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Categoria: Opinião

  • Quem dera fôssemos a Venezuela – que tem 10 mortes por corona x Brasil 5.511

    Quem dera fôssemos a Venezuela – que tem 10 mortes por corona x Brasil 5.511

    No dia 17 de março foi registrada a primeira morte por corona na Venezuela. Hoje, Mais de 40 dias depois, o número subiu para 10 casos.

    Antes mesmo do primeiro óbito, no início da segunda quinzena de março, Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, investiu numa série de políticas públicas para a contenção do contágio do coronavírus e agora colhe um baixo número de casos fatais do vírus.

    Pelo menos 20.000 médicos, entre venezuelanos e cubanos, além de estudantes brasileiros de medicina no país, foram chamados para realizar visitas ‘casa por casa’ para testar a população. Testagem em massa, todo o mundo sabe, é a chave para conhecer, rastrear, conter e vencer o vírus. Para iniciar o processo de testagem, foram recebidos 2 milhões de testes rápidos vindo da China.

    Para efeito de comparação, enquanto o Brasil realizou 1.597 testes por milhão de habitantes, uma vergonha internacional, a empobrecida Venezuela, vítima de um bloqueio econômico criminoso orquestrado pelo Estados Unidos, já realizou 16.132 testes por milhão de habitantes! Dez vezes mais do que o gigante Brasil!

    Além disso, o sistema informático de atendimento social “Sistema Pátria” fez uma pesquisa pessoal com 10 milhões de pessoas, em que 16 mil disseram ter gripe ou algum sintoma parecido. O governo da Venezuela determinou, então, que as 16 mil pessoas fizessem o exame. Destas, apenas 7 foram confirmadas com coronavírus e isoladas imediatamente.

    O isolamento atinge todo o território venezuelano. Os terminais terrestres foram fechados e a circulação entre estados é permitida somente em carros particulares. Brigadas Itinerantes de Prevenção à Contaminação pelo coronavírus foram espalhadas por todo o país para informar a população sobre higienização e as regras do isolamento.

    Para que a população não sofresse com o impacto econômico, o governo determinou uma série de medidas para garantir renda mínima a toda a população:

    1. Nenhum trabalhador pode ser demitido até dia 31 de dezembro;

    2. O Estado venezuelano irá pagar os salários dos trabalhadores das empresas privadas por seis meses para eles ficarem em casa;

    3. Está proibido cobrar aluguel por seis meses;

    4. Fica proibido cobrar prestações e juros de todos os financiamentos em curso por seis meses;

    5. Fica suspensa a cobrança das taxas de serviços de energia, água, gás;

    6. Sete milhões de famílias seguirão recebendo uma cesta básica de alimentos a cada 15 dias até que a pandemia e o estado de emergência sejam encerrados.

    Já o Brasil teve sua primeira morte no dia 23 de março e hoje tem 5.511 óbitos em todo o país. Em algumas cidades, como Manaus, o Sistema Único de Saúde já colapsou. Em São Paulo, grande epicentro da doença, 85% dos leitos de UTIs do SUS já estão ocupados, segundo dados do Ministério da Saúde. Pesquisa do Imperial College de Londres mostra que o Brasil tem o maior índice de contágio do Covid-19 entre 48 países analisados. Aqui, cada infectado transmite a doença para cerca de três pessoas.

    Diante de um presidente criminoso, os governantes estaduais tiveram que tomar suas próprias medidas de contenção do contágio. Jair Bolsonaro, inútil até pra ter um partido, deu as seguintes declarações em relação ao corona vírus:

    09 de março:
    “está superdimensionado”

    11 de março:
    “Outras gripes mataram mais”

    15 de março:
    “Em 2009, 2010, teve crise semelhante”

    17 de março:
    “Esse vírus trouxe uma certa histeria”

    20 de março:
    “Não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”

    22 de março:
    “O povo saberá que foi enganado por esses governadores e por parte da grande mídia”

    23 de março – dia da primeira morte:
    SEM DECLARAÇÕES

    24 de março:
    “Nada sentiria, ou sentiria, quando muito, uma gripezinha ou resfriadinho”

    26 de março:
    “Eu acho que não vai chegar a esse ponto”

    29 de março:
    “Todo mundo vai morrer um dia”

    01 de abril:
    “Vírus é igual a uma chuva. Você vai se molhar, mas não vai morrer afogado”

    12 de abril:
    “O vírus tá indo embora”

    20 de abril:
    “Eu não sou coveiro”

    28 de abril:
    “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”

    Agora eu reafirmo meu título: quem dera a gente tivesse virado a Venezuela e tivéssemos poucas mortes, garantia de salários, isenção de contas básicas e de aluguel, além de equipes treinadas para testar a população em massa. Que dera.

     

    Veja mais: Palácio do Planalto ou Escritório do Crime, STF abre inquérito contra Bolsonaro. E daí?

  • Mais de um trilhão de reais jogados ao vento pelo governo Bolsonaro

    Mais de um trilhão de reais jogados ao vento pelo governo Bolsonaro

    Não, o Estado Brasileiro não só não está falido como possui recursos para acabar com a pobreza, para sempre. A nauseante ideia de que não existe dinheiro, da necessidade de “ajuste fiscal”, de “teto de gastos”, de perigo do déficit etc é conversa para boi dormir. Sim, estamos sendo enganados (as), diariamente, ano após ano, pela mídia comercial, pelos grandes empresários e pelas principais autoridades políticas e governamentais, salvo raras exceções…Trata-se de um crime de lesa-pátria, solenemente ignorado e muito bem acobertado. Dívida

    Por Silmara Conchão* e Eduardo Magalhães Rodrigues**, especial para os Jornalistas Livres

    A pobreza e a miséria em nosso país não são causadas pela falta de riqueza, mas sim por sua extrema concentração. Dados da ONG Oxfam, apontam que apenas seis brasileiros possuem riqueza igual aos 100 milhões mais pobres, os 5% mais ricos têm a mesma renda que os 95% restantes e entre 2017 e 2018 o número de bilionários no Brasil passou de 31 para 43.

