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Categoria: racismo

  • Miguel: quantos como ele correm perigo nas casas das patroas de suas mães?

    Miguel: quantos como ele correm perigo nas casas das patroas de suas mães?

    https://www.youtube.com/watch?v=sMvyTtB070M

    Se nesse momento a história da trágica morte do menino negro, Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, filho da empregada doméstica, Mirtes Renata Santana da Silva, fosse inversa em todas os seus detalhes: se ele fosse o filho branco da patroa, Sari Mariana Gaspar Corte Real, e tivesse morrido depois de despencar do 9º andar por desleixo e irresponsabilidade da empregada doméstica, certamente essa mulher negra estaria, neste exato momento, encarcerada.

    Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos de vida, é vítima do racismo arraigado na vida cotidiana de pessoas como Sari, uma mulher que, ironicamente, possui sobrenome supremacista branco “CORTE REAL”.

    Mas esse não é o pior dos detalhes. Nesse episódio trágico, a imprensa pernambucana, majoritariamente branca, portanto “limpinha”, não quis desagradar a mulher do prefeito da cidade de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB).

    Até agora não há sequer uma menção realmente incisiva sobre a responsabilização de Sari na morte do menino.

    O mesmo aconteceu com o delegado Ramón Teixeira, que acolheu o caso inicialmente. Preferiu preservar a identidade de Sari Mariana Gaspar Corte Real.

    Sari não dispensou Mirtes por causa da pandemia. Sari não quis limpar sua própria merda, não quis varrer seu chão, não quis colocar  suas roupas na máquina de lavar, não quis cozinhar sua própria comida. Sari não quis levar seu cachorro para passear. Sari colocou a vida de sua empregada em risco, exposta à COVID-19. Sari matou o filho de Mirtes.

    Que tipo de gente é essa?  Miguel, 5 anos, queria ver a mãe, que saiu para levar o cachorro da patroa a passear. Insistiu, fez birra, como qualquer criança faria. E não se curvou ao racismo de Sari. Por isso entrou no elevador. Por isso foi ao nono andar. Sozinho, porque Sari não se importa, não se importou com o fato de ele ser um menino. Ele era filho da empregada, não era nada. E ele caiu do nono andar. Ele morreu. Quando um filho morre, a mãe é a primeira que desce à cova. Era um filho negro. Na casa da patroa branca. A mãe negra, a empregada, não percebeu isso ainda. Em meio à dor, em estado de choque, ela humildemente lamenta a “falta de paciência” da patroa assassina.

    Miguel
    Miguel com sua mãe, Mirtes. Ao lado, Sari Corte Real, a patroa que colocou a empregada e seu filho em risco.

    O FATO – O menino foi vítima de homicídio na terça-feira (2). Caiu do 9° andar da sacada de um prédio de luxo no Centro do Recife, em Pernambuco, conhecido como Torre Gêmeas. A informação inicial era de que, na hora do acidente, a empregada estaria trabalhando no 5° andar do prédio, mas hoje foi revelado que, na verdade, a empregada estava cumprindo a função de passear com os cachorros da família, enquanto a patroa cuidava de Miguel. Sari foi presa inicialmente, mas pagou uma fiança de R$ 20 mil e responde em liberdade, mesmo depois da divulgação de vídeos mostrando que Sari colocou Miguel sozinho no elevador de serviço, o único que dava acesso para a área desprotegida da qual o menino despencou para a morte. Os elevadores para pessoas como Mirtes e seu filho, na prática, ainda são diferentes no Brasil. E foi lá que a patroa o deixou.

    Apartamento onde Miguel estava
    Planta de um apartamento no prédio de luxo de Sari, marcado por corrupção e tragédia

     

    Um corpo negro que vale 20 mil reais? Realmente vivemos um pesadelo legitimado pela racismo institucional do judiciário

    Liana Cirne Lins, professora da Faculdade de Direito da UFPE, relatou em suas redes sociais que muitos têm defendido a tese de que, inclusive, houve homicídio DOLOSO, configurando dolo eventual. “Afinal, que adulto coloca uma criança de cinco anos, que está chorando pela mãe, sozinha, num elevador, e não calcula a possibilidade de um acidente?” Miguel não tinha intimidade com elevadores. Morava com os pais em uma casa pobre, num bairro humilde.

    Sari sabia dos riscos e não faria o mesmo com os próprios filhos. Aliás, essa é uma pergunta que gostaríamos de fazer à patroa de Mirtes: como você acabaria com a birra de seus filhos?

