Solidariedade, resistência e as doações têm sido fundamentais para reerguer a comunidade
Um incêndio que iniciou na madrugada de segunda-feira (28) desalojou 24 famílias na Comunidade Vila Paula na região da CDHU do bairro San Martin, em Campinas .
Segundo informações da Prefeitura de Campinas, entre as pessoas atingidas estão 36 adultos, 27 crianças, dois adolescentes e dois idosos. Essas pessoas foram acolhidas na Escola Estadual Maria de Lourdes Bordini e em duas instituições religiosas nas proximidades.
A maioria dos moradores deixou suas casas só com a roupa do corpo. Todos os seus pertences foram destruídos pelo fogo.
Na terça-feira, a reconstrução dos barracos foi iniciada no mesmo local em que as habitações de madeiras foram destruídas pelas chamas. Paulo César Santos, uma das lideranças da comunidade, relembra o drama desastre que consumiu os barracos e as dificuldades das famílias.
“ Foi uma tragédia muito grande na nossa vila. Foi duro para construir, foi duro para assentar as famílias . Foi difícil construir os barracos de madeira, estamos aqui faz um bom tempo. No início era só lona e o incêndio devorador acabou com tudo.”
Paulo Cesar é uma das lideranças da Comunidade Vila Paula e trabalha na reconstrução da vila
A comunidade existe há cerca de cinco anos e abriga aproximadamente 176 famílias que moram no local e outras 70 suplentes, que não moram ali. No total, segundo Paulo, são ao menos 700 pessoas, entre crianças, idosos e adultos.
Elas perderam tudo
As 24 famílias perderam tudo e ficaram apenas com a roupa do corpo.
Lourrane , mãe de Abdias e grávida de sete meses conta que ficou muita assustada. A vizinha tentou alertá-la sobre o incêndio mas o fogo estava intenso.
“ Foi desesperador. Eu tenho um sono pesado e não ouvi as batidas em minha porta. Quando eu me atentei e abri a porta, um calor intenso e fumaça invadiram minha casa. Eu peguei meu filho e minha bolsa com documentos e saí correndo. Assim que eu saí algo que me pareceu como um botijão de gás estourou e a chama do fogo começou a incendiar o meu barraco. Perdi tudo. Tinha acabado de chegar cesta básica e verduras. Estava tudo abastecido.”
Mãe e filho tem a esperança de reconstruir o barraco
“ É desanimador olhar para tudo aquilo que a gente construiu com tanto sacrifício e ver tudo em cinzas , mas eu também agradeço por estar viva com meu filho e bem.”
Do mesmo modo, Isadora também relembra com pesar . Casada, mãe de dois filhos morava com eles e seu marido no barraco que também foi destruído.
A família de Isadora perdeu tudo e ficou apenas com a roupa que estava no corpo
“ Ficamos só com a roupa do corpo. Tentamos até tirar algo da nossa casa mas não deu certo. Não deu tempo. Salvamos os nossos filhos.”
O casal trabalha e tiveram que faltar esses dias no trabalho mas pretendem retornar o mais breve possível.
Paulo Cesar segurando uma cavadeira fala de peito aberto esperançoso
“ Estamos começando a fase de reconstrução. A nossa casa está sendo reconstruída. Nosso povo está aí trabalhando para isso. A prefeitura está com equipes no trabalho de reconstrução. Os barracos serão de madeira. Recebemos muitas doações Campinas se mobilizou e algumas cidades da região também como Paulínia e Valinhos. Temos que agradecer muito a solidariedade”
As doações vindas de Campinas e algumas cidades da região
A futura mamãe também se sente esperançosa.
“ Sei que posso ter meu bebê e voltar para a casa e terei uma casa”
Ela havia sido presenteada com um berço e uma cômoda para o bebê, os móveis foram consumidos pelas chamas durante incêndio.
Abdias, um garoto esperto de cinco anos, vivenciou a experiência da tragédia.
Abdias perdeu todas as suas roupas e brinquedos no incêndio.
“ Todos os meus brinquedos foram queimados. Perdi todos os meus brinquedos e roupas. Quero voltar para a minha casa”.
A mãe do garoto agradece as pessoas que se solidarizaram com as famílias da Vila Paula e fizeram doações.
Isadora diz se sentir aliviada pelas doações e também pela reconstrução.
“ As doações dão um ânimo da gente. Também já vai começar a reconstruir. Isso também já ajuda muito. Porque tudo que passamos é muito triste”
Crianças brincam entre as madeiras “kits barracos” – como está sendo chamado – providenciados pela Secretaria de Habitação , em um total de 35 , para a construção de moradias de 20 metros quadrados com banheiro
“As doações são importantes para a Comunidade da Vila Paula sobretudo quando os barracos estiverem prontos novamente. Vamos precisar montar morada. Móveis. geladeiras. Comida.” segundo Paulo Cesar
Onde entregar as doações :
1-Comunidade Frei Galvão da Paróquia São Marcos, O Evangelista – Rua Valentino Biff, s/n – em frente ao CDHU San Martin
2- Escola Maria de Lourdes Bondine no CDHU San Martin, entre as quadras R e U.
Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam, o juiz despacha no processo de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo. No despacho proferido , o juiz do processo – Cássio Modenesi Barbosa – diz que aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário. A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017, lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação em relação ao despacho do juiz em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.
Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:
“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”
Hoje também foi realizada uma atividade on-line de Lançamento da Campanha Despejo Zero em Campinas -SP (
Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.
A Comunidade Mandela e as ocupações
A Comunidade Mandela luta desde 2016 por moradia e desde então tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas públicas habitacionais. Em 2017, cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam. Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde. O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade. As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura. Leia mais sobre: https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/
A luta pela criação do Centro Ecológico Yary Ty, em terreno que a Imobiliária Tenda pretende construir 11 torres para 880 unidades de apartamentos inicialmente e projeta mais 10 torres totalizando 1.620 unidades sob alegação de suprir demanda de moradia social, segue vitoriosa.
Tal construção, como já esclarecido em nossos informes fere, em todas as instâncias, determinações legais, constitucionais e ambientais.
As obras e manejo arbóreo estavam suspensas até a realização de uma 2a. audiência na 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, designada para dia 06 de maio, que visto estado de pandemia COVID-19, foi cancelada.
Possível território do Centro Ecológico Yary Ty
Ademais foram consideradas pela juíza as considerações de entidades especializadas, como IBAMA, FUNAI, CETESB, Conselho Gestor da Reserva de Biosfera – Cinturão Verde, Conselho Consultivo do Parque Estadual do Jaraguá e Fundação Florestal, no sentido de haver fundada dúvida sobre ter sido seguido o correto procedimento de licenciamento ambiental e autorização dos órgãos protetores dos direitos indígenas.
No decreto expedido em 07 de abril, desta semana, atendendo o pedido das Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE), estudo do parecer do Ministério Público Estadual (MPE) e dado ciência dos fatos contestados contra a TENDA pelo Ministério Público Federsl (MPF), ficou entendido, através da Decisão da Justiça Federal que há potencial risco de dano ao meio-ambiente e ao direito indígena posto nos autos.
Citação:
“… O princípio da precaução, caro ao Direito Ambiental, ordena que diante de situação potencialmente prejudicial ao meio-ambiente, ainda que seus resultados não sejam de todo conhecidos, sejam tomadas as medidas mais cautelosas e protetivas, de modo a evitar dano irreparável. As manifestações em audiência de entidades especializadas, como IBAMA, FUNAI e CETESB, também foram no sentido de haver fundada dúvida sobre ter sido seguido o correto procedimento de licenciamento ambiental e autorização dos órgãos protetores dos direitos indígenas…
… Do que a DPU relata, há substancial controvérsia jurídica sobre a possibilidade de realização de empreendimento na área, considerando, entre outras questões, os diplomas que determinam a existência de zona de amortecimento…”
Da luta e pela vitória, dos desejos atendidos, da fé e rezo do Povo Guarani, da manifestação por acreditar que vale a pena sim o enfrentamento pela garantia dos direitos adquiridos, que vale a pena sim os jovens que estiveram a frente dessa luta serem exemplo de uma nova geração de guerreiros e guerreiras, da união de todos e todas que acreditam nas forças da Mãe Natureza, “… fica determinado que a TENDA se abstenha de realizar quaisquer atividades de manejo ambiental ou qualquer obra para implantação do empreendimento imobiliário na área objeto dos autos, até ulterior deliberação.”
Vitória!!! A luta segue pela criação do Centro Ecológico Yary Ty e Memorial da Cultura Guarani!!! Aguyjevete a todo povo de luta!!!
A luta dos guerreiros e guerreiras guarani para manter o seu território.
A luta dos guerreiros e guerreiras guarani para mnater o seu território.
A luta dos guerreiros e guerreiras guarani para manter o seu território.
A luta dos guerreiros e guerreiras guarani para manter o seu território.
A luta dos guerreiros e guerreiras guarani para manter o seu território.
