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Categoria: Segurança Nacional

  • DANIEL HÖFLING: Manifesto anti-barbárie (remédios contra a crise)

    DANIEL HÖFLING: Manifesto anti-barbárie (remédios contra a crise)

    A inadequação de Bolsonaro ao posto presidencial já era evidente muito antes das eleições. Entretanto, o advento do COVID-19 explicitou a total incapacidade do atual chefe de Estado para tomar as medidas necessárias ao combate diligente às agruras ainda em estágio embrionário, que avassalarão a economia e a sociedade brasileiras em breve. A barbárie está por vir e, dada a incompetência de Bolsonaro e de parte considerável de sua equipe, cabe à sociedade propor e exigir determinadas medidas antes que o caos se instale por completo em nosso país. A primeira medida é, obrigatoriamente, abandonar a obsessão da equipe econômica pela austeridade e injetar recursos na economia como vêm fazendo países mais ricos e mais pobres do que o Brasil.

    É preciso ter ciência de que os efeitos deletérios do COVID-19 no Brasil serão muito maiores do que nas demais nações desenvolvidas. Tanto do ponto de vista econômico quanto social e político, nossas condições são muito piores do que as dos países desenvolvidos e mesmo da China. Nossa capacidade de enfrentamento do problema como um todo (econômico e sanitário) é muito mais limitada e frágil e,
    portanto, precisamos urgentemente tomar atitudes com o objetivo de mitigar o porvir. Da mesma maneira que as autoridades acertaram ao antecipar medidas de isolamento e de fechamento de estabelecimentos não essenciais, as esferas governamentais precisam agora canalizar esforços para que o Brasil não se enterre economicamente. Porque, se isso acontecer, num país extremamente desigual e com elevado nível de pobreza como o nosso, estaremos a um passo da guerra de todos contra todos.

    A economia brasileira está regredindo há cinco anos. Acrescido a isso, temos outros problemas estruturais:

    1) Diminuta capacidade de coordenação entre as esferas governamentais (municipal, estadual e federal);

    2) Insuficiente infraestrutura sanitária para atendimento e combate ao COVID-19;

    3) Precárias condições de infraestrutura urbana (habitacionais, transporte, comunicação);

    4) Mercado de trabalho altamente informal, com baixos salários e direitos trabalhistas em desconstrução permanente;

    5) Ausência de um Estado de Bem-Estar Social. É importante frisar que os problemas supracitados não existem ou apresentam-se muito mais brandos nos países desenvolvidos e na China do que no Brasil. Nosso ponto de partida no enfrentamento da crise é muito pior. Somente duas coisas nos favorecem: o tempo e a experiência dos demais países.

    O Parlamento Europeu anunciou a suspensão das regras de disciplina orçamentária na União Europeia para que seus países estimulem o “quanto for necessário” suas economias. Os Estados Unidos anunciaram que enviarão um cheque de US$ 3.000,00 aos necessitados. A Venezuela anunciou hoje que pagará salários aos trabalhadores por 6 meses para que fiquem em suas casas. El Salvador anunciou a
    suspensão do pagamento das contas de energia, luz, telefone, internet, aluguel e um pacote de créditos subsidiados. Por sua vez, na completa contramão, o governo Bolsonaro toma medidas paliativas e ineficazes como a antecipação de 50% do 13º para aposentados e
    pensionistas ou a natimorta MP 927. Simplesmente nosso governo faz o oposto dos demais. Todos estão tomando medidas emergenciais consubstanciadas na transferência direta de renda aos necessitados para que suas economias não mergulhem numa recessão de proporções inimagináveis. Já Bolsonaro e sua equipe tomam medidas para nos precipitar ao buraco. Nós somos hoje o (-1) do mundo. Não sem razão Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group –consultoria especializada na análise de riscos políticos globais–, classificou Bolsonaro como o “líder mais ineficaz” do planeta no combate ao COVID-19.

    Quando a crise econômica –fruto da regressão econômica anterior somada aos efeitos do COVID-19– realmente chegar, teremos milhões de pessoas jogadas na rua sem qualquer ocupação ou renda. Aos 13 milhões que estavam desocupados antes do COVID-19, acrescentar-se-ão muitos outros milhões. O número de desamparados será imensurável. Não adianta nem tentarmos quantificá-los. Entretanto, existem projeções que apontam para 50 milhões de desempregados nos próximos meses –quase metade da população economicamente ativa do país. Os efeitos no PIB e na renda serão desastrosos.

    Parte considerável dos ocupados encontra-se na construção civil, no varejo, nos bares e restaurantes e no comércio ambulante. Todas estas atividades sofrerão um baque tremendo a partir desta semana quando se intensificarão, corretamente, as paralisações e fechamentos. Milhões de pessoas ficarão abandonadas. O impacto é inimaginável; suas consequências também. Saques, latrocínios, invasões e destruição estarão na ordem do dia! A ausência de recursos para o mínimo da sobrevivência em meio ao espraiamento viral e ao isolamento doméstico levará justificadamente qualquer mãe ou pai a ações
    desesperadas. É bom lembrar que morrem mais de 60 mil pessoas por ano assassinadas no Brasil, sem o COVID-19. Esse número tornar-se-á irrisório quando o caos se instalar.