    Certamente Sari não os colocaria em risco. O centro desse debate é, sem dúvida, a herança de nossa cultura escravocrata e racista.

    Outra declaração importantíssima de Liana Cirne é sobre o local e a data simbólica do homicídio: “O local é nas famigeradas Torres Gêmeas, esse lugar horroroso que tem essa energia do mal, do crime, da corrupção. Elas são um aborto em nossa paisagem e cenário de vários escândalos, desde que a [construtora] Moura Dubeux as ergueu, entre liminares. Nesse momento, mais do que em outros, queria que a sentença demolitória do juiz Hélio Ourém tivesse sido executada. Sobre a data: Miguel morreu no dia em que a PEC das Domésticas completou cinco anos! E é assim que se celebra o aniversário da legislação de proteção das Domésticas, o que diz muito sobre nosso país, que não superou sua herança escravagista.”

    Os Jornalistas Livres se solidarizam demais, profundamente, com mais esse fato absurdo, horroroso, que tem como alimento o racismo.

    Miguel, presente!

     

     

     

    Leia mais sobre o racismo que mata no Brasil:

    A Polícia de Wilson Witzel matou João Pedro, um jovem estudante. Ele poderia ser seu filho

     

  • ELISA LUCINDA: “EU NÃO CONSIGO RESPIRAR”

    ELISA LUCINDA: “EU NÃO CONSIGO RESPIRAR”

     

    “Barreira”: apoiadores brancos fazem paredão entre polícia e manifestantes negros em Minneapolis
    Mulheres brancas fazem paredão entre polícia e manifestantes negros em Minneapolis

    Você está me sufocando. Em todos os lugares você é privilegiada, ô branquitude!

    Em todos os lugares ditos importantes, para mim e minha gente entrarmos temos que ser verdadeiros gênios, vitoriosos e sobreviventes de todos os obstáculos que você põe na pista para a gente nunca chegar.

    Você fala em meritocracia sendo que poucos tem mil carros e outros nem uma cama pra se deitar? Um livro, um silêncio para se concentrar? Condições desiguais ferem o critério do mérito. O bom Estado é o que garante a dignidade de seu povo. Por isso é público! Ser público é ser representante do povo. E é por isso que você, branquitude, não gosta de um Estado igualitário.

    Na tevê, de repente, surge Ronilso Pacheco, professor da Universidade de Columbia. Negro. Precisou filmarem a morte de George Floyd a sangue gélido, para que o chamassem como comentarista na televisão. Até então não se via um infectologista, uma pesquisadora, um médico, uma defensora dos direitos humanos, uma jurista, um advogado, uma psicanalista ou um enfermeiro negros sendo entrevistados. É como se não existissem. Estou falando de formação de pensamento, estou falando de voz.

    Me irrita muito você me dizer que não reparou nisso.

    Me choca muito sentir você infectar o ar com seu nojo de pobre, nojo de trabalhador. Seu desprezo por quem anda de ônibus, por quem come um prato muito cheio de comida, por quem não sabe distinguir uma taça de vinho de uma taça de champanhe. O lixo da Casa Grande é imenso e lhe deixou marcas através desses tantos séculos que não sei como isso não te constrange tanto quanto me machuca.

    Branquitude, seu domínio está em todas as estruturas de poder.

    Como um velho menino ou uma velha menina dona da bola que, se o jogo pender para um lado que não a favoreça, ela segura a bola. Se você visse pelos meus olhos também veria algo muito familiar na cena de um policial branco em Brasília, nesse momento, espancando as costas nuas de um homem negro em situação de rua. Sem motivo. São onze e meia da manhã. Ontem também vimos uma senhora branca racista raivosa, vestida de verde e amarelo, armada com um taco de basebol na manifestação antirracista, provocando todos os pretos ali. Deu tudo na televisão. Tem crianças vendo isso. Isso é a crueldade da senzala moderna cheia de grades que não vemos mas sentimos.

    Na reunião de “demônios“ que houve no dia 22 de abril, dia também em que sujos brancos portugueses chegaram aqui com o mal costume de não tomar banho, não havia um negro sequer e era uma reunião de brancos em um filme sem mocinho. No entanto, nas estruturas todas de poder, tem sempre a branquitude como um detector, que se move em lugares estratégicos, focado em nos deter e barrar, como se o mal todo se concentrasse nos pretos.