    Uma das formas mais eficazes de concentração, além da injustíssima tributação, está no Orçamento Federal, elaborado pelo Governo e aprovado pelo Congresso Nacional.

    Vejamos alguns números.

    O site auditoria cidadã da dívida” denuncia um dos maiores roubos na história brasileira. Roubo de nosso dinheiro, roubo da riqueza produzida pelos milhões de trabalhadores e trabalhadoras. Por exemplo, em 2019, o Governo federal desembolsou 2 trilhões e 711 bilhões. Quase 40% (38,27%) foi usado para quitar juros e amortizações da dívida pública federal. Ou seja, 1 trilhão e 38 bilhões de reais! Dívida esta suspeita e que deve ser investigada, mas até hoje nenhum governo ousou realizar auditoria.

    Ao mesmo tempo em que quase 40% foi usado para enriquecer ainda mais seus credores, a Saúde ficou com menos de 5% (4,21%), a Educação com menos de 4% (3,48%), a Assistência Social também com menos de 4% (3,42%), a Ciência e Tecnologia com menos de 1% (0,23%), Saneamento com ínfimos 0,02%, Cultura com 0,03%, Esporte 0,01% e Habitação com 0%! Isso as televisões, os jornais e seus comentaristas bajuladores não dizem. Continuam insistindo na cantilena de que o Estado Brasileiro está falido…

    Segundo dados do IBGE (2018 e 2019), havia no Brasil 13,5 milhões de miseráveis e 52,5 milhões de pobres, totalizando 66 milhões de pessoas sobrevivendo sem mínimas condições. Se os juros e amortizações da dívida pública federal não fossem pagos, a pobreza e a miséria acabariam para sempre no Brasil. Cada um dos 66 milhões citados receberia, mensalmente, R$ 1.310,60. Considerando 2 adultos e 2 crianças, o orçamento mensal dessas famílias passaria a ser de R$ 5.242,40, valor pouco maior do que deveria ser o salário-mínimo, de acordo com a Constituição Federal e calculado pelo Dieese: R$ 4.483,20. O efeito sobre a economia nacional, em pouco tempo, seria enorme. Essas pessoas passariam a consumir, o que geraria demanda para a indústria e o comércio; que por sua vez passariam a contratar um enorme contingente de trabalhadores e trabalhadoras, diminuindo ou acabando com o desemprego; os governos arrecadariam mais impostos, e assim teriam mais recursos para oferecer saúde, educação etc. Quer dizer, seria criado um ciclo virtuoso onde pobres e miseráveis se tornariam, em pouco tempo, cidadãos e cidadãs vivendo do próprio trabalho, sem depender da renda direta do Estado… Absurdo propor cancelamento da dívida pública se uma auditoria provar fraude? O próprio Papa Francisco apoia a ideia, afirmando que as dívidas públicas não devem ser “pagas com sacrifícios insuportáveis”.

    Outra grande mentira martelada cotidianamente, para tentar justificar reformas que tiram direitos do povo e do trabalhador (a), como a Reforma da Previdência, é o tamanho do Estado. Afirmam, seus defensores (as), que o Estado possui muitos servidores, que se gasta muito com a máquina estatal, que ela tem de ser diminuída, que os gastos públicos devem ser reduzidos etc. É claro que o patrimônio público deve ser administrado com todo cuidado, que se deve exigir eficiência, que não se deve pagar salários exorbitantes etc. Enfim, somente assim o povo poderia receber serviços públicos de qualidade. No entanto, como um exemplo, a administração e o judiciário federal consomem, juntos, 2,23% do orçamento da União.

    Mas quem são os credores da dívida pública federal?

    Conforme dados do Tesouro Nacional (2017), 22,3% são instituições financeiras; 25% fundos de investimento; 25,2% fundos de previdência; 12,6% são estrangeiros e o restante 14,9% fica com governo, seguradoras e outros. Apesar da falta de transparência sobre os nomes das pessoas e empresas credoras da dívida pública, não é difícil supor que seu controle cabe a poucos. Lamentavelmente, nenhum governo até o momento atreveu-se revelar essa informação básica.

    Portanto, quando você ouvir que o Estado Brasileiro não possui recursos, entenda que ele não possui recursos para você, para os moradores (as) das favelas, para os (as) que morrem nas filas dos hospitais, para os moradores (as) de rua, para as crianças e adolescentes que esmolam nos faróis, para os pequenos e médios comerciantes e industriais, para os desempregados (as) …para a pequena elite a história é outra…Esses estão muito satisfeitos com a política colonial do coronel de plantão. Se você não está no topo da pirâmide e continua exaltando o “mito”, lembre-se que o Covid-19 não se mata com tiro. Esta pode ser sua última chance de se arrepender…

    Não existe oposição entre saúde e economia, mas sim complementaridade. Desconcentrar a riqueza melhoraria a qualidade de vida em todos seus aspectos, incluindo educação, moradia, segurança, meio-ambiente, emprego, renda, alimentação e…saúde. O inverso também é verdadeiro: quanto maior a concentração da riqueza, pior para a saúde.

