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Categoria: Trabalho

  • Entregador do Ifood tem vínculo reconhecido em Minas

    Entregador do Ifood tem vínculo reconhecido em Minas

     

    A Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) decidiu reformar decisão do primeiro grau para reconhecer a relação de emprego entre um motoboy entregador e a empresa iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A., conforme voto da desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, relatora do processo. Apesar do esforço da iFood em mascarar os traços característicos da relação subordinada de trabalho, o que se convencionou chamar de “uberização das relações de emprego”, foram provados os pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT. Com a decisão, a Justiça do Trabalho de Minas abre a possibilidade para que o mesmo parecer seja estendido a outros estados. 

    Segundo a magistrada, as disposições contidas no manual do entregador da iFood, que previam a “inexistência de vínculo empregatício“, não determinam a regularidade da relação jurídica estabelecida entre as partes, em face do princípio da verdade real e da primazia da realidade sobre a forma. A relatora destacou, ainda, a existência de fraude, conforme o artigo 9º da CLT, e reconheceu o vínculo de emprego no caso. O processo foi encaminhado ao juízo de origem para apreciação do pedido de rescisão indireta.

    O trabalhador alegou que foi admitido pela empresa de aplicativo para exercer a função de motoboy entregador, em 5/1/2019, porém não teve a CTPS anotada. Ele afirmou que se cadastrou na plataforma iFood para realizar entregas e que, nesse caso, ele escolhia o horário em que trabalhava. No entanto, foi contatado por uma empresa de entrega expressa, que lhe ofereceu o trabalho por meio da plataforma, mas com horário fixo e melhor remuneração.

    A empresa iFood negou que tenha havido o cadastro do trabalhador na plataforma, afirmando que o reclamante foi contratado por uma empresa de entrega expressa e que, caso se entenda presentes os pressupostos fáticos essenciais, a relação de emprego seria com a referida empresa. Alegou que atua no fornecimento de plataforma digital e que são as “operadoras de logística” que desenvolvem a atividade de entregas e que captam tal demanda através da plataforma virtual.

    No entanto, a iFood  não apresentou documentação relativa ao referido contrato com a operadora de logística, deixando, portanto, de provar a alegação. Testemunha ouvida por indicação do motoboy entregador afirmou que o via com bolsa da iFood, corroborando que o trabalho por ele prestado se dava em benefício da plataforma.  Após analisar contratos e o manual do entregador da iFood, a relatora constatou que a empresa mantém rígido controle dos entregadores, o que tornou perfeitamente possível a prova acerca das condições em que o serviço do entregador se desenvolveu por meio da plataforma.

    Portanto, foi constatado que o motoboy fez a inserção de forma direta na plataforma digital oferecida pela Ifood e que a empresa de entrega expressa somente atuou, posteriormente, na organização da mão de obra já contratada, mantida a prestação de serviços do motoboy em benefício direto da contratante. Segundo a relatora, a plataforma negou o cadastramento direto do entregador, mas não houve negativa da prestação de serviços, uma vez que o trabalho ocorreu por meio de empresa interposta. Desse modo, não precisa de prova em contrário, ônus processual da reclamada, e, uma vez que ela admitiu a prestação laboral, a relatora concluiu que a iFood foi a responsável pela escolha do condutor, uma vez que o cadastramento foi realizado de maneira direta no aplicativo. Portanto, os serviços prestados pelo reclamante se deram em benefício da reclamada, situação que não se altera pelo fato de o trabalhador ter reconhecido que, em determinado momento, passou a integrar equipe organizada pela empresa de entrega expressa.

    Vínculo reconhecido

    A relatora destacou que a iFood tem por objeto social, entre outros, “a agência de restaurantes, bares, padarias e quaisquer outros estabelecimentos comerciais, por meio de plataformas digitais que poderão ser acessadas por sites na internet ou aplicativos para celulares desenvolvidos pela Companhia”, e “a promoção de vendas e o planejamento de campanhas”.  No entanto, constatou que a atividade principal da empresa é o agenciamento e intermediação entre estabelecimentos parceiros e clientes finais, sendo imprescindível o trabalho dos entregadores que executam, em última análise, o objeto social da iFood. Havia também o controle do trabalho prestado pelo entregador, que, inclusive, poderia sofrer punições no caso de reclamações dos clientes (restaurantes e consumidores finais).

    No “Passo a passo para cadastro no app do Entregador“, no site da iFood, destacou a magistrada, ficou evidente que os cadastros são realizados diretamente pelos entregadores e que a remuneração também é realizada pela iFood, em conta bancária oferecida pelo prestador de serviços no momento do cadastramento. Portanto, constatou a juíza, a empresa mantém vínculo personalíssimo com cada motociclista, por meio de sua plataforma. No processo de cadastramento do motociclista, e a cada pedido realizado, a iFood pode identificar o profissional, evidenciando a pessoalidade na prestação dos serviços. Para a relatora, o cadastramento dos motociclistas revela uma individualização do trabalho, não tendo a iFood provado que outro motoboy poderia substituir o autor na prestação de serviço, quando estivesse on-line, utilizando a plataforma com aceso permitido por meio de seu contrato individual com a empresa. Conforme o manual: “A utilização do perfil do entregador por terceiros poderá implicar desativação imediata e definitiva da sua conta”.

    Subordinação

    Com relação à subordinação, a julgadora chamou a atenção para a declaração do trabalhador, não confrontada por qualquer outra prova, no sentido de que ele poderia sofrer punição no caso de ficar fora de área e não realizar o login. Consta do manual do entregador, na cláusula oitava, a previsão de que “a iFood poderá reter pagamento ou descontar de remunerações futuras devidas ao entregador, montantes destinados ao ressarcimento de danos à empresa, aos clientes finais ou aos estabelecimentos parceiros. Portanto, após analisar o manual e a política de privacidade da iFood, a desembargadora confirmou nos referidos documentos a existência de fiscalização e controle dos serviços prestados, revelando a subordinação direta do reclamante.

    Também ficou constatada ingerência na forma de prestação de serviço, ao contrário do que alegou a iFood, de acordo com destaque da julgadora. “Como é de conhecimento público e notório, há um padrão de qualidade traçado pelas empresas de plataforma de entrega de mercadorias, sendo a fiscalização realizada por meio das avaliações dos clientes. Trata-se, pois, de uma inegável expressão do poder diretivo daquele que organiza, controla e regulamenta a prestação dos serviços. Inegável, portanto, a presença da subordinação, seja estrutural ou clássica – diante de magnitude do controle exercido de maneira absoluta e unilateral e da inegável e inconteste ingerência no modo da prestação de serviços, com inserção do trabalhador na dinâmica da organização, prestando serviço indispensável aos fins da atividade empresarial”.