    As estéticas, os saberes todos vêm envoltos numa embalagem onde o modelo exemplar do ser humano é eurocêntrico e cuja propaganda tem como perfeição a lourice de olhos azuis. Tal modelo foi esfregado em nossa cara, nos oprimindo, para que ficássemos sendo o lado negativo da história, os exóticos sem beleza, por muitos e muitos anos. Reagimos, nos estruturamos, fomos catando os cacos, acionando cada vez mais as informações e as experiências da ancestralidade e da diáspora para que nos reerguêssemos. Mesmo sabedora de que “quem dá luz a cego é bengala branca e Santa Luzia”, eu vou explicar: Diáspora é a África espalhada pelo mundo, uma espécie de pátria global de africanos. Sem essa força e esse diálogo entre nós, ficaria muito difícil brigar contra as Cinderelas, Brancas de Neve e princesinhas Barbies que amalgamam o imaginário do feminino na cabeça de uma sociedade que se pensa ainda como senhora de escravos.

    Ô branquitude, você conseguiu se blindar de tal maneira que, mesmo que haja uma série de crimes cometidos por brancos nas empresas, na política, na corrupção em compras de respiradores, exatamente na hora em que o povo luta para respirar, ninguém diz que branco é bandido, ninguém diz que branco é psicopata, frio, traidor. Ninguém racializa qualquer ação malévola sua, ô branquitude. Fizesse um negro 0,1% das iniquidades desse genocida que está na presidência, não faltaria boca a dizer: só podia ser preto. Tô de saco cheio, sabe? Cansada de lutar contra esse racismo estrutural há décadas! Trago também a luta do meu pai, e dos muitos que me precederam.

    O que é sordidamente curioso é que você é violenta todos os dias contra nós e toda vez que reagimos, ouvimos sempre uma boca branca dizer: “Como esses pretos são radicais!” Ora, nos matam indefesos e nós é que somos os violentos, branquitude?! Amanheci com uma consciência plena do que li nas palavras de Angela Davis: não existe democracia sem uma democracia racial.

    É de mentira essa nossa democracia. É de mentira a americana também.

    Isto significa que a nossa é falsa, que muitos dos que lutam por ela não estão lutando direito. Sabe-se que, para tal desigualdade ocorrer no país, é preciso que haja uma sistêmica e profunda injustiça. Sem trégua.

    Você sabe o que eu quero dizer, branquitude, eu tô falando com você. Você sabe também como você custa a compreender que, não só a nossa gênese, mas a de todos os seres humanos é africana, como também somos iguais e às vezes melhores do que você. Qual o problema? Que jogo é esse de ganhar sempre? O que aconteceu com as leis do quintal da infância? Lembro que alternávamos. Se você realmente entra num restaurante que só tem brancos e acha que tá tudo bem, se você está naquele clube, naquela ala vip do hospital, está aí no camarote onde só tem branco, mesmo que seja pra ver o samba? E acha que tudo isso é normal, meu papo é mesmo contigo. Numa investigação rigorosa e ampla, certamente acharíamos seus vestígios, suas digitais onde você colabora para não ceder um pingo do seu privilégio em prol de uma igualdade. Me preocupam seus filhos: crianças brancas que crescem ao lado de crianças brancas ricas, se encontram no clube com as mesmas crianças brancas ricas, depois vão ser colegas: chefes dos bancos, diretores nas tevês, como num túnel de ouro, onde o lugar pro sucesso é seguro e independe de qualquer meritocracia, vamos combinar.

    Repara que, não é à toa, se a gente for analisar, que tinha maioria branca nas ruas a favor do impeachment da Dilma, tem maioria branca nos 30% que ainda não se livraram do cabresto bolsonarista. Você acha que é coincidência? Por que tanta gente se incomodou com a PEC das domésticas? Quem se incomodou? A branquitude. Você queria que tudo seguisse como sempre na nossa escravidão moderna explícita: senhoras trabalhando todo dia desde às cinco da manhã para por os meninos pro colégio, até as onze e meia quando o marido vem daquela “reunião” que foi até mais tarde. A PEC veio regular um serviço de escravização urbana, normatizado aqui por muitas pessoas de “bem”, que hoje são minhas destinatárias. O seu silêncio e sua inação em não mexer uma palha nesse tema, como se não fosse assunto seu, matou João Pedro.

    Sei que é pesado dizer isso, mas quem cala consente e, enquanto não houver um grupo de brancos anti-racistas neste país que entenda que esse jogo está podre, a branquitude toda estará mancomunada com os crimes raciais nesta terra. É cúmplice, sim senhora!

    Por que seus filhos crescem e só se casam com brancos? Por quê? Não, não é gosto.