    O Brasil continua sendo uma mega fazenda escravocrata, uma máquina de moer gente administrada por senhores de engenho e seus jagunços. Sucupira segue impassível refém do paranoico Bolsorico Paraguaçu e seus milicianos.

    23 de abril de 2020.

    *Silmara Conchão – Socióloga, feminista e professora universitária da Faculdade de Medicina do ABC. Mestra em Sociologia e Doutora em Ciências da Saúde.

    **Eduardo Magalhães Rodrigues – Sociólogo e pesquisador da Universidade Federal do ABC. Mestre em Relações Internacionais e Doutor em Planejamento e Gestão do Território.

     

    Veja mais: Mandetta se finge de bom-moço pra rifar SUS e ganhar eleição futura

     

     

  • Noam Chomsky: Os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição

    Noam Chomsky: Os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição

    Para o filósofo e linguista Noam Chomsky, a primeira grande lição da atual pandemia é que estamos diante de “outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo”, que no caso dos Estados Unidos está agravado pela natureza dos “bufões sociopatas que dirigem o governo” liderado por Donald Trump.

    De sua casa em Tucson (Arizona) e longe de seu gabinete no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), desde que transformou para sempre o campo da linguística, Noam Chomsky repassa em uma entrevista com “Efe” as consequências de um vírus que deixa claro que os governos estão sendo “o problema e não a solução”.

    Que lições positivas podemos extrair da pandemia?

    A primeira lição é que estamos diante de outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo. Se não aprendemos isso, a próxima vez que acontecer algo parecido vai ser pior. É óbvio após o que ocorreu depois da epidemia do SARS em 2003. Os cientistas sabiam que viriam outras pandemias, provavelmente da variedade do coronavírus. Teria sido possível se preparar naquele ponto e abordá-lo como se faz com a gripe. Mas não se fez.

    As empresas farmacêuticas tinham recursos e são milionárias, mas não o fazem porque os mercados dizem que não há lucros em se preparar para uma catástrofe virando a esquina. E depois vem o martelo neoliberal. Os governos não podem fazer nada. Estão sendo o problema e não a solução.

    Estados Unidos é uma catástrofe pela jogada que fazem em Washington. Sabem como culpar todo mundo exceto a eles mesmos, apesar de serem os responsáveis. Somos agora o epicentro, em um país que é tão disfuncional que nem sequer pode prover de informação sobre a infecção à Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Qual sua opinião do gerenciamento da administração Trump?

    A maneira como isto se desenvolveu é surreal. Em fevereiro a pandemia estava já fazendo estragos, todo mundo nos Estados Unidos o reconhecia. Justo em fevereiro, Trump apresenta alguns orçamentos que vale a pena olhar. Cortes no Centro de Prevenção e Controle de Doenças e em outras partes relacionadas com a saúde. Fez cortes no meio de uma pandemia e incrementou o financiamento das indústrias de energia fóssil, a despesa militar, o famoso muro…

    Tudo isso diz algo da natureza dos bufões sociopatas que administram o Governo e porque o país está sofrendo. Agora buscam desesperadamente culpar alguém. Culpam a China, a OMS… e o que têm feito com a OMS é realmente criminoso. Deixar de financiá-la? Que significa isso? A OMS trabalha em todo mundo, principalmente em países pobres, com temas relacionados com a diarreia, a maternidade… Então que estão dizendo? “Ok, matemos um montão de gente no sul porque talvez isso nos ajude com nossas perspectivas eleitorais”. Isso é um mundo de sociopatas.

    Trump começou negando a crise, disse inclusive que era um boato democrata… Pode ser esta a primeira vez que os fatos venceram Trump ?

    A Trump há que lhe conceder um mérito… É provavelmente o homem mais seguro de si mesmo que já existiu. É capaz de sustentar um cartaz que diz “amo vocês, sou seu salvador, confiem em mim porque trabalho dia e noite para vocês” e com a outra mão te apunhalar pelas costas. É assim que se relaciona com seus eleitores, que o adoram independentemente do que faça. E recebe ajuda por um fenômeno mediático formado por Fox News, Rush Limbaugh, Breitbart… que são os únicos meios que assistem os republicanos.

    Se Trump diz em um dia “é só uma gripe, esqueçam dela”, eles dirão que sim, que é uma gripe e que há que se esquecer. Se no dia seguinte diz que é uma pandemia terrível e que ele foi o primeiro a se dar conta, gritarão em uníssono e dirão que ele é a melhor pessoa da história.

    Ao mesmo tempo, ele mesmo olha Fox News pelas manhãs e decide o que supõe que tem que dizer. É um fenômeno espantoso. Rupert Murdoch, Limbaugh e os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição.

    Pode esta pandemia mudar a maneira com que nos relacionamos com a natureza?

    Isso depende dos jovens. Depende de como a população mundial reaja. Isto nos poderia levar a estados altamente autoritários e repressivos que expandam o manual neoliberal inclusive mais que agora. Recorde: a classe capitalista não cede. Pedem mais financiamento para os combustíveis fósseis, destroem as regulações que oferecem alguma proteção… No meio da pandemia nos Estados Unidos, eliminaram normas que restringiam a emissão de mercúrio e outros contaminantes… Isso significa matar mais crianças estadunidenses, destruir o meio ambiente. Não param. E se não há contraforças, é o mundo que nos sobrará.

    Como fica o mapa de poder em termos geopolíticos depois da pandemia?