    Há no horizonte a possibilidade real de uma desorganização social generalizada no Brasil, na qual ninguém ganhará e todos perderão! Neste sentido, este Manifesto exige medidas emergenciais concretas e factíveis por parte do governo para que uma guerra civil não se instale no país.

    É preciso direcionar recursos, via transferência direta, para os mais afetados pela crise! Quem serão estes? Os pobres, os trabalhadores informais dos setores mais afetados e os donos dos pequenos negócios dos setores diretamente impactados, que não terão condições de sobreviver sem sua receita ordinária. O foco da ação deve ser esse grupo de indivíduos. Quatro medidas necessárias, ainda que insuficientes, devem ser tomadas:

    1) Pagamento de 1 salário mínimo a todos os desempregados por seis meses;

    2) Todos os desempregados e donos de pequenos negócios afetados não devem pagar contas de energia, telefone, luz e água até outubro de 2020. Após esta data, o acumulado destes 6 meses será diluído nas contas posteriores em 24 vezes sem juros;

    3) Crédito direcionado, sem juros, com início de pagamento em outubro de 2020 e parcelado em 24 vezes para os pequenos negócios afetados;

    4) Tabelamento do preço de custo para os produtos de primeira necessidade.

    As medidas acima demandam, obviamente, o abandono da obsessão pelo teto de gastos. Outras ações são bem-vindas, como a elevação do imposto sobre grandes fortunas ou o incremento da taxação sobre os polpudos lucros bancários –bastante razoáveis quando constatamos que os milionários no Brasil são os que pagam menos impostos no mundo em sua categoria, ao passo que os lucros dos nossos bancos estão entre os mais elevados do planeta. É importante insistir: caso a austeridade não seja imediatamente rechaçada nos tornaremos o laboratório da luta pelas reformas em meio ao caos econômico e social. Seremos o único país na face da terra (redonda) a praticar tamanha
    insensatez; a cobaia do corte de gastos públicos em meio à destruição social. E o resultado disso, num dos países mais desiguais do globo, com os maiores níveis de pobreza e riqueza existentes, será definitivamente violento. Como disse o presidente de El Salvador ao anunciar suas medidas emergenciais: “A única cura para essa crise é a solidariedade”.

    Precisamos da “solidariedade” fiscal do Estado brasileiro e da “solidariedade” tributária dos ultra-ricos no Brasil. É verdade que isso nunca aconteceu antes. Mas uma crise profunda de consequências catastróficas como essa também não.

    Daniel de Mattos Höfling

    é doutor em Economia

    pela Unicamp

    (Universidade Estadual de Campinas)

    Leia também de Daniel Höfling:

  • Alcântara e o acordo indigno com os EUA

    Alcântara e o acordo indigno com os EUA

    Por Roberto Amaral, ex-ministro da Ciência e Tecnologia durante o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva

     

     

    O governo Temer assinou, à socapa, um acordo chamado de “Salvaguardas Tecnológicas” com o governo dos EUA, mediante o qual cedemos nossa Base de Lançamentos de Alcântara, de localização privilegiada, e assumimos compromissos que alienam nossa soberania. O texto reproduz, quase ipsis litteris, aquele negociado pelo governo FHC e rejeitado pelo governo Lula e pelo Congresso Nacional. A assinatura de agora se fez e a tramitação no Congresso se faz, mais uma vez, sem debate com a sociedade ou audiência à comunidade científica. A grande imprensa não se motivou. E o governo do capitão tem pressa em sua aprovação, pois pretende apresentá-lo como oferenda a Trump, antes de seu filho Eduardo assumir a prometida embaixada em Washington – cargo para o qual suas qualificações são um mistério. Com o acordo o Brasil terá jogado a última pá de cal no seu programa espacial, com graves e irrecuperáveis prejuízos para sua soberania, sua economia, seu desenvolvimento e suas responsabilidades diante do Atlântico Sul.

    Após três décadas de investimentos e muitas perdas humanas, o Brasil se prepara para o réquiem de seu programa espacial, no qual investe desde 1961. Sem falar nas grandes potências espaciais, fomos seguidamente superados por países emergentes que iniciaram seus projetos em tempos contemporâneos ao nosso, como China, Índia, Israel, Coreia do Sul, Coreia do Norte e Irã.

    O Brasil não tem programa espacial completo: não domina as tecnologias nem de fabricação de satélites estacionários nem de foguetes de lançamento, e a rigor não tem base de lançamento. Na verdade, o que nos resta é uma área favorecida geograficamente que, ao preço de banana, cedemos aos interesses estratégicos dos EUA.

    Diferentemente do que crê o senso comum, mantido desinformado, programa espacial não é sinônimo de ficção científica, tampouco necessidade exclusiva de um restrito grupo de nações endinheiradas: as comunicações civis e militares, a vigilância das fronteiras terrestres e marítimas, o sensoriamento geral do território, a pesquisa do subsolo, a vigilância ambiental, a previsão do tempo, tudo isso hoje depende de programa espacial. Quem não o tem, é obrigado a alugar os serviços de terceiros e assim pagar pela espionagem de si mesmo. Hoje nosso programa de satélites é desenvolvido em parceria com a China, sem notícia de transferência de tecnologia. Os satélites (programa CBERS) partem de base de lançamento chinesa e levados ao espaço por foguete chinês. A China, que iniciou seu programa em 1956, já em 2002 levava o homem ao espaço.