    O trabalhador era submetido aos controles contínuos e sujeito à aplicação de sanções disciplinares no caso de infrações às regras estipuladas pela empresa, concluiu a relatora. Ela lembrou que o controle quanto ao cumprimento dessas regras e dos padrões de atendimento durante a prestação de serviços ocorria por meio das avaliações e reclamações feitas pelos consumidores do serviço.

    No voto, a relatora destacou decisão do magistrado Márcio Toledo Gonçalves, em caso semelhante envolvendo a empresa Uber (Processo no 0011359-34.2016.5.03.0112 – Data da sentença: 13/02/2017), na qual ele definiu essa situação como “um controle difuso, realizado pela multidão de usuários, e que se traduz em algoritmos que definem se o motorista deve ou não ser punido, deve ou não ser ‘descartado’”.

    Na visão da magistrada, a onerosidade ocorria na medida em que a própria empresa, por meio de seu software, determinava o preço da entrega contratada, sobre a qual cobrava uma taxa de serviços, conforme o manual. Era a iFood quem conduzia, de forma exclusiva, a política de pagamento do serviço prestado, no que se refere ao preço cobrado, às modalidades de pagamento e à oferta de promoções e descontos para usuários e de incentivos aos motociclistas, em condições previamente estipuladas.

    Transferência ilícita

    Verificou-se e foi assinalado ainda que a iFood transferia parte do controle sobre os serviços prestados pelos entregadores para os chamados operadores logísticos, sem, contudo, delegá-lo de forma integral e completa, o que se extrai do próprio manual do entregador e da política de privacidade, que, ressalvadas cláusulas especiais tais como condições de pagamento, aplicam-se aos entregadores diretamente cadastrados no aplicativo, bem como aos vinculados por meio de operadores logísticos. Portanto, a desembargadora concluiu que “houve mera transferência parcial do controle exercido pela iFood sobre o trabalho do autor”.  Para ela, o fato de ter sido o motoboy quem, efetivamente, assumia o risco da forma de trabalho, sem autonomia, evidenciava “mera transferência ilícita dos riscos do negócio, em evidente ofensa ao princípio da alteridade”. 

    Diante do princípio da verdade real e da primazia da realidade sobre a forma, a juíza destacou que, embora haja disposições da cláusula décima quarta do manual do entregador, intitulada “inexistência de vínculo empregatício”, elas não provam a regularidade da relação jurídica estabelecida entre as partes. De acordo com a conclusão da magistrada, evidenciada a fraude, aplica-se o disposto no artigo 9º da CLT, devendo prevalecer o contrato que, efetivamente, regeu a relação jurídica entre as partes, ou seja, o contrato de emprego. 

    O processo foi encaminhado ao juízo de origem para apreciação do pedido de rescisão indireta e, em consequência, a fixação de suposta data do término da relação de emprego.

    veja mais: EXCLUSIVO: Um mês dentro do grupo dos Entregadores Antifascistas: política, solidariedade e empoderamento

    (JL com Assessoria de Comunicação do TRT-MG)

  • Negociação coletiva: trabalhadores devem ser consultados em tempos de pandemia

    Negociação coletiva: trabalhadores devem ser consultados em tempos de pandemia

    Do site do ministério público do trabalho

    O Ministério Público do Trabalho conseguiu importante decisão judicial para proteger os direitos dos trabalhadores e garantir que os acordos entre patrões e empregados  tem de passar por assembléia dos trabalhadores e negociação coletiva.

    A MP 936 prevê redução de 9,5 a 27% da massa salarial. Já  um trabalhador que ganha R$ 3 mil reais e tiver 70% da redução de jornada de trabalho e do salário perderá aproximadamente R$ 900 ou 30% da sua renda.

    “O Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo obteve em 18/4 liminar na justiça do Trabalho contra diversos sindicatos profissionais e patronais, após processar as entidades no último 16 de abril. A liminar, da 38ª Vara do Trabalho de São Paulo, determina que os sindicatos se abstenham de negociar novos termos aditivos sem prévia convocação de assembleia geral específica e negociação coletiva respectiva.

    O motivo da ação civil pública foi a adição de termos aditivos à convenção coletiva de trabalho para modificar contratos de trabalho durante o período de pandemia do COVID-19, sem consultar devidamente os trabalhadores. As entidades processadas pelo MPT são o Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Apart Hotéis, Motéis, Flats, Pensões, Hospedarias, Pousadas, Restaurantes, Churrascarias, Cantinas, Pizzarias, Bares, Lanchonetes, Sorveterias, Confeitarias, Docerias, Buffets, Fastfoods e Similares (SINTHORESP), o Sindicato das Empresas de Hotelaria e Estabelecimentos de Hospedagem do Município de São Paulo e Região Metropolitana (SINDIHOTÉIS-SP), o Sindicato de Restaurantes, Bares e Similares de São Paulo e Região (SINDRESBAR), a Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo (FHORESP) e a Confederação Nacional do Turismo (CNTUR).

    De acordo com denúncia recebida pelo MPT, os Sindicatos firmaram acordos prevendo condições de suspensão de contratos de trabalho e retiradas de outros direitos trabalhistas, com medidas mais prejudiciais aos trabalhadores do que aquelas previstas nas medidas editadas pelo governo (MP 927 e 936) e sem consulta às categorias envolvidas, portanto, sem negociação coletiva. Entre as medidas, a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até 120 dias, sem direitos assegurados e sem garantia de emprego no retorno.

    Os procuradores do trabalho que ajuizaram a ação sustentam que tais práticas constituem atos antissindicais, que atentam contra a ordem democrática e a liberdade sindical, fazendo-se necessária em toda a negociação coletiva a participação efetiva das categorias envolvidas, conforme dispõem os artigos 8º, III e IV da Constituição Federal, artigo 612 da CLT e os próprios estatutos das entidades sindicais.

    Para o MPT, também não se pode admitir que uma comissão de sete pessoas, instituída para negociar a data-base do ano anterior, atue indiscriminadamente, sem legitimidade para representação de toda a categoria profissional, que atinge mais de 200 mil empregados. As assembleias com trabalhadores e empresas devem ser realizadas, o que pode ser feito por meios telemáticos, como e-mail, Whatsapp ou teleconferência, como orienta a Nota Técnica n. 6 do MPT, para que se tenha efetiva negociação.

