale ressaltar que tal diminuição ocorreu somente entre os motoristas de carros e motos. Enquanto a fumaça dos veículos poluentes é priorizada, com as Marginais permitindo veículos trafegarem a mais de 90km/h, a fiscalização de infratores é afrouxada e ciclistas e pedestres seguem sendo punidos diariamente nas ruas.
4 anos e nenhuma ação
Muito tempo foi perdido. Chegamos ao 4o e último ano da gestão do PSDB na cidade, e ainda não avançamos um único centímetro nas implantação de novos espaços seguros para a mobilidade ativa.
A política de expansão de ciclovias, interrompida por vocês pelo mais puro antagonismo partidário, se transformou em longos anos de reuniões, audiências, planejamentos, planos, anúncios, mudanças e promessas vazias à comunidade. Mas até agora, não vimos rigorosamente nenhuma execução das conexões cicloviárias – promessa que consta no Plano de Governo apresentado à população nas eleições de 2016.
Planejamentos cicloviários têm sido feito constantemente pela CET desde os anos 80. Mas planejamento que não é executado não nos interessa. Queremos ciclovias nas ruas, não nos releases de imprensa.
Plano Cicloviário, sai ou não sai?
O novo Plano Cicloviário, anunciado para a imprensa no final de 2019, fez a promessa de construção de 173 km de novas ciclovias. Essas obras serão muito bem vindas caso elas sejam de fato concretizadas – o tempo é curto e o plano não conseguirá ser cumprido sem coragem política do Prefeito e competência de seu secretariado.
Não podemos deixar de pontuar que o plano poderia ser muito melhor caso ele tivesse de fato contemplado integralmente o trabalho das instâncias participativas como a Câmara Temática da Bicicleta e os vários workshops e audiências públicas feitas entre 2018 e 2019 sobre o assunto. Mas não: o plano mais uma vez exclui a periferia da cidade (onde a maioria dos ciclistas são assassinados, em regiões sem ciclovias). O anúncio propõe ainda remoções disfarçadas retoricamente de “remanejamentos” que não foram discutidos com a comunidade, mas acertados em lamentáveis conchavos políticos via Whatsapp com o baixo clero da Câmara de Vereadores.
Estamos quase em fevereiro e até agora a Prefeitura não iniciou nem aquilo que se propôs em 2018. Ouvimos muitas entrevistas, frases de efeito, mas não vimos nenhum avanço real nas ruas. Enquanto isso, o sangue dos ciclistas segue sendo derramado no asfalto.
O negligência com o fim das Ciclofaixas de Lazer
Nem mesmo as pedaladas de domingo, uma deliciosa tradição da cidade há mais de 10 anos, saíram impunes da gestão do “Acelera”. O final do contrato de patrocínio das Ciclofaixas de Lazer, anunciado pela empresa com enorme antecedência, foi seguido com preguiça e inoperância da Prefeitura em comandar a continuidade do projeto, que é respaldado por lei.
O resultado disso é a privação a milhares de cidadãos de uma importante estrutura de lazer, saúde e que também foi decisiva para muitos paulistanos elegerem a bicicleta como meio de transporte. A saúde da cidade perde muito com tamanha negligência.
Requalificações de ciclofaixas: menos vermelho e muita desinformação
Após 37 longos meses de gestão a única ação real para os ciclistas são as recentes e atabalhoadas obras de “requalificação” das ciclofaixas. Apesar das bem vindas intervenções de recapeamento, elas têm sido feitas com sinalização de obra deficiente, via de regra colocando o ciclista em risco e deixando os ciclistas em dúvida se as estruturas voltarão a existir ou não. Com a prioridade de retirar parte a sinalização vermelha das ciclovias, ficou a clara impressão de que o objetivo da intervenção é mais semiótico e partidário do que econômico ou técnico. Enquanto isso, ciclofaixas implantadas em regiões mais afastadas, como a Ermelino Matarazzo, seguem esquecidas.
Sr. Prefeito, você ainda tem tempo pra entender que a pauta da bicicleta não é apenas um detalhe. Estamos falando de saúde pública, de sustentabilidade, de humanização do uso do espaço público, de qualidade de vida para todos os cidadãos. Não é à toa que as grandes cidades do mundo desenvolvido seguem investindo pesadamente no incentivo ao uso da bicicleta contra a poluição nas cidades, no combate à crise climática, contra a crise da mobilidade urbana.