    O que está acontecendo a nível internacional é bastante chocante. Isso que chamam de União Europeia. Escutamos a palavra “união”. Ok, veja a Alemanha, que está gerenciando a crise muito bem… Na Itália, a crise é aguda… Estão recebendo ajuda da Alemanha? Felizmente estão recebendo ajuda, mas de uma “superpotência” como Cuba, que está mandando médicos. Ou chinesa, que envia material e ajuda. Mas não recebem assistência dos países ricos da União Europeia. Isso diz algo…

    O único país que tem demonstrado um internacionalismo genuíno tem sido Cuba, que tem estado sempre sob estrangulamento econômico por parte dos EE.UU. e por algum milagre têm sobrevivido para seguir mostrando ao mundo o que é o internacionalismo.

    Noam Chomsky

    Mas isto não se pode dizer nos Estados Unidos porque o que tens de fazer é culpar Cuba de violações dos direitos humanos. De fato, as piores violações de direitos humanos têm lugar ao sudeste de Cuba, em um lugar chamado Guantánamo que Estados Unidos tomou à ponta de pistola e se nega a devolver.

    Uma pessoa educada e obediente supõe-se que tem que culpar a China, invocar o “perigo amarelo” e dizer que os chineses vêm nos destruir, nós somos maravilhosos.

    Há um chamamento ao internacionalismo progressista com a coalizão que Bernie Sanders começou nos Estados Unidos ou Varoufakis em Europa. Trazem elementos progressistas para contrarrestar o movimento reacionário que se forjou da Casa Branca (…) da mão de estados brutais do Oriente Médio, Israel (…) ou com gente como Orban ou Salvini, cujo desfrute na vida é se assegurar de que as pessoas que fogem desesperadamente da África se afoguem no Mediterrâneo.

    Coloque todo esse “reacionarismo” internacional de um lado e a pergunta é… serão contestados? Eu só vejo esperança no que Bernie Sanders tem construído.

    Que tem perdido…

    Diz-se comumente que a campanha de Sanders foi um fracasso. Mas isso é um erro total. Tem sido um enorme sucesso. Sanders tem conseguido mudar o âmbito da discussão e a política, e coisas muito importantes que não podiam ser mencionados há alguns anos e que agora estão no centro da discussão, como o Green New Deal, essencial para a sobrevivência.

    Não lhe financiaram os ricos, não tem tido apoio dos meios… O aparelho do partido teve que manipular para evitar que ganhasse a indicação. Da mesma maneira que no Reino Unido o ala direita do Partido Trabalhista destruiu Corbyn, que estava democratizando o partido de uma maneira que não podiam suportar.

    Estavam dispostos até a perder as eleições. Temos visto muito disso enos Estados Unidos, mas o movimento permanece. É popular. Está crescendo, são novos… Há movimentos comparáveis na Europa, podem marcar a diferença.

    Que acha que passará com a globalização tal e qual a conhecemos?

    Não há nada de mal com a globalização. É bom viajar à Espanha, por exemplo. A pergunta é: que forma de globalização? A que se desenvolveu tem sido sob o neoliberalismo. É a que se tem desenhado. Tem enriquecido os mais ricos e existe um enorme poder em mãos de corporações e monopólios. Também tem levado a uma forma muito frágil de economia, baseada em um modelo de negócio da eficiência, fazendo as coisas ao menor custo possível. Esse raciocínio leva a que os hospitais não tenham certas coisas porque não são eficientes, por exemplo.

    Agora o frágil sistema construído está colapsando porque não pode lidar com algo que tem saído mal. Quando desenhas um sistema frágil e centralizas a produção em um só lugar como a China… Olha a Apple. Fatura enormes lucros e poucos ficam na China ou em Taiwan. A maior parte de seu negócio vai para onde provavelmente têm localizado um escritório do tamanho de meu estúdio, na Irlanda, para pagar poucos impostos em um paraíso fiscal.

    Como é que podem esconder dinheiro em paraísos fiscais? Isso faz parte da lei natural? Não. De fato nos Estados Unidos até Reagan, era ilegal. Assim como as compras de ações. (…) Eram necessárias? Reagan legalizou.

    Tudo foi projetado, são decisões… que têm consequências que vemos ao longo dos anos e uma das razões que se encontra é o mal chamado “populismo”. Muita gente estava enfadada, ressentida e odiava o governo de forma justificada. Isso tem sido um terreno fértil para demagogos que podiam dizer: sou teu salvador e os imigrantes isso e aquilo, etc.

    Acha que, depois da pandemia, os Estados Unidos estarão mais perto de uma previdência universal e gratuita?

    É muito interessante ver essa discussão. Os programas de Sanders, por exemplo, previdência universal, taxas universitárias gratuitas… Criticam-no em todo o espectro ideológico. As críticas mais interessantes vêm da esquerda. Os colunistas mais liberais do New York Times, CNN e todos eles… Dizem que são boas ideias, mas não para os estadunidenses.

    A previdência universal está em todas as partes. Em toda Europa de uma forma ou de outra. Em países pobres como Brasil, México… E a educação universitária gratuita? Em todas as partes… Finlândia, Alemanha, México… em todos os lados. De modo que o que dizem os críticos na esquerda é que Estados Unidos é uma sociedade tão atrasada que não pode ser colocado à altura do resto do mundo. E isso diz bastante da natureza, da cultura e da sociedade.