    O juiz da 36a Vara do Trabalho de São Paulo Eduardo Rockenbach Pires determinou, na decisão, a suspensão dos efeitos dos termos aditivos, que só podem ser aplicados se forem aprovados em assembleia geral da categoria. Além disso, os sindicatos patronais têm 5 dias para comunicar aos empregadores a suspensão dos termos aditivos. Novas negociações só podem ocorrer mediante convocação de assembleia específica, que pode ser feita por meios eletrônicos. A multa pelo descumprimento de cada obrigação é de R$ 15 mil.

    A ação foi ajuizada pelos Procuradores do Trabalho Elisiane Santos, João Hilário Valentim, Alberto Emiliano de Oliveira Neto e Bernardo Leôncio Moura Coelho, integrantes da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical, do MPT”.

  • Ao Vivo JL entrevista Miguel Torres, da Força Sindical

    Ao Vivo JL entrevista Miguel Torres, da Força Sindical

    Em entrevista para os Jornalista Livres Miguel Torres, presidente do sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes e da Força Sindical, comenta o desastre da Carteira Verde Amarela, que abre a possibilidade de trabalho para o domingo, e ainda aponta a lentidão das medidas do desgoverno no combate a crise econômica.

    O presidente da Força Sindical destaca  as perdas para os trabalhadores com a medida provisória 936/2020 que possibilita reduzir a jornada de trabalho e o salário, com perdas entre 9,5% a 27%. Na quinta feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga se os acordos individuais trabalhadores e os patrões está acima dos acordos coletivos. Como os patrões impõem aos trabalhadores estes termos de acordos, podemos assistir uma drástica redução do poder de compra da classe trabalhadora

    Miguel Torres informa que por conta da decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, o sindicato dos metalúrgicos já aponta um aumento do número de acordos  para redução da jornada de trabalho e de salários. Miguel Torres pede sensibilidade dos ministros do STF para que não se prejudique mais os trabalhadores e não se reduza a massa salarial, o que terá impactos negativos na economia brasileira e prejudicará a saída da recessão.

    Veja a entrevista aqui

     

     

  • Milhares de denúncias sobre falta de proteção aos trabalhadores na pandemia

    Milhares de denúncias sobre falta de proteção aos trabalhadores na pandemia

    Elisiane dos Santos, procuradora do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT/SP) e integrante do coletivo transforma MP, comenta denúncias sobre falta de proteção aos trabalhadores na pandemia do covid19. Erão mais de três mil denúncias quando ocorreu a entrevista e agora chegam  a mais de sete mil e cinquentas,

    A procuradora explica como fazer denúncias para o Ministério Público do Trabalho. Elisiane afirma que são “várias questões envolvidas, principalmente situações de trabalhadores que não estão recebendo equipamentos de proteção adequados para evitar o contágio, a contaminação e a proliferação do vírus”.

    Em todo o Brasil eram mais de três mil queixas recebidas e existem “denúncias de trabalhadores que prestam serviços durante a quarentena e não estão recebendo a orientação e a proteção  adequada”.

    Elisiane ainda destaca que “mesmo se tratando de atividades essenciais  quando falamos de trabalhadores que estão em grupo de risco como idosos, com mais de 60 anos, gestantes e pessoas que têm outras comorbidades. Esses trabalhadores, mesmo em atividades essencial, devem ser afastados”. Segundo a procuradora há denuncias de empresas que exigem que os trabalhadores prestem serviços presencial quando deveriam trabalhar remotamente e, na impossibilidade deste trabalho remoto, buscar outras possibilidades como uma licença remunerada.

     

  • Greve histórica de Contagem já está no Youtube

    Greve histórica de Contagem já está no Youtube

     

     

    No ultimo dia 31 de março, 56 anos do golpe militar que implantou a ditadura (1964-1985) no Brasil, a Seção Sindical dos Docentes Ativos e Aposentados da Universidade Federal de Viçosa lançou no YouTube o documentário “1968: A Greve de Contagem”, colocando à disposição dos interessados o primeiro movimento de paralisação de trabalhadores durante aquele período. Nada menos que 1.200 funcionários da Belgo Mineira cruzaram os braços por dez dias em Contagem, na Grande Belo Horizonte, para reivindicar um reajuste salarial de 25% e melhores condições de trabalho.

    A greve contou com a adesão total dos trabalhadores da siderúrgica e logo acabou se alastrando por outras empresas, como a siderúrgica Mannesmann e a SBE envolvendo cerca de 6 mil trabalhadores. O documentário traz depoimentos dos principais personagens do movimento grevista, assim como especialistas do tema, fotografias e matérias de jornais da época.

    Toda a extensão da greve é mostrada pelo cineasta argentino-brasileiro – como prefere se definir, por morar há mais de 30 anos no Brasil – Carlos Pronzato. “Esse lançamento tem vários elementos para organizar uma efeméride interessante, porque estamos em um momento em que temos um cidadão na presidência que reivindica todo um modelo de país que a gente quer enterrar. É também uma maneira de confrontar esse momento”.

    Para Pronzato, a divulgação do filme é importante para se fazer justiça aos operários de Contagem. “Quando se fala em greve na ditadura, a referência, muitas vezes, é a de Osasco (SP), mas a primeira foi em Contagem”, lembra o diretor.

     

    A seguir, confira o material produzido por Carolina Maria Ruy para a Radio Peão Brasil, publicado em dezembro de 2018, que, entre outros episódios da época, aborda a greve de Contagem: 

     

    1968: da Greve de Contagem ao AI-5

    No contexto da Guerra Fria o golpe militar de 1964 impôs um regime alinhado politicamente aos Estados Unidos acarretando uma situação de atraso político, desigualdade social, censura aos meios de comunicação e de violenta repressão, que duraria duas décadas.