Os dados da própria CET mostram que os locais onde as ciclovias foram implantadas apresentaram notável diminuição de incidentes com vítimas, independentemente do modo de transporte. Ou seja, ciclovias aumentam a segurança de todos ao redor delas. Mas nada acontecerá sem a compreensão da importância do que pedimos.
Você sabe que a nossa reivindicação é justa, inclusiva e benéfica à sociedade. Acima de qualquer discussão partidária, temos que concordar que a defesa da vida humana é um compromisso ético primordial para qualquer gestor. Desejamos que neste último ano de gestão você tenha saúde e coragem política para fazer o certo e encerrar o seu tempo na Prefeitura revertendo a tragédia humana que a política do “Acelera” causou aos cidadãos de São Paulo nos últimos 3 anos.
Na próxima quarta-feira, 2 de outubro, a Assembleia Legislativa do Paraná faz audiência pública, proposta pelo deputado Romanelli (PSB), para divulgação e coleta de assinaturas ao projeto de lei, de iniciativa popular, que assegura o acesso gratuito ao transporte coletivo urbano e metropolitano em todo o país. “É um projeto do Instituto Brasil Transportes que prevê a tarifa zero no transporte coletivo. A proposta incentiva o uso do ônibus como um modal importante para melhorar o tráfego urbano nas maioria das cidades do país. Isso já acontece em grandes centros urbanos, no Brasil são 13 cidades, e fora do país”, disse Romanelli.
“O IBT tem expertise quando o assunto é defesa de um transporte público barato e acessível á todos. Já coletou mais de sete mil assinaturas e precisamos de 1,5 milhão de assinaturas em todo país. É necessária esta ampla divulgação pelas assembleias, câmaras de vereadores, movimentos sociais e toda a sociedade para alcançar o número de assinaturas suficientes para apresentá-lo para discussão e votação no Congresso Nacional”, completa Romanelli.
O artigo 61 da Constituição prevê a apresentação de projetos de lei pela iniciativa popular com a adesão mínima de 1% dos eleitores em nível nacional, mediante assinaturas, distribuídos por pelo menos cinco estados e no mínimo 0,3% dos eleitores em cada uma das unidades. O número de eleitores do Brasil em agosto de 2018 é de 147,3 milhões, o número mínimo de assinaturas para um projeto de iniciativa popular é, portanto, 1,47 milhão.
*Aplicativo* – As assinaturas podem ser feitas eletronicamente pelo aplicativo mudamos.org. O aplicativo pode ser baixado no celular. É necessário o título de eleitor. O IBT também lançou uma cartilha, já está na sua terceira edição, onde traz detalhes do projeto e as condições para implementá-lo em todo o país.
“A população se vê cerceada de seu direito ao transporte com qualidade e quantidade e por consequência os direitos à educação, à saúde, à cultura, ao lazer e a outros, encontram-se restringidos, por estarem mediados por uma tarifa”, aponta o texto. “A digna cidadania integral e a concretização do princípio da igualdade passam, assim, pela implantação da ‘Tarifa Zero’”, completa a cartilha.
Nesta quarta-feira, 25, o presidente da Uvepar (União dos Vereadores do Paraná), Julio Makuch, visitou Romanelli e declarou o apoio ao projeto. “Vamos mobilizar as 399 câmaras de vereadores do Paraná e também pedir apoio da União de Vereadores do Brasil, são 5.570 municípios brasileiros, para este importante projeto. Se há condições de implementá-lo, se há recursos disponíveis, temos que assegurar o acesso ao transporte público à maioria da população”.
*Fundo* – Pela proposta do IBT, a tarifa zero pode ser custeada pelo Fundo Nacional de Transporte Urbano (FNTU) a ser criado e formado com recursos de rubricas legais já existentes, a exemplo da Cide (contribuição de intervenção no domínio econômico incidentes sobre o comércio de combustíveis). Ao todo, a proposta cita ao menos 17 leis, decretos, medidas e atos que podem financiar o fundo.
Os recursos do Fundo serão utilizados para custear integralmente os sistemas de transporte coletivo de cada município. “Os custos e particularidades de cada cidade serão respeitados, dentro de um padrão com qualidade e satisfação, que atenda a necessidade dos usuários”, traz o texto.
No país, o IBT aponta que 37 milhões de brasileiros deixam de utilizar o transporte coletivo devido aos altos valores das tarifas. A falta do transporte público, segundo o instituto, se torna um dos grandes problemas sociais no Brasil. “A população não tem direito ao transporte de qualidade e por consequência os direitos à educação, à saúde, à cultura, ao lazer e a outros, encontram-se restringidos, por estarem mediados por uma tarifa”, aponta o texto.