     

    Sua educação foi estruturada na hegemonia e na homogeneidade; é gente que, sai governo, muda governo, e o cardápio não muda, e nada se altera. Educação rigorosamente racista. Seus filhos cresceram com a lição de que pretos só servem para servi-los: a babá, o motorista, a cozinheira de estimação que está na família há 60 anos. “Oh, como gostamos da Dedé, pra nós ela é da família…” Ah é, então eu pergunto qual é o nome, qual é o sobrenome da Dedé? Onde nasceu? Tem irmãos, tem mãe?

    Que de família que nada, conta outra, ô branquitude! No quarto dela tem aquela televisão meio ruim, não tem janelas, o chuveiro levemente em cima do vaso, formando um mix de box e louça sanitária sem direito à cortina ou qualquer outra divisão. Gente, haver dependência de empregada, esse nome, tudo é um escândalo! Você não repara não? Você que enche sua boca para dizer… ”é gente de favela“… êpa êpa, eu pergunto: quem é você? O que você sabe dela? Tem tanta preciosidade numa comunidade que dependendo de quem me lê agora, digo: limpe a boca pra falar o nome dela. Respeite a favela!

     

    É isso, acordei atravessada, sentindo dificuldade, metafórica, de respirar. Vendo esse ar empesteado de preconceito, de segregação, de apartheid; nosso território está sanguinário, você nos trata todo dia com violência, duvidando da nossa potência, duvidando do nosso saber, desprezando nossa cultura por ignorância e soberba, mistura letal donde não brotará um homem sábio. Seus filhos não casam com negros porque precisam casar com pessoas do seu “nível “, pois por gerações, sua família, mesmo que tenha sido uma família progressista e muitas vezes uma família de esquerda, seguiu tal cartilha separatista. Quem fala aqui é de esquerda, chamo até de esquerda raiz, pois me desconstruo todo dia, me reeduco, me curo a duras penas do machismo tóxico, remexo meus preconceitos, e me ajeito junto aos muitos que querem mexer no caldeirão da história a favor também dos que sempre foram sacaneados pelos que a escreveram.

    Não se assuste, muitas palavras e seus sentidos estão sendo vilipendiados nesse momento pela milícia virtual das fake news. Ser de esquerda é nada mais, nada menos do que querer ver o Estado honrando os impostos que pagamos e que os divida igualitariamente para todos e ainda taxe mais um pouco quem ganha muito mais. Sou a favor da distribuição de renda, a favor de pobres terem direito a uma educação de alto nível e uma saúde igual. Não consigo compreender quem não veja ainda, à luz do recorte racial, a pobreza, a população carcerária, a população em situação de rua, os orfanatos e as crianças que neles sobram. Tudo preto.

    Vivemos numa máquina de moer preto na nossa cara. Você branquitude, é também quem mandou prender o pai do menino que pode ficar anos preso por ter tentado roubar um celular e que talvez seja condenado por algum juiz branco envolvido no desvio de milhões na compra de leitos. Quem está na fila hoje, você sabe, dos hospitais, em seus corredores, é quem sempre lá esteve. Gente que morre querendo respirar esperando leito, consulta, órgão, médico, atenção: maioria negra.

    Você não pode dizer que não tem nada com isso. A parte que sobra na sua vida, em dignidade e cidadania, é que está faltando na vida de muitos pretos do país que você diz amar. Que loucura! Há situações em que a religião fica tão perto do armamento que talvez seja melhor ser ateu para ser mais revolucionariamente cristão. Não sei. Veja aí branquitude, é contigo mesmo. Se eu fosse um de vocês me apressaria em limpar minha barra provando que não sou racista, que não tenho pensamento torto e eugenista, e mais do que isso, que sou anti-racista! Se eu fosse branca seria essa minha bandeira principal.

    Outro dia, antes da pandemia, na praia, uma moça me disse: ”Meu deus, que pele boa, não acredito que vocês tenham uma pele boa assim sem rugas, isso não é justo!!!” Tratava-se de uma Barbie. Deu quase pena, mas não poupei, olhei bem dentro dos olhos dela e perguntei: Realmente você acha injusto que vocês não tenham uma pele tão boa quanto a nossa, você acha injusto isso também? Um silêncio esmagador se estendeu como um tapete curto entre nós. Quase um perigo. Ninguém sabia de quê. Sei que estou dizendo coisas aqui que, como diz minha amiga querida Flávia Oliveira, não é nem nesse andar que se estuda. É no prédio do ensino fundamental.