    No dia 9 de abril de 1964 o Ato Institucional Número Um, ou AI-1, suspendeu por dez anos os direitos políticos de todos aqueles que eram ou poderiam ser contrários ao regime, ameaçando com cassações, prisões, enquadramentos como subversivos e expulsões do País. Entre os opositores encontravam-se sindicalistas, políticos, jornalistas, intelectuais, estudantes etc. A situação instigou os grupos de oposição a se organizarem para combater o golpe e suas mazelas.
    O Movimento Intersindical Antiarrocho
    No Estado de São Paulo, três anos e meio após aquele fatídico abril de 1964, em outubro de 1967, mais de quarenta grandes sindicatos criaram o Movimento Intersindical Anti-arrocho (MIA).Isto porque a Lei nº 4.725, de 13 de julho de 1965, que estabeleceu normas para os processos dos dissídios, instituiu uma política de arrocho salarial. E, segundo o Dieese, esta política reduziu o salário do trabalhador em 15,9%, em 1965, e em 15,3% em 1966. Além disso, não havia a perspectiva de reposição da inflação, que girava em torno de 30%.
    Criado para pressionar o governo a acabar com o arrocho salarial, com a participação de Sindicatos, como os dos Metalúrgicos de São Paulo, Santo André, Guarulhos, Campinas e Osasco, o MIA programou a realização de cinco concentrações que culminariam com um ato político no Dia do Trabalhador, em 1º de Maio de 1968, na Praça da Sé, São Paulo.
    Mas divergências sobre a condução e a postura do movimento chocaram-se no interior do MIA. Na segunda assembleia, em dezembro de 1967, José Ibrahin, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que naquela ocasião teve o apoio das oposições sindicais e dos estudantes, explicitou ideias audaciosas para a época: falou na criação de uma central única dos trabalhadores, que canalizaria o movimento contra a compressão salarial, e concluiu com um manifesto conclamando os trabalhadores à luta. 
    Como sua posição não era acatada pelos demais, e a DRT já estava pronta para enquadrar seus organizadores, o MIA acabou perdendo força. A postura de Ibrahin foi questionada até mesmo em seu próprio Sindicato. Suas atenções, desta forma, voltaram-se para a elaboração de uma ação de boicote na festa do trabalhador, no dia 1º de Maio, programada para receber o governador Abreu Sodré.

    Enio Seabra e Imaculada Conceição de Oliveira, líderes da greve metalúrgica de Contagem-MG, participando de debate no ano de 2008

    A greve dos Metalúrgicos de Contagem

     

    Em março de 1968 operários de Minas Gerais também formaram um Comitê Intersindical Anti-arrocho para combater a política salarial do regime.

    Aproveitando o clima favorável para a discussão, correntes como Ação Popular, Política Operária (Polop), Comando de Libertação Nacional (COLINA), Corrente Revolucionária, assim como o Partido Comunista e o próprio Sindicato dos Metalúrgicos, criaram pequenas células nas fábricas. Praticamente todas possuíam trabalhadores organizados em comissões. Daquele movimento se originaria a primeira grande greve pós-1964.

    Em uma edição especial da revista Teoria e Debate, por ocasião do 40º aniversário da greve, em 2008, a operária da Metalúrgica Santo Antônio, Imaculada Conceição de Oliveira, secretária-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Contagem e uma das principais lideranças da greve de 1968, falou sobre a ação dos sindicalistas naquele contexto. Segundo ela:

    “A gente trabalhava de dia e à noite, ia para o cinema escrever os jornais. Às quatro, cinco da manhã a gente distribuía o jornal do partido e fazia pichação de muro. Depois a gente fazia uma distribuição mais legal, na porta da fábrica, e já entrava para trabalhar”[1]. Imaculada afirmou que a luta era, entre outras coisas, pela construção das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) e contra o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como uma opção alternativa à estabilidade no emprego. Além disso, “todo mundo estava contra a lei do arrocho”.

    A greve, resultado do trabalho das organizações que naquele momento estavam clandestinas, começou com os 1.200 trabalhadores da Belgo-Mineira, tendo como reivindicações principais o reajuste de 25% nos salários e melhoria nas condições de trabalho. De pronto os patrões ofereceram 10%. Mas não convenceu e o movimento, que tinha força para expandir, expandiu.

    No segundo dia a greve foi declarada ilegal e a polícia ameaçou invadir. Em vez de inibir, isso instigou o movimento, que chegou a seis mil trabalhadores em greve com a adesão de duas empresas importantes, a SBE e a Mannesmann.

    O ministro coronel Jarbas Passarinho apelou e conclamou os trabalhadores a retomarem as atividades sob a argumentação de que não se tratava “de um movimento justificado, legal ou tolerável, mas de uma pura e simples agitação”. Mais uma tentativa que produziu efeito contrário: a paralisação cresceu, atingindo outras empresas.

    O ministro decidiu, então, conversar pessoalmente com os operários e, numa cena histórica, se dirigiu para a assembleia geral no Sindicato dos Metalúrgicos. Lá, ele ameaçou iniciar um enfrentamento armado.

    O fato gerou ainda mais adesões, os trabalhadores de mais quatro empresas – Acesita, RCA-Vitor, Demisa e Industam – cruzaram os braços. O governo voltou a propor para os metalúrgicos 10% de antecipação salarial, acompanhados de um ultimato: “A recusa significa uma declaração de guerra”.

    Mas os trabalhadores surpreenderam mais uma vez e rejeitaram a proposta, intensificando o movimento com a entrada de mais dez empresas na greve, dentre elas a Mafersa, a Polig-Heckel e a Cimec. Já eram dezesseis mil grevistas dentre os 21 mil trabalhadores da Cidade Industrial.

    Começou, então, a repressão pesada. Em cadeia nacional de rádio e TV, Passarinho declarou início da guerra contra os operários grevistas. A cidade foi tomada por 1.500 policiais, o Sindicato, fechado, e aproximadamente vinte lideranças presas.

    A greve foi reprimida desta forma. Mas manteve-se os 10%, e os trabalhadores passaram então a reivindicar que o valor fosse um reajuste, não uma antecipação.

    Apesar da repressão, aqueles operários que ousaram enfrentar a ditadura deram um grande exemplo para o movimento sindical e, às vésperas do 1º de Maio, quando os operários de Contagem ainda estavam em greve, o general-presidente Costa e Silva anunciou solenemente a extensão do abono salarial de 10% para todos os trabalhadores brasileiros.

    Um dos principais dirigentes daquela greve foi o metalúrgico Ênio Seabra. Operário da fábrica Mannesmann, Ênio havia concorrido e vencido a eleição para a Presidência do Sindicato com um programa anti-ditadura militar. Sua gestão, entretanto, não chegou a se concretizar, pois, antes da posse o Ministério do Trabalho interveio, destituindo-o junto com outros três membros da chapa vitoriosa. Retomando por outro caminho a liderança dos Metalúrgicos de Contagem, ele foi eleito presidente do Comando de Greve Unificado em abril de 1968. Em entrevista à revista Teoria & Debates, Seabra afirmou que, para ele, a confiança que conquistara dos trabalhadores era reflexo do trabalho desenvolvido nos anos anteriores, antes mesmo do início da ditadura militar:

    “Os metalúrgicos tinham uma tradição de luta. Além disso, muitos trabalhadores dentro do movimento metalúrgico já eram militantes do Partido Comunista há muitos anos. Esses tinham uma posição política bem avançada, assim como as pessoas vinculadas à Polop”.

