Taquicardia. O sono interrompido. Susto de dor e febre. Vômito. Diarreia. Nada acabou, pensei, e a dor estava maior ainda. Passei à noite muito mal, mas achei que dormindo tudo melhoraria, mas não. O mundo girava, estava difícil ficar em pé, mas precisava me resolver, não dava para continuar assim, peguei meu celular e comecei a procurar por um hospital…
Hôpital Lariboisière, construído no século XIX, que é até considerado um monumento histórico, é um hospital público que financia suas próprias pesquisas, 80% da conta é paga pelo governo francês, enquanto você (ou o seu convênio) é responsável pelos 20%. Funciona bem. Eles têm orgulho em colocar na conta que você é responsável pelas pesquisas e por fazer com que o sistema seja acessível à todos, mesmo que você não tenha os documentos necessários. Hospital público francês garante os direitos dos contribuintes, e até dos que não contribuem.
Cheguei na emergência e fui atendida por uma jovem enfermeira negra, que estava dando risada e brincando enquanto ensinava sua colega, branca de olhos azuis, como fazer o procedimento, que papéis ela deveria preencher. Só fui saber depois, mas entrei no hospital com um pouco de febre, 38.2, e me colocaram imediatamente em um quarto. Demorou muito para um médico aparecer, mas eles só me dariam remédio depois de terem certeza do que se tratava. É o procedimento aqui (e admito que fiquei com raiva disso, no começo, porque tudo o que queria era que a dor passasse).
O médico apareceu: o que você está sentindo? Vi no seu formulário que já esteve aqui há um mês. São os mesmos sintomas? Me fez uma série de perguntas, as quais tentei responder porque estava com muita dor. Na primeira vez eles acharam que era só uma cólica, não me pediram nenhum outro exame além do de sangue e mandaram para casa.
Dessa vez não. Como apresentei os mesmos sintomas, eles queriam pesquisar melhor o que eu tinha. Pedi para o médico por um remédio para dor, e ele perguntou porque eu ainda não havia tomado, que preciso comprar remédios para dor e tê-los em casa. Chamou a enfermeira, receitou um soro e um remédio para dor. Eram umas 3 ou 4 horas da manhã.
O remédio para dor não funcionou, e eu não dormi nada. Mais tarde um outro médico passou, e ele me mandou a um ginecologista, receitou uma radiografia, e para finalizar encontraria com gastros. Um dia todo de exames, e com muita dor, mas ainda assim, se fosse no Brasil só teriam me dado remédios para dor e me mandado para casa.
Um enfermeiro gordinho, muito simpático, me levou de maca pelos corredores do imenso hospital, onde vi anúncios dos sindicatos nas paredes contra a privatização da saúde, contra cortes de gastos, etc. Um hospital bem ativo politicamente. Na França todos fazem política, e isso não é criminalizado como no Brasil. Na foto abaixo observamos uma parte do hospital fechada para atender os casos do COVID 19:
Parte do hospital estava fechada para tratamento dos pacientes com COVID 19
Cheguei na sala do ginecologista, onde esperei literalmente duas horas pela consulta. Depois uma enfermeira veio e me levou em uma outra maca para fazer a radiografia, na qual examinaram meu intestino, acreditaram que eu poderia ter o COVID 19, que pode se apresentar de formas diferentes em cada pessoa.
Voltei para a emergência do hospital, fiquei na enfermaria, não no quarto, mas logo uma enfermeira veio, e tive que fazer exame de fezes e de urina, o que em um hospital brasileiro público demoraria horas para ficar pronto, em alguns minutos os médicos já tinham os resultados, mesmo com parte do hospital fechado por causa do COVID 19.
Pouco depois vieram dois médicos gastros, uma moça branca e um moço negro, ambos cirurgiões gastrointestinais, me avisar que eu estava com apendicite e que precisaria ser operada o mais rápido possível, mas que não era para eu me preocupar que seria uma cirurgia rápida, e me explicaram que o procedimento seria feito pelo meu umbigo com uma câmera, muito moderno e simples.
Fiquei surpresa com o acesso rápido a tantos médicos, a facilidade com os exames, a tecnologia disponível em um hospital público, além do aspecto da enfermaria, limpa, tranquila, e até vazia. Veja no vídeo abaixo como é uma enfermaria em um hospital público francês.
Nunca havia sido operada de nada, e não estava ansiosa para fazê-lo em um país desconhecido no meio da pandemia, que se refletia no uso de máscaras por todas as pessoas a minha volta, no senhor indiano que não queria usar a máscara, e com o qual à enfermeira francesa gritava para que colocasse a máscara de volta porque o resultado do teste de COVID 19 dele ainda não havia saído.
Antes de terem certeza de que eu poderia ser operada no dia seguinte, fiz o teste de COVID 19: um cotonete no meu nariz, e foi isso. Alguns minutos mais tarde o resultado estava pronto, e tinha sido negativo, portanto no outro dia seria operada. Enquanto esperava pela cirurgia na manhã seguinte, me levaram para um pequeno quarto.
Não me deram remédios para dor, apenas antibióticos, por isso não dormi nada. Depois eles atrasaram para me levar para a sala de cirurgia, onde esperei e esperei por horas, porque um moço todo engessado (até a cabeça, e negativo para COVID 19), e uma moça, cujo grito rouco é uma lembrança terrível (positiva para o COVID 19), passaram na minha frente para a cirurgia.
A anestesista era de descendência portuguesa (e por isso falou em português comigo, me distraiu fazendo piadas), enquanto a cirurgiã era italiana, e o enfermeiro um jovem africano. Todas as enfermeiras que eu conheceria depois da cirurgia também eram negras e estrangeiras. A vida da França está na mãos dos imigrantes.
Passei mais dois dias no hospital depois disso, não foi fácil, mas sei que o que tive acesso ali não teria em nenhum outro local público no Brasil. É o que o SUS ainda poderá ser.
Foto tirada do quarto em que fiquei, quando o sol estava se pondo
Com reportagem de Flávia Martinelli e Ariane Silva, especial para o blog MULHERIAS
Não são apenas máscaras, testes, respiradores e leitos de UTI que estão em falta durante a pandemia do coronavírus no Brasil. Faltam também informações oficiais e protocolos de tratamentos realistas para quem está em casa lidando com sintomas leves da Covid-19 nas periferias. Com ou sem teste positivo para a doença, os que já confirmaram o vírus ou suspeitam que foram contaminados são orientados pelo Ministério da Saúde a isolar-ser num quarto de casa, de preferência exclusivo. As orientações incluem ter à mão um termômetro e um telefone para se comunicar com um agente comunitário de saúde ou ligar para o SAMU 192.