    Tradução: Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba

    Foto: Apu Gomez

    Texto original: http://www.cubadebate.cu/especiales/2020/04/22/noam-chomsky-el-unico-pais-que-ha-demostrado-un-internacionalismo-genuino-ha-sido-cuba/#.XqH1_mZKh0w

    Cuba Salva Bloqueio Mata

  • O Jejum “santo” de Bolsonaro

    O Jejum “santo” de Bolsonaro

    Há tempos venho dizendo que Bolsonaro é o idiota útil usado por muita gente inteligente que usa a sua imbecilidade “popularesca e tupiniquim” para, através de discursos muito bem pensados por esses, parecer ser o que quiser ser: bronco, justiceiro, machista, moralista, “tiozão do pavê” e, claro, evangélico. Sua figura macunaímica casa muito bem com o “brasileiro médio”.

    Pois a grande sacada do momento é a convocação para o “santo jejum nacional”.

    Para quem está há tempos na igreja evangélica, sabe o que isso significa: é o momento mais esperado desde a década de 80, quando começa a surgir no Brasil, ainda que timidamente, a ideia de que “precisamos de um presidente evangélico”, acompanhada, entre outras coisas, de frases do tipo: “já imaginou o presidente começando e encerrando seus pronunciamentos com ‘a paz do Senhor’?” ou “que sonho um presidente convocando o povo para um jejum antes de qualquer decisão”…

    Bolsonaro não sabe disso, mas gente próxima dele sabe, e sabe bem.

    O povo evangélico tem o sonho de um “presidente-messias-rei” desde que explodiu no país a “teologia de dominio espiritual”, quando se começou a pensar em ter “servos de Deus” ocupando os espaços de poder e que isso, por consequência, abençoaria o país. É desse espírito e dessa “teologia” que surgem frases de efeito como “o Brasil é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso!” e a explosão de placas e outdoors em entradas de cidades declarando que aquele município, agora, “pertence ao Senhor Jesus”.

    A convocação para um jejum reforça a ideia messiânica que Bolsonaro quer implantar desde o começo de sua campanha e, principalmente, brincando com a fé evangélica, batizando-se no Rio Jordão e “aceitando Jesus” em vários eventos do mundo gospel brasileiro. E a igreja evangélica, ávida por poder e ansiosa para impor a todos a sua moral, nada de braçadas nesse lamaçal de sujeira, abraçada ao seu “capitão”.

    E ainda é só o começo…

    Mas, para o azar dessa gente, eles não contavam com uma inesperada inconveniência: a clareza bíblica quanto ao jejum que agrada a Deus:

    Senão, vejamos o que diz o profeta Isaías no capítulo 58 versículos 6-9

    “O jejum que desejo é este: que soltem as correntes da injustiça, desatem as cordas do jugo, ponham em liberdade os oprimidos e rompam com toda a injustiça.
    Partilhe sua comida com o faminto, abrigue o pobre desamparado, vista o nu que você encontrou, e não recuse o direito humano ao seu próximo.
    Aí sim, a luz irromperá como a alvorada, e prontamente chegará a cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda.
    Aí sim, você clamará ao Senhor, e Ele responderá; você gritará por socorro, e ele dirá: Aqui estou. “Se você eliminar do seu meio o jugo opressor, o dedo acusador e as notícias falsas”.

    Ah! Se esse povo lesse a Bíblia…

    José Barbosa Junior – escritor, teólogo e pastor da Comunidade Cristã da Lapa, no Rio de Janeiro.

  • NOTAS SOBRE A PANDEMIA VISTA ENQUANTO CALAMIDADE PÚBLICA – UM DEBATE NECESSÁRIO PARA O SERVIÇO SOCIAL

    NOTAS SOBRE A PANDEMIA VISTA ENQUANTO CALAMIDADE PÚBLICA – UM DEBATE NECESSÁRIO PARA O SERVIÇO SOCIAL

     

    Por Adriana Soares Dutra¹ e Leonardo Koury Martins²,
    especial para os Jornalistas Livres 

     

    No dia 20 de março, o Senado aprovou o Decreto nº 6/2020 que reconhece a ocorrência do estado de calamidade pública em função da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Enquanto conceito, calamidade pública significa catástrofe, desgraça pública, flagelo. A construção da palavra através do Latim é calamitate, porém o conceito, de acordo Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei nº. 12.608/12),  vai além.

    É por este conceito necessário considerar as situações que trazem ao Estado de Calamidade Pública uma situação anormal, provocada por desastres (ou não), causando danos e prejuízos à coletividade, que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.

    Desde que foi detectado o primeiro caso da doença, em dezembro de 2019 (Wuhan – China), o COVID-19 tem instado desafios incalculáveis à sociedade mundial. Por se tratar de algo que afeta todas as esferas da vida social, a pandemia provocada pelo COVID-19 ou Coronavírus precisa ter nos governos e demais entes estatais, como o Parlamento e o Judiciário, o suporte necessário para uma grande ação conjunta que leve em consideração que em situações como a vivida na atualidade não há espaço para atitudes fragmentadas ou parciais. A articulação conjunta é o que garante uma ação precisa, especialmente no tempo presente.

    Todavia, o que assistimos, especialmente no Brasil, ainda se aproxima mais de uma disputa vaidosa entre os governantes do que propriamente de um esforço de unidade frente à complexidade da situação. Boa parte das recomendações de proteção contra a proliferação do vírus se mantém distantes da realidade experimentada por grande parte das classes trabalhadoras, na medida em que não são acompanhadas de medidas econômicas substanciais. 