Tem coisas que só a gente entende. Tem habilidades que somente nós desenvolvemos. A gente meio que pressente como será o dia logo em sua primeira ou segunda hora. Não que isso seja exclusivo nosso, é que se faz mais presente na nossa gente. Não sei pra você, mas o CEP da minha rua parece falar mais alto que o meu CPF. E isso dói.
Dói saber que preciso ser amigo da sorte, já que dependo diariamente dela. Como um retrato cada vez mais frequente da juventude periférica, que precisa dividir seu tempo entre os estudos e o trabalho, minha rotina é sempre uma incógnita, não importa o quanto me organize. E, pior de tudo, é perceber que essas incertezas já começam na porta de casa. E para que você possa entender minha angústia, te convido a pagar R$8,60 (passagem ida e volta) e me acompanhar durante o dia de hoje.
São 6h da manhã. Nesse horário, o ponto de ônibus se torna um ponto de interrogação. Será que o ônibus ainda demora? Será que conseguiremos entrar? Ou melhor, será que o ônibus ao menos irá parar? Me perdoe a indelicadeza, é que, minha nossa, já fazem 20 minutos que estou aqui e nada! Dois ônibus extremamente lotados vieram e o motorista passou direto. Poderia ao menos ter feito como o motorista de ontem e ter nos deixado entrar pela porta dos fundos. Ao chegar no terminal, pagaríamos a passagem.(
Então eu olho para o lado, vejo as horas, percebo um burburinho e já conto umas dez pessoas no ponto. Uma delas é a Dona Sônia, que tenta convencer um grupo de passageiros a rachar um Uber até o centro. Eu agradeço, já que recebo vale transporte, não compensa gastar com o aplicativo. Mas eu a entendo, as horas avançam rapidamente e, na incerteza de conseguir entrar no próximo ônibus, ela tem medo de se atrasar para o trabalho.
É que antes de sair de casa, Dona Sônia disse que viu na TV os dados da última pesquisa do IBGE, aumentando 1 milhão e 200 mil o número de desempregados em relação ao primeiro trimestre do ano passado. E aí, já sabe, é preciso andar na linha e não dar motivos para o chefe reclamar. Acontece que o problema está justamente aí. Na linha que ela precisa andar, Canaã-Centro, que é só mais uma dentre as cerca de 130 em operação em Uberlândia, ela mal consegue entrar. Mas isso não importa, seu gerente já está de saco cheio dessa “desculpa”. Por que não acordou mais cedo?
Ela acordou. Nós acordamos. Aliás, já estamos acostumados com esse “mais” cedo. É que, quando se vem da periferia, fazer “mais” é condição mínima de sobrevivência. É preciso se esforçar duas, três vezes mais para ficar ao menos na média. É necessário dedicar algumas horas a mais antes de dormir para fazer aquela atividade da escola ou da faculdade, já que precisou conciliar seus esforços diários com o trabalho. E, sim, passamos mais de hora do nosso precioso tempo à mercê de um transporte público ineficiente.
Ah, me dê só um minuto. Lá vem mais um ônibus e dessa vez parece que ele vai parar. Ufa, entramos. O motorista não parece muito contente. É que hoje, pra não perder o costume, estão operando com um carro a menos. E aí o tumulto fica ainda maior. “Pessoal, dê um passinho pra trás. Sei que está apertado, mas com jeitinho todo mundo entra”, disse, atordoado. É, ele não parecia estar muito bem. Com a recente retirada dos cerca de 900 cobradores, cujo melhor termo seria auxiliares de bordo, o acúmulo de função os têm sobrecarregado. Os motoristas agora são responsáveis por cobrar as passagens, operar a plataforma de acesso dos cadeirantes e controlar o fluxo de passageiros. Tudo isso enquanto dirige, o que não parece ser algo muito prudente.
Me ajeitei de um modo bem específico. Em pé, mochila pra frente, um dos braços entrelaçado em uma barra de ferro e, o outro, com o celular em punho. Já que a viagem será longa, aproveito esse momento para finalizar um trabalho que preciso entregar na próxima aula. É, eu sei. Não é o ideal, mas é o possível. Cheguei exausto ontem em casa e, infelizmente, não deu para fazer tudo.