    Aquela foi uma grande vitória dos trabalhadores brasileiros, a primeira após o golpe de 1964.

    1º de Maio na Praça da Sé

    Em São Paulo, quando chegou o dia 1º de Maio de 1968, estudantes e trabalhadores, liderados pelo Grupo de Osasco, realizaram o boicote ao ato oficial com o governador “biônico” Roberto de Abreu Sodré.

    Articulada com as oposições sindicais, com a esquerda e aliados, toda a ação foi calculada, desde o mapeamento da Praça da Sé, seus lugares de entrada e saída, até a criação de um grupo de autodefesa, com sessenta barras de ferro embrulhadas em jornais.

    Escondidos entre as pessoas presentes no evento, os militantes iniciaram um tumulto quando o governador já estava no local. Sodré, seus assessores e até a polícia foram expulsos do palanque, que foi incendiado pelos ativistas.

    O metalúrgico José Campos Barreto, o Zequinha, tomou então a palavra exigindo o fim da ditadura, o apoio à revolução cubana, o fim do arrocho salarial e o apoio à greve de Contagem. Após a destruição do palanque os mais de 1.500 manifestantes saíram em passeata rumo à Praça da República gritando palavras de ordem contra o regime militar. Várias fachadas de bancos e empresas foram destruídas com pedradas. Ao chegar à Praça da República diversos discursos foram proferidos, sendo o de Zequinha o mais inflamado e audacioso: ele conclamou os trabalhadores e estudantes do País a enfrentarem a ditadura por meio da luta armada.

    A greve dos Metalúrgicos de Osasco

    Metalúrgicos em greve presos em Osasco, em 1968/Agência Estado

    O jovem José Ibrahin chegou à diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, em 1967, com um plano em mente: realizar uma greve contra o arrocho salarial.

    A diretoria eleita em 1967, com um programa declaradamente contra a ditadura militar, foi a mais radical desde 1963. Foi também a que mais se aproximou do movimento estudantil, representado pelo Círculo Estudantil Osasquence (antiga União dos Estudantes de Osasco) e, sobretudo, a que mais se aproximou das comissões de fábrica.

    Para Ibrahin era clara a concepção de que, embora a questão assistencialista (médica, odontológica, jurídica etc) fosse importante, seu objetivo principal, ao chegar à Presidência do Sindicato, era político. Os pilares de sua gestão eram, desta forma, a mobilização, a organização e a luta reivindicativa.

    Mas, depois do ato na Praça da Sé, no dia 1º de Maio de 1968, o governo começou a pressionar o Sindicato para que ele fosse substituído.

    O senso comum na diretoria do Sindicato, ao contrário de Ibrahin, era de cautela. Como tinha custado muito para retomar o Sindicato, eles concluíram que precisavam se fortalecer para, então, partir para uma ofensiva.

    Neste impasse o presidente convocou uma plenária para expor à base as diferentes posições acerca da greve. A base apoiou a posição de Ibrahin e, com isso, todos que inicialmente foram contra abraçaram aquele audacioso projeto.

    Depois de tomada a decisão, a greve foi marcada. A ideia era parar aos poucos para que em uma semana todas as fábricas da base do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco estivessem paradas, e para que o movimento se expandisse para outras bases de São Paulo.

    No dia 16 de julho de 1968, uma terça-feira, conforme o combinado, os operários da Cobrasma, após o toque da sirene das 9 da manhã, pararam as máquinas e deram início à greve.

    As principais reivindicações eram: aumento salarial de 35%, o reconhecimento da comissão de fábrica, a garantia de que nenhum membro da comissão seria demitido e o fim do arrocho salarial.

    A expectativa dos sindicalistas era de que o governo buscasse uma negociação antes de reprimir.

    Só que as coisas não saíram como eles planejaram. O protesto provocou articulações imediatas dos patrões e militares que prontamente acionaram o aparelho repressivo do Estado.

    Octaviano Pereira dos Santos, membro da diretoria do Sindicato, responsável pela base da fábrica Brown Boveri, conta que a greve o pegou de surpresa, mas que, mesmo assim, naquela ocasião, conseguiu pedir aos operários que saíssem e o acompanhassem até o Sindicato:

    “Eu falei para o pessoal não ficar dentro da empresa porque o Exército ia invadir. Mas nós resistimos. Falamos que ninguém ia entrar no Sindicato, que era a nossa casa. Não estávamos fazendo nada de errado. Estávamos apenas reivindicando nossos direitos. Tentamos negociar o dia inteiro sem sucesso. Eles não nos atendiam e nós também não atendíamos a eles. Aí veio a intervenção. Nós ainda resistimos. Mais tarde eles cortaram alimentação, telefone, tudo, e nós ficamos praticamente isolados do mundo. Eu tentei negociar com o comandante até perceber que não havia mais condições de dar continuidade àquela situação. Eles iam invadir o Sindicato, e eu estava preocupado com a integridade física dos trabalhadores. Aí negociei com o comandante para que ele liberasse os trabalhadores para irem para suas casas. Quando já era umas 5, 6 horas da manhã, entramos naqueles caminhões do Exército, fomos conduzidos para o Dops e fomos presos. O delegado me perguntou o que eu faria se ele me liberasse naquele momento. Eu falei que iria para o Sindicato e que, se tivesse acabado a greve, voltaria ao trabalho, se não faria piquete na porta da fábrica e continuaria a greve. Aí ele falou pra mim: ‘Você é mesmo um filho da puta, né?’. Eu falei: ‘Não, eu sou um representante dos trabalhadores, eu fui eleito para isso’, recorda-se[2].

    Não houve diálogo e nenhuma reivindicação foi atendida. Mas a greve continuou por mais de uma semana e tomou grandes proporções.