    Em tempos em que a  uberização torna-se a tônica do mundo do trabalho, atribuindo aos trabalhadores de forma cada vez mais intensa e perversa a responsabilidade pela própria reprodução, permanecer em casa não é uma opção para muitos. Seja porque esta decisão está nas mãos de terceiros, seja porque não podem se afastar um dia sequer de suas ocupações, por mais precárias que sejam, sem faltar o que comer no dia seguinte, uma parcela significativa dos trabalhadores não dispõe de condições mínimas para sua proteção. Nesse sentido, por mais conveniente que seja acreditarmos que as doenças infecciosas são democráticas,  a pandemia do coronavirus também é marcada pela classe, gênero e raça, como afirmou recentemente o geógrafo britânico David Harvey. 

    Neste contexto, o debate sobre o papel do Estado para a garantia da vida torna-se primordial. Sem políticas públicas não há condições concretas de proteção. Mas o discurso atrapalhado do presidente do país, Jair Bolsonaro, parece composto por um misto de negação e irresponsabilidade e, diante de uma incapacidade de apresentação de medidas econômicas concretas para os trabalhadores, até mesmo a quarentena, ainda que tomada de forma individualizada, já começa a sofrer forte pressão e ameaça ser suspensa a qualquer momento.

    O que não deve ser compreendido como uma novidade nem ser recebido com surpresa.

    O lucro a serviço dos ricos, princípio básico da economia capitalista, impede um esforço mais concentrado sobre a importância do isolamento social em todo o mundo. Para o Sistema Capitalista e em grande parte das ações de governo no mundo, a Economia está acima das vidas humanas.

    Porém é neste momento que devemos refletir, quando o Sistema Capitalista estava pensando ou agindo diferente? A defesa da propriedade encontra-se explícita desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1789 no contexto da Revolução Francesa, e segue sendo a principal bandeira dos governos neoliberais da atualidade.  Desta forma, não se trata de uma análise superficial, mas para que este texto tenha sua estrutura pensada a partir da Calamidade Pública, considerando a Pandemia como fator preponderante e o papel do Estado como primordial para este momento, devemos organizar o pensamento a partir do modo de produção vigente e da crise na qual se encontra, sendo a questão ambiental parte integrante deste arranjo global e a articulação integrada do Poder Público para tais enfrentamentos e a importância da articulação integrada do Poder Público para tais enfrentamentos. 

    O neoliberalismo não é capaz de garantir ações eficazes no enfrentamento da Pandemia, o Estado mínimo não consegue trazer respostas coletivas além do protecionismo econômico para o próprio capital. 

    É seguro afirmar que o processo de constante expansão e de consumismo sem limites necessário à sobrevivência do capital sustenta-se na intensificação da exploração das trabalhadoras e trabalhadores, na extração desordenada da matéria prima, na produção agrária extensiva, fazendo com que a relação força de trabalho e matéria prima a cada dia se sucumbam à produção de mercadorias.

    Para além da dilaceração da vida dos sujeitos em um nível mais imediato, tanto objetiva quanto subjetivamente, outras consequências enormes e graves se agudizam dia após dia. O efeito disso é o Lixo, este que não sairá do planeta e em seu rastro o aquecimento solar, a Camada de Ozônio, El Niño e La Niña, a mineração, seus rejeitos e todo o crime ambiental que os acompanha. O Planeta se encontra desgastado com a aceleração do capital sobre todas as formas de vida existentes.

    Se é tempo de pensar no isolamento social como necessário para reduzir o número de pessoas infectadas e mortas pelo COVID-19, vale a reflexão do porque é tão difícil parar.  

    Esta realidade ultrapassa muito a calamidade pública gerada pelo vírus. Nos remete à lógica de produção e reprodução da vida no sistema capitalista e a necessidade urgente de repensarmos o caminho que está sendo trilhado nesta sociabilidade. O lucro não pode se encontrar acima da vida humana, determinando as condições em que vivemos. Seja pela pressão do ato de não parar, mas também de que forma  parar, é necessário pensar de qual forma viver. Como se encontram os autônomos, desempregados, pessoas em situação de rua? Qual o diálogo sobre o acesso à alimentação enquanto um direito, o tamanho de nossas casas e as relações sociais enfraquecidas no cotidiano estão sendo estabelecidos?

    Como parte do conjunto de trabalhadores, assistentes sociais não se encontram imunes à essa realidade. As frágeis condições de trabalho, incluindo vínculos precários, falta de autonomia e escassez de recursos têm sido alvo de preocupação e debate dentro da categoria nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, reconhecer a importância do trabalho do Serviço Social para a garantia de direitos é primordial, em especial em tempos de acirramento das expressões da questão social.

    Mais do que nunca, é momento de defesa intransigente de um Estado de direito, de políticas públicas universais, de um sistema de saúde, de educação, do trabalho e também dos direitos de não ir ou vir, em tempos de pandemia. 

    Ao mundo, o que este período nos faz refletir: o Estado mínimo não tem condições de garantir a cidadania pela sua frágil mediação entre os interesses da população e a economia capitalista. A inoperância do Estado Neoliberal é proposital, frente às intempéries, pandemias e as grandes questões ambientais. Prova de que este modelo precisa ser derrotado nos países que aplicam tal organização política.

    Ao Brasil, mais do que antes, renasce a urgência de lutar não apenas pela defesa da Saúde Pública mas contra os desmontes cotidianos nas políticas sociais. A Constituição Federal não pode ter no seu marco legal, emendas como a EC95 que retira por 20 anos os gastos públicos para os direitos sociais. 