Cerca de 40 minutos se passaram e chegamos no Terminal Central. Pela janela, percebo que o meu próximo ônibus já chegou. Poderia correr, mas não vai adiantar. A plataforma dele está lotada, devo conseguir entrar apenas no próximo. Espero que não demore.
Minutos depois, ele chega. Aqui é preciso redobrar a atenção. Coloco minha carteira no bolso da frente e certifico que meu celular ainda está comigo. Um passo de cada vez, estilo formiguinha, vamos nos aproximando da porta do ônibus. Algumas pessoas mal esperam as outras descerem e já começam com o empurra-empurra.
O ônibus sai do terminal e, antes de chegar na primeira estação, um garoto, 14 anos, rosto abatido, anuncia… “Bom dia, pessoal. Desculpa estar atrapalhando o silêncio da viagem de vocês (…)”. Ele vende gominhas. Junto da mãe e uma irmã mais nova, mora de favor e passa por dificuldades. Pergunto se está frequentando a escola, mas ele desconversa. Percebo que não está afim de muito papo. Junto algumas moedinhas e dou a ele em troca de algumas balas.
Na próxima estação ele desce e, logo na sequência, sobe o Seu Geraldo. Um homem de meia idade, cheio de mochilas e sacolas que vende de tudo. Descascador de alho, canivetes, garrafinhas d’água. Qualquer coisa que facilite a rotina dos trabalhadores que andam de ônibus. É, ele parece ter entendido bem o espírito empreendedor.
Empreendedorismo, palavra que está em alta, assim como a informalidade. Pessoas como o Seu Geraldo passaram a compor uma preocupante estatística. Ao final do ano passado, o IBGE registrou cerca de 37 milhões de trabalhadores informais. Eles representam cerca de 40% da população ocupada, ou seja, dois em cada cinco trabalhadores.
A realidade dele é ainda mais próxima da de centenas de outros uberlandenses. Ele trabalhava em um grande atacadista da cidade que encerrou parte de suas atividades no estado. O grupo, que faz parte da história de desenvolvimento da cidade, encontrou em Goiás uma política de incentivo fiscal mais atraente. Com isso, demitiu em massa centenas de trabalhadores e trabalhadoras, dentre eles, o Seu Geraldo.
Minha estação é a próxima. Peço licença ao moço, desço e caminho em direção à UFU. Poxa, mil perdões. Não me apresentei bem. Prazer, sou aluno de jornalismo. É que diante dessa emocionante peregrinação, algumas informações se perdem no caminho. E, sim, estou indo para a aula agora. Se você pode vir comigo? Mas é claro. A UFU tem uma política de alunos ouvintes, o que é bem legal para conhecer mais sobre os cursos. Não se acanhe, a professora é uma graça, você vai adorar. E, se eu fosse você, aproveitava agora, já que com o recente anúncio do Ministro da Educação em cortar 30% do orçamento do ensino superior público, pode ser que as coisas se compliquem em breve.
Aqui é a nossa agência de notícias. Em regra, nossas produções textuais jornalísticas passam por aqui. Puxe uma cadeira, vamos fazer uma pesquisa sobre nossa temática de hoje, o transporte público. Garanto que acharemos algo interessante produzido pelos próprios membros da UFU. (Carregando…) (…)
Ih, olha só! Não te falei? Clica nessa monografia de julho de 2018, do Ruan Dotta, egresso da Engenharia Civil. Caraca, ele fez uma pesquisa sobre a qualidade do transporte coletivo de Uberlândia com base na opinião dos usuários. Huumn, vejamos essa tabela com os resultados obtidos.
Então, como percebemos, os dados da pesquisa refletem muito realidade que vivenciamos hoje. E é assim que a universidade deve ser, geradora de conhecimento que vá ao encontro da população, principalmente daquela camada mais vulnerável socioeconomicamente. Digo isso porque é essa classe social que financia nossos estudos e que muito dificilmente se beneficia da estrutura da UFU enquanto alunos.
Ainda em relação à pesquisa do Dotta, algo que me anima é a possibilidade do seu trabalho servir para embasar ou reforçar as decisões do poder público em investir em políticas públicas eficientes de transporte público. A construção de novos corredores, como o da Segismundo e o próprio do Terminal Novo Mundo, já foi um ótimo passo. Espero que quando o Terminal Jardins, o Universitário e o Dona Zulmira também saírem do papel, nossa realidade possa ser outra. Esse último já está em construção.