Essas condições, no entanto, não contemplam a imensa maioria da população periférica e as comunidades estão se virando para sobreviver. Nesse Brasil “invisível”, cerca de 16% da população, ou seja, 31,1 milhões de brasileiros, não têm sequer a garantia da mais elementar necessidade dos cuidados com a saúde: água potável encanada. Quarto isolado, banheiro próprio e até termômetro e celular com crédito, é óbvio, para muitos ainda são artigos de luxo.
Diante disso, o blog MULHERIAS elaborou um guia realista e popular para lidar com a Covid-19em casas da quebrada. São informações recolhidas em manuais para profissionais de saúde e adaptados para linguagem leiga, adendos práticos feitos por profissionais de saúde, agentes comunitários e redes que se auto-organizaram e criaram seus próprios protocolos básicos.
Profissionais denunciam a falta de cuidados específicos
“Quem busca atendimento e é liberado para se tratar em casa não recebe sequer um folheto de orientação. Em teoria, todo mundo estaria sendo acompanhado à distância por profissionais do SUS, mas o que acontece é que faltam profissionais e estrutura de atendimento para que esse acompanhamento seja feito da forma correta”, diz a professora de enfermagem Natália Stofel, de 34 anos, que testemunha o impacto da pandemia nas comunidades enquanto orienta seus alunos em São Carlos, no interior de São Paulo, onde mora e dá aulas.
“A reorganização do sistema de saúde não foi feita pelo Ministério nem por milhares de Secretarias de Saúde, mas pelos próprios profissionais”, explica a enfermeira que também trabalha voluntariamente em lugares carentes de todo tipo de atendimento. Em sua cidade, Natália conta que a solução foi formar um “comitê popular de crise” para debater os problemas e propor soluções com representantes da população e técnicos da área de saúde. “O grupo oficial que o Estado montou não tinha ninguém da área técnica. Não adianta. A iniciativa que está dando certo e está sendo levada à frente foi feita pelo movimento negro aqui da região.”
A mesma crítica é feita pelo agente comunitário de saúde Adailton Costa, de 27 anos, que trabalha em Santarém, no Pará. Há seis anos no ofício pelo SUS, ele explica que sua categoria profissional é formada por pessoas que moram nas comunidades e são contratadas para acompanhar a saúde de seus vizinhos, fazendo visitas, levando medicação gratuita, monitorando sintomas de doenças diversas para, se for o caso, encaminhar pacientes para as Unidades Básicas de Saúde (UBS).
“É a chamada atenção primária, que tem caráter preventivo, e poderia ter sido uma ferramenta valiosa o combate à Covid-19 se os profissionais tivessem recebido apoio do governo na forma de treinamento e equipamentos para realizar esse trabalho durante a pandemia. Mas isso não foi feito.”
O agente de saúde Adailton, ao centro, com outras profissionais na linha de frente do combate à pandemia: “temos que ser realistas: todos dizem para monitorar temperatura mas é mais comum do que se imagina as pessoas não terem termômetro em casa” (Foto: Acervo pessoal)
Adailton denuncia não apenas a falta de equipamentos de segurança, que arca por si com máscaras caseiras e chegou a perder uma colega de trabalho para a doença, mas de informações. “Os protocolos que determinam quais sintomas monitorar e tratar, como organizar o fluxo de atendimento em hospitais mudam com frequência e muitas vezes não chegam. Ficamos sabendo do que é para fazer com semanas de atraso. E isso por meio do Whatsapp quando colegas compartilham a versão que têm.”
Em seu município, a população em geral conta apenas com uma linha de celular para oferecer orientações sobre a doença. “É um único número para atender ligações de 300 mil moradores. Vive ocupado, claro, ninguém consegue falar”, conta. “Temos que ser realistas: todos dizem para monitorar temperatura mas não é comum as pessoas não terem termômetro nem nas comunidades! E as dúvidas são muitas vezes simples, como lavar roupas de uma pessoa doente.”
Guia popular para tratamento de Covid-19 em casas de periferia
O que é feito em casos leves, então, é tratar dos sintomas para permitir que o próprio sistema imunológico do paciente dê conta de curar a doença. É preciso ajudar o corpo nessa empreitada com bastante água, boa alimentação, repouso, além de tomar medidas para não infectar outras pessoas com quem se divide o espaço.
Antes de tudo, porém, é importante ter alguma calma. Mantenha a casa organizada e preparada dentro do possível. Reze, medite, conecte-se com crenças ou pensamentos reconfortantes e prepare-se de maneira racional para enfrentar a doença. Por fim, todos os profissionais envolvidos nesse Guia pedem o favor de compartilhar essas informações, que estão checadas e confirmadas com especialistas em saúde, com o máximo de pessoas possível, sendo solidário e podendo salvar muitas vidas.
Se você suspeita ou está com sintomas leves de Covid-19
Tenha em casa dipirona ou paracetamol para controlar a febre e ajudar na dor no corpo Os dois medicamentos são oferecidos gratuitamente pelo SUS. Converse com a sua agente comunitária de saúde para levar os remédios até você ou peça para alguém buscá-los na Unidade Básica de Saúde mais próxima à sua casa usando máscara ou cobrindo o rosto com uma camiseta de algodão.
Foto: Getty Images
Não vá a hospitais ou UPAs a menos que tenha sintomas graves. Se você não estiver doente, em muitos hospitais corre o risco de se contaminar lá. Em caso de dúvidas para testagem ou se estiver precisando de remédios e não tiver em casa, procure o agente comunitária de saúde. Eles são profissionais capacitados para atuar e diversos bairros das periferias contam com o apoio desses profissionais.
Monitore sempre a temperatura, se possível usando um termômetro
Há modelos por cerca de R$ 10. Mas caso não tenha, você conseguirá checar as variações de temperatura com a mão na testa ou por causa dos constantes calafrios. A febre causada pela Covid-19 costuma ser alta, é fácil de perceber. Para ajudar ficar confortável e lidar com os sintomas, dipirona ou paracetamol são recomendados de 8 em 8 horas. Cuidado com os anti-inflamatórios (tipo ibuprofeno), que nos últimos anos viraram “bala” e algumas pessoas usam inocentemente para dores em geral e podem agravar quadro de Covid-19.