Fotos: Sato do Brasil/Jornalistas Livres. Video: FalangeAv/Paulo Pereira. Música captada por: Cassandra Melo. Voz: Melina Mulazani. Texto do vídeo: Texto: Blog do ISA (Instituto Sócio Ambiental)
Operação Povo Sem Fome: 3 mil cestas básicas foram entregues no Centro e bairros periféricos de São Paulo neste último fim de semana. Cerca de 10 mil pessoas têm o que comer em ocupações, cortiços do Bixiga e do Glicério. Não foram esquecidas as prostitutas do coletivo Mulheres da Luz, os catadores de reciclados da mesma região nem as famílias de pessoas encarceradas. (Foto: Elton Santana/Casa Verbo)
Operação Povo Sem Fome: 3 mil cestas básicas foram entregues no Centro e bairros periféricos de São Paulo neste último fim de semana. Cerca de 10 mil pessoas têm o que comer em ocupações, cortiços do Bixiga e do Glicério. Não foram esquecidas as prostitutas do coletivo Mulheres da Luz, os catadores de reciclados da mesma região nem as famílias de pessoas encarceradas. (Foto: Elton Santana/Casa Verbo)
Operação Povo Sem Fome: 3 mil cestas básicas foram entregues no Centro e bairros periféricos de São Paulo neste último fim de semana. Cerca de 10 mil pessoas têm o que comer em ocupações, cortiços do Bixiga e do Glicério. Não foram esquecidas as prostitutas do coletivo Mulheres da Luz, os catadores de reciclados da mesma região nem as famílias de pessoas encarceradas. (Foto: Elton Santana/Casa Verbo)
Operação Povo Sem Fome: 3 mil cestas básicas foram entregues no Centro e bairros periféricos de São Paulo neste último fim de semana. Cerca de 10 mil pessoas têm o que comer em ocupações, cortiços do Bixiga e do Glicério. Não foram esquecidas as prostitutas do coletivo Mulheres da Luz, os catadores de reciclados da mesma região nem as famílias de pessoas encarceradas. (Foto: Elton Santana/Casa Verbo)
Em meio à pandemia do coronavírus, duas mulheres estão preocupadas. É preciso agir com urgência. Cada uma a seu modo, então, começa a articular as próprias redes de contatos. Ouvem ideias, buscam dados, sugerem e recebem propostas. Os dias, as horas e os minutos frenéticos de cada uma são ocupados por questões muito mais pontuais do que com as polêmicas do presidente sem rumo. O número de infectados aumenta, o confinamento exige condições de sobrevivência, há pessoas sem trabalho, sem comida, com filhos espremidos entre idosos em cômodos apertados ou simplesmente sem ter para onde ir ou a quem recorrer. Por diferentes vias e vivências, ambas sabem: a fome tem pressa.
E assim nasce o Comitê Popular de Combate ao Covid-19, plataforma criada por um grupo diverso, com a participação de instituições privadas e lideranças de movimentos comunitários que, em menos de uma semana, mapeou os locais onde a crise se mostra mais aguda em São Paulo. Nesse meio-tempo, também captou R$ 3.037.000,00 (três milhões e 37 mil reais) para atender as demandas das populações mais vulneráveis da cidade.
Em apenas dois dias de atividades, só na região central e arredores, mais de 3 mil famílias, cerca de 10 mil pessoas, receberam cestas básicas ou marmitas. No mesmo fim de semana, uma rede de oficinas de costura começou a confeccionar máscaras de pano para as comunidades.
Oficinas de costura a todo vapor: costureiras de diversas comunidades produzem máscaras de pano
Os kits de alimentos e higiene, que em geral duram duas semanas para quatro pessoas, são comprados nas regiões onde vivem os moradores para o fomento da economia dos bairros. Cerca de 27 mil famílias serão assistidas, uma ação que atinge 110 mil pessoas que congregam bairros do Centro, Heliópolis, Cumbica, Cidade Tiradentes, Sapopemba e Jardim Colombo, São Remo, Vila Guaraciaba e Jardim Keralux. Há ainda um núcleo na favela da Maré, no Rio de Janeiro.
Nos próximos 15 dias, a meta é levantar um total de R$ 8.190.000,00 para ampliar o número de atendimentos e manter a constância de fornecimento e outras necessidades que surgem, botijões de gás e alcool gel, ao longo do período de isolamento social.
As duas mulheres, no entanto, continuam preocupadas. A mineira Marisa Moreira Salles e a baiana Carmen Silva, sabem que é preciso muito mais.
Marisa é editora, redatora, designer e empresária do setor de livros na BEI Editora, que significa “um pouco mais” em tupi. Tem uma longa carreira no universo das artes, arquitetura, literatura e educação.
Carmen é corretora de planos de saúde e há mais de 20 anos fundou o Movimento Sem-Teto do Centro, que já tirou quase 3 mil pessoas de moradias insalubres, de viadutos ou de aluguéis impraticáveis ao promover inclusão social e promoção do bem-estar em prédios abandonados da cidade.
“Ela me deixa de queixo caído com as soluções que encontra para os problemas urbanísticos e do dia-a-dia das ocupações”, diz Marisa sobre Carmen. A editora costuma ouvir as aulas da líder sem-teto como professora convidada no Insper, o Instituto de Ensino e Pesquisa, onde Marisa é conselheira.
A entidade oferece cursos de gradução e pós em administração, economia, direito e engenharia e conta com o Núcleo de Mulheres e Território em seu Laboratório de Cidades, um programa interdisciplinar voltado para ações transformadoras de gestão urbana. “Quando a empatia, o olho no olho, a solidariedade e a educação são valores sólidos, independentemente de educação formal, informal ou das ‘caixinhas’ onde nos colocam, surgem soluções inovadoras.”