    No mesmo dia em que se desencadeou a repressão, com a invasão das fábricas ocupadas, e antes que a intervenção fosse decretada, a diretoria já havia praticamente se dissolvido. Alguns diretores, como João Candido, foram presos na fábrica, no ato da desocupação pela polícia. Outros, como o vice-presidente Octaviano Pereira dos Santos, aguardaram no Sindicato até sua prisão. Outros ainda foragiram-se tentando organizar formas de resistência rapidamente desbaratadas. José Ibrahin escapou à detenção iminente e passou à clandestinidade.

    Sem lideranças e sitiados, os trabalhadores viram-se sem alternativas senão voltar ao trabalho.

    O acirramento da repressão e a crescente despolitização exigiram muito jogo de cintura por parte do Sindicato. Os sindicalistas foram obrigados a se adaptar a essa nova realidade imposta pelo regime antidemocrático que procurava afastar, de todas as formas, os trabalhadores do Sindicato, e que pioraria ainda mais após o famigerado Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968.

    O Ato Institucional n°5

    Grafite “Viva a greve de Osasco”/Arquivo Nacional/Correio da Manhã

    Como a Constituição Brasileira de 1946 não contemplava nenhum artigo que desse margem à execução do golpe militar, foi necessário que os golpistas lançassem mão dos Atos Institucionais como forma de driblar a Constituição e legitimar seus atos.

    É consenso entre políticos, jornalistas, intelectuais e demais interessados na história do nosso país que o quinto Ato Institucional marcou o período mais duro do regime militar. Consenso também é que a reação do governo perante a intensificação dos movimentos de resistência ao regime, tendo na greve de Osasco uma de suas maiores expressões, sinalizava para o endurecimento político.

    O AI-5 inaugurou uma série de Atos Institucionais que fecharam cada vez mais o governo, e deram poderes cada vez mais absolutos para o Poder Executivo.

    Para chegar a esta conclusão basta ver que os quatro primeiros Atos – que viabilizaram a instituição do regime militar, promoveram a perseguição política às instituições, às pessoas de perfil divergente daquele pregado pelos militares e impuseram uma nova Constituição, pautada pela Constituição fascista de 1937, foram decretados entre abril de 1964 e dezembro de 1966 – em 31 meses –, e os outros treze Atos Institucionais foram decretados entre dezembro de 1968 e outubro de 1969 – em dez meses.

    Como estopim para a promulgação do AI-5 surge a presença do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, que poucos meses antes havia visitado o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, quando este estava sitiado pelos militares, e proferiu um discurso contra a intervenção e em favor dos grevistas.

    Em seu pronunciamento na Câmara dos Deputados, no dia 2 de setembro, ele lançou um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares de 7 de Setembro, chamou os quartéis militares de “covis de torturadores”, entre outras coisas. Sua manifestação de repúdio foi endossada por outro deputado do MDB, Hermano Alves, que naquele mesmo período escreveu uma série de artigos no Correio da Manhã considerados provocadores.

    Considerando tais demonstrações ofensivas o governo iniciou um processo para cassar os dois deputados. Entretanto, eles não haviam infringido a lei e a possibilidade da cassação gerou uma tensão política que se desenrolou até o dia 12 de dezembro, quando a Câmara recusou (com a colaboração de políticos da própria Arena) o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves.

    A recusa deixou a cúpula do governo de mãos atadas. Mas no dia seguinte eles dariam o xeque-mate promulgando o AI-5, que autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a uma série de ações arbitrárias como cassar mandatos parlamentares, suspender, por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, decretar o confisco de bens considerados ilícitos e suspender a garantia do habeas-corpus.

    No mesmo dia foi decretado o recesso do Congresso Nacional, que só seria reaberto em outubro de 1969, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.

    No fim de dezembro de 1968, onze deputados federais foram cassados, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. A lista de cassações aumentou em janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal.

    Com isso todos os sindicalistas suspeitos de participarem das greves de Contagem e Osasco foram perseguidos e presos, ou entraram para a clandestinidade, como foi o caso de José Ibrahin.

    Prisões e perseguições

    Logo após a greve José Ibrahin entrou para a clandestinidade. Mas, segundo ele, mesmo na clandestinidade voltou várias vezes para o Sindicato de Osasco e para a porta de fábrica. Ibrahin manteve esta atividade até ser preso em São Paulo pelo DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) em fevereiro de 1969. Em setembro daquele ano ele foi um dos quinze presos políticos libertados em troca do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick.

    O episódio do sequestro, organizado estrategicamente pelo Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), foi o primeiro de uma série de sequestros realizados por grupos da extrema-esquerda brasileiros com o objetivo de negociar a libertação de presos políticos na época da ditadura militar.

    O embaixador ficou em posse dos sequestradores em um “aparelho” no Rio de Janeiro por apenas dois dias. Em 6 de setembro de 1969, um sábado, ele foi libertado nas proximidades do Estádio do Maracanã, em plena saída de um clássico do futebol: América versus Fluminense, de maneira que seus sequestradores pudessem sumir no meio da multidão[3].

    Isso porque o governo, na época comandado pela Junta Militar, formada pelo general Aurélio Lyra Tavares, almirante Augusto Rademaker e brigadeiro Souza e Mello, impactado com a ousadia dos militantes, cedeu às exigências dos sequestradores, que eram:

    A libertação de quinze prisioneiros políticos;

    A condução dos mesmos, em avião especial, até um país determinado: Argélia, Chile ou México, onde pudessem receber asilo político;

    E a publicação e leitura da íntegra da mensagem do MR-8 nos principais jornais, rádios e televisões de todo o País.

    Os quinze prisioneiros eram:

    Luís Travassos, José Dirceu e Vladimir Palmeira, líderes estudantis; José Ibrahin, líder sindical operário; Flávio Tavares, jornalista; Gregório Bezerra, dirigente do PCB em Pernambuco e um dos primeiros presos após o golpe militar e Rolando Fratti, do PCB; Onofre Pinto, dirigente da VPR e ex-militar; Ricardo Vilas Boas, músico e integrante da Dissidência/MR-8, Maria Augusta Carneiro, do MR-8 e da Dissidência, Ivens Marchetti, do MR-8; Ricardo Zaratini, engenheiro ligado a movimentos sindicais do Nordeste; Agonalto Pacheco e Leonardo Rocha, da ALN; Mário Zanconato, do COLINA.

    Presos políticos exilados,em foto junto ao avião Hércules 56

    O governo militar, entretanto, não deixaria barato e, depois de “resolver” este caso, baixou o Ato Institucional Número Treze, ou AI-13, que estabelecia o “banimento do território nacional de pessoas perigosas para a segurança nacional”, e o Ato Institucional Número Quatorze ou AI-14, que estabelecia a modificação do artigo 150 da Constituição, com a aplicação da pena de morte nos casos de comprovada participação em atos de terrorismo que resultassem em morte e também em “guerra externa, revolucionária ou subversiva”[4].