    O objetivo dos EUA, nesse acordo, dito simplesmente de “Salvaguardas Tecnológicas”, mais do que dispor de uma base de lançamentos (de que não carecem), é impedir que o Brasil tenha seu próprio programa espacial, pois isso não é permitido em seu “quintal”, e somos seu “quintal” hoje, também por decisão do atual governo, subalterno aos seus interesses.

    As razões para o veto ao nosso programa são de ordem geopolítica. Faça-se justiça às autoridades americanas: elas jamais negaram esse intento. Quando das negociações do Brasil com a República da Ucrânia, visando à criação da Alcântara Cyclone Space – binacional destinada à produção conjunta de um foguete lançador, o Cyclone-4 – e seu lançamento a partir de Alcântara, os EUA informaram àquele país que não se opunham ao projeto, desde que não houvesse transferência de tecnologia, mas que continuavam entendendo que o Brasil não deveria ter programa espacial. Era um veto explícito, com todas as consequências óbvias. Quando a binacional Alcântara Cyclone Space – ACS, da qual fui diretor brasileiro, se instala e começa a funcionar, o Departamento de Estado comunica a prévia proibição de lançamento, de nossa base, de satélite (e este era o objetivo da joint venture) contendo qualquer sorte de equipamento de origem estadunidense, o que, de saída, nos afastava de algo como 60% do mercado internacional de lançamentos.

    Pelo acordo, ao fim e ao cabo, o Brasil não adquirirá tecnologia, não produzirá tecnologia e não disporá seja de veículos lançadores, seja de satélites. Sua única riqueza é a localização privilegiada de Alcântara, cedida.

    Tudo isso está documentado em telegramas que o Departamento de Estado enviou à sua embaixada em janeiro de 2009 e vazados pelo WikiLeaks em 2011.

     

    Sem transferência de tecnologia

    O objetivo do acordo é impedir que o Brasil tenho acesso à tecnologia de lançamentos – de que tanto necessita, como demonstra a frustração do projeto do VLS – e, assim, desenvolva seu próprio programa, limitadamente comercial. O acordo, que o Congresso está prestes a aprovar, não só proíbe o Brasil de ter acesso à tecnologia dos EUA, como à de qualquer país com o qual venha a estabelecer acordo. O texto que está no Congresso estabelece que o Brasil firmará (o teor é imperativo) acordos com outros países nos mesmos termos do firmado com os EUA, ou seja, impeditivos de transferência de tecnologia. Proíbe mesmo que o Brasil venha a utilizar em seu Programa recursos provenientes de acordos semelhantes. O item 2 do Artigo III determina que “O Brasil (…) não poderá usar tais recursos [provenientes da cessão da base] para aquisição, desenvolvimento, produção, teste, emprego ou utilização de sistemas da Categoria I do MTCR (…)”, ou seja, mísseis capazes de carregar carga útil de 500 quilos a uma distância de mais de 300 quilômetros. MTRC é a sigla inglesa de Regime de Controle de Mísseis, ou, Missels Tecnhology Central Regime.

    O rol de restrições unilaterais – e eis a grande característica do Acordo, a unilateralidade de direitos norte-americanos contra obrigações, e só obrigações brasileiras – nos impede de firmar outros acordos (Artigo III) com países que uma das partes tenha designado como terrorista. Ficamos, assim, à mercê das conveniências estratégico-militares dos EUA que podem considerar quem quiser e a qualquer tempo como “terrorista”, como já consideraram o Iraque e podem amanhã considerar a China. Não param aí as restrições, e aqui não é possível arrolá-las todas. Assim, pela Alínea B do mesmo Artigo III, o Brasil se compromete a não permitir o ingresso de “equipamentos, tecnologias, mão de obra ou recursos financeiros no Centro Espacial de Alcântara oriundos de países que não sejam parceiros membros do MTCR”. Entre os muitos países ausentes do MTRC estão a China, com quem partilhamos o programa CBERS de desenvolvimento de satélites, e Israel.

    Os negociadores brasileiros, que tudo aceitam, não nos resguardam do mau uso da Base pelos EUA – notoriamente, a nação mais belicosa que a humanidade já conheceu. O acordo não faz referência a prévio licenciamento ambiental, nem a salvaguardas brasileiras quanto ao conteúdo importado e embarcado pelos EUA. Não há proibição de uso militar, de transporte de ogivas nucleares ou de lançamento de gases tóxicos ou nocivos à saúde humana ou ao meio ambiente.

     

    Diga adeus à Soberania

    O Brasil não poderá inspecionar, visualmente, as cargas destinadas aos veículos lançadores dos EUA. O Artigo VII dispõe que os equipamentos lançadores dos EUA serão transportados e ingressarão no Brasil em containers fechados e lacrados; de seu conteúdo as autoridades brasileiras receberão, tão só, declaração das autoridades americanas. Caso requerido pelo Brasil, esses containers somente poderão ser abertos por participantes norte-americanos (cujo numero não é limitado) que não podem autorizar exame técnico ou inspeção visual. Que resta às nossas autoridades além de nada – nem mesmo autoridade?

    Há mais limitações ao exercício da soberania brasileira em Alcântara.