    Mas te escrevo, porque vi uma barreira de brancos antirracistas na frente dos pretos americanos, enfrentando a polícia e dizendo com a coragem que a democracia exige: “E agora, em nossos corpos brancos, vocês vão atirar também?“. Inspirada nesse gesto, comecei a te escrever essa carta.

    A sensação de não conseguir respirar por tanto impedimento que há na circulação social do negro em cada parte, sem descansar, é também asfixiante. É difícil se constituir um ser humano negro decente sem ser confundido com ladrão ou com bandido, como um condenado a princípio, bem antes do direito de ser inocente.

    Ainda bem que confio nos filhos dos nosso movimento negro, os que já cresceram com cabelos crespos e auto-estima, vendo em alguns livros protagonistas negros. É isso! Estamos avançando no quilombo moderno! A diáspora está cada vez mais conectada, o levante americano só não tomou definitivamente as ruas do Brasil, por causa da pandemia. Mas nos aguarde. E corra agora atrás do seu prejuízo, ô branquitude!

    Escuta: tira o joelho do meu pescoço! Pela milésima vez, estou te dando a chance de não ser mais assassina.

     

    Elisa Lucinda, junho antirracista, 2020

     

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  • Coronel da PM causou tumulto para provocar a repressão ao ato pela Democracia

    Coronel da PM causou tumulto para provocar a repressão ao ato pela Democracia

     

     

    O coronel Américo Massaki Higuti, oficial da reserva da Polícia Militar, foi o causador de uma briga que serviu de pretexto para a brutal repressão contra os manifestantes antifascistas que foram no domingo (1/6) à avenida Paulista  para defender a Democracia.

    Embora na reserva, o coronel Américo Higuti compareceu à avenida Paulista trajando uma farda do COE, Comando de Operações Especiais, tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo. Acontece que o uso de uniforme é privativo dos militares em serviço ativo. Os militares da reserva e os reformados podem usar seus uniformes por ocasião de cerimônias sociais, militares e cívicas, categorias em que a manifestação de domingo na avenida Paulista definitivamente não se encaixa.

    O coronel Américo Higuti é um ativo apoiador de Jair Bolsonaro. Ele mantém três perfis no facebook, em que posta fotos ao lado de celebridades de extrema direita, como o príncipe destronado Luiz Philippe de Orléans e Bragança, Carla Zambelli e o próprio presidente.

     

    Xingamentos na travessia

     

    No domingo, ele participaria do ato em apoio a Bolsonaro e contra o STF (Supremo Tribunal Federal), que acontecia a um quarteirão de onde se reuniam os Torcedores pela Democracia –corinthianos, palmeirenses, sãopaulinos e santistas contra o fascismo.

    Um cordão de isolamento formado por uma fileira de policiais militares separava um grupo do outro. Apesar das provocações fascistas dirigidas ao grupo dos torcedores, a situação estava sob controle. Cada grupos gritava suas palavras de ordem e agitava suas bandeiras.

    Foi então que o coronel Américo Higuti, o sargento PM Valdani, também fardado irregularmente, já que é da reserva, e um manifestante bolsonarista embrulhado na bandeira brasileira decidiram atravessar a pé a manifestação dos torcedores pela Democracia e contra o Fascismo. O grupo estava sendo escoltado por um soldado fardado da PM.

     

    Ao se aproximarem, em atitude claramente provocativa, os homens foram advertidos. “Não entrem aí, vocês estão querendo briga? Não vão!” Mas foi inútil. Torcedores presentes na manifestação relataram aos Jornalistas Livres que o grupo bolsonarista do coronel Américo Higuti entrou, xingando, na concentração pela Democracia: “ladrões”, “vândalos” e “maconheiros” foram algumas das ofensas.

     

    O coronel Américo Higuti, ao sair do outro lado da manifestação, alegou ter sido espancado, esfaqueado e “vítima de uma emboscada”.

     

    O sargento Valdani, também da reserva, alegou ter sido violentamente agredido pelos Torcedores.

     

    Foi a senha para começar a repressão.

     

    Os PMs que atuavam na segurança dos atos entraram em alvoroço e começou a confusão. Arremessaram bombas contra os torcedores enquanto o coronel Américo Higuti conversava com um soldado, parecendo dar-lhe ordens.

     

    Quando a avenida Paulista já havia se transformado em uma praça de guerra, o coronel Américo Higuti ainda foi visto tomando água, ladeado por PMs, no posto móvel da polícia, em frente ao parque Trianon e ao Masp.