    Esta dualidade desfaz o que se descreve quanto os artigos 6º e 7º da Constituição que garantem a toda população diversos direitos já instituídos, mas profundamente afetados na atualidade. O que se traz como garantidas para a coletividade não podem ser mercantilizado. A vida não é um negócio a ser equilibrado como balança do que é perda aceitável como sugerem os analistas do atual governo federal.

    O reconhecimento da identidade de classe, o compromisso com àqueles que se encontram em processos de vulnerabilização e a valorização da vida devem orientar a defesa da paralisação da classe trabalhadora, assim como a garantia, por parte do Estado, de condições para que ela ocorra. Trata-se de elementos que podem contribuir para o resgate da unidade nas lutas sociais, frente um Brasil que se desdobra no Golpe contra seu próprio povo. 

    ¹Adriana Soares Dutra
    Assistente Social e professora da Universidade Federal Fluminense. Autora do livro Gestão de Desastres e Serviço Social

    ²Leonardo Koury Martins
    Assistente Social, professor do Curso de Serviço Social do Centro Universitário Unihorizontes e da coordenação da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Serviço Social – CRESS-MG

     

     

  • A pulsão genocida do vídeo do Governo Bolsonaro

    A pulsão genocida do vídeo do Governo Bolsonaro

    O Brasil amanheceu hoje debatendo o vídeo da nova campanha pública do Governo Federal, que defende a retomada de “normalidade” e o fim do isolamento social frente à pandemia COVID-19. A peça publicitária lançada nesta quinta-feira, dia 26 de março, primeiro na rede social do Senador Flávio Bolsonaro, foi produzida em caráter de emergência pela Isobar, agência de publicidade responsável pela área digital da SECOM (Secretaria de Comunicação da Presidência), potencialmente custando mais de 4 milhões de reais aos cofres públicos. O vídeo, concebido pelo “gabinete do ódio” da Presidência, foi aprovado – na ausência de Secretário Fabio Wajngarten, infectado pelo coronavírus –  pelo Vereador Carlos Bolsonaro, o filho “01”, e utiliza indevidamente fotografias obtidas em banco de imagem.

    Por meio de pesquisa reversa de imagens na internet, foi possível identificar a origem de 11 das 18 fotografias utilizadas no vídeo. Todas elas estão disponíveis no banco de imagens Shutter Stock. Segundo os termos de licenciamento dessa empresa, a licença de uso padrão está sujeita a uma série de limitações, dentre elas: não ser veiculada em vídeos com alcance superior a 500 mil pessoas e custo maior que 10 mil dólares. Também está expressamente vedado o uso em materiais com qualquer conexão com política ou ponto de vista político.

    Foram contatados dez fotógrafos autores dessas imagens, e um deles expressou desconforto em ver sua obra sendo usada no vídeo. Mesmo protegendo sua identidade, segue abaixo o seu relato:

    “Realmente eu não tenho controle do material, as fotos estão hospedadas no site e o site vende aos clientes deles e não sei como é feita essa negociação. Há sim um descontrole e um uso indevido da imagem, digamos assim. Ela não foi propícia pra isso. É uma foto de arquivo, o propósito dessa imagem é pra ser usada em campanhas ou direcionamentos ou reportagens que, enfim, reflitam uma certa realidade. Não a invenção desse maluco que a gente diz que é presidente da gente. Mas eu não posso dizer ao site que não venda a foto, que não comercialize a foto. Eu não tenho controle da imagem, mas enfim, fico dividido. Estou vendo que há um mau uso do material que eu produzi.”

     

    O uso indevido de fotografias de bancos de imagens pelo clã Bolsonaro tem precedente. Durante a campanha eleitoral de 2018, Eduardo Bolsonaro, o filho “03”, divulgou um vídeo, supostamente feito por um apoiador, no qual aparece a fotografia de uma mulher negra, depois identificada como uma enfermeira canadense que se manifestou a respeito. O que espanta, para além de ver uma campanha oficial do Governo Federal potencialmente infringir os termos de licenciamento de imagens, é o discurso frio, calculista e irresponsável da família Bolsonaro aplicado sobre os rostos e corpos de pessoas negras, cujas opiniões não foram ouvidas, cujos direitos de personalidade talvez tenham sido desrespeitados e cujas identidades não podem sequer ser creditadas.

    Reprodução

    Do ponto de vista semiótico e discursivo, são essas as pessoas que o Governo Federal quer ver retomarem o trabalho, furando o isolamento social: brasileiros negros e pobres, trabalhadores informais e subalternizados. Brasileiros esses que, caso infectados, justamente encontrarão as maiores dificuldades em obter atendimento médico, sobretudo se a curva do contágio não for achatada, conforme explicam inúmeras pesquisas científicas já publicadas. Razão pela qual esta campanha ganha aspectos “genocidários”, tal como bem observou Ciro Gomes, devendo ter sua veiculação em televisão imediatamente suspensa pela Justiça. O Ex-ministro, em suas redes sociais, disse: “Bolsonaro está preparando uma campanha publicitária para chamar o povo para voltar às ruas! É genocídio!”. E vamos explicar o porquê de Ciro estar certo.

    Peça central da campanha pública governamental, este vídeo, divulgado no perfil de Flávio Bolsonaro, o filho “02”, vem acompanhado de logomarca do Governo Federal e de uma hashtag criada,  dois dias antes, pelo próprio Senador, como resposta à repercussão negativa do pronunciamento do Presidente, seu pai. A hashtag #obrasilnãopodeparar é instrumental na estratégia de comunicação digital oficial da SECOM – apesar de ter desaparecido o post do instagram do Governo Federal – e se provou eficaz na disseminação do vídeo, que rapidamente ganhou as manchetes dos principais veículos de comunicação e as redes sociais, furando a bolha bolsonarista, como também adentrou os grupos de whatsapp, já tendo potencialmente circulado entre milhões de brasileiros.