    São criadas as “Áreas restritas” (item 14 do Artigo II) “às quais o governo do Brasil (…) somente permitirá acesso a pessoas autorizadas pelo governo dos EUA, a fim de assegurar que de maneira ininterrupta possam monitorar, inspecionar e controlar o acesso”. O item VI ordena: “O acesso a áreas restritas deverá ser controlado pelo governo dos EUA (…) pelos licenciados norte-americanas, por meio de crachás a serem elaborados pelo governo dos EUA”.

    O item 3 do Artigo VI diz que “O Brasil deverá (sempre o caráter impositivo) permitir que servidores do governo dos EUA (…) tenham acesso, a qualquer tempo, para inspecionar nas áreas Controladas, nas áreas Restritas ou em outros locais (…); tais inspeções ou verificações poderão ocorrer sem aviso ao governo do Brasil ou da representação brasileira”.

    Trata-se, pois, de acordo leonino, que só interessa a uma das partes pois apenas uma assegura direitos que são exercidos sobre a renúncia da outra parte. O país é posto de cócoras. O acordo, além de humilhante, é o atestado de óbito de nosso Programa Espacial. Fiquem claras, para o registro das responsabilidades históricas, as consequências da aprovação, iminente, desse mostrengo que a diplomacia brasileira, em sua hora mais triste, acaba de ressuscitar. E fique claro o comprometimento de nossas forças armadas, com seu silêncio aprovador. O Brasil será o único país em suas dimensões e sua importância política a renunciar a ter um programa espacial.

    E Continua a razia Em mais uma ação lesiva ao funcionamento do já abalado Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, o governo prossegue em seu projeto de fundir a CAPES e o CNPq em uma só autarquia vinculada ao MEC, além de transformar a FINEP em uma carteira do BNDES. Os dois absurdos são defendidos pelo estapafúrdio ministro da Educação e contam com a aquiescência do MCTI.

    Alcântara, Maranhão, será entregue para os americanos
    Alcântara, Maranhão, será entregue para os americanos
  • Geisel e Figueiredo operaram pessoalmente na execução de inimigos do regime

    Geisel e Figueiredo operaram pessoalmente na execução de inimigos do regime

    O texto a seguir foi publicado nas redes sociais por Matias Spektor, professor da Fundação Getúlio Vargas:

    Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa.

    É um relato da CIA sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

    O grupo informa a Geisel da execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, “apenas subversivos perigosos” deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso.

    De tudo o que já vi, é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos. Colegas que sabem mais do que eu sobre o tema, é isso? E a pergunta que fica: quem era o informante da CIA?

    O relato da CIA foi endereçado a Henry Kissinger, então secretário de Estado. Kissinger montou uma política intensa de aproximação diplomática com Geisel.

    A transcrição online do documento está no link abaixo, mas o original está depositado em Central Intelligence Agency, Office of the Director of Central Intelligence, Job 80M01048A: Subject Files, Box 1, Folder 29: B–10: Brazil. Secret; [handling restriction not declassified].

    Você pode lê-lo aqui em inglês.

    Costuma-se dizer que Geisel foi uma espécie de “ditador esclarecido”, que conteve a “tigrada linha dura”, começou a “abertura política” e amenizou os rigores do regime militar brasileiro. Mas a descoberta do documento de 1974 desmonta essa  narrativa sobre Geisel, construída principalmente pelo jornalista Elio Gaspari, ao longo de seus livros “A Ditadura Envergonhada”, “A Ditadura Escancarada”, “A Ditadura Derrotada”, “A Ditadura Encurralada”, “A Ditadura Acabada”…

    A descoberta do documento de 1974 prova que Geisel não conteve a tigrada. Ele mesmo era o tigre, que comandou a execução sumária dos principais inimigos do regime.

     

    Segue a tradução do memorando da CIA a Kisinger sobre a execução sumária de presos no governo Geisel:

    “Relações Exteriores dos Estados Unidos, 1969–1976, Volume E – 11, Parte 2, Documentos sobre a América do Sul, 1973–1976

    1. Memorando do Diretor de Inteligência Central Colby ao Secretário de Estado Kissinger

    Washington, 11 de abril de 1974.

    Assunto

    Decisão do Presidente do Brasil, Ernesto Geisel, de continuar a execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições

    1. [1 parágrafo (7 linhas) não desclassificado]

    2. Em 30 de março de 1974, o presidente brasileiro Ernesto Geisel reuniu-se com o general Milton Tavares de Souza (chamado General Milton) e com o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe do Centro de Inteligência do Exército (CIE) que estava deixando o cargo e aquele que estava assumindo. Também esteve presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

    3. O General Milton, quem mais falou, delineou o trabalho do CIE contra o alvo subversivo interno durante a administração do ex-presidente Emilio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e disse que métodos extra-legais devem continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. A este respeito, o General Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pela CIE durante o último ano, aproximadamente. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade.

    4. O Presidente, que comentou sobre os aspectos sérios e potencialmente prejudiciais desta política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre sua continuidade. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O Presidente e o General Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral do CIE será coordenado pelo General Figueiredo.

    5. [1 parágrafo (12½ linhas) não desclassificado]

    6. Uma cópia deste memorando será disponibilizada ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [1½ linhas não desclassificadas] Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.