Bem, a aula já vai acabando e eu preciso correr para o meu trabalho. E você, não se preocupe, pode passar a tarde aproveitando as atividades que rolam por todo o campus. Tem workshop, palestras, apresentações artísticas, o que preferir. Ah, tem um pôr do sol encantador. Nos encontrarmos no final da tarde, combinado?
E aí, curtiu? Tenho certeza que sim. Agora é preciso nos apressar. O horário de pico já vai começar. Ah, já pega o dinheiro. De preferência, que esteja trocado. Isso ajuda demais para não travar a fila de embarque. Nosso ônibus é aquele, o mesmo da vinda. Esse parece que não está tão cheio, que estranho.
Na estação seguinte, entra um artista de rua. Ele toca um instrumento diferente, mas muito cativante. Ao final da apresentação, puxo um papo. Ele me diz seu nome, mas não compreendo bulhufas. Ele é venezuelano e viaja pela América Latina há anos. Pergunto sobre a crise em seu país, e ele prontamente responde. “A Venezuela é muito maior do que o que se passa na TV. Quando saí de lá, era um país muito rico e próspero. Éramos unidos, mas hoje… Por isso, se eu puder lhe deixar um recado é para que valorize seus irmãos, aqueles artistas (apontou para um malabarista no semáforo) que lançam sua luz para alegrar a vida de vocês. Saiba reconhecer a importância desses detalhes’’, afirmou.
Chegamos no Terminal Central. Vale a pena repetir que todo cuidado é pouco. Olha lá, nosso ônibus já vem vindo. Se formos rápido, talvez dê até pra gente sent… é, não deu. Mas você fez bem em ceder o lugar pra essa senhora. Acredita que tem gente que finge que tá dormindo só para não levantar? É, tem gente pra tudo. E o fato de existir uma lei que nos obrigue a ceder o assento, o que deveria ser feito meramente por educação e alteridade, é um forte indicador de que ainda temos muito a evoluir enquanto sociedade.
Costumo dizer que meus lugares favoritos de reflexão são embaixo do chuveiro, na intimidade do nosso ser e, também, dentro de um busão, na pluralidade de cada indivíduo. Aqui no coletivo parece não haver distinção, porque mesmo diante da peculiaridade de cada história, sempre haverá um ponto de convergência. Estamos todos de passagem por aqui.
E, por falar em passagem, olha só aquela passageira ali. Ah, quanta representatividade! Uma mulher, negra e, muito provavelmente, moradora da periferia. Em sua mão, um livro. Entre trancos e barrancos, ela intercala o olhar entre as páginas e a realidade janela à fora. A identificação é instantânea. Frequentemente divido também o papel de protagonista dessa cena. E, cada vez mais, percebo que não estou sozinho.
Apesar de ser privilegiado por ser um homem branco e não sentir na pele as inúmeras adversidades que ela deve passar, encontrei algo em comum. Compartilhamos algumas lutas e, sobretudo, o desejo pela ferramenta que nos capacita para lutar: a educação.
E, muito embora o ponto final desta linha em que estamos ser a extrema margem do sistema, nossa gente caminha diariamente em direção contrária. Exemplos como o dessa moça, e de todos os demais passageiros que vimos ao longo do dia, são a prova de que, sim, pra gente pode até ser duas, três, quatro vezes mais difícil, mas não quer dizer que seja impossível.
Estamos dando nossos próprios passos, construindo nossas próprias linhas. Nossa próxima parada? Bem, aos centros de discussões, aos centros de poder, aos centros de representatividade! Esse é o ponto.
Gustavo Medrado é estudante de jornalismo na Universidade Federal de Uberlândia. Recentemente, ele foi premiado com a possibilidade de fazer a cobertura da Brazil Conference, na Universidade de Harvard, em Cambridge, Estados Unidos.
Por Emilio Rodrigues, Kátia Passos e Lucas Martins
Em liminar provisória a juíza Carolina Martins Clemencio Duprat Cardoso, 11ª Vara de Fazenda Pública, decidiu acatar a ação da Defensoria Pública contra a prefeitura de São Paulo e suspender o aumento de R$ 0,30 da tarifa básica de ônibus e R$ 0,52 da integração. A Prefeitura anunciou o aumento no começo deste ano: as tarifa passaram de R$4,00 para R$4,30.