Em caso de tosse, uma mistura de limão e mel podem funcionar tão bem quanto alguns xaropes da farmácia. Então, dê preferência ao tipo caseiro num primeiro momento. Para os que são medicamentos, só use com recomendação médica pois alguns duplicam os analgésicos e é perigoso.
Tome bastante água, alimente-se bem e limpe tudo o que tocar com água e sabão
Se você ou alguém da sua comunidade sofre com desabastecimento de água, falta de comida ou produtos de higiene, peça ajuda. Sua casa precisará de água limpa e potável, comida e produtos de higiene. Os que estão saudáveis poderão mobilizar esforços para salvar a sua vida. Não tenha vergonha, quando tudo passar você retribuirá a atenção.
Quem está doente precisa beber no mínimo dois ou três litros de água por dia (que podem ser também na forma de chás, sucos ou sopas). Hidrate-se toda hora porque o vírus acomoda-se mais rápido em garganta seca.
Faça no mínimo três refeições por dia para o corpo se recuperar. Tenha um pequeno estoque de chás, canja de galinha, sopas diversas e sucos de limão, laranja e etc. Eles não fazem mal mas também não curam. São tão importantes quanto qualquer outra fonte de água e vitaminas para o seu corpo. Cuide bem dele, é ele que vai fazer todo o trabalho de te curar.
Não deixe faltar água e sabão pois tudo tocar precisará ser higienizado para não contaminar outras pessoas. Ou seja, mesas, balcões, móveis, torneiras e maçanetas de portas precisarão ser limpos constantemente.
Faça repouso
Todo doente precisa descansar e muito. Não saia de casa mesmo se começar a se sentir melhor. Toda pessoa com Covid-19 deve ficar isolada em repouso por 14 dias.
Morador usa máscara na favela da Rocinha, no Rio Foto: Fabio Teixeira/NurPhoto via Getty Images
O que fazer se você divide a casa com uma pessoa infectada
Tente isolar um canto da casa para o doente
Nem todas as famílias conseguem ter um cômodo separado para a pessoa infectada, mas é preciso fazer o possível para reduzir os riscos de infectar as outras pessoas que moram na casa. Mova móveis de lugar ou use um tapete para determinar uma área o mais isolada possível para o paciente. Tente limitar a movimentação da pessoa em isolamento domiciliar e minimizar ao máximo o compartilhamento de espaço.
O contato entre as pessoas que moram juntas também deve ser feito com muito cuidado. Mantenha sempre pelo menos 2 metros de distância, nunca deixe quem está doente dormir na mesma cama com outra pessoa. Todos na casa devem usar máscara ou pano de algodão cobrindo o rosto o tempo inteiro.
Limite o número de cuidadores
O ideal é atribuir a função de cuidador a apenas uma pessoa, que esteja com boas condições de saúde, sem ser do grupo de risco. Em todos os contatos com o doente, o cuidador precisa estar sempre de máscara bem ajustada, que cubra a boca e nariz, e ter total atenção para não tocar nela durante o uso, além trocar a máscara quando ela estiver molhada.
A pessoa adoecida deve permanecer o maior tempo possível com a máscara. Se não tolerar, deve realizar rigorosamente cobrir a boca e nariz ao tossir ou espirrar com a parte de dentro do cotovelo, ou utilizando lenço descartável, e descartar adequadamente os materiais usados para a higiene respiratória.
Ventile o ambiente e limpe tudo
Deixe as janelas sempre abertas para o ar circular e higienize com frequência móveis, aparelhos domésticos e maçanetas com água e sabão, álcool 70% ou água sanitária.
Se tiver um umidificador, deixe perto do doente quando for dormir. Se não tiver, pode ligar o chuveiro na água quente ou fazer uma inalação com água numa bacia respirando o vapor.
Crie a rotina de limpeza das mãos
Lave com água e sabão, respeitando os cinco momentos de higienização:
1 – antes de contato com a pessoa;
2 – antes da realização de qualquer contato ou procedimento;
3 – após risco de exposição a fluidos biológicos (como tirar a temperatura, ajudar a trocar de roupa ou alimentar-se);
4 – após contato com a pessoa;
5 – após contato com áreas próximas à pessoa, mesmo que não tenha tocado a pessoa, cuidando direta ou indiretamente da pessoa.
Enxugue as mãos preferencialmente com toalha de papel. Se não tiver, use toalha de pano limpa e troque por outra quando ela estiver molhada.
Deixe produtos de higiene no banheiro
No caso de banheiro compartilhado, é importante deixar produtos para higienizar o local após cada uso da pessoa infectada. Tudo em que o paciente encostar, como vaso sanitário, descarga e torneira da pia e do chuveiro, deve ser higienizado com uma solução de água sanitária com água, álcool 70% ou esfregando água e sabão com uma buchinha.
Separe roupas e utensílios
Pratos, copos e talheres devem ficar separados porque o vírus pode permanecer vivo nas superfícies por até 3 dias. Separe também roupas de cama, sem nunca compartilhá-los. Estes itens deverão ser limpos com água e sabão após o uso e poderão ser reutilizados. A roupa contaminada para lavar precisa ficar num saco plástico separada das roupas dos outros integrantes da casa. Não agite e evite o contato da pele nessa roupa usada pelo doente. Tudo o que a pessoa com Covid-19 usar deve ser lavado com água e sabão em pó. Pode-se usar máquina de uso doméstico comum. Deixa todas as roupas secarem bem antes de usar de novo.
Visitas nem pensar!
Essa dica vale para todo mundo nesse momento, mas para casas com pessoas infectadas é ainda mais importante: não é a hora de receber visitas. Se alguém precisar entregar alguma coisa, a pessoa deve permanecer fora da casa. Se um morador ficar doente, todo mundo que mora com a pessoa deve ficar em isolamento por 14 dias.
Quando ir a um hospital ou ligar para o Samu (192)
m pouco de “cansaço” para respirar todos os doentes podem sentir, mas se intensificar, com dor torácica, respiração ofegante, sensação de desmaio, palpitações, vômito e febre alta, é indispensável procurar assistência médica.
Se a febre estiver muito alta (a partir de 39ºC), não baixar com o uso de medicamentos antitérmicos (como a dipirona e o paracetamol), em caso de falta de ar ou se a pessoa aparentar ter dificuldades de falar ou raciocinar é hora de buscar atendimento.