    W. E. Colby”

     

     

  • Como a mídia classe média vê o assassinato de Marielle e a visão das quebradas

    Como a mídia classe média vê o assassinato de Marielle e a visão das quebradas

    O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) comoveu a sociedade. Milhares de pessoas foram às ruas no dia 15, o caso ganhou repercussão internacional. Pessoas que compareceram às ruas testemunharam que o clima é de “indignação”.

    A banda nazifascista ficou encurralada. O deputado Jair Bolsonaro recolheu-se ao silêncio. Aqui e ali apareceram declarações tipo “defensora de bandidos tem que morrer”, mas ficaram nas bolhas da extrema-direita.

    A Rede Globo e toda a mídia hegemônica cobriu amplamente o episódio. Inclusive com atitudes irresponsáveis, como a divulgação do nome da assessora da parlamentar, que sobreviveu ao atentado, colocando a vida dela em risco.

    E isso forçou o governo golpista e todo o seu “staff” a se posicionar. Prometem investigar com celeridade o caso, pressionados a dar uma satisfação à opinião pública nacional e internacional.

     

    Manifestação na av. Paulista, quinta 15.03.2018. Foto Christina Braga | Jornalistas Livres

    Os analistas da mídia hegemônica continuam dando escorregadas. A tônica é que o assassinato da vereadora põe em xeque a intervenção militar no Rio de Janeiro. Não pelas críticas que a vereadora fazia, mas por demonstrar que a segurança pública no Rio de Janeiro continua falha.

    Mas o assassinato de Marielle Franco não é um problema de “falha de segurança pública”. Não foi um assalto. Não foi um seqüestro. Todos os indícios apontam para um crime político.

    E é justamente disso que os analistas da mídia hegemônica querem fugir. É fato que o golpe de agosto de 2016, que levou Temer ao poder, abriu uma caixa de pandora. O bloco que está no poder junta o que há de mais abjeto na sociedade civil brasileira. Muitos manifestantes de verde-amarelo que defendiam a derrubada da presidenta Dilma faziam apologia à ditadura militar e até a torturadores daquele período. Esta turma faz parte do poder que esta mídia hegemônica apoiou e apóia.

    Os argumentos são bizarros. O primeiro que vou citar aqui é do Josias de Souza, do portal UOL. Diz ele em sua coluna do dia 15/3, que o assassinato de Marielle é um pavio que ascenderá as mobilizações de rua como foi em 2013. Comparação incorreta. Aumento de 20 centavos no transporte público e PEC 37 não se comparam a tirar a vida de uma liderança feminina, negra e da periferia. A identificação com as bandeiras e a postura de Marielle não é a mesma que levou pessoas para as ruas em 2013. Ela era uma das raríssimas vozes representativas dos guetos periféricos no parlamento e foi calada de forma violenta.

    Os manifestantes identificados com Marielle sentiram que suas vozes também foram caladas. Por isto, as conseqüências deste fato serão bem diferentes do que ocorreu em 2013. Principalmente porque se somam a uma crescente insatisfação da população da periferia com a situação do país que está bem somente nas páginas de economia dos jornais da mídia hegemônica. Desemprego, aumento da miserabilidade, corte das políticas públicas e aumento da violência são coisas que já vêm de há tempo causando profunda irritação na população. A liderança folgada de Lula nas pesquisas de intenção de votos, não obstante a verdadeira campanha midiática contra ele, é um indicador disso.

    Já o jornalista Fernando Rodrigues, do Poder 360, vai na linha que o assassinato de Marielle Franco expôs as falhas da intervenção militar, que demonstrou a sua ineficiência no combate ao crime organizado e que, por conta disto, tornará o tema da “segurança pública” central na disputa eleitoral. Por isto, considera que o fato foi “disruptivo” no sentido de mudança da agenda pública e da situação do governo Temer.

    O mesmo enfoque incorreto: tratar o caso como um “problema de segurança pública” e não como conseqüência da direitização da sociedade cristalizada com o golpe de agosto de 2016.

    Estes enfoques decorrem de problemas de enfoque ideológico dos autores e, de quebra, da mídia hegemônica.

    Primeiro, partem do pressuposto de que o Brasil vive uma “normalidade democrática” o que não é verdade. Exemplos: o uso do lawfare contra Lula, os abusos cometidos pelo Poder Judiciário em vários episódios, o aumento de narrativas nazifascistas e a parcialidade cada vez mais intensa de órgãos, como o STF (cuja presidenta não tem pruridos em receber um presidente da República que está sendo julgado em um encontro privado e fora da agenda oficial e que também topa participar de um jantar bancado por uma transnacional do petróleo). Há tempo que o tal Estado Democrático de Direito foi destroçado no país.

    Segundo, que fatos como este assassinato decorrem de um “mau funcionamento” das instituições e não são produtos de uma determinada estrutura política.

    Terceiro, aí é de fato uma questão de classe, não entendem os sentimentos e desejos de quem mora nas periferias e nas quebradas. O pensamento dessa população não é o mesmo que é hegemônico na classe média como os jornalistas aqui citados e os seus leitores. O que move o pensamento e os desejos é a sobrevivência e a construção de uma vida digna. Que estão sendo ceifadas com o corte de gastos, com a precarização do trabalho via a reforma trabalhista, com a reforma da previdência e com a militarização dos espaços periféricos onde residem. Pouco importa aumento do PIB de 1,5% e redução do déficit fiscal se isto foi obtido a custa de desemprego e corte de políticas públicas. Pouco importa as diatribes da República de Curitiba se falta merenda escolar – principalmente quando ficou nítido que os pseudomoralistas do Judiciário querem manter mordomias, como o auxilio-moradia de 5 mil reais.