    Reprodução/ Instagram, perfil do Governo do Brasil

    Diferentemente da campanha publicitária do Banco do Brasil, vetada pelo Presidente em 2019, as pessoas negras protagonistas do vídeo não estão no bar, na piscina, ou dançando, bem-vestidas, nas coberturas dos prédios ou nas boates chiques, exibindo subjetividade, personalidade e poder aquisitivo, afirmando, dentre outras coisas, pertencimento de classe e igualdade racial.

    As pessoas negras, protagonistas da campanha da SECOM, são retratadas em situação de pobreza e vulnerabilidade: sendo atendidas por enfermeiras, deitadas em leitos de maca, ou apinhadas na sala de espera de hospitais. O vídeo também escolhe muito criteriosamente quais trabalhos são ocupados por negros: há um ambulante da praia, uma feirante, um professor da rede publica de ensino, funcionários de fábricas e garis da COMLURB, Companhia Municipal de Lixo Urbano do Rio de Janeiro.

    Contrariando a recorrente falta de representatividade negra na publicidade, nesta peça de propaganda governamental em questão, afrodescendentes são maioria absoluta: das 18 fotografias usadas no vídeo, apenas 2 são de pessoas brancas. Uma senhora loira, cientista, manuseando um microscópio, e o homem, de costas, na imagem final, de cabelo liso e bandeira do brasil nas costas. Poderíamos até achar que essa última fotografia é uma referência ao próprio Bolsonaro, ou alguém à sua imagem e semelhança. Nada disso é mera coincidência.

    Reprodução

    O subliminar do discurso semiótico desse vídeo, cuja pulsão é genocida, opera nos referentes ausentes. Enquanto o vídeo trata de, em nome de um espírito patriótico, retomar a “normalidade” do trabalho, ele oculta quem diretamente se beneficia com essa retomada: empresários ricos, em geral brancos, que vêm fazendo pressão para a reabertura de seus comércios e indústrias. O vídeo também oculta quem, ao retomar o trabalho, assume maior risco de morte: as pessoas pobres, em geral negras neste país. Porém, esses referentes implícitos, genocidas, estão acessíveis por inferência. Ou seja, o vídeo não diz, expressa e explicitamente, para brasileiros negros voltarem às ruas porque este Governo quer que eles morram aos milhões. Mas esse texto está lá, no vídeo.

    Isso se deve justamente ao acúmulo de discursos do clã Bolsonaro, principalmente do Presidente, que nutre no imaginário da população, especialmente do séquito bolsonarista, um discurso racista. Jair Messias Bolsonaro, quem em campanha eleitoral disse que quilombola, medido em arroba, “não serve nem pra procriar”, também disse, nesta semana, que pessoas vão morrer e que o brasileiro precisa ser estudado, “porque mergulha em esgoto e não pega nada”.

    Esse senhor, ocupante do cargo máximo da nação, se dizendo preocupado com a economia do país e apostando, sem nenhum fundamento científico, que o impacto da pandemia COVID-19 será maior se o trabalhador informal não puder se alimentar, em vez de mover as estruturas do Estado para garantir renda básica para a população mais vulnerável e para a massa de trabalhadores autônomos e micro-empresários individuais – tal como aprovado na Câmara dos Deputados ontem – opta por descumprir as medidas sanitárias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde e adotadas por praticamente todas as nações.

    Portanto, considerando esse acúmulo de referentes contidos nos discursos pregressos de Bolsonaro, consegue-se ler o discurso subliminar do vídeo: “Morrerão, em quantidade, os negros e pobres. Os brancos, estarão protegidos e ungidos pela radiante e iluminada Pátria Amada”. Tratando-se de uma propaganda de governo, o impulso genocida do Presidente migra para uma política de Estado. Aí mora o perigo de se ver adotada uma política pública de extermínio de negros e pobres no Brasil.

    Reprodução TV

    Muitos pensarão que essa preocupação é histeria. Infelizmente, o genocídio enquanto política de Estado não se anuncia, nem se comprova.  O historiador armênio Marc Nichanian é categórico ao afirmar, em seu livro “A Perversão Historiográfica” (2009), que o genocídio não é um fato, porque é a própria destruição de toda a factualidade desse acontecimento. Os perpetradores de um genocídio se ocupam de mascarar, velar e apagar todos os vestígios que indicam e apontam para a existência mesma do fato. E a consequente ausência de prova documental faz emergirem narrativas, inclusive historiográficas, de cunho negacionista. Razão pela qual muitas pessoas, inclusive ditos historiadores, até os dias de hoje negam os crimes contra a Humanidade cometidos pela Ditadura Civil-Militar brasileira.

    Ao estimular o povo a quebrar o isolamento social, aumentando o risco de contaminação e os efeitos nocivos da pandemia, o Governo Federal implanta uma nem tão invisível estratégia de extermínio de negros e pobres. O discurso semiótico desta propaganda do Governo Federal deixa rastros e vestígios que conservam subliminarmente esse texto de pulsão genocida, que não existe enquanto prova documental, nem como fato. Mas existe, ainda assim. E tem poder de matar, mesmo assim.

    Esse discurso genocida, só não enxerga quem não quer.

    . . .

    Artigo de Raquel Valadares, documentarista e pesquisadora de cinema, especial para os Jornalistas Livres