     

    Depois do ato, o coronel foi ao 78º Distrito Policial, denunciando ter sido agredido, esfaqueado, “vítima de uma emboscada” e “impedido de se manifestar livremente”. Mas as imagens mostram que, ao contrário, foi ele que armou contra os manifestantes. Quanto à facada, será mesmo que ocorreu? Um homem esfaqueado não estaria tranquilamente assistindo à repressão que desencadeou e, depois, tomando um copo de água com os soldados do posto móvel da PM. Nem muito menos dando entrevista na porta da delegacia para sites fascistas. 

     

    O sargento Valdani também conversou com blogs da extrema direita tão logo terminou de prestar queixa no 78º DP. Estava firme e forte. Estranhamente, logo depois, foi internado, alegando fortes dores causadas pelas supostas agressões dos torcedores.

     

     

    Jornalistas Livres encaminharam às 10h43 à assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo as seguintes questões. Recebemos a nota em resposta às 16h46.

     

    PERGUNTAS:

     

    Prezados senhores,

     

    (…) Gostaríamos de obter as seguintes informações:

     

    1. Qual o estado de saúde presente do coronel Américo Massaki Higuti? E do sargento Valdani?

     

    1. Por que o coronel Américo Massaki Higuti e o sargento Valdani compareceram à avenida Paulista trajando uniformes do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar? PMs da reserva podem usar fardamento em atos políticos?

     

    1. Por que um policial militar da ativa escoltou os manifestantes pró-bolsonaro em sua passagem por dentro do grupo contra Bolsonaro, colocando em risco a segurança dos escoltados?

     

    1. Torcedores que entrevistamos dizem que a “provocação” do coronel Higuti foi o que deu pretexto para a repressão que se iniciou a partir daí. Gostaríamos que a PM descreva o fato que deflagrou a repressão.

     

    RESPOSTAS:

    Nota da Secretaria de Segurança Pública a respeito dos questionamentos feitos pelos Jornalistas Livres
    Nota da Secretaria de Segurança Pública a respeito dos questionamentos feitos pelos Jornalistas Livres

     

    Prezados senhores,

     

    (…) Gostaríamos de obter as seguintes informações:

     

    1. Qual o estado de saúde presente do coronel Américo Massaki Higuti? E do sargento Valdani?

     

    1. Por que o coronel Américo Massaki Higuti e o sargento Valdani compareceram à avenida Paulista trajando uniformes do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar? PMs da reserva podem usar fardamento em atos políticos?

     

    1. Por que um policial militar da ativa escoltou os manifestantes pró-bolsonaro em sua passagem por dentro do grupo contra Bolsonaro, colocando em risco a segurança dos escoltados?

     

    1. Torcedores que entrevistamos dizem que a “provocação” do coronel Higuti foi o que deu pretexto para a repressão que se iniciou a partir daí. Gostaríamos que a PM descreva o fato que deflagrou a repressão.

     

    Leia mais sobre Manifestação dos Torcedores Antifascistas em:

     

    Torcedores antifascistas: Heróis da Resistência, Povo em Luta, nossos Panteras Negras

    Torcidas do Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo se unem contra o fascismo

     

     

  • Protestos se intensificam contra o assassinato de George Floyd

    Protestos se intensificam contra o assassinato de George Floyd

    Em Miami, Florida, os protestos contra o assassinato de George Floyd por policiais em Minneapolis, estado de Minnesota, continuaram neste fim de semana. Milhares de pessoas sairam às ruas no centro da cidade. Em Coral Gables, periferia de Miami, policiais também participaram dos protestos, se ajoelhando e rezando junto a manifestantes. Brancos e negros carregavam cartazes e gritavam palavras de ordem se levantando contra o racismo e o genocídio negro.

    Coral Gables
    Policiais se unem a protestos
    Coral Gables
    Policiais se unem a protestos

    No sábado e domingo, grandes protestos aconteceram nas ruas de Nova York, Filadélfia, Dallas, Las Vegas, Seattle, Des Moines, Memphis, Los Angeles, Atlanta, Portland, Chicago e Washington D.C, além de Miami.

     

    Camila Quaresma, ambientalista brasileira radicada em Miami há mais de 20 anos, faz um relato sobre a manifestação:

     

    “Se não existe movimentação, nada muda. Assim foi a organização de todos os protestos nos Estados Unidos. Ontem, em Miami, a mensagem era única entre participantes de diferentes cores, crenças, raças e idades: “Enough is enough!”, algo como “Chega!”, “Basta!”, “Passaram dos limites!”.