    E quando existem poucas vozes representativas destes segmentos sociais nos parlamentos dominados por coronéis, oligarcas, empresários, latifundiários, sacerdotes religiosos, elas são caladas violentamente. É esta a indignação que explodiu. Só não percebeu quem continua fazendo “jornalismo” e “análise política” sentado em gabinetes acarpetados e com ar condicionado.

    A indignação é contra a perversidade de um Estado que, além de fazer passar fome, não quer que se grite que está com fome.

     

    Dennis de Oliveira é professor livre-docente em Jornalismo, Informação e Sociedade pela ECA/USP. Possui graduação em Comunicação Social Habilitação Em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1986), mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1992) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1998). Atualmente é professor em RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa) na Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Comunicação Popular, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação e cultura, processos mediáticos e culturais, comunicação e recepção, processos mediáticos e jornalismo, mídia e racismo, e integração na América Latina. É coordenador do CELACC (Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação), vice-líder do Alterjor (Grupo de Pesquisa de Jornalismo Alternativo e Popular) e membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro), todos da Universidade de São Paulo. É professor do Programa de Pós Graduação em Mudança Social e Participação Política da EACH/USP e do Programa de Pós Graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP. Atua como consultor em comunicação, educação e cultura em instituições públicas, particulares e organizações não governamentais.

     

    ***Este artigo foi escrito no dia 16 de março de 2018

  • Jandira Feghali (PCdoB) questiona ministro da Defesa sobre últimas operações no Rio

    Jandira Feghali (PCdoB) questiona ministro da Defesa sobre últimas operações no Rio

    Texto de Bruno Trezena e foto de Richard Silva, especial para os Jornalistas Livres

    A deputada federal e vice-líder da oposição, Jandira Feghali (PCdoB/RJ) enviou hoje (21) um requerimento de informação ao ministro da Defesa, Raul Jungmann, questionando os resultados das últimas operações comandadas pela pasta no Rio. Só em 2017, duas favelas da capital carioca chegaram a ser ocupadas pelo exército, a Rocinha e Maré, mas sem resultado efetivo no fim da violência. Em janeiro deste ano, o Rio chegou a decretar estado de alerta devido a tiroteios nas avenidas que cruzavam o Complexo da Maré, na Zona Norte.

    O documento traz nove perguntas, entre elas as que levantam a dúvida sobre os resultados obtidos por ações da pasta no estado nos últimos 18 meses, o valor gasto nas operações táticas e de inteligência, o total de vítimas civis e militares e se houve denúncias de violações de direitos humanos no período.

    “A gente conhece bem a lógica da cidade do Rio quanto à violência, mas até onde as intervenções por força militar tiveram resultado na diminuição da criminalidade? A Rocinha foi ocupada durante o Rock in Rio, mas até hoje tiroteios com vítimas fatais ocorrem na comunidade. As linhas Amarela e Vermelha, além da Avenida Brasil, viraram cruzamentos de risco por conta dos tiroteios. Que legado realmente é esse?”, questiona Jandira.

    Para a parlamentar, o uso do decreto nº 9288 de intervenção militar foi feito de forma imediatista por Michel Temer, junto da falta de planejamento, estratégia ou orçamento especificado: “O presidente baixa um decreto na madrugada da semana de Carnaval sem saber como as Forças vão trabalhar efetivamente no Rio. O papel de polícia não é do exército e as Forças Armadas podem ter sua imagem desmoralizada pelo uso político e populista deste Governo”, avalia a parlamentar.

    De acordo com o artigo 13 da Lei 1079/1950, Jungmann deve responder o requerimento parlamentar em até 30 dias. Caso isso não seja feito, o gestor pode ser implicado no crime de responsabilidade, podendo ser afastado do cargo e se tornar inelegível.

    Corte de recursos na Defesa

    Um levantamento do gabinete de Jandira Feghali junto à consultoria de orçamento da Câmara dos Deputados revelou um corte no orçamento da Defesa nacional em 2018 de R$ 110 milhões. O montante é maior do que o planejado pela intervenção no Rio, de R$ 104 milhões durante 12 meses.

    Algumas áreas cortadas foram ocupação e defesa da Amazônia em R$ 44 milhões, monitoramento de fronteiras com R$ 60 milhões e treinamento da Marinha em menos R$ 8,5 milhões: “Que coerência é essa do Governo? Anuncia uma intervenção sem orçamento e ainda com corte?”, indaga Jandira.

    Leia abaixo o requerimento de Jandira Feghali:

     

     

     

  • As ligações perigosas de Moreira Franco, o homem que pôs o Exército nas ruas no Rio

    As ligações perigosas de Moreira Franco, o homem que pôs o Exército nas ruas no Rio

    A intervenção militar no Rio de Janeiro foi articulada por um velho conhecido do crime organizado: Wellington Moreira Franco (PMDB-RJ), ministro da Secretaria-Geral da Presidência e amigo do peito de Michel Temer, que governou o Rio de 1987 a 1991. Nesta terça (20/02) na “Folha”, numa entrevista pra lá de camarada, daquelas que o jornalista levanta a bola para o entrevistado cortar, Moreira Franco fez-se de intrépido e destemido:

     

    Folha: A intervenção no Rio foi uma decisão arriscada para Temer, porque no primeiro problema, ele será culpabilizado. O governo fez esse cálculo?