Marisa Moreira Salles, Carmen Silva e Tomas Alvim: em ação emergencial de combate ao coronavírus. “Carmen é da minha rede de confiança, minha amiga, com ela descobri que podemos trabalhar junto para conseguir algo melhor para a sociedade como um todo”, diz Marisa. A líder sem-teto completa: “sozinha não sou ninguém”, e Tomas reitera: “a tecnologia para lidar com crises e urgências já está estruturada nas organizações comunitárias” (Foto: acervo pessoal)
Sem rodeios, Marisa defende que é preciso aproximar a sabedoria e a tecnologia das ruas às politicas públicas, academia e instituições públicas e privadas. “São inteligências diferentes. Devemos estar juntos como nunca agora. E se estivéssemos há mais tempo, já teríamos propostas mais próximas das necessidades humanas, de como as pessoas querem viver. E tudo isso ainda estaria normatizado pelas leis que o país nos oferece.” Numa mesa de decisões, ela sugere, sempre devem estar representantes da sociedade civil, Estado, instituições e comunidade. “Se falta algum, vai faltar eficácia.”
Carmen, por sua vez, tem como mantra a frase “sozinha eu não sou ninguém”. As cinco ocupações do MSTC são famosas pelas portas abertas aos excluídos dos sistemas de moradia digna e a todo tipo de apoio e colaboração externa dos que vivem outras realidades. Pelos prédios ocupados já passam dezenas de especialistas, professores, estudantes de artes, gestão, urbanismo, arquitetura, paisagismo, engenharia, jornalismo, saúde pública, gastronomia, moda e até equipes de cinema e documentários.
Quem passa pela Ocupação 9 de Julho sempre aprende sobre a logística da recuperação do imóvel que já foi um depósito de 50 toneladas de lixo e fedentina. Também vê de perto como funcionam os núcleos de autogestão de moradores e voluntários que desenvolvem programas de cuidados coletivos, sustentabilidade e, principalmente, cidadania.
Sem Teto foram eleitos para ocupar o conselho tutelar da região e para a gestão do Parque Augusta, estão presentes em diversos conselhos participativos do governo, associações de bairros e campanhas para melhorias de espaços públicos.
“A luta por moradia tem essa característica: é um ‘guarda-chuva’ de muitas negligências à população mas mostra, de maneira coletiva e organizada, como é possível atuar de maneira ativa na gestão da cidade como um todo”, ensina Carmen. Ela conta que, para além de sanar o problema imediato da falta de comida, a omissão das omissões, o objetivo da operação é prevenir o contágio do coronavírus entre os mais fragilizados e, claro, em toda a cidade.
Cadastramento de moradores (Foto: Elton/Casa Verbo)
“Sabemos quem vive na rua ou em lugar insalubre, como cortiços que não permitem isolamento e ainda compartilham banheiros, casos de idosos que dividem espaços com crianças que são comprovadamente vetores e ainda as situações de famílias que não têm renda nenhuma”, conta a consultora em políticas públicas Márcia Terlizzi, voluntária do projeto com experiência de 30 anos de carreira na Secretaria de Habitação do Município.
Márcia acompanhou a gestão de dez prefeitos diferentes como gestora de conflitos entre a prefeitura e movimentos sociais. Na operação atual, também está na retaguarda das prestações de contas e transparência das atividades.
“As pessoas precisam ter comida na mesa já, agora. Estamos falando de prevenção”, lembra Carmen, ressaltando a dificuldade de as populações de baixa renda ou sem renda manterem a quarentena. “Houve demissões em massa e todos estão impedidos de fazer seus corres como ambulantes ou no mercado informal.” Sem reservas econômicas, é uma questão humanitária a liberação, já aprovada pelo Congresso, do auxílio de R$ 600 ou R$ 1200 para as famílias.
Tem gente com fome!
A agilidade da Operação Povo Sem Fome acontece a partir do contato entre redes de apoio que se conversam e trocam boas práticas e saberes. “É a única maneira de chegarmos nas mesas das pontas da cidade e descobrir as reais necessidades das pessoas.” A ação conta com a participação de outras cinco líderes comunitárias e de movimentos por moradia da cidade.
Tomas Alvim, braço direito e sócio de Marisa na BEI Editora, explica que a maneira mais ágil para alcançar o objetivo foi destinar a verba das doações diretamente a essas lideranças. “Estamos falando de mulheres que são especialistas em situações de crise desde sempre! Elas sabem dos lugares de maior vulnerabilidade de seus territórios como a palma da mão e conhecem pelo nome quem são as pessoas que passam por dificuldades.”
A líderes comunitárias se tornaram, assim, as responsáveis pela logística de distribuição dos donativos. “Elas permitem que a ação tenha o alcance e a capilaridade necessária e de maneira rápida porque essa tecnologia já está estruturada nas organizações delas”, diz Alvim, que também é parceiro de Marisa na criação da plataforma ArqFuturo, que congrega arquitetos, economistas e empresários mais influentes do país e do mundo para debater soluções de desenvolvimento urbano com a participação popular.