    Vale registrar também que, ainda em janeiro de 1969, mesmo que a existência dos quartéis possa ter influenciado para que Osasco sofresse intervenção, ocorreria a apropriação de armas do quartel em Quitaúna para a guerrilha, comandada por um dos oficiais, o capitão Carlos Lamarca.

    Carolina Maria Ruy é coordenadora do Centro de Memória Sindical

    [1] Revista Teoria e Debate Maio de 2008

    [2] Depoimento ao CMS, 2012.

    [3] Este sequestro foi retratado no filme O que é isso companheiro, de Bruno Barreto (1997), e no documentário Hércules 56, de Sílvio Dá-Rin (2006).

    [4] Esta lei, no entanto, embora tenha entrado em vigor durante o governo do general Garrastazu Médici, nunca chegou a ser aplicada, e o único condenado por ato de terrorismo resultante em morte de soldado num quartel do Rio de Janeiro durante esse período recebeu indulto presidencial.

     

     

  • COVID-19 e a luta de classes

    COVID-19 e a luta de classes

    por Karina Iliescu para os Jornalistas Livres

    Mike Davis traça o histórico de pandemias mundiais e recorda de um familiar próximo da COVID-19, a SARS, seus nomes originais são identificados por SARS-Cov-1 (2002) e SARS-Cov-2 (2020). E voltando em 1976, tivemos o Ebola. Davis traz à tona esses vírus como exemplos para entendermos a COVID-19 e seus efeitos.

    Apesar de já ter sido sequenciado o genoma, alguns problemas fatais são apresentados por Davis: a desinformação e a falta de kits de testes que resultam na falha dos parâmetros e na falta de dados das mutações e das infecções. O vírus se modifica em diferentes locais e, através da experiência com a gripe espanhola e a H1N1, o resultado do contágio nos mais jovens vai ser radicalmente diferente nos países e grupos mais pobres.

    Através da história, Davis relata quais foram os acontecimentos entre diferentes imunológicos (tanto os fortes quanto os fracos), a desnutrição e as infecções existentes das diferentes populações e como o vírus se adapta.

    Com anos de cortes na área da saúde nos Estados Unidos, inclusive no governo Trump, uma resposta à COVID-19 que não fosse lenta, seria quase impossível. Davis também analisa outras consequências: “os hospitais se tornaram estufas para superbactérias resistentes a antibióticos, como S. aureus e C. difficile, que podem se tornar grandes assassinos secundários em unidades hospitalares superlotadas”, além dos asilos que foram revelados como “o primeiro epicentro da transmissão comunitária” em alguns subúrbios dos Estados Unidos.

    Diante destas questões que só são reconhecidas como emergentes durantes as epidemias, Davis enfatiza a desigualdade social exposta. Quem pode se isolar e trabalhar de home office se salvaguarda e cuida de seus próximos, enquanto milhões de trabalhadores e desempregados vivem a escolha injusta e mortal entre comer e se expor dissipando o contágio à desconhecidos e familiares.

    A luta por uma política pública internacional agora se expande durante a atual pandemia em um sistema de globalização capitalista.

    Dona Ritalina, empregada doméstica, recentemente desempregada por conta da COVID-19. Ela trabalhou por anos numa casa e para ter a carteira assinada, precisou aprender a escrever. Dona Ritalina passou meses estudando para ter a carteira assinada, mas não conseguiu a tempo com a chegada da pandemia e seu patrão à demitiu sem nenhum benefício. Por ser budista e ter contato com uma comunidade budista, hoje ela recebe cestas básicas dessa comunidade, mas não sabe o que será no dia de amanhã.

     

    POLÍTICA ANTICAPITALISTA EM TEMPOS DE COVID-19

    David Harvey analisa o sistema capitalista e como se compõe na teoria e na prática. Na prática, o capital tende a quebrar-se diante da desigualdade social, do crescimento tecnológico constantemente está substituindo e reconfigurando e entre outras mutações inevitáveis. O sistema capitalista produz a sua própria contradição.

    Quando Harvey observou o crescente contágio na China, logo viu a crise econômica que estaria por vir. A China, como segunda maior economia do mundo, reflete diretamente nos outros países.

    A natureza quando observada, não é possível encontra-la a parte do social, da cultura e da política. É fato que os vírus altamente contagiosos retornaram consequentes à falta de higiene e de como as relações se consolidam em um modelo neoliberal.

    Harvey nos traz o entendimento que, apesar da demora ao entender o que de fato acontecia na China, logo vimos uma resposta drasticamente rápida de atendimento à saúde e à contenção do vírus através do isolamento social, muito diferente de países com 40 anos de neoliberalismo. Décadas de cortes na área da saúde e uma indústria farmacêutica que lucra escandalosamente com uma população doente, a resposta será violenta e desregular como o próprio sistema. Principalmente quando a resposta ao contágio é atrasada.

    Ao reconhecer que no sistema capitalista o consumo cria a demanda e que sem essa demanda, em tempos de pandemia mundial, Harvey alega que não vai acontecer uma flutuação na economia, e sim uma quebra. Boa parte da economia é abastecida pelo turismo e pelo consumo.

    “As companhias aéreas estão perto da falência, os hotéis estão vazios e o desemprego em massa no setor hoteleiro é iminente. Comer fora não é uma boa ideia e os restaurantes e bares fecharam em muitos lugares. Até mesmo entregas a domicílio parece arriscado. O vasto exército de trabalhadores uberizados ou em outras formas de trabalho precário está sendo dispensado sem nenhum meio visível de apoio. Eventos como festivais culturais, torneios de futebol e basquete, concertos, convenções empresariais profissionais, e até reuniões políticas em torno de eleições foram cancelados. Estas formas de ‘consumismo experiencial baseado em ventos’ foram extintas.”

    Harvey expõe o que vivem os trabalhadores que estão na linha de frente e que não podem parar pois, inclusive, atendem aqueles que estão em quarentena e/ou doentes. Inclui que existe todo um sistema que é altamente sexista, racializado e etnizado nestes trabalhos geralmente informais e altamente precarizados.

    E principalmente neste contexto de pandemia, o aumento de desempregados e assalariados sem benefícios será grande. Por quanto tempo vamos passar por isto?