     

    O que aconteceu com George Floyd foi assassinato. Ponto. E não foi o primeiro… São muitos exemplos: Breonna Taylor, Ahmaud Arbery, Tamir Rice, Trayvon Martin, Oscar Grant, Eric Garner, Philandro Castile, Samuel Dubose, Sandra Bland, Walter Scott, Terence Crutcher… Até quando os negros não se sentirão seguros por serem negros? Até quando a cor da pele, ou as diferenças entre culturas justificam racismo? “Enough is enough.”

    Acho que o mais importante de tudo é continuar a ecoar  essa mensagem tão importante, e com isso, pressionar por mudanças mais drásticas não só no treinamento policial, mas também nas consequências a policiais que não cumprem com seu próprio dever.

     

    Importantíssimo que isso não seja esquecido com as distrações do vandalismo que aconteceu depois. Está errado, mas também não podemos esquecer que tal vandalismo vem de várias fontes: pessoas que querem que a mensagem não seja esquecida, ou pessoas que querem ser ouvidas mas a raiva da injustiça é tao grande que não conseguem gritar, pois o grito está preso na garganta. Errado, mas o buraco é mais embaixo.

     

    Enquanto isso, eu foco na lembrança do arrepio que senti na espinha ao estar cercada de tanta gente diferente com uma energia tão unificada em conquistar o bem. Das centenas de pessoas que estavam comigo na tarde de ontem, brancos, negros, latinos, e tantas outras raças e culturas que dão o significado tão maravilhoso de se viver em Miami: vamos voltar às ruas, gritar mais alto, lutar pelo que é nosso direito e tentar assim, fazer a diferença!

    Protestos em Miami

    Fotos de Coral Gables: @SJPeace/Twitter

    Fotos de Miami: Camila Quaresma

  • URGENTE: POLÍCIA DO RIO ACABA DE MATAR MAIS UM JOVEM NEGRO

    URGENTE: POLÍCIA DO RIO ACABA DE MATAR MAIS UM JOVEM NEGRO

    Polícia do Rio, comandada pelo genocida Wilson Witzel, mata mais um jovem negro. A vítima agora se chama João Vitor da Rocha, de apenas 18 anos! É todo dia, é terror o dia inteiro! Revolta!

    João Vitor foi tirado da comunidade e levado dentro da Caveirão para algum lugar, onde nunca chegou. Estava morto.

    O assassinato cometido pela polícia ocorreu durante uma ação social de distribuição de cestas básicas na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio. O líder comunitário Jota Marques gravou a cena e a retirada do jovem, dentro do sinistro veículo policial.

    A PM disse que João Vitor chegou a ser socorrido no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, também na Zona Oeste.

    Como sempre, a polícia disse que “foi atacada e que só revidou diante de injusta agressão”. É sempre assim. Os policiais matam, mas as vítimas é que são culpadas.

    Até quando esse desespero! Até quando?

     

     

     

     

  • Sérgio Camargo: KKK, nazismo e perseguição política

    Sérgio Camargo: KKK, nazismo e perseguição política

    Reportagem de Nataly Simões e Pedro Borges I Ilustração de Vinicius de Araújo – Do Alma Preta Jornalismo 

    *Todos os nomes utilizados na reportagem são fictícios e foram adotados como forma de preservar a identidade das fontes. Os nomes escolhidos são meramente ilustrativos.

    “Quando a diretoria da Fundação Cultural Palmares (FCP) ia se reunir, a gente comentava que era a reunião da KKK”, diz em sigilo Beatriz*, ex-funcionária do órgão de promoção à cultura negra vinculado à Secretaria Especial da Cultura.

    O comentário sobre a Ku Klux Klan, organização supremacista branca dos Estados Unidos, começou no início de 2020 após uma crise dentro do órgão público.

    Em fevereiro, Sérgio Camargo ocupou as manchetes de grandes jornais do país por ter demitido por telefone diretores negros com trajetória em políticas públicas em prol da cultura afro-brasileira. Como resposta, convocou sua tropa de choque para definir o que fazer diante da cobertura da imprensa acerca das demissões.

    “É um grupo de pessoas, na sua maioria brancas, que acredita em racismo reverso, não tem conhecimento sobre a história da Fundação e vê em Sérgio Camargo a oportunidade de colocar tudo o que pensa para fora”, conta Beatriz*, sobre o perfil da direção do órgão.

    Perseguição aos profissionais

    O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, mantém vínculo próximo com um pequeno grupo de pessoas, descrito pelos funcionários como o núcleo da KKK. O objetivo, de acordo com Beatriz*, é “limpar a Palmares”.