“Essas pessoas e organizações às quais encaminharemos os recursos arrecadados há anos se dedicam ao apoio das comunidades vulneráveis de São Paulo, e é com absoluta confiança que nos colocamos ao lado delas neste momento de grande apreensão para todos”, reitera Marisa, fazendo questão de citar, além de Carmen Silva (à esquerda da foto acima), a presidente da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, a UNAS, Cleide Alves; Ester Carro que preside a União Esportiva e Educacional do Jardim Colombo; Evaniza Rodrigues, diretora da União dos Movimentos de Moradia (UMM); Marília De Santis, gestora do CEU Professora Arlete Persoli, de Heliópololis e Eliana Silva, diretora das Redes da Maré, que também está organizando ações locais no Rio de Janeiro (Foto: acervo pessoal)
“Talvez o grande motivo de a gente escolher se aglomerar numa cidade como São Paulo num país, assim, tão grande como o nosso seja a oportunidade de ter contato com as diferenças”, conta Marisa no vídeo (abaixo), sobre suas inquietações como moradora de São Paulo. “Vivemos diferenças de idades, de raças, de culturas, de gostos, enfim, uma variedade de coisas que te provocam e que te fazem crescer, pensar, mudar.”
Para ela, esse contato, frente a frente, é o que pode gerar inovação, crescimento, desenvolvimento e se pergunta: “Por que que sendo esse o motivo que nos faz ficar numa cidade como São Paulo a gente continua se fechando atrás de muros? Não se preocupando com os espaços públicos e nossas calçadas? Sempre preocupados apenas com o nosso quintal e não na cidade como um espaço de encontro? E por que pessoas inteligentes ainda continuam fazendo políticas urbanas tão insensatas?” E revela que essa, talvez, seja sua maior inquietação.
Quanto a Carmen, vale a pena assistir sua fala histórica momentos depois do resultados das últimas eleições presidenciais. “Nós iremos fazer a nossa resistência como nós sempre fizemos. A resistência não é com armas, é com a voz, com o canto, com amor. Nós somos uma família. Uma família que se ama e que independe de classe, cor e sexualidade. Somos nós.”
EM TEMPO: Carmen Silva responde em liberdade a um processo que a acusa de prática de extorsão por “aluguéis” em ocupações. O caso é um desdobramento de uma investigação referente ao edifício Wilton Paes de Almeida, que era ocupado por sem-teto, e desabou depois de um incêndio ocorrido no dia 1º de maio de 2018. A filha de Carmen, a cantora Preta Ferreira e o filho, o educador Sidney Silva, chegaram a ser presos por três meses por acusações semelhantes. Hoje também respondem à Justiça em liberdade, depois de ampla reivindicação popular, de celebridades da mídia e de diferentes profissionais do Direito, da imprensa e das artes.
Os chamados “aluguéis” do processo dizem respeito à contribuição mensal, acordada em assembleia com maioria dos moradores. No caso das ocupações do MSTC, essas contribuições são de R$ 200 por mês e por família. O valor é usado para reformas nas áreas comuns e para cumprir normas de segurança, como extintores de incêndio, corrimãos, instalações elétricas e hidráulicas dos edifícios.
Em nenhum momento os ativistas tiveram relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados por Carmen prestaram auxílio às famílias desabrigadas.
À época das prisões, Marisa Moreira Salles se pronunciou publicamente em defesa de Carmen. A empresária e editora, apesar de sua longa carreira e atividades, é muitas vezes citada na imprensa apenas como a esposa de Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco. O banqueiro é um filantropo discreto de projetos culturais, artísticos e sociais. Cadeirante, entre os quatro irmãos da família, talvez seja o que mais tenha se dedicado aos negócios do banco criado pelo pai.
Tanto Carmen como Marisa sabem que sempre serão julgadas tudo e por todos. Mas não estão preocupadas com isso no momento. Elas têm pressa.
A Ocupação Yary Ty (CEYTY) comunica ESTADO DE EMERGÊNCIA DO TERRITÓRIO INDÍGENA da T.I. Jaraguá e convoca imprensa, parceiras e parceiros para comparecerem dia 04 de março, às 15h, no Fórum da 14a. Vara Federal, na Avenida Paulista 1682, para fortalecer na reza dos Guarani durante a audiência. A luta do povo Guarani no Jaraguá continua.
Principais tópicos da luta do povo Guarani no Jaraguá
Em visita à ocupação do povo Guarani na área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY), descobrimos vários caminhos fraudulentos e mesmo criminosos trilhados pela Tenda Negócios Imobiliários, que tem como principais acionistas a AMBEV e o Itaú, e que estão garantindo à construtora tomar posse dessa área para construir até 11 torres de apartamentos a 200 metros de território indígena (T.I.), o que, por si só, transgride a Portaria Interministerial 060 de 2015. Mas as ações ilegais não param aí.
Entre as diversas contradições dessa especulação imobiliária está o fato dessa área ter sido classificada como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), sendo que já estava classificada como ZEPAM (Zona de Preservação Ambiental). Leia mais em “Outras Ações em Curso” no final do texto.
A área é considerada, ainda, uma Reserva de Biosfera, instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável de recursos naturais.