Febre alta será comum em algum momento mesmo nos casos que não complicarão. Mas é preciso buscar um médico no caso de febre maior que 39°C, sem baixar, por 4 dias ou mais. Esse foi o critério adotado pela Prefeitura de São Paulo para internação em Hospitais de Campanha dos casos “leves” até aqui.
Cheque qual a unidade básica de saúde ou hospital de referência no tratamento da Covid-19 está mais perto. É importante chegar lá já de máscara ou com um pano de algodão enrolado no rosto para cobrir a boca e o nariz. Ali a pessoa será encaminhada para uma área específica para pessoas com suspeita de Covid-19 para aguardar atendimento.
Ao ligar para SAMU 192 ou para o serviço de transporte hospitalar informado por um agente comunitário de saúde informe que o paciente está em isolamento domiciliar por causa da Covid-19.
Fontes: Adailton Costa, agente de saúde de Santarém (PA), estudante de bacharelado interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal do Oeste do Pará e membro do Sindicato dos trabalhadores em Saúde Pública do Estado do Pará (SINTESP); professora Natália Stofel, enfermeira pelaUniversidade Federal de São Carlos, doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Pelotas e mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo; Rede de Apoio às Famílias de Vítimas da Covid no Brasil com base em orientações de médicos, enfermeiros e agentes de saúde voluntários, Ministério da Saúde e Centro de Operações de Emergência – Doença pelo Coronavírus (COE).
Vocês ouviram o que o Weintraub falou do STF? E a Damares sobre os governadores? E o Araújo sobre a China? E a intervenção na PF? E os palavrões do Bolsonaro? Um show de horrores, todo mundo se abraçando e o Paulo Guedes… pá! Coloca uma granada no bolso do inimigo! O inimigo, no caso, somos nós.
Essa é a mão invisível do Paulo Guedes. O ministro mais aloprado do Bolsonaro é o que menos apanha nos jornais e TV. Quando acordou no dia seguinte, depois de saber que era Paulo Guedes no comando e não o fajuto “plano Marshall”, o mercado aliviado, mandou avisar aos jornalões: “avisa aí que acordei tranquilo”. Ora, direis, ouvir mercado? Sim, o dólar baixou, a bolsa subiu. Isso significa em mercadês: “o mercado acordou tranquilo”. Nas redações existem aqueles que escrevem sobre mercado, previsão do tempo e horóscopo. Nem sempre acertam, mas não deixam de escrever.
De todos os aloprados do governo, o Paulo Guedes é o único que não é apresentado como tal. Ora, é a voz racional, que pensa nas contas. Ora, é a voz da ousadia, dos arroubos de sinceridade, um capitalista agressivo, instintivo. Mas não há dúvidas lançadas sobre ele. Nem mesmo sobre sua capacidade em fazer o que promete. Nem espanto quanto ao casamento explícito entre o liberalismo e o autoritarismo, que ele advoga constantemente, desde sua influência chicago-pinochetista.
O vídeo da reunião ministerial é um exemplo em que podemos notar duas coisas. A primeira é que o Paulo Guedes subiu na goiabeira e viu o livre mercado numa epifania. A segunda é que nem que aparecesse com a cueca no lugar da máscara ele seria questionado pela grande mídia e pelas vozes do “mercado”.
Vamos então decifrar o grande projeto apresentado há exatamente um mês, quando a pandemia já corria todo o mundo e o Brasil. Ele diz que a retomada do crescimento só viria pelos investimentos privados, turismo, abertura da economia e reformas. Que não caberia voltar a uma agenda de trinta anos atrás, com investimentos públicos financiados pelo governo, que foi o que a Dilma fez durante trinta anos (sic!).
Se o mundo for diferente, teremos capacidade de adaptação: colocar 1 milhão de jovens aprendizes recebendo R$ 200 para bater continência, aulas de OSPB e abrir estradas. Eis nossa capacidade de adaptação.
Cassinos! Chamados aqui de resorts integrados, para não espantar. Atrair bilionários, executivos do mundo inteiro para fazer convenções e jogatina. O exemplo é o de Cingapura, cidade-estado que atrai milhões de turistas por ano – abstrai-se o fato de que está localizada num centro financeiro e de exportação industrial que gera uma circulação de milhões de magnatas ao longo do ano. Mas Angra dos Reis viraria a Cancún brasileira. Cada bilionário deixaria no cassino brasileiro o dinheiro ganho no dia anterior – ganho aonde, ele não explicou. “Ô Damares, deixa cada um se fuder!” Venha se fuder em Angra dos Reis, poderia ser o slogan da campanha. Critério: ser bilionário, vacinado e maior de idade. Não entra nenhum brasileirinho lá – os brasileirinhos provavelmente estarão ganhando R$ 200 por mês no quartel.
Ele recebeu um recado do embaixador dos EUA: vamos colocar centenas de bilhões de dólares no Brasil, mas precisavam de um “bom ambiente de negócio”. O Braga Netto traduziu: segurança, segurança… (Talvez pudesse ter dado o exemplo de quantos bilhões de dólares entraram no Rio de Janeiro quando ele assumiu a intervenção federal na segurança).
Guedes diz: aprovamos a reforma da previdência e vamos seguir a agenda de reformas. Já leu oito livros sobre cada episódio de “reconstrução” da Alemanha pós-I Guerra e II Guerra e do Chile, de Pinochet. A conta é de mentiroso, como sua estante de livros entrega.
O Braga Netto ouviu na OCDE que eles já consideram o Brasil dentro. Depois repetiu que “estamos com o apoio do Trump”. Guedes diz: “o Brasil vai surpreender o mundo”. “Nosso presidente é democrata e vai fazer as mudanças”. E que o Brasil está sendo elogiado no exterior. Diplomacia do tapinha nas costas, enquanto a fuga de dólares corre solta desde o ano passado.
Guedes diz: não vamos perder a bússola, vamos derrubar as torres do inimigo: excesso de gastos na previdência, juros e… salário dos servidores. Não tem jeito de fazer impeachment se estiverem com as contas arrumadas.
Guedes diz: a China e a Índia precisam comer e o Brasil vai vender soja pra eles. É a trading da água. Eles não têm água, vão ter que abrir mão da agricultura para fazer outras coisas, e aí nós exportamos para eles. Falta dizer do que o Brasil estará abrindo mão para se concentrar na exportação de alimentos para a Ásia – provavelmente seguindo o caminho de abandonar todas as indústrias e serviços de maior agregação de valor, o que, convenhamos, já vem de algumas décadas.