    “O Sérgio Camargo quer tirar o pessoal que ele considera ‘esquerdista’, porque para ele todo mundo é ‘esquerdista’. Se não concordar com a extrema direita logo é de esquerda”, acrescenta a ex-funcionária.

    Apesar de passar uma imagem de segurança nas redes sociais, a funcionária Sueli* reitera a insegurança de Sérgio Camargo diante do cargo. “A gente sabe que ele sente medo, sabe que as coisas que são postadas nas redes sociais e na imprensa o afetam de fato. Ele tem medo de muita coisa”, pontua.

    O padrinho nazista

    O ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim, é o padrinho político de Sérgio Camargo. Alvim foi o nome dentro do governo de Jair Bolsonaro (Sem partido) que indicou Camargo ao cargo mais importante da Fundação Cultural Palmares.

    Ex-funcionários ouvidos pelo Alma Preta recordam que, no primeiro dia após sua nomeação em 27 de novembro, Sérgio Camargo fez uma visita a todos os setores do órgão para conhecer e se apresentar aos profissionais.

    Já no dia 29, o novo presidente foi alvo de um protesto de organizações do movimento negro. Diante da ação, Camargo se trancou em uma sala e se recusou a dialogar com os manifestantes ali presentes. Após o fim do protesto, contatou seu padrinho político, Alvim.

    O então secretário da Cultura foi até a sede da Fundação Cultural Palmares e convocou todos os funcionários. “Nesse dia, Alvim fez uma série de ameaças aos servidores. Foi de uma agressão impressionante. Não era uma visita de boas vindas, era uma visita para dizer que quem estava envolvido com aquele movimento seria punido”, recorda Beatriz*. “Alvim disse que não aceitaria nenhuma influência ‘esquerdista’ dentro da Fundação e que todas as pessoas de esquerda que estavam ali seriam demitidas”, lembra a ex-funcionária.

    Na ocasião, Roberto Alvim também disse uma frase que se confirmou nos meses seguintes. “Eu posso cair, mas o Sérgio não cai”. No dia 17 de janeiro deste ano, Alvim foi exonerado da Secretaria Especial da Cultura após ter feito um pronunciamento similar ao de Joseph Goebels, ministro da propaganda na Alemanha nazista.

    Goebbels, antissemita radical e um dos idealizadores do nazismo ao lado de Adolf Hitler, havia afirmado em meados do século XX que a “arte alemã da próxima década será heroica” e “imperativa”. Em vídeo publicado nas redes sociais da Secretaria Especial da Cultura, Alvim afirmou que a “arte brasileira da próxima década será heroica” e “imperativa”.

    Sérgio Camargo, por sua vez, nomeado presidente da Fundação Cultural Palmares em 27 de novembro de 2019, foi afastado do cargo após ser alvo de uma ação da 18ª Vara Federal de Sobral, no Ceará, em 4 de dezembro. Segundo a ação, a nomeação contrariava os motivos determinantes para a criação da Fundação Cultural Palmares e colocava a instituição “em sério risco”, visto que a gestão podia entrar em “rota de colisão com os princípios constitucionais da equidade, da valorização do negro e da proteção da cultura afro-brasileira”.

    Ao retomar o cargo, em 20 de fevereiro de 2020, por decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro João Otávio de Noronha, Camargo voltou com seu discurso de extrema-direita alinhado ao presidente Jair Bolsonaro. As colocações mais recentes em consonância ao presidente foram os ataque às medidas de isolamento social devido à pandemia do Covid-19.

    “O Alvim não está mais no governo, então, quem está segurando ele lá? Aparentemente existe um respaldo forte da presidência da República, que parece que coaduna com aquele discurso negrofóbico do Sérgio Camargo”, reflete em sigilo Sueli*, funcionária da fundação.

    Fundação Cultural Palmares

    Alma Preta procurou a Fundação Cultural Palmares para saber o posicionamento do órgão sobre as reuniões entre diretores conhecidas pelos funcionários como “reuniões da KKK”, a perseguição a funcionários com pensamentos diferentes aos do presidente Sérgio Camargo, e quais medidas têm sido tomadas para tornar o ambiente de trabalho confortável para todos. A reportagem também perguntou sobre as intimidações feitas pelo ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim. Até a publicação deste texto, os questionamentos da reportagem não foram respondidos.

    A reportagem também tentou buscar um posicionamento de Roberto Alvim sobre as intimidações feitas aos funcionários do órgão enquanto ocupava o cargo de secretário especial da Cultura, mas não o localizou.