522 árvores da Mata Atlântica já foram derrubadas pela Tenda na área, além de diversas espécies de animais mortas, como abelhas sem ferrão. Depois dessa ação, a comunidade Guarani do Jaraguá ocupou o local para impedir que essas devastações ambientais continuassem.
No dia 10 de março, a Tenda deve entrar nessa área continuar a derrubada de um total de 4 mil árvores, uma ação orquestrada com aval de uma juíza estadual, que pode calar diversas defesas garantidas por leis de preservação daquela área, considerada, ainda, área de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá. A ação da Tenda pode, ainda, acabar por isolar a comunidade Guarani e seu território demarcado, a 200mts dali, tornando praticamente inviável a manutenção e o desenvolvimento cultural Guarani naquele território, além de minar a preservação de uma das já poucas áreas verdes em São Paulo.
Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
O chamado agora é para que todos os habitantes da cidade de São Paulo acordem para esse crime ambiental!
“Ontem nos reunimos com vários coletivos daqui para uma ação no dia 10 de março. Estaremos promovendo vários eventos e atividades na ocupação. Acabamos, de certa forma, sendo protagonistas aqui no Jaraguá. Mas essa luta é um dever de todos. Assim como estão vindo pessoas de outros países, o principal é que as pessoas que moram em São Paulo façam parte dessa resistência com a gente”, disse o líder Thiago Henrique, que nos conta os detalhes dos encontros líderes do povo Guarani no Jaraguá com a Tenda.
Entendendo todo o histórico da luta abraçada pelo povo Guarani no Jaraguá pela criação do Parque Yary Ty (CEYTY) e um Memorial da Cultura Guarani.
Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
Depoimento de Thiago Henrique, líder da ocupação indígena no futuro parque:
“A Tenda Negócios Imobiliários comprou este terreno há mais ou menos dois anos. Aqui havia o Clube Sul Riograndense. Por mais que fosse uma área privada, nossa comunidade sempre usou essa área, porque as pessoas da administração do clube entendiam que estávamos aqui antes do clube. Então, nunca barrou a comunidade de vir nadar no rio, pescar, brincar nas árvores, até porque nosso território aqui é a menor terra indígena demarcada por um governo federal – tem 1,7 hectares, onde meus avós iniciaram, de novo, a família Guarani aqui.
O clube faliu e a Tenda comprou este terreno, já com um projeto de construção de apartamentos. Quando a Tenda nos procurou, no final de dezembro de 2019, disseram que iam construir cinco torres para 800 habitantes, que teriam que derrubar 4 mil árvores, que a gente não precisava se preocupar, pois já estava tudo licenciado, com alvará da prefeitura e autorização da FUNAI, e que eles só estavam avisando a gente.
Foi quando dissemos que não era assim que funcionava, que não íamos aceitar o corte de 4 mil árvores do nada. E eles disseram que havia uma área dentro desse terreno, onde não poderiam construir, e seria cedida para nós contruirmos uma escola, na compensação para a prefeitura – uma área no meio do terreno, que é uma área de lagos (rs).
Argumentamos, então, que não estávamos ali para negociar terra, mas sim a vida das árvores e queríamos um esclarecimento do Ministério Público, porque dentro de uma área de 8 km de uma terra indígena nenhum tipo de especulação ou obra pode ser feita sem um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena (Portaria Interministerial 060, de 2015). Estamos a 200mts desse empreendimento.
Esse estudo determinaria quais seriam os impactos dentro da terra indígena e de que forma esses impactos podem ser minimizados ou compensados e se há a possibilidade de serem compensados, porque existem impactos que não têm como serem compensados.
A Tenda, então, argumentou que não precisava fazer isso, que estava isenta desse processo/estudo, pois a FUNAI já tinha dado a autorização, e que a Tenda não precisaria respeitar a legislação federal.
Mais uma vez trouxemos à Tenda a Portaria Interministerial 060, de 2015. Além dela, existe a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 1989, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 junho 2002, e que nos garante que qualquer tipo de ação do Estado que venha ferir a comunidade de qualquer forma, causando qualquer tipo de impacto, temos que ter uma consulta prévia, livre e informada, de boa fé. Ou seja, o próprio Município de São Paulo não poderia ter dado uma autorização ou alvará, liberando uma obra aqui, sem antes ter consultado a comunidade, porque esse licenciamento da prefeitura, mesmo sendo ilegítimo, passa a ser criminoso quando fere a Convenção 169 da OIT, quando nos coloca em uma situação de vulnerabilidade e de risco.
Entre os dias 7 e 9 de janeiro, levamos essa denúncia ao Ministério Público Federal, com essas alegações da Tenda. O Ministério Público, então, marcou uma audiência de conciliação mais pra frente. Mas, até a gente chegar a esse consenso, pedindo para que não houvesse mais cortes das árvores aqui, acabamos fazendo essa ocupação porque, do dia para a noite, a Tenda começou a derrubar árvores na área…
Em menos de dois dias cortaram 522 árvores.