Guedes diz: somos um urso hibernando, quando acordar é sair pra comer o primeiro bicho que passar. Não vamos perder o rumo. Pode botar peruca loura, passar batom vermelho, mas não vamos perder o rumo. Estou passando uma mensagem de tranquilidade. Se fosse um piloto de avião enunciando essa mensagem no microfone, certamente seria uma continuação de Apertem os Cintos…
Resumindo: R$ 200 por cabeça pra 1 milhão de jovens trabalharem nos quartéis, cassinos para bilionários, vender comida para China e Índia, botar granada no bolso do servidor público, ter o apoio de Trump, passar batom vermelho, não perder o rumo, transmitir tranquilidade. Era pra ser mais chocante que um tuíte do Weintraub, um discurso do Araújo ou um vídeo da Damares. Mas é o “homem do mercado”, o cara a ser protegido, a voz da razão.
Os militares se escondem evitando a cena principal na frente das câmeras, o Guedes fala as maiores asneiras, mas é sempre tratado como o “normal” da sala. Até um dia que vai ser revelado como o alfaiate dos tecidos invisíveis, quando o rei estiver nu em praça pública. Mas não contem com a grande mídia para apontar o dedo ao óbvio.
A Organização Mundial da Saúde retirou a cloroquina da lista de drogas que seriam testadas para tratamento da Covid-19 no programa internacional Solidarity. Na segunda (25), a OMS anunciou a suspensão dos testes com hidroxicloroquina para avaliar a segurança do tratamento com o medicamento.
O uso das duas drogas é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A posição intransigente dele foi um dos fatores para as demissões dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos médicos e que discordavam da liberação dos remédios. Dia 20 de maio, porém, o Ministério da Saúde, já sob o comando do general Ramos, alterou o protocolo e ampliou o uso do medicamento para pacientes com sintomas leves. Até então, a permissão era apenas para pacientes graves do vírus.
No Rio Grande do Norte, mesmo sem qualquer comprovação da eficácia da cloroquina, médicos têm defendido o uso do medicamento para tratamento de pacientes do coronavírus. No mesmo dia em que o OMS excluiu a cloroquina da lista de medicamentos para tratamento da Covid-19, a Unimed Natal começou a distribuir o remédio para os pacientes do plano, condicionada à prescrição médica.
O Estado potiguar já contabiliza 242 mortos pela Covid-19 e 5.630 pacientes diagnosticados com a doença.
O deputado estadual Albert Dickson (PROS) apresentou semana passada dois projetos de Lei que pedem a disponibilização para pacientes do SUS de Hidroxicloroquina, Ivermectina e Azitromicina no Estado. Um dos projetos prevê a distribuição gratuita dos medicamentos pelo Sistema Único de Saúde e o outro pede que as medicações sejam distribuídas pelas operadoras de planos de saúde, também gratuitamente e apenas com recomendação médica por receita.
O deputado, que também é médico com especialização em oftalmologia, alegou que já atendeu pacientes infectados pelo novo Coronavírus e disse que no tratamento de seus pacientes com a hidroxicloroquina não houver quaisquer complicações.
“São tratamentos muito gratificantes, pela minha experiência, já dei alta a pacientes que usaram a hidroxicloroquina. A função do medicamento é primordial no início do tratamento, pois ele impede a replicação viral, evitando a evolução da doença”, afirmou o parlamentar.
Para ele, os projetos são de extrema importância, pois não é possível encontrar os referidos medicamentos em farmácias no RN. “A liberação do remédio para todos, na prática, auxiliaria no tratamento já que se tem conhecimento de que alguns pacientes já tiveram acesso à hidroxicloroquina por meio de médicos particulares“, disse Albert.
Albert Dickson é médico oftalmologista e autor de projetos que preveem distribuição gratuita de cloroquina pelo SUS (foto: Eduardo Maia)
Um estudo publicado pela revista médica inglesa Lancet indicou que as duas drogas – hidroxicloroquina e cloroquina – estavam relacionadas ao maior índice de mortalidade. O levantamento reúne dados de 96 mil pacientes infectados pelo coronavírus, de 671 hospitais dos seis continentes.
Albert Dickson não é o único médico que defende o tratamento com a hidroxicloroquina no Estado. O Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte se posicionou a favor do tratamento precoce com o medicamento, como forma de evitar agravamento, e busca de leitos de UTI. Ao mesmo tempo, a entidade também alegou ser contrária a um possível Lockdown no estado.
Para Geraldo Ferreira, presidente do Sinmed, o uso da Hidroxicloroquina é seguro. “É uma droga absolutamente segura, com uso de anos no Brasil para tratamento de malária e lúpus. Ela tem sido desprezada. Está na hora do governo estadual e municipal começar a explorar. Isso poderia diminuir a busca por leitos de hospital e de UTI”, explicou o médico em entrevista ao Jornal na Hora, da 95 FM.
Paralelo a essa realidade local, os governos da França, Bélgica e Itália deixaram de usar a hidroxicloroquina no tratamento de pacientes de Covid-19 depois que a OMS anunciou a suspensão de seus testes com a droga para avaliar a segurança de seu uso em casos de infecção por coronavírus.
Na França, a decisão foi tomada depois que duas entidades responsáveis pela saúde pública no país se declararam contrários à utilização da substância. Na Itália e na Bélgica, as agências de Medicina dos países suspenderam e alertaram contra a continuação do uso do remédio para tratar o vírus.
Entrar em uma universidade pública é o sonho de muitos estudantes brasileiros. Mesmo com diversos fatores que tornam complicadas as vivências na universidade, milhares de alunos em todo Brasil se inscrevem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para tentarem uma vaga no ensino superior. Mas essas instituições estão preparadas para receber esses alunos? Quais são os obstáculos desses jovens? Quem os ajuda nessa caminhada? São questões como essas que fizeram o Com_Texto investigar um pouco dessa trajetória, em 2020, no cenário inédito de pandemia mundial causada pela Covid-19.
Em maio de 2019, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) divulgou que a maioria dos seus estudantes era mulher, parda, com idade entre 18 e 24 anos e com renda per capita familiar de até um salário mínimo. Tais dados foram levantados a partir da V Pesquisa Nacional de Perfil dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), promovida pelo Fórum Nacional de Pró Reitores e Assuntos Estudantis (Fonaprace) da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Para a coleta de informações foram entrevistados 28.481 estudantes dos cinco campi da UFMT, consultando 68,6% da sua comunidade estudantil.