    Moreira Franco: Aqui não tem amador. As pessoas têm 50, 45, 40 anos de vida pública. Claro que fez.

    Folha: E qual é o cálculo?

    Moreira Franco: O cálculo é que na vida, tem certas horas, que você tem que assumir riscos, tem que decidir. Nessas circunstâncias, não dá para ficar empinando pipa, tem que mergulhar com coragem e convicção.

     

    Hummmm. Corajoso!

     

    Conhecido desde os anos 1980 pela alcunha de “gato angorá”, pela então vasta e cultivada cabeleira branca, e por causa do gosto entranhado pelo colo de qualquer um, Moreira Franco foi o primeiro governador do Rio a andar para cima e para baixo acompanhado de um bandidão do Comando Vermelho. Sim, Moreira Franco não é homem de ficar empinando pipa!

    Decidiu-se pela intervenção militar no Rio de Janeiro em reunião na quinta-feira (15/2) no Palácio da Alvorada da qual participaram o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, e ministros do governo federal, como Torquato Jardim (Justiça), Raul Jungmann (Defesa) e Sérgio Etchegoyen (Segurança Institucional), todos envolvidos na discussão sobre segurança pública, além de Moreira Franco, Dyogo Oliveira (Planejamento) e Henrique Meirelles (Fazenda).

     

    A aventura militar entusiasmou particularmente dois participantes do convescote: o próprio Temer, que vê na intervenção a possibilidade roubar alguns pontos da popularidade e do discurso de Jair Bolsonaro; e Moreira Franco.

     

    Peemedebista, Temer é o mestre na arte camaleônica de mudar de cor ao sabor das circunstâncias. Foi social quando interessava estar perto do PT, foi neoliberal no estilo mercurial quando veio o golpe… E agora, com a popularidade no chão, torna-se verde oliva para granjear a simpatia das galinhas verdes do fascismo bolsonariano. Tudo certo como dois e dois são cinco.

     

    Temer está na base do tudo ou nada. O Iraque dele são os morros do Rio. Em lugar de fundamentalistas islâmicos, os inimigos são os  pobres e pretos das favelas cariocas. Nada como uma operação nos moldes da doutrina militar do “Choque e Pavor” (Shock and awe), para anestesiar a opinião pública que começava a sair do torpor. O samba enredo da Paraíso do Tuiuti foi o sintoma. E os entusiastas mais apaixonados pela aventura já dizem que ele pode até se apresentar como o candidato.

     

    Parceiro de todas as falcatruas de Temer, Moreira Franco é o idealizador e avalista por excelência da patuscada que, já se sabe, não conseguirá acabar com o tráfico, nem com a guerra entre quadrilhas rivais. Para os ilusionistas da quadrilha de Brasília, porém, basta contar com a mídia tradicional para repetir até o cansaço a cena de soldados com trajes de camuflagem entrando em comunidades pobres do Rio, tanques e blindados fechando o trânsito de becos e vielas miseráveis.

     

    Ah, eles não podem esquecer de seguir as ordens do interventor federal para a área de segurança pública do Rio, o general do Exército Walter Braga Netto, que já disse que a situação do Estado não é tão ruim quanto parece e que a imagem da crise é afetada pelo noticiário. “Muita mídia”, afirmou. É a senha para a Globo, Band, Record e demais veículos: podem parar de cobrir esse tipo de assunto. E assim, com o Rio ocupado, sensação de segurança nas alturas, até pelo menos as eleições de outubro, Temer e seu general interventor conquistam capital político imenso.

    Nazareno Tavares, assassinado em 1997

    Moreira Franco é o homem central da operação envolvendo o crime porque tem vasta experiência nisso. Quando era governador, todos sabiam do relacionamento do governador com o professor de Educação Física Nazareno Barbosa Tavares, seu personal trainner, um cara boa praça, que organizou e comandou um dos sequestros mais espetaculares da história, o do empresário Roberto Medina, dono do Rock in Rio. O crime aconteceu em junho de 1990.

    OK, todo mundo pode-se enganar –ainda mais com um personal simpático… Só que Moreira Franco, ao suceder Leonel Brizola, seu arqui-inimigo, no governo do Rio, assumiu dizendo que em seis meses acabaria com a violência no Rio. Primeira providência: colocar o Comando Vermelho dentro do Palácio do Governo. AHAHAH!

    Incrível como toda a imprensa resolveu esquecer disso agora, na cobertura da intervenção militar no Rio.

    Mas o caso fica pior ainda.

    Presos os sequestradores de Medina (Nazareno foi condenado a 10 anos, dois meses e 12 dias de detenção), depois do pagamento de um resgate de mais de 3 milhões de dólares (nunca se explicou direito aonde foi parar a quantia fabulosa, que saiu diretamente do Banco Central), revelou-se uma trama sinistra…

    Além do personal trainner de Moreira Franco, também estavam implicados no sequestro Miguelão (Miguel Jorge, segurança de Moreira Franco e de Rubem Medina, irmão do sequestrado), e Carlinhos Gordo. Todos silenciados….