Nossa ocupação é para deixar que nenhuma árvore a mais seja derrubada aqui.
Que nenhum tipo de empreendimento aconteça aqui de forma ilegal.
E que um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena seja feito para podermos chegar a um consenso.
Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
AS MENTIRAS DA TENDA E AS DEFESAS DO POVO GUARANI.
Quando ocupamos a área descobrimos que eles mentiram – não têm autorização para a derrubada de 4 mil árvores, mas estão pleiteando essa derrubada.
Falaram na implantação de cinco torres para 800 moradores, mas quando vimos o projeto da Tenda, descobrimos que estão pleiteando um total de onze torres, divididas entre a parte de frente e de trás do terreno, dividido por um rio. Por isso o total dá 4 mil árvores. Só que as pessoas da Tenda que vieram falar com a gente chegaram todas desinformadas, mesmo sendo da empresa. E acabaram expondo que seriam 4 mil árvores sem querer. Foi quando nós, da comunidade Guarani, começamos a entender que a Tenda estava agindo com a mentira.
O documento que eles dizem ter da FUNAI é, na verdade, um documento informativo de um setor da FUNAI, dizendo que esse terreno não está dentro da aldeia, com a FUNAI deixando claro que aquele papel não era nenhum tipo de autorização de construção. Mas a Tenda pegou esse documento e tentou usá-lo de má fé, dizendo que a FUNAI tinha autorizado a construir sem o estudo.
Tudo que a Tenda tem é um documento fraudulento da prefeitura, e essa informação da FUNAI, que o terreno não é um terreno tradicional Guarani.
A única coisa que a gente diz para a Tenda é: a partir de agora vocês não vão cortar mais nenhuma árvore, nenhum empreendimento vai ser feito. E o caminho para vocês agora é aceitar o termo de transferência de potencial construtivo da prefeitura e construir em outro lugar e aqui ser feito um parque para a população, visando o meio ambiente, a ecologia, a permacultura, a agrofloresta, a criação de abelhas nativas sem ferrão.
Decidimos que a nossa luta continua.
A própria Tenda criou um cemitério de árvores aqui, a partir do momento que derrubou 522 árvores e tem que ser responsabilizada por esse tipo de ação.
Os impactos já estão aí: Mata Atlântica dizimada, diversas abelhas nativas sem ferrão foram mortas aqui com esse desmatamento, como as arapuás e uruçus amarelas, além de cobras, pássaros… Desde 2016 passamos a criar abelhas sem ferrão em nossa aldeia, pois estavam sumindo e conseguimos expandir essas espécies para o território e aí vem a Tenda e mata também as abelhas que estávamos fortalecendo.
Para nós, tudo isso é um crime inaceitável”
Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
OUTRAS AÇÕES EM CURSO
Como publicado na Folha Noroeste de 26 de fevereiro de 2020, “há dois projetos de lei protocolados na Câmara Municipal, ambos de autoria do vereador Eliseu Gabriel. Um deles muda o zoneamento local, hoje classificado como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), para Zona de Preservação Ambiental (ZEPAM). O segundo propõe transformar a área em questão em parque municipal. Já o vereador Gilberto Natalini entrou com duas representações junto aos Ministérios Públicos Federal e Estadual com o objetivo de garantir a integridade física dos índios e impedir que mais árvores nativas sejam derrubadas. No documento, o parlamentar questiona o fato do terreno ser classificado como ZEIS estando ele inserido numa ZEPAM. A área, inclusive, é considerada uma Reserva de Biosfera (instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável dos recursos naturais)”.
O povo Guarani que hoje ocupa a área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY) já plantou mudas de novas árvores onde as nativas foram derrubadas, além de estar em curso a limpeza da vegetação e a instalação de jardins filtrantes com plantas macrófitas, para recuperar as águas do lago, que estão sendo analisadas.
RESUMO – ALERTA DA SITUAÇÃO
DIA 4 DE MARÇO, 14HS – CONVOCAÇÃO – 14a. Vara Federal, Avenida Paulista, 1682.
Audiência de conciliação na Justiça Federal para tratar sobre essas questões, quando o povo Guarani, através de sua assessoria jurídica – a Comissão Yvyrupa, que representa os povos Guaranis, além de uma representação da OAB e do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) – farão os trâmites legais de dizer que a obra é inviável e que, embora os Guaranis não estejam brigando pela posse do terreno, isso não significa que o cinturão verde de São Paulo, assim estabelecido pela UNESCO, deva ser devastado, como a Tenda quer.
DIA 10 DE MARÇO – MOBILIZAÇÃO GERAL
Diversos eventos e atividades estão sendo organizadas pelo povo Guarani na área ocupada, junto a coletivos da cidade, no mesmo dia em que a Tenda deve novamente entrar no terreno, depois de ganhar, recentemente, uma reintegração de posse emitida irregularmente por uma juíza estadual, que será executada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, conforme comprova ofício emitido pela própria PM, no qual consta, ainda, a necessidade de uso de armamentos de impacto controlado, como armas de choque e VANT – Veículo Aéreo Não Tripulado, como drones, uma clara declaração de guerra ao povo Guarani e a Ocupação Yary Ty. A reintegração de posse foi emitida apesar de todo o levantamento apresentado, esclarecendo tratar-se de um empreendimento ilegal e o fato de uma juiza estadual ter tomado uma decisão ilegítima, ao atuar sobre uma questão federal, colocando em risco a integridade física da comunidade Guarani, em uma ação na qual a juíza não tem representatividade alguma.