Cerca de um ano depois, em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, estudantes com perfis parecidos com a realidade da UFMT correm o risco de não terem a oportunidade de pleitear uma vaga no ensino superior. Afinal, a edição 2020 do Enem, principal meio de entrada nas universidades, ainda não tem sequer uma data certa para ocorrer, apesar do governo ter gasto muito dinheiro numa propaganda onde atores com mais de 20 anos interpretavam secundaristas com pleno acesso a computadores, smatphones importados, quartos individuais e livros nas estantes. Esse cenário utópico está muito longe da realidade da maioria dos estudantes brasileiros.
DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO
A UFMT foi uma das primeiras universidades a aderir o sistema de cotas sociais, em 2011, antes mesmo da consolidação da Lei 12.711 de 2012, a Lei das Cotas. Ocasionando um quadro de 69% de seus estudantes pertencentes à categoria de baixa renda, além de ter 55% vindos de escolas públicas. Segundo Vinicius Brasilino, Conselheiro de Estado de Educação, representante dos estudantes do ensino superior na Câmara de Educação Profissional e Ensino Superior e também graduando de Saúde Coletiva pela UFMT, essa realidade ampliou o processo de democratização da universidade. “A maior participação de estudantes das redes públicas garantiu que mais jovens das classes populares tivessem acesso ao ensino superior, podendo dar continuidade ao seu processo de formação e escolarização formal”, afirma.
Brasilino ressalta, contudo, que a manutenção desse acesso não basta. É preciso também garantir a permanência dos alunos no ensino superior. “O fato desta democratização ter dado acesso à universidade aos diferentes perfis de estudantes, ocasionou na demanda pela permanência estudantil, o que a gente chama de assistência estudantil: garantia de benefícios para que o estudante possa estudar com qualidade”, explica. “Esses meios podem ser, por exemplo, bolsas alimentação e moradia. Foi por isso que o Brasil criou o Programa Nacional de Assistência Estudantil, para dar conta de atender a esses estudantes que têm especificidades e demandas emergentes dentro das universidades”.
Porém, especialmente por conta dos cortes de verbas desde 2014, as políticas de assistência não conseguem garantir tais benefícios a todos os que necessitam. No caso da UFMT, em 2020 o orçamento total de custeio é 21% menor do que no ano passado, e da assistência estudantil foram retirados cerca de 40% da verba. “Os principais obstáculos que estudantes em vulnerabilidade social enfrentam estão relacionados às políticas de permanência e assistência estudantil. Afinal, a educação vem sofrendo nos últimos anos vários cortes, como a Emenda Constitucional nº 95 , de 2016, que congelou os investimentos em educação, saúde e outras áreas do desenvolvimento social do país por 20 anos”, comenta o Conselheiro de Estado de Educação.
Vinicius Brasilino também vê como prática perigosa aos cidadãos o possível agendamento da prova do Enem ainda em 2020. “Observando o movimento da pandemia no Brasil e as ações que o Governo Federal vem tomando, que são muitas vezes contrárias ao que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem proposto, a realização do Enem não só coloca em vulnerabilidade sanitária milhares de estudantes, como também se transforma em instrumento de ampliação das desigualdades educacionais e sociais do Brasil”, analisa.
Em razão da pandemia do Covid-19, o Enem 2020, incialmente marcado para os dias 1 e 8 de novembro, provavelmente será adiado de 30 a 60 dias, de acordo com Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que aplica a prova. A contragosto do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, e do Governo Federal, o Senado aprovou um projeto de adiamento o exame por 74 votos a 1 (do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República). No dia seguinte, o presidente do Congresso, deputado Rodrigo Maia, informou ao presidente o projeto teria placar semelhante na Câmara dos Deputados, forçando o mudança.
Sem dúvida essa foi uma grande vitória das pressões de organizações como a União Nacional dos Estudantes (UNE). Mas ainda não é o suficiente. “O adiamento do Enem de 30 até 60 dias, mantém o processo perverso desse governo de privilégios, assim como a anuncida modalidade virtual do exame. Quem realmente tem acesso à internet para fazer o Enem digital? Quem fará virtualmente poderá fazer a prova de sua casa com um conjunto de livros e conteúdos ao lado, com condições de ter um melhor resultado na prova? Para mim, o Enem digital reforça ainda mais uma falsa meritocracia e condições desiguais de acesso à universidade. É um equívoco”, afirma Vinicius Brasilino.
Alunos da UFMT em manifestação contra o projeto Future-se, em 2019 (Foto: Com_Texto)
FUTURO E INCERTEZAS
Luiz Antônio está no quinto semestre do ensino médio integrado ao curso técnico em edificações, no Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) – campus Várzea Grande. Com 18 anos, seus planos no início de 2020 eram prestar o Enem e concorrer a uma vaga na UFMT. “Eu costumava passar em torno de 35 a 40 horas semanais na escola, tudo isso entre aulas, projeto de pesquisa e extensão e grupo de estudo. Esse ano seria o meu último ano do ensino médio, mas agora já estamos nos encaminhando para o terceiro mês de aulas interrompidas por causa da pandemia do novo coronavírus”, conta.
Sem aulas desde o dia 17 de março, o estudante declarou que sua rotina mudou bastante. Como passava muito tempo na escola, se organizava para estudar no colégio, e em casa dedicava-se às outras responsabilidades domésticas. Diferente de outros alunos da sua escola, Luiz Antônio tem acesso à internet em casa, mas ainda assim preferiu fazer a prova na modalidade física, por segurança. “Eu tenho acesso à internet em casa, o que tem me ajudado bastante nesse processo de adaptação. E devido aos problemas da correção da edição passada do Enem, eu optei pela versão impressa da prova, porque tenho um pouco de incerteza com essa experimentação”, assume.
Apesar do ministro dizer que foi “o melhor Enem de todos os tempos”, a edição de 2019 teve erros de correção, além do vazamento de uma das páginas da prova durante o dia do exame, em 3 de novembro. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), foi divulgada uma foto da folha de redação antes do final do exame, já no momento da correção. E quem fez a prova com uma determinada cor de gabarito, teve suas respostas corrigidas com base em um gabarito de cor diferente.