    Azar do Nazareno. Foi só declarar que pretendia escrever um livro contando o que sabia sobre o envolvimento de políticos e empresários em negócios ilícitos, e ele foi assassinado –queima de arquivo, suspeita-se. Corria o ano de 1997.

    O crime aconteceu às 7h, num posto de gasolina na zona oeste do Rio. A vítima cumpria a pena no presídio Plácido de Sá Carvalho (Bangu, zona oeste) e trabalhava durante o dia dando aulas de natação em uma academia.
    Nazareno tinha acabado de abastecer o carro e esperava o frentista lavar o pára-brisas, quando dois homens em uma moto pararam ao seu lado. Dois tiros –um na nuca. Coisa de profissionais.

     

    Nazareno e o ditador Figueiredo, em foto no JB

    Nazareno gostava de palácios. Antes do sequestro, entre 1982 e 1985, era visto correndo na orla do Rio em companhia do último ditador militar do Brasil, João Baptista Figueiredo, de quem era instrutor de educação física. As praias do Recreio dos Bandeirantes e do Pepino (na zona Sul) eram as preferidas da dupla. Frequentava a casa carioca de Figueiredo, na Gávea Pequena, a mansão particular de um amigo, no Recreio, e a Granja do Torto, em Brasília.

    Da infância pobre em Benfica (na zona norte do Rio), Nazareno quis se esquecer: foi morar numa cobertura no Leblon! (pausa para rirmos dos bolsominions que acreditam que na Ditadura não havia corrupção: AHAHAHAH!).

    O personal bonitão aparecia em fotos de jornais, e começou amizades dentro do partido dos puxa-sacos do regime, o PDS. Na época, é claro, o gato angorá Moreira Franco era do PDS, depois de ter traído o MDB pelo qual se elegera deputado federal em 1974 e prefeito de Niterói em 1976. Filiou-se ao PDS em 1980 e só voltou ao PMDB em 1986, para disputar o governo do Rio de Janeiro contra Leonel Brizola, do PDT. Na ocasião, recebeu o apoio inestimável da Rede Globo para tentar fraudar a vontade popular, no que ficou conhecido como Escândalo Proconsult,  (mas isso é outra história!).

    A Ditadura já tendo acabado, o gato angorá tinha mesmo de mudar de colo, mesmo trajeto feito pelo irmão dele, Nélson Franco. Nazareno não se apertou e foi trabalhar como assessor de Nélson Franco, que foi secretário da Habitação e Ação Social de Moreira Franco, a poucos metros do gabinete do governador. Chegou a ser nomeado para o cargo de auxiliar técnico no Tribunal de Contas do Estado. Desplante total porque, repita-se, era líder do Comando Vermelho.

    Quando Nazareno foi detido, seu advogado, Wilson Siston, tentou convocar Moreira Franco, o irmão e um ladrão de carros chamado José Carlos de Carvalho, o “Carlinhos Gordo”, para depor.

    A juíza Denise Rolins Faria indeferiu o pedido, alegando que se tratava de “pura especulação”. Segundo o “Jornal do Brasil, Wilson sustentava que o depoimento de Carlinhos iria explicar “as ligações com Nazareno e mostrar que ambos frequentavam o Palácio Guanabara, tendo o ladrão de carros conseguido entrar na folha de pagamento do Estado”.

    Ah, só pra constar, Carlinhos Gordo não mais foi visto neste mundo.

    Em setembro de 1988, Nazareno já tinha sido detido por porte ilegal de arma e suspeita de roubo de um carro Chevrolet Monza, então um carro de bacana. Mas pagou fiança e foi liberado. No mesmo ano, ele se envolveu com o traficante Bolado. À polícia, Nazareno disse que o grupo dos sequestradores de Medina foi recrutado pelo chefão do Comando Vermelho conhecido como “Japonês” (Francisco Viriato de Oliveira), que estava trancafiado na penitenciária de segurança máxima Bangu I.

    Como o chefão do crime comandava o crime de dentro da cadeia? Tem de perguntar de novo pro Moreira Franco.

    O “Jornal do Brasil” de 17 de junho de 1990 explica que Nazareno, contratado pela campanha de Moreira Franco, foi o responsável pela arregimentação do voto dos familiares e amigos de presidiários, além dos comandados nos morros cariocas. “A líderes da organização criminosa Falange Vermelha [a organização que deu origem ao Comando Vermelho] no Complexo Penitenciário Frei Caneca (Centro), prometeu vida boa para os presidiários, caso Moreira Franco vencesse a eleição.”

     

    Como epílogo dessa história, segue a forma como Miguelão (Miguel Jorge) também foi assassinado: a tiros, na porta de sua casa, a poucos dias de se apresentar à Justiça para falar do sequestro de Roberto Medina. Miguelão, vamos lembrar, tinha sido segurança de Moreira Franco e do deputado federal Rubem Medina, irmão de Roberto Medina. O “Jornal do Brasil” assim registrou o enterro de Miguelão:

     

    “Cerca de 300 pessoas compareceram ao enterro no Cemitério do Pechincha, em Jacarepaguá, marcado por tensão e revolta. (…) Parentes e amigos –que não se identificaram—acusaram o governador Moreira Franco de ter sido o mandante do assassinato”.

     

    É este o idealizador da intervenção militar no Rio. Ele é parceiro da rede Globo. Você confia neste homem?