O MTST (Movimento Trabalhadores Sem Teto) se propõe a mais uma ocupação de peso em São Paulo, mas desta vez sem lonas, buscando uma construção coletiva para a câmara municipal da maior cidade do país. A chapa, formada por três mulheres negras do movimento, é um dos maiores desafios lançados depois de o coordenador nacional do movimento, Guilherme Boulos, ter saído pelo PSOL para a presidência, em 2018.
Débora Pereira, Jussara Basso e Tuca (Valdirene Cardoso) formarão a chapa que vai ser lançada pelo PSOL. O anúncio de que pretendem concorrer aconteceu no Teatro Oficina, região central de São Paulo, no dia 11 de dezembro de 2019, e contou com a presença de Guilherme Boulos e Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, entre outros.
As três candidatas coordenam ocupações em diferentes regiões da cidade e, com isso, buscam trazer experiências de cada um desses espaços das “periferias de São Paulo que são, quase, municípios diferentes” e que, distantes e diversos, compõem a cidade. Cada uma trilhou um caminho diferente, mas chegaram até o MTST buscando encontrar sua casa. Ao que parece encontraram mais do que isso, como espaço para falar e serem ouvidas “nesse movimento que empodera mulheres”.
Na cidade que tem hoje uma câmara municipal com 9 vereadoras entre 55 cadeiras, a chapa coletiva tem conceito similar à chapa coletiva estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo, (Alesp), a Bancada Ativista, formada hoje por vinte uma pessoas. A novidade da chapa proposta pelo MTST é que Débora, Jussara e Tuca são do movimento e buscam trazer “aquilo que a gente aprendeu dentro do MTST, todas as nossas lutas, é o que vamos procurar garantir para nosso povo. Não só o povo do MTST, como todo o povo comum, que luta. Todo o povo periférico, trabalhador”.
A câmara tem sido, desde o começo dos mandatos atuais, em 2016, um espaço de forte apoio para o prefeito Bruno Covas (PSDB), que no final de 2018 conseguiu aprovar a reforma da previdência no município e tem visto diversos projetos seus aprovados Dos 55 vereadores apenas nove são do PT e dois do PSOL.
Quem são
Débora Pereira durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
DÉBORA
“Meu primeiro contato com MTST foi em 2007. Em uma ocupação perto da casa dos meus pais, em uma região construída com mutirão. Meu pai foi ver como se organizava e depois de conhecer fiquei um tempo, mas depois me afastei. Já em 2012 eu resolvi entrar no movimento para fazer minha luta por moradia, na ocupação Novo Pinheirinho do Embu, que levou o nome por conta do massacre que aconteceu no despejo violento do Pinheirinho original, em São José dos Campos. Eu fui somente como acampada, na época eu trabalhava no E.C. Banespa como cozinheira e à noite eu fazia minha faculdade. Nessa ocupação, eu queria ser coordenadora, mas as condições não permitiram, porque tinha meu filho e as questões da faculdade. E algo me encantou muito nessa ocupação: eram as mulheres que tocavam, mulheres que cumpriam o papel da coordenação, mulheres que faziam assembleia. Eu fui com objetivo da moradia, mas fazíamos lutas diversas: lutávamos por vaga na creche para crianças da região, por melhoria de transporte e por melhoria de saúde. Isso me instigou, chamou minha atenção. Em todas as lutas que a gente foi, nessa ocupação, a gente saiu com alguma conquista, resultado. Isso me encantou no MTST. Eu queria muito, muito mesmo, entender direito o movimento. Em 2013 terminei minha faculdade e a gente foi ajudar uma galera em outra ocupação, na região do Campo Limpo, a ocupação Dona Deda. E decidi que queria ser coordenadora, nesse movimento que empodera mulheres. Antes de conhecer o MTST eu não falava, era travada. A gente vive numa sociedade que fala ‘lugar de voz, lugar de liderança, não é de mulher’ e nas rodas de conversa nas ocupações sempre o movimento empoderava isso. Hoje eu organizo a ocupação Marielle Vive, na zona norte. Essa ocupação é um grande orgulho, foi o povo que escolheu esse nome, já que a ocupação aconteceu pouco tempo depois da morte da Marielle e todo mundo estava muito revoltado. Escolhemos o nome porque Marielle seria o exemplo da luta para a gente. Uma mulher, mulher negra, que veio da periferia e lutava pela periferia. Que denunciava o genocídio, o massacre do povo negro. O povo todo clamou para que o nome fosse Marielle Vive, pra que a gente não deixasse cair no esquecimento