Diante de tantas dúvidas, Luiz comenta que, assim como ele, seus colegas estão muito inseguros. “Tudo isso tem sido muito comentado nos grupos de turmas sobre o Enem, e tudo é uma grande incerteza. Ninguém sabe como vai ser ou o que pode acontecer. Está todo mundo muito apreensivo porque o ano está correndo e já perdemos o final de semestre todo. Então estamos ficando para trás sim, comparado aos alunos de escola particular”, revela.
Sobre os próximos acontecimentos com relação ao Enem, o estudante acredita que o melhor é o cancelamento da aplicação da prova em 2020. “Eu acho as discussões sobre o adiamento do Enem muito pertinentes, porém, ao meu ver, o correto nesse momento seria o cancelamento dessa edição. Porque já foi praticamente todo o primeiro semestre do ano e as escolas estaduais de Mato Grosso não chegaram nem a começar o ano letivo de 2020, enquanto as escolas particulares já estavam praticamente no fim do primeiro semestre”.
OBSTÁCULOS DIFERENTES
Para uma professora de biologia que atua há 20 anos em escolas estaduais de Mato Grosso, que preferiu não ter a identidade revelada, os alunos da rede pública e da rede particular têm condições intelectuais iguais para prestar o Enem. A diferença entre os dois perfis está nas oportunidades sociais que acabam por privilegiar apenas um dos lados. “Os alunos de escola pública têm que trabalhar mais para conseguir uma vaga na universidade. Então, quando eles conseguem, é muito gratificante porque é todo um universo que eles conseguiram vencer. Por isso que, intelectualmente, eles têm condições tanto quanto um aluno de escola particular, porém em relação à estrutura social eles saem perdendo”, comenta a professora.
Com experiência no ensino também em escolas particulares, a professora ressaltou a diferença dos perfis dos alunos que frequentam escolas pagas daqueles matriculados em instituições públicas. “Quando dei aulas em escolas particulares, no começo da carreira, os alunos, em sua maioria, eram classe média ou classe média alta. As escolas tinham boas estruturas, como lousa mágica, internet veloz e salas climatizadas. Além do que, grande parte dos estudantes de escolas particulares não trabalhavam. Já os meus alunos do ensino público normalmente têm duplas jornadas. Se estudam de manhã, trabalham à tarde, e se estudam à tarde, trabalham de manhã, em sua maioria em empregos com carga horária pesada”, conta.
A professora defende a educação pública, acredita que apesar das dificuldades enfrentadas por alunos e até mesmo por professores, o ensino gratuito garante o atendimento a demandas às quais as escolas particulares não se comprometem.
“Outra grande diferença entre a escola particular e pública é que são poucas as escolas pagas que têm, no meu conhecimento, ensino inclusivo com alunos PcD (Pessoas com Deficiência). Na escola pública, esses estudantes são inclusos em salas regulares. E falando do estado de Mato Grosso, existem também as escolas quilombolas, indígenas e rurais com logísticas diferentes”, salienta.
Atenta à diversidade de perfis, a educadora também se preocupa com o lado psicológico dos estudantes que pretendem realizar o Enem. “Como todos que estão passando por essa pandemia, os estudantes estão assustados e com medo, de certa forma sem condições psicológicas para fazerem uma prova densa como o Enem”, acredita a professora. “E nesse momento, o aluno de escola pública estadual soma a essas inseguranças a angústia de não ter iniciado o ano letivo devido à greve realizada ano passado. E o que a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) disponibilizou para eles, que são aulas online e/ou pelo canal da TV Assembleia, não é o ideal. Eu sei disso porque participo de grupos de conversas com eles e eles dizem que não têm condições porque não entendem os conteúdos devido aos problemas de conexão”, revela.
As transmissões das videoaulas acontecem via TV ALMT (canal 30.2), com aulas inéditas e reprises durante a semana. As aulas são sobre as quatro áreas do conhecimento exigidas no Enem: matemática; linguagem e suas tecnologias; ciências sociais aplicadas; e ciência da natureza e suas tecnologias. O projeto foi apresentado pelo deputado estadual Delegado Claudinei (PSL), no dia 8 de maio, pela indicação de n.º 1.572/2020, na qual propunha à Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) a aplicação de método de ensino a distância para promover aulas virtuais para alunos da rede pública estadual durante a pandemia do novo coronavírus.
Estudante segurando cartaz “Em defesa da educação pública” durante as manifestações contra os cortes no setor em 2019 (Foto: Com_Texto)
DIMINUINDO BARREIRAS
A Rede de Cursinhos Populares Podemos+ formada pelo Levante Popular da Juventude ajudou a aprovar em 2019 mais de 100 alunos no Enem. Criada em 2017, em São Paulo, a rede está presente em 50 cidades, distribuídas em 21 estados do Brasil, e tem em sua organização 1600 educandos e 800 educadores. Com componentes voluntários a Podemos+ reúne pessoas que buscam ajudar jovens brasileiros que são afastados ou excluídos do ensino superior a ingressar em universidades federais ou estaduais.
“As experiências na nossa rede de cursinho estão vinculadas aos jovens da classe de trabalhadores, que são moradores de periferias, jovens estudantes de escolas públicas, jovens mães, e aos que não têm possibilidade de pagar mensalidades absurdas em cursos preparatórios. Nosso objetivo é com as questões de igualdade mesmo, de facilitar o acesso à universidade, como é o caso do cursinho de escrita acadêmica que serve justamente para aqueles que têm dificuldades em desenvolver trabalhos com critérios acadêmicos”, explica a Coordenadora da Rede de Cursinhos Populares Podemos+ e da Frente Territorial do Levante Popular da Juventude, Lorhana Lopes.
Outra ação neste sentido foi o mutirão de ajuda na realização das inscrições no Enem. “A gente precisava fazer com que o máximo de pessoas tivesse acesso. Por isso, movimentamos mais de 800 pessoas, em ação voluntária, para contribuírem nesse processo que é extremamente burocrático. Então, passamos por processo formativo, lemos todas as informações da plataforma do Inep, e depois entramos em contato por telefone com pessoas que preencheram o formulário básico para solicitar a ajuda, além dos outros educandos já inscritos”, conta Lorhana. Em Mato Grosso, a Podemos+ atua desde 2019 em Cuiabá e conta com 42 educadores voluntários. No primeiro ano de curso foram aprovados três alunos na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Em 2020, o processo de mobilização foi interrompido pela pandemia do Covid-19, e até o momento da pausa cerca de 60 jovens já estavam inscritos para participarem das aulas.
Questionada sobre o porquê de não continuar com as aulas no formado de Ensino a Distância (EaD), a coordenadora da Rede de Cursinhos Populares Podemos+ em Mato Grosso, Amandla Sousa, revela que a modalidade seria incompatível com as realidades dos educandos que a rede atende. “Nós da Podemos+ não podíamos pensar na manutenção das aulas do cursinho em uma modalidade EaD. Essa não é a realidade da população brasileira. Essa não é a realidade dos sujeitos com os quais estamos contribuindo para que acessem a universidade e essa também não é a realidade de Mato Grosso. Nós temos bairros do município de Cuiabá, onde é a situação de vulnerabilidade dos trabalhadores é tamanha que falta por vezes alimentação para essas pessoas. O que dirá internet”, esclarece.
Segundo a coordenadora, a Podemos+ utiliza uma metodologia da educação popular e justamente por isso considera mais importante acompanhar os educandos e suas famílias neste período de fragilidade causada pela crise sanitária e econômica mundial. “Neste momento nós temos que nos preocupar com a vida do nosso povo. Temos que nos preocupar em garantir condições de vida digna, e o Enem deve se adaptar a esse processo para que ele não seja mais excludente. Na realidade do nosso povo que é tão diverso, que tem tantas dificuldades, adiar o Enem com base no ano letivo de 2020 é fazer justiça social”, afirma Amandla Sousa.
NOTA OFICIAL DIVULGADA NO PORTAL DO INEP
Atentos às demandas da sociedade e às manifestações do Poder Legislativo em função do impacto da pandemia do coronavírus no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Ministério da Educação (MEC) decidiram pelo adiamento da aplicação do exame nas versões impressa e digital. As datas serão adiadas de 30 a 60 dias em relação ao que foi previsto nos editais.
Para tanto, o Inep promoverá uma enquete direcionada aos inscritos do Enem 2020, a ser realizada em junho, por meio da Página do Participante. As inscrições para o exame seguem abertas até as 23h59 desta quarta-feira, 27 de maio.
Por José de Paiva Rebouças, da Agência de Comunicação da UFRN
Além dos vários problemas de saúde e econômicos causados pelo novo coronavírus, estudo realizado pelo Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19 (Onas-Covid-19) sugere que a expectativa de vida ao nascer das pessoas dessa região caiu em variações que vão de 23 dias a um ano e quatro meses, considerando as mortes causadas pelas Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG), que inclui a Covid-19. A média no Nordeste é de 255 dias a menos, enquanto no Brasil a estimativa de vida foi reduzida em 217 dias.
O estudo analisou as mortes ocorridas desde o início de 2020 até o dia 10 de maio, tendo como base os dados preliminares de mortes obtidas pela Central de Informações do Registro Civil (CRC), atualizados diariamente no Portal da Transparência (Painel Covid Registral) e mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen). O trabalho é assinado pelos demógrafos Ricardo Ojima e José Vilton Costa, do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA/UFRN), e Victor Hugo Dias Diógenes, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Demografia da UFRN.
A expectativa de vida de uma população é um indicador demográfico que avalia a incidência da mortalidade de uma determinada região sobre o ciclo de vida da população que tem como expressão mais conhecida a “expectativa de vida ao nascer”. “Trata-se, grosso modo, da média de anos esperados de vida que uma criança nascida em determinada localidade terá caso as taxas de mortalidade presentes se mantenham as mesmas no futuro. Mas essa medida também é calculada para toda as idades da mesma população e temos, assim, que a expectativa de vida pode ser obtida para cada idade exata”, dizem os pesquisadores.
Figura 1 – Ganhos na expectativa de vida ao nascer (em dias) excluídos os óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grade (SRAG), Brasil, Nordeste e Unidades da Federação do Nordeste, 2020. Fonte: Painel Covid Registral, atualização até 10.05.2020.
Os estados que apresentaram os maiores ganhos na expectativa de vida ao nascer, excluindo-se as mortes por SRAG, foram Maranhão, Ceará e Pernambuco, com perdas de 534, 485 e 408 dias de vida, respectivamente. Isso quer dizer que se fossem excluídos os óbitos por SRAG em 2020 no Pernambuco, por exemplo, uma criança nascida nesses primeiros meses do ano nesse estado, poderia viver 485 dias a mais. No Rio Grande do Norte, o número de dias a mais para novos nascidos seria de 62.
Expectativa em todas as idades
A pesquisa do Onas-Covid-19 observou ainda a perda de expectativa de vida considerando também cada idade. “Ou seja, obtemos a expectativa de vida ao nascer, mas também aos 10 anos, 20 anos, 30 anos e assim por diante até o grupo de idade final aberto, nesse caso, 90 anos e mais”, explicam os pesquisadores.
Ao considerar o ganho relativo na expectativa de vida utilizando esse parâmetro, o estudo verificou que os maiores ganhos percentuais ocorrem nas idades mais avançadas. “Percebe-se, por exemplo, que seria de quase 7% o ganho na expectativa de sobrevida de um idoso de 90 anos ou mais no Ceará ou Pernambuco se excluídos os óbitos por SRAG. Ou seja, embora o ganho de tempo médio de vida seja menor conforme avançam as idades, esse ganho representa uma maior proporção na comparação entre a mortalidade total e a mortalidade excluindo-se as mortes por SRAG”, reforçam.
Ganhos na expectativa de vida em todas as idades (em %) excluindo os óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grade (SRAG), Brasil, Nordeste e Unidades da Federação do Nordeste, 2020. Fonte: Painel Covid Registral, atualização até 10.05.2020.
Embora a pesquisa seja um exercício teórico, permite avaliar o peso que tem as mortes por SRAG no conjunto da mortalidade total dessa região. Considerando que as hospitalizações e mortes por SRAG entre os primeiros meses de 2019 e 2020 apresentaram uma diferença expressiva, os pesquisadores dizem ser possível supor que a Covid-19 é um fenômeno que alterou significativamente as condições de saúde da população do Nordeste e seus estados.
Segundo os pesquisadores, mesmo que o número de mortes diárias pare de crescer, a tendência de queda deve ser mais lenta do que foi a curva de subida. “Ou seja, a pandemia da Covid-19 deverá causar uma perda significativa na expectativa de vida ao nascer e o ano de 2020 apresentará uma ruptura nas tendências crescentes que vimos experimentando ao longo dos últimos anos, principalmente em termos proporcionais entre os idosos”, completam.