    “As únicas políticas que funcionarão, tanto econômica quanto politicamente, são muito mais socialistas do que qualquer coisa que Bernie Sanders possa propor e esses programas de resgate terão de ser iniciados sob a égide de Donald Trump, presumivelmente sob a máscara do ‘Make America Great Again’”, cita Harvey com ironia ao final de seu texto.

    Karen e Kelly aguardam por ônibus no centro de Atibaia, interior de São Paulo, após compras no mercado.

    FRANÇA: PELA SOCIALIZAÇÃO DO APARATO DE SAÚDE

    Alain Bihr rebate as teses que vinham sendo defendidas contra uma saúde pública de qualidade. As condições insalubres dos trabalhadores, as “junk foods” e a poluição é responsabilidade daqueles que nos governam. Mas quando realizam cortes na saúde pública e os hospitais privados prosperam (com ajuda do próprio governo) eles passam a idéia de que a responsabilidade a todos estes efeitos e o direito a saúde é exclusivamente individual.

    Agora, mais do que nunca, Bihr convoca as forças anti-capitalistas, associativas, sindicais e políticas para defender arduamente a saúde pública e de qualidade. Após o chamamento, apresenta 12 propostas a serem defendidas na França referente a saúde pública e que podemos usar como estudo, mesmo tendo um sistema de saúde diferente em diversos aspectos.

     

    COVID-19: A MILITARIZAÇÃO DAS CRISES

    Raúl Zibechi analisa o formato de controle da China para conter o vírus e critica todo o método de isolamento e contenção que a China utilizou e traz questões como: E a liberdade das pessoas saudáveis que não podiam sair?

    Zibechi compara o isolamento à campos de concentração e insiste que o medo circula maior do que o próprio vírus. Quando Zibechi faz essas comparações, ele tende a ir para uma orientação sobre controle em massa, como se chamasse nossa atenção para possíveis testes de militarização que está por vir.

    Na contra-mão dos outros autores, Zibechi nos faz lembrar de um inimigo que nunca sumiu: a desnutrição. E também relembra de outras gripes que matam todos os anos meio milhão de pessoas, mas que não são tratadas com a mesma emergência que a COVID-19.

     

    SOBRE A SITUAÇÃO EPIDÊMICA

    Alain Baidou traça o históricos de gripes virais e nos mostra que a pandemia atual não é uma surpresa. O único argumento surpresa é a falta de instrumentos para o combate, justamente por já termos passado por outras pandemias.

    Observa as diferentes reações diante a pandemia e expõe com críticas aqueles que se sujeitam à “misticismo, fabulação, oração, profecia e maldição”. A partir daí, começa a revelar as ideias mais simplistas que podem, de fato, resolver alguns problemas.

    Primeiro, Baidou coloca como essencial o entendimento científico da atual pandemia, para que, inclusive, derrube as falas racistas de que a culpa é dos chineses.

    Segundo, observa o valor econômico do mercado na China e como ele funciona por décadas e traça as contradições deste sistema quando se relaciona ao Estado mundial capitalista.

    Após culpar, verdadeiramente, os países pelo total despreparo, relata que o mundo ocidental não esperava que uma crise e um vírus dessa grandeza fosse afeta-los. Ele critica: “muitos provavelmente pensavam que este tipo de coisa era boa para a África negra ou para a China totalitária, mas não para a Europa democrática”.  Recriminando a atitude da França quando o vírus já estava circulando pela China, Baidou nota: “até muito recentemente, assembleias descontroladas e manifestações ruidosas, o que deveria desqualificá-los hoje, sejam eles quem forem, de denunciar em alto e bom som os atrasos das potências em tomar as medidas necessárias para o que estava acontecendo. Verdade seja dita, nenhuma força política na França tomou realmente esta medida perante o Estado Macroniano.”

    Por fim, Baidou analisa este momento de isolamento (na sua localização francesa), como uma oportunidade de reconfigurar projetos políticos com uma abertura a um possível comunismo, que devidamente sofra críticas mas que a própria epidemia evidenciará.

    “Não demos crédito, mesmo e sobretudo no nosso isolamento, a não ser às verdades controláveis pela ciência e às perspectivas fundadas de uma nova política, das suas experiências localizadas, bem como dos seus objetivos estratégicos.”

    Estabelecimento fechado em tempos de quarentena

    UM GOLPE COMO O DE “KILL BILL” NO CAPITALISMO

    Slavoj Žižek mostra a dualidade entre as ideologias que acreditam em um “novo Chernobyl” e que defendem o capitalismo, e consequentemente, esperam a queda no comunismo chinês. E, por outro lado, uma ideologia muito mais benéfica: a oportunidade de ver, no inevitável golpe ao capitalismo a partir de uma catástrofe, a defesa de uma rede global de saúde pública. Afinal, podemos observar já uma lista de medidas neoliberais que vem sendo destruídas com esta pandemia em curso.

    Žižek, apesar do olhar positivo a novos formatos de higiene e solidariedade, também traz uma triste realidade: um vírus real que vai voltar e provavelmente pior. E um outro vírus ainda desconhecido: o vírus virtual que atua através das redes. “As infecções virais atuam lado a lado, tanto na dimensão real como na virtual.”

     

    SOBRE OS AUTORES

    MIKE DAVIS é um escritor americano, ativista político, teórico urbano e historiador. Ele é mais conhecido por suas investigações de poder e classe social em sua terra natal no sul da Califórnia.

    DAVID HARVEY é um teórico da Geografia britânico formado na Universidade de Cambridge. É professor da City University of New York e trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana. Em 2007 foi classificado como o décimo oitavo teórico vivo mais citado nas ciências humanas.

    ALAIN BIHR é um sociólogo francês ligado à corrente do comunismo libertário. Conhecido por seus estudos acerca da extrema-direita francesa, em especial do Front National, é também utor de vários estudos sobre socialismo e o movimento operário e um dos fundadores e editores da revista À Contre Courant.

    RAÚL ZIBECHI é jornalista, escritor e pensador-ativista, dedicado ao trabalho com movimentos sociais na América Latina.

    ALAIN BADIOU é um filósofo, dramaturgo e novelista francês nascido no Marrocos. É conhecido por sua militância maoísta, por sua defesa do comunismo e do trabalhadores estrangeiros em situação irregular na França.

    SLAVOJ ŽIŽEK é um filósofo, professor do Instituto de Sociologia e Filosofia da Universidade de Ljubljana e diretor internacional da Birkbeck, Universidade de Londres.