De acordo com a decisão o aumento deve ser revisto pelas seguintes justificativas
“1) em razão da falta de parâmetro legal ou contratual para o reajuste; 2) porque aplicado índice muito superior à inflação; 3) ante a ausência de abertura de processo licitatório do serviço de transporte público, constatando-se que as empresas que operam o serviço foram contratadas emergencialmente, por prazo determinado, e assim incabível o reajuste ante a excepcionalidade da situação e sua natureza jurídica.”
O reajuste, já estava valendo desde janeiro e mesmo assim, deu força ao Movimento Passe Livre contesta-lo em manifestações de rua em SP.
A juíza ainda determina que “que todo novo processo de revisão tarifária de transporte realizado após a propositura da presente ação tenha participação popular e ampla divulgação prévia” e “seja implementado somente após a conclusão do processo de licitação para a concessão do serviço de transporte público coletivo”.
A decisão dá para a Prefeitura 30 dias para contestar a decisão. A Prefeitura afirma ainda não ter sido notificada sobre a liminar e que não se pronunciará até que seja.
MPL
Gabriela Dantas, militante do movimento, afirma que, não visão do movimento, a Defensoria “fez o seu papel, defender a população contra os abusos do próprio Estado. Esse aumento, claramente, era um abuso muito grande, sendo mais do que o dobro da inflação. A prefeitura em nenhum momento justificou isso de nenhuma forma. Do nosso ponto de vista nenhum aumento é justificável, mas esse foi um abuso muito além da conta, que inclusive deu margem para judicializar a questão”.
O movimento, que tem em sua história o apelo das Jornadas de Junho de 2013, só viu crescer a repressão em torno de quaisquer de suas ações. Desde 2013, quando chegou a ser conhecido mundialmente, o movimento se mobiliza de forma semelhante. Seja com grandes atos na região central da cidade ou atos menores em pontos mais periféricos que focam em pontos de apoio para a rede do transporte da região metropolitana.
E independente da forma que escolha para pressionar a luta contra as tarifas, a Secretaria de Segurança Pública tem colocado nos atos um efetivo cada vez maior de policiais militares, civis, metropolitanos e de outras instâncias de operações especiais. A desproporcionalidade em relação ao número de manifestantes é sempre um ponto de atenção.
Foi a própria violência policial que fez explodir 2013. Naquele fatídico 13 de junho, a repressão brutal da Polícia Militar do Estado de São Paulo foi o fogo de palha que acendeu as jornadas.
Neste início de 2019, a sequência de cinco atos que buscaram contestar o reajuste, extrapolaram essa pauta e questionaram o funcionamento da rede pública de transporte e sua comercialização. Após o quinto ato o movimento decidiu encerrar a “temporada”, mas afirma que “seguimos fortalecidos para travar as lutas contra os cortes de linha previstos na licitação dos ônibus municipais, construindo a luta por um transporte público de verdade também nos bairros!”.
Outro ponto marcante das mobilizações foi o decreto do Governador João Doria que foi entendido pelo movimento como uma “limitação ao direito de manifestação”. Ao regularizar uma lei proposta na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o texto aprovado exigiu um aviso prévio de cinco dias para manifestações, proíbe máscaras, bandeiras e hastes.
ACIMA DA INFLAÇÃO
O reajuste criticado pelo movimento e suspenso pela justiça tem um valor “muito superior à inflação”, sendo esse ponto levantado por ambos os atores.
Em um levantamento realizado pelo Jornalistas Livres é possível identificar a série histórica dos aumentos.
Levantamento dos aumentos, fonte: SPTrans.
De 2019 frente a 2018, significa 15 centavos a mais por viagem. Um passageiro que faça 40 viagens por mês (20 para ir ao trabalho e mais 20 para voltar para casa). Este custo anual chega a R$ 72 reais por pessoa. Corrigindo os valores pelo IPCA de 2003 até aqui a tarifa cresceu em valores corrigidos pela inflação 38 centavos e, por ano, chega a quantia de 181 reais a mais por ano.
A conclusão do Movimento Passe Livre é que os trabalhadores estão transferindo sua renda e seu suor para fazer a felicidade dos empresários. A revogação, mesmo que temporária, indica que o MPL é um ator muito mais contundente do que a violência policial aplicada nas ruas, pelo Governo de Doria, quando o assunto é fomentar um debate qualitativo sobre um transporte público e de qualidade. Afinal de contas, se a ação do grupo na organização dessas mobilizações não tivesse importância, atores do mundo institucional e do Judiciário não dariam a menor importância para isso. Aí está a prova.