Jornalistas Livres

Categoria: Rio Doce

Cobertura sobre o maior desastre ambiental da história do Brasil, envolvendo o vazamento das barragens da Samarco e envolvendo principalmente os moradores que vivem próximo ao Rio Doce.

  • Atingidos denunciam na ONU os crimes da Vale

    Atingidos denunciam na ONU os crimes da Vale

     

    Representantes de movimentos de atingidos pela mineração estão em uma jornada de denúncia por diversos países da Europa, sobre as violações de direitos do setor mineral no Brasil e no mundo por empresas da cadeia minero-siderúrgico, que, por meio do seu capital transnacional acirram conflitos e desigualdades.

    No último dia 15, Carolina de Moura, coordenadora geral da Associação Comunitária da Jangada em Brumadinho (MG), e Flávia Nascimento, moradora da comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia, no Maranhão, impactada pela siderurgia e pela ferrovia da Vale, estiveram presentes no evento “Dams and business accountability in the Amazon region: put the draft treaty to a test”, organizado por CIDSE, MISEREOR, Broederlijk Delen, FIDH, Franciscans International, Justiça nos Trilhos, Associação Comunitária da Jangada e Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale. O evento faz parte das ações paralelas à 5ª Sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental da ONU, em Genebra, Suíça.

    No evento foi debatido como o futuro Tratado Vinculante das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos pode contribuir para evitar a impunidade e estabelecer padrões de responsabilidade civil, criminal e administrativa para as empresas, bem como sanções e medidas eficazes de reparação.

    O tema da Amazônia foi destaque e a sua destruição foi apontado como uma preocupação de relevância global. O desmatamento não é a única ameaça a esta região: centenas de barragens foram construídas e planejadas, e as atividades de mineração para extração de petróleo e ferro continuam a se expandir, apesar do pedido global por justiça climática.

    Não apenas o governo, mas também as empresas, desempenham um papel significativo e têm responsabilidades, segundo os atingidos. Nesse contexto, foi discutido como um futuro tratado pode contribuir para evitar a impunidade e estabelecer padrões de responsabilidade civil, criminal e administrativa para as empresas.

    Durante o evento, Carolina de Moura fez inúmeras denúncias contra a mineração no Brasil. “Nós precisamos de especialistas independentes, porque a mineração no Brasil funciona com base no auto monitoramento. Ela mesma faz o estudo do impacto, ela mesma contrata alguém para dar um laudo. A Europa está muito envolvida no caso de Brumadinho, pois foi a empresa TÜV SÜD que deu um atestado falso de estabilidade da barragem. Se eles tivessem dito para o governo e para a população que a barragem estava em risco, nós não evitaríamos o rompimento, não salvaríamos o Rio Paraopeba, mas pelo menos, nós tiraríamos 270 pessoas do caminho da lama”, afirmou sobre a situação de Brumadinho.

    Flávia Nascimento contou sobre a história de luta do povo de Piquiá de Baixo, que há 30 anos sofre com os impactos da mineração e há 15 anos iniciou sua luta por reassentamento. Em um discurso emocionado, ela fez um apelo: “Nós pedimos socorro porque estamos morrendo aos poucos. A gente fala sobre os nossos problemas e as pessoas não nos ouvem. Nós temos um presidente terrível, cuja Amazônia não representa nada pra ele e se ele continuar agindo dessa forma, nós vamos perder tudo que a gente conquistou.”

    Maria Isabel Cubides, encarregada de programa da oficina de globalização e direitos humanos da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), que moderou a sessão, afirmou que “é importante a realização de uma Jornada de Denúncias para que o cidadão tenha conhecimento dos impactos das empresas e tenha conhecimento sobre as empresas que elas conhecem e que estão ligadas aos bens que elas têm. O que elas consomem têm um impacto concreto. As pessoas muitas vezes veem esse impacto com muito distância.”

    Segundo Maria Isabel, “a ONU, dentro do seus mecanismos pode fazer um monitoramento da situação, por exemplo, das comunidades de Brumadinho e Mariana, de seus processos de reparação. Se são efetivos, adequados e integrais. E também sobre as comunidades afetadas pela mineração no Maranhão e no Pará, que há muito tempo está à espera de reparação efetiva e receber justiça.”

    “É importante que as organizações  convoquem o Estado a reforçar seu Marco Jurídico em termos da responsabilidade das empresas por violações aos Direitos Humanos e o Meio Ambiente e considerar que é uma oportunidade que pode ter muito impacto para que o governo faça essas modificações”, acentuou.

    A atividade foi exibida na íntegra e pode ser assistida em:

    https://www.facebook.com/FranciscansInternational/videos/984782345235506/

     

  • “Não podemos falar em acidente, o que aconteceu em Brumadinho foi crime”, afirma o Promotor Público de Mariana

    “Não podemos falar em acidente, o que aconteceu em Brumadinho foi crime”, afirma o Promotor Público de Mariana

    Três anos após o crime cometido pela Samarco, Vale e BHP em Mariana, Dr. Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais da Comarca de Mariana, concede entrevista aos Jornalistas Livres e fala sobre o novo crime ambiental e humano cometido pela Vale e BHP Billiton.

    Na terça-feira (29), a justiça declarou a prisão de dois engenheiros terceirizados, André Yassuda e Makono Manba, presos em São Paulo, além de três funcionários da Vale, Cesar Augusto Paulino Grandchamp – Geólogo, Ricardo de Oliveira – gerente de Meio Ambiente Corredor Sudeste e Rodrigo Artur Gomes de Melo – gerente executivo do Complexo Paraopeba, presos em Minas Gerais.

    Os CEOs da Vale e da BHP Billiton continuam soltos.

  • Jornada Rio Doce: A doença da Samarco em Barra Longa

    Jornada Rio Doce: A doença da Samarco em Barra Longa

    Exames detectaram contaminação por metal pesado na população de Barra Longa. Após o rompimento da Barragem de Fundão a lama química da Samarco atingiu o centro da cidade, e assim permaneceu por mais de seis meses.

    A contaminação ocorre após o prefeito retirar parte da lama com maquinários e caminhões, depositando-a no Parque de Exposições e outra parte utilizada para calçar a cidade com blocos sextavados. Atualmente o município respira a poeira contaminada por metais pesados que sai pela lateral dos blocos.

    Os estudos com a saúde da população começaram em 2017 por um grupo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, especializados em análises toxicológicas, sob-responsabilidade da Dra. Evangelina Vormittag e assinados pelo Professor Dr. Fernando Barbosa Junior. Em 2016 eles selecionaram algumas pessoas e pediram para responderem um questionário para a autoavaliação do estado de saúde. Pelos sintomas relatados foram solicitados exames de laboratório para verificar se havia alguma contaminação do seu corpo por metais pesados. Para realizar esses exames foram coletados sangue e fios de cabelo das onze pessoas.

    Os exames foram realizados em Janeiro de 2018 no laboratório da faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto. Foram pesquisados 13 metais: Alumínio, Arsênio, Bário, Cádmio, Chumbo, Cobalto, Cobre, Ferro, Manganês, Níquel, Selênio, Urânio e Zinco.

    Em todos os exames foram detectados uma diminuição expressiva da quantidade de Zinco e um excesso de Níquel e Arsênio. Os exames foram realizados em dois equipamentos e laboratórios diferentes e os resultados confirmados.

    Ainda de acordo com a avaliação médica uma pessoa com deficiência de zinco pode ter lesões de pele, difícil cicatrização de feridas, perda de apetite, emagrecimento, queda de cabelo, diarreia, alterações no paladar e olfato, alterações de comportamento e dificuldades de aprendizado e de memória. Além disso, a deficiência de zinco pode ocasionar infertilidade nos homens e desenvolvimento anormal do bebê, retardo do crescimento do feto e má formação congênita do bebê durante a gravidez.

    Caso da pequena Sofya Silva Marques, de 03 anos, que veio recentemente a São Paulo para realizar novos exames. Sofya tinha um ano quando foi atingida e nos últimos dois anos apresentou diversos problemas de saúde, dentre eles coceiras e alergias de pele incuráveis, dificuldade para respirar e perda de apetite. Simone Maria Silva Marques, mãe da Sofya enfrenta uma batalha contra a Samarco e pelo direito a saúde da filha.

    Já o excesso e contaminação por níquel no organismo provocam dor de cabeça, enxaqueca, vertigens, náusea, vômitos, problemas renais e pneumonia seguida por fibrose pulmonar. Os sintomas incluem dor no peito, tosse, falta de ar, e piora dos sintomas da pneumonia, asma e dificuldade respiratória aguda. Os efeitos crônicos da exposição ao níquel por inalação incluem renite, sinusite, úlceras nasais, perfuração dos septos nasais e diminuição da função do olfato. O excesso de níquel pode causar efeitos tóxicos para o fígado e sistema reprodutivo, resultando na produção de espermatozoides deficientes e na gravidez também pode causar má formação congênita no bebê. Há a associação de níquel a casos de câncer no aparelho respiratório (laringe e pulmão) em trabalhadores que lidam com o níquel.

    Odete Cassiano mora com o filho, o pai e a mãe, ambos com mais de 90 anos. Sua família é uma das que tiveram sangue e fios de cabelos colhidos para exames toxicológicos realizados pela Dra. Evangelina Vormittag, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, em janeiro de 2018.

    Em entrevista ela conta que desde 2016 tem problemas de saúde relacionados à lama. Ela e o pai estão contaminados. “Já conversamos várias vezes com as autoridades de saúde de Barra Longa. Eles dizem que o município não tem como tratar o pessoal. Eles sempre dão desculpas para não participarem das nossas reuniões. Hoje gasto R$ 500 por mês em remédios”, diz Odete.

    Todos os resultados dos exames foram entregues para os pacientes, bem como a Secretaria Municipal de Saúde de Barra Longa. A equipe responsável pelo exame concluiu que chama a atenção à presença do mesmo resultado para todos os 11 participantes da coleta. Além disso, das 11 pessoas, três apresentaram aumento no arsênio no sangue e cinco estão com ele no limite superior da normalidade.

    Como há presença de arsênio na cidade, demonstradas em análises de água, sedimento e solo, bem como nos peixes, pode ser que as pessoas continuem sendo contaminadas. Por isso a equipe também ressaltou a importância de se realizar um estudo epidemiológico e de risco toxicológico com urgência nas cidades atingidas.

    A Dra. Evangelina Vormittag, pesquisadora responsável pelo estudo encaminhou um ofício a Secretaria Municipal de Saúde de Barra Longa e ao Ministério Público sobre os resultados da pesquisa para que estejam alertas para a possibilidade de intoxicação por metais pesados na região e, assim, salvaguardar a saúde da população atingida.

    Entenda o Crime da Samarco em Barra Longa

    Em Barra Longa praticamente a cidade inteira foi atingida pelo crime da Samarco. Quem não teve efetivamente a casa invadida por lama, recebeu a contaminação quando o prefeito resolveu calçar a cidade com a terra. Outra questão prejudicial foi à quantidade de caminhões e tratores da Samarco que invadiram as ruas para mudar a lama de um lugar para o outro, mexendo com a estrutura das casas, não preparadas para o alto tráfego de grandes veículos, muitas casas racharam.

    Foram mais de seis meses para que toda a lama fosse removida do centro da cidade e ainda hoje, se vê obras sendo realizadas, casas que ainda não foram recuperadas, causando outro grave problema, a depressão de uma comunidade que se viu obrigada a ficarem longos meses trancados em seus lares.

    Outro receio das mulheres, a quantidade de homens estranhos por lá. Muitos operários na cidade trabalhando na remoção da lama e nas obras, o local que não tinha gente estranha passou a ter e com isso aumentou o número de assédio as mulheres. Barra Longa tem em torno de 6.500 habitantes que, ainda hoje, convivem com máquinas, tratores e pessoas estranhas à comunidade. Uma cidade habitada por gente que só queria a calmaria das pequenas cidades.

    Antônio Luiz Gonçalves, mas conhecido como Riso, conta com tristeza que sua família, além de ser atingida, assinou na pressão a proposta de indenização da Samarco. “Quando os advogados da Samarco me disseram que aquela era a última proposta e que se não aceitasse que eu fosse procurar a justiça lenta do Brasil, fiquei com medo de morrer sem ter minha casa de volta. Assinei”, completa Gonçalves, um dos poucos que não quis entrar na ação coletiva dos atingidos em Barra Longa.

    A contratação de uma assessoria técnica

    Após o rompimento da barragem cada cidade atingida formou uma comissão dos atingidos e contrataram uma assessoria técnica para ajudá-los de forma coletiva, mas centrada ao município. Em Mariana que abrange os distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Ponte do Gama, Campinas, Pedras e Camargos a assessoria técnica escolhida pela comissão dos atingidos é a Cáritas, em Barra Longa é a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social criada por Atingidos por Barragens – AEDAS.

    Alexandra Borba, coordenadora local da AEDAS, explica que a contratação de uma assessoria para auxiliar os atingidos é uma das ações implantadas com o dinheiro que a justiça bloqueou da Samarco e que também visa assegurar o protagonismo dos atingidos no processo de reparação dos direitos.

    População cria coletivo de saúde

    Mesmo atuando com uma assessoria técnica especializada nesse tipo de conflito, a população local montou um coletivo da saúde com o apoio do MAB – Movimentos dos Atingidos por Barragens.

    Sérgio Papagaio, também morador de Barra Longa, colunista do jornal A Sirene e parte do coletivo de saúde, fala que dentre as reivindicações já encaminhadas às empresas responsáveis pelo crime Samarco, Vale SA, BHP Billiton, VogBR, ao poder público e ao Ministério Público constam solicitações como a realização e a divulgação de estudos sobre a saúde das pessoas e dos alimentos que são produzidos e comercializados no local a curto, médio e longo prazo. “Também exigimos projetos sobre a melhor forma de diminuir a poeira que continua contaminando as pessoas pelas vias nasais, durante o simples ato de respirar – veneno, já que o prefeito utilizou a lama cheia de metais pesados para calçar as ruas da cidade com blocos sextavados. Entre diversos itens, a participação popular em todas as decisões também é parte das reivindicações. Nada pode ser decidido sem o aval dos atingidos”.

    Como dizem os atingidos, quem não pisou na lama tem que ceder a vez da fala.

    Campo de futebol e ruas calçadas com a lama química

    Rosana conta que a casa dela foi atingida, além da lama que ela inala todos os dias ao viver em Barra Longa, sua casa está toda trincada devido ao alto tráfego de caminhões e tratores em uma rua não apropriada para isso. “São dois anos com eles indo e vindo para deslocarem essa lama, rachou a casa toda. Eles vieram aqui e ofereceram pintar a fachada”, completa indignada a moradora, atingida por duas vezes pela Samarco e que hoje vive a base de remédio.

    Rosana mora com o marido e o filho. Essa é a segunda vez que é atingida pela Samarco. Em 2000 sua família foi desapropriada para a construção da hidrelétrica Risoleta Neves de propriedade da Vale S.A. e da Aliança Geração de Energia S.A. A família morava entre Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, e toda a população que morava nos limites desses municípios foram obrigados deslocarem. Rosana nada recebeu da desocupação causada pela Vale S.A na época da construção da usina e luta há dois anos para que a Samarco tenha responsabilidade por todos os crimes que cometeu.

    Maria das Dores de Oliveira, senhora de 92 anos, completa 93 no dia 28 de março, moradora da casa que fica em frente ao campo de futebol de lama química depositado pela prefeitura, conta que sempre morou lá e que mais nove famílias também moravam por ali. Todo mundo foi embora, menos ela.

    “Ninguém me tira daqui. Morei toda a vida aqui, tenho tudo plantado. Eu fiquei. Eles até tentaram me tirar, mas não saí, nem quando veio toda a lama. Peguei minha nossa senhora, levantei no alto, pedi e ela ajudou a lama a fazer a curva. Isso tudo é culpa do bicho-homem… o bicho-homem vai acabar com tudo”, diz Maria das Dores.

  • Atuação do Ministério Público no maior crime ambiental do Brasil, a morte do Rio Doce

    Dois anos após o acidente Dr. Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais da Comarca de Mariana, comenta sobre o maior crime ambiental do Brasil cometido pela Samarco, em que momento se encontra o processo, sobre as indenizações e a atuação do ministério público no caso com os atingidos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Ponte do Gama, Campinas, Pedras e Camargos.

     

    As ações coordenadas por um promotor público pelo direito humano

    O nome dele é Guilherme de Sá Meneghin, titular da 2ª Promotoria de Justiça da comarca de Mariana, Minas Gerais, especializado em direitos humanos. A data é 05 de novembro, 16:20. Toca o telefone, o promotor atende e é informado que a Barragem de Fundão havia rompido.

    Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo, informações desencontradas chegavam aos montes. O promotor resolve ir até a arena, local onde as pessoas seriam recebidas. Poucos chegavam, estavam ilhados nas florestas ao redor dos locais atingidos pela lama química da Samarco.

    “Só entendemos direito o que aconteceu na manhã seguinte, quando os carros e ambulâncias conseguiram chegar aos locais do desastre. Começou a chegar muita gente na arena, foi então que, ouvindo as histórias de quem viveu o terror, nos demos conta da gravidade e da dimensão do que tinha acontecido. O maior desastre ambiental e humano do Brasil causou 19 mortes, prejuízos incalculáveis e modificou a vida de centenas de atingidos de Mariana e outros municípios”, diz Dr. Meneghin.

    E foi no mesmo dia que o promotor especializado em direitos humanos, começou a tomar os depoimentos dos atingidos e instaurou os primeiros inquéritos. “As pessoas eram transferidas da arena para hotéis e pousadas, mas elas só estavam com a roupa do corpo, muitas delas não portavam documentos e nem dinheiro. Era preciso tomar atitudes a curto, médio e longo prazo para assegurar o protagonismo dos atingidos no processo de reparação dos direitos”.

    No decorrer dos dias o promotor expediu diversos documentos, dentre eles era exigido que a Samarco fizesse o cadastro de todos os afetados, fornecesse o subsídio mensal e casa alugada para as famílias que haviam perdido renda e moradia.

    Outra medida executada pelo ministério público foi a ação que bloqueou R$ 300 milhões em bens da Samarco e de acordo com o promotor foi preciso mover outra ação para atingir o patrimônio da Vale e da BHP. “Desde domingo, dia 8 de novembro de 2015, estava pronta uma ação cautelar para bloquear os recursos necessários para pagar as indenizações e a reconstrução das comunidades. No dia 10 propus a ação e o juiz determinou a indisponibilização de R$ 300 milhões de reais da Samarco, mas nas contas só tinham R$ 8,5 milhões. Pedi ao juiz para desconsiderar a pessoa jurídica e atingir o patrimônio da Vale e da BHP. O dinheiro finalmente apareceu”, completa Meneghin de forma indignada.

    Durante esses dois anos as atuações do Ministério Público visam promover a participação dos atingidos no processo legal de reparação dos direitos violados e ajudá-los na construção de uma representação legítima para que todas as medidas adotadas pelo MP estivessem de acordo com o interesse dos atingidos, em ações coletivas.

    Mas nem sempre foi possível, em 04 de fevereiro de 2016 o processo sofreu um revés e por decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, ao examinar um recurso da Samarco, decidiu que as causas relacionadas ao rompimento da barragem, especialmente a ação civil pública principal, deveriam ser deslocadas para a justiça federal. Durante esse tempo até a volta do processo para a comarca de Mariana, o processo ficou paralisado, foram seis meses de luta para trazer a ação de volta a Mariana, fato ocorrido em 23 de agosto de 2016.

    Para a maioria dos atingidos dos distritos de Mariana, o Dr. Guilherme de Sá Meneghin está muito próximo, todas as conquistas alcançadas desde o desastre foram bastante desafiadoras e decorreram das ações ajuizadas pelo MPMG.

    E como Dr. Meneghin é especializado em direitos humanos ele tem também ficado atento aos impactos psicossociais causados por um desastre como esse. Perda de vida, desaparecimento e desalojamento de comunidades inteiras e consequente desagregação e ruptura de vínculos sociais. Tradições culturais e comunitárias, lembranças, histórias e modos de vidas atingidos também foram aniquilados.

    Quanto a Samarco e seu posicionamento em relação ao crime que cometeu, Meneghin na entrevista abaixo deixa claro que a empresa só atua sob ordens judiciais, tenta jogar a população de Mariana não atingida contra os atingidos e ainda usa termos marqueteiros para diminuir o impacto do crime que cometeu.

    Jargões utilizados pela Samarco como impactados são usados para substituir o correto que seria atingido e vítima. “Se um trator passasse por cima do seu carro você diria que seu automóvel foi impactado ou destruído? Outro termo midiático e utilizado pela Samarco é o nome do cartão alimentação que dão aos atingidos, o cartão leva o nome de benefício, o que viola totalmente a motivação pelo qual o cartão foi dado. Não é benefício é direito, é reparação pela Samarco ter destruído a vida de diversos distritos de dois diferentes Estados brasileiros. Realmente não é um benefício e sim uma obrigação para tentar minimizar o impacto do crime que cometeu”, completa o promotor.

  • Jornada Rio Doce – A busca pelos atingidos de Mariana

    Por Carolina Rubinato

    Vigésimo quinto dia de Jornada pelo Rio Doce e sigo em busca dos atingidos de Mariana, as vítimas do crime cometido pela Samarco.Elas estão espalhadas pela cidade, difícil encontrá-las. Uma estratégia planejada pela empresa: separar os atingidos como uma forma de cortar laços e dificultar a comunicação entre eles.

    Recebo uma mensagem com um possível endereço, me dirijo para lá, é um prédio e pela informação recebida seis famílias moram ali. Decido esperar sentada na calçada, alguém chegar ou sair do prédio, quarenta minutos depois e nada. Inicio minha abordagem. Toco nos apartamentos e segue o diálogo.
    – Olá, tudo bem?
    – Quem fala?
    – Meu nome é Carolina Rubinato, sou jornalista de São Paulo, estou em uma jornada pelo Rio Doce, procurando as famílias de Bento que foram atingidas e tive a informação que estão morando neste prédio. Gostaria de conversar um pouquinho, saber como estão as dores e alegrias, você pode me ajudar?
    – Não conheço ninguém, faz um mês que estou morando aqui. Tu tu tu tu, desliga.

    Tento de novo em outro apartamento.
    – Olá, tudo bem?
    – Quem fala?
    – Meu nome é Carolina Rubinato, sou jornalista de São Paulo, estou em uma jornada pelo Rio Doce, começamos em Mariana e vamos até Regência, no Espírito Santo. Estou procurando as famílias de Bento que foram atingidas e tive a informação que estão morando neste prédio. Gostaria de conversar um pouquinho, saber como estão, as dores e alegrias, você pode me ajudar?
    – Tu, tu, tu, tu, desliga.

    Faço isso com os próximos oito apartamentos.

    “Gritei para todo mundo sair da casa e correr, não deu tempo de pegar nada,

    saímos correndo só com a roupa do corpo.

    Minha mãe não quis correr, ficou.”

    Todos que me atendem desconversam. Sinto que não conseguirei nada por ali. Há muito medo. Encaminho-me para uma casa parecida com um centro comunitário, chamada Comunidade da Figueira, resolvo entrar para ver se podem me ajudar.

    Ao entrar entendo onde estou, é uma escola para adultos com necessidades especiais. Converso com a coordenadora Solange Ribeiro dos Santos, que me autoriza a falar com dois alunos que moravam em Bento na época do crime, Sônia da Conceição Felipe, 39 anos e Elias Rocha da Conceição, 62 anos.

    A primeira pergunta que faço qual o sonho de vocês, a resposta da dupla vem de forma direta. “Voltar para Bento e ter qualidade de vida”. Para os atingidos há esperança de reconstrução do Distrito. Observo, escuto e absorvo as histórias, sinto dentro de mim o desespero de fugir da lama. Sônia morou desde pequena em Bento, como tem necessidades especiais frequentava a escola da Figueira em Mariana. No dia do acidente ela não tinha ido para a escola, estava em Bento com a mãe. Conta orgulhosa que ajudou a salvar a vida de três pessoas.

    Ouvimos um barulho muito forte e alto, parecia que o mundo ia acabar. Nesse momento fui até a janela ver o que estava acontecendo, olhei e fiquei chocada com o que estava vindo em nossa direção. Gritei para todo mundo sair da casa e correr, não deu tempo de pegar nada, saímos correndo só com a roupa do corpo. Minha mãe não quis correr, ficou. A mulher do Jaime, a Carminha, machucou o pé. Corremos o mais rápido que podíamos para o mato, ficamos na floresta em um ponto bem alto, olhando lá de cima a lama levar tudo, foram apenas cinco minutos para nos salvar”, relembra Sônia.

     

    Sônia da Conceição Felipe e Elias Rocha da Conceição, ambos moradores de Bento Rodrigues. Foto por Carolina Rubinato

     

    Na manhã seguinte um ônibus conseguiu entrar na comunidade e resgatá-los. A mãe de Sônia, Marcelina Xavier Felipe, 75 anos, não correu. Arrastada pela lama quebrou a bacia, mas conseguiu segurar em um abacateiro, foi resgatada por moradores e sobreviveu.

    Elias também conta sua história. No dia do crime ele estava na escola em Mariana. Nesse momento a Solange, coordenadora da escola se junta a nós, tem participação na história do Elias. “Elias e o irmão Raimundo estavam na escola. Acabou o dia e como é de rotina, coloquei os dois dentro do ônibus para Bento e retornei, foi quando recebi a notícia do rompimento da barragem de Fundão. Naquele instante meu coração bateu muito mais rápido, tentei falar com o motorista do ônibus, localizá-los de todas as maneiras possíveis. O Elias não tem uma necessidade acentuada, mas o irmão dele, o Raimundo precisa de ajuda, fiquei em desespero. Passei a noite em claro procurando pelos meninos em hospitais e na arena”.

    Nesse momento Elias entra na história com a sua parte.

    “Estávamos indo para casa quando o ônibus parou e mandaram a gente descer e correr.

    Corremos junto com um monte de gente sem saber o que estava acontecendo, a gente só corria.

    Dormimos no mato, tinha um monte de gente chorando, triste, procurando parentes.

    Foi uma noite de pesadelos”.

    Solange conta que no dia seguinte uma assistente social ligou, estava com dois homens com o uniforme da Figueira. Os meninos, como ela carinhosamente chama os irmãos, estavam vivos.

    Solange me dá o telefone de outra pessoa atingida. Ligo para a Mônica e marco de encontrá-la às 20h30, no intervalo da faculdade onde estuda Direito. Chego ao local combinado às 20h00, envio uma mensagem avisando que já estou lá. Mônica aparece e nos dirigimos à biblioteca. Simone fala baixo, com receio de ser ouvida, diz que estão sofrendo retaliações e preconceitos por uma parte da população de Mariana.

    Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues conta que às 16h00 recebeu uma ligação avisando sobre o rompimento da barragem. Pegou o carro e foi para Bento sem saber muito bem o que tinha acontecido. Mas não conseguiu passar, a estrada estava interditada. “Encontrei algumas pessoas na estrada que me disseram pra voltar que a lama tinha matado todo mundo. Entrei em pânico e comecei a chorar, não estava compreendendo nada direito. Foram 24 horas de terror. Passei a noite na estrada e só fiquei sabendo o que aconteceu quando clareou o dia e vi que não tinha mais nada em Bento, minha casa despareceu”.

    “Eu estava sem roupa, sem nada do que era meu, sem casa, sem chão.

    Ao anoitecer do dia seguinte ao crime, o Dr. Guilherme de Sá Meneghin, promotor público, conseguiu uma liminar

    que obrigava a Samarco a nos transferir para um hotel e

    depois de alguns meses conseguimos outra liminar que obrigava a empresa a pagar aluguel para todos,

    mas tudo isso só conquistamos por ações do ministério público.

    A Samarco só responde com pressão judicial”.

    Mônica também fala do preconceito e agressões que estão expostos em Mariana. Uma parte da população culpa os atingidos pelo fechamento da Samarco que domina financeiramente o poder público local e gere a massa de empregos na região. O algoz passa a ser aclamado pela população que se vê mergulhada no caos econômico. Mais um crime social cometido pela mineradora.

    “Todos os dias nós temos nossos direitos violados. As crianças de Bento são chamadas de pé de lama nas escolas e essa é só uma parte da hostilização a qual estamos expostos. Temos um cartão alimentação que recebemos como uma pequena parte da nossa indenização. Hoje temos receio de utilizá-los no comércio, pois muitas vezes nos tratam de forma agressiva. O nome do cartão é benefício, mas deveria ser chamado de cartão obrigação. Foi a Samarco que passou por cima de seres humanos para explorar cada vez mais. A Samarco construiu o risco em cima da gente, estávamos lá, já morávamos em Bento quando a empresa chegou”, completa Mônica.

    “Meu pai faleceu há muitos anos e as fotos que eu tinha dele a lama levou, nenhum dinheiro do mundo vai me dar isso de volta. A gente continua vivendo, mas o sentimento é o mesmo do dia 5 de novembro de 2015. Eu ainda sinto raiva, angústia, desespero, incerteza, ódio e muita raiva, infelizmente”.

    Mônica me fornece mais dois telefones de moradores de Barra Longa, cidade próxima a Bento Rodrigues que também sofreu grande impacto da lama química e me conta que 11 pessoas em Barra Longa estão contaminadas por metais. “Foi gente colher exame deles, sangue e fio de cabelo, o laudo ficou pronto já”. Escuto com atenção, anoto tudo.

    Faço uma última pergunta para a Mônica. O que ela acha sobre a Fundação Renova, uma instituição criada pela Samarco Mineração, com o apoio de suas acionistas Vale e BHP Billiton, após a assinatura do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público, para criar, gerir e executar as ações de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.

    Mônica responde:

    “Ela simplesmente existe para renovar o crime da Samarco”.

  • Mariana e a Síndrome de Estocolmo

    Mariana e a Síndrome de Estocolmo

    No dia 5 de novembro de 2015 o planeta Terra chorou a ganância do homem quando 60 milhões de metros cúbicos de lama química correram ao longo dos 700 km, entre o local da ruptura da barragem de Fundão e a foz do rio Doce, no Espírito Santo, causando danos ambientais e sociais irreparáveis para o Brasil.

    A jornada é pelo Rio Doce junto com o Eduardo Marinho – artista de rua e Isadora Zardin – fotógrafa, na Kombi chamada Celestina.

     

    Depois de 22 dias entre Maringá – RJ e Mariana – MG, com três paradas no mecânico, pois Celestina resolveu adoecer, três dias dormindo no Graal da Dutra com a Kombi quebrada, começa efetivamente uma jornada que me levará até a foz do Rio Doce, que deixou de ser doce para ser morto, em Linhares, no Espírito Santo. Uma investigação sobre os danos sociais e ambientais causados pela Samarco ao longo dos povoados que margeiam o rio.

    Dia 6 de Março, saio pelas ruas de Mariana, procuro sentir a cidade, entender as histórias e perguntar o que você sente em relação à Samarco. Surpreendo-me com as respostas, coitada da Samarco. Reflito. Como uma empresa pode receber um sentimento relacionado ao ser humano, como uma companhia especializada em mineração pode ser considerada coitada?

    Compreendo que o genocídio financeiro e cultural são as estruturas fundamentais para o processo de dominação de um povo. De acordo com Renato Cidrack, professor de história do Estado de São Paulo, “vivemos um sistema planejado e eficiente para adestrar, amansar, controlar e destruir”. Para chegar a esse trunfo é preciso também realizar a famosa lavagem cerebral. Entendo que em Mariana há uma ordem inversa, estou naquele local onde a culpa é da vítima, onde a síndrome do Estocolmo prevalece.

    Síndrome de Estocolmo é o nome dado para um estado psicológico particular em que uma pessoa, quando submetida à intimidação, passa a ter simpatia por quem a agride. São processos psíquicos inconscientes aliados a pequenos gestos gentis por parte dos agressores que fazem a pessoa não ter uma visão clara das ameaças. Situação típica em Mariana.

    A população local não fala sobre mineração. Quando abordados sobre o assunto Rio Doce, logo explanam sobre as dificuldades financeiras da cidade, a falta de emprego e a queda na economia. Vendas sutilmente colocadas nos olhos do povo local para que o medo prevaleça e os faça clamar, volta Samarco. Deixá-los financeiramente e emocionalmente instáveis são estratégias usadas pela mineradora. A diversificação econômica do município nunca foi levada em consideração pelos políticos locais, convenientes em servir aos interesses das multinacionais.

    Já os atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo não falam muito, tentam passar despercebidos, há um entendimento que eles são os culpados pelas portas fechadas da Samarco, há acusações de que receberam mais do que tinham, como se micro-ondas, computadores ou aluguéis duzentos reais mais caros pudessem reparar as histórias levadas pela lama química.

     

    Uma parte da população culpa os atingidos pela drástica questão econômica que a cidade vive, não há entendimento que isso faz parte da estratégia de sobrevivência das mineradoras nas pequenas cidades. Minar qualquer outro tipo de fonte de renda e criar com o passar dos anos, a dependência econômica do município e a emocional da população, assim se tem um povo rendido à exploração travestida de caridade.

    A questão do silêncio é enorme por aqui, nem a universidade local se dá ao trabalho de envolver os universitários nas questões ligadas a mineração e as compensações ambientais e econômicas que deveriam ser de responsabilidade dessas exploradoras. Estudantes do curso de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP até fizeram uma publicação sobre o Rio Morto, mas não passou de uma edição especial da Revista Curinga, em 2016.

    Mineradoras não dão esmolas à população, elas desenvolvem uma atividade econômica onde se retira muito dinheiro, são mais de 500 anos escoando as riquezas do Brasil para outros países. Gerar emprego não é favor à população. As empresas precisam dos empregados para extraírem e explorarem as minas, mãos de obra são massas necessárias para que o corporativismo continue comprando o Brasil e seus políticos.

    Coincidentemente um levantamento feito pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, em 2015, mostrou que as mineradoras ocuparam o quarto lugar na lista de maiores doadores da penúltima campanha eleitoral, já que na última eleição foram proibidas as doações feitas por empresas.

    As primeiras posições são ocupadas respectivamente por companhias das áreas de alimentação, bancos e construções, juntas elas doaram R$ 32,7 milhões para os 15 partidos que disputaram uma vaga na câmara dos deputados por Minas Gerais, Pará e Bahia, as maiores especulações minerais do país. Vale ressaltar que somente a Samarco, responsável pelo maior dano socioambiental do Brasil, doou 22,6 milhões para políticos. Um jogo fácil de entender. Eu te coloco lá e você não me tira de cá.

    Pelas ruas de Mariana se vê a supremacia da exploração da Samarco marcada por um silêncio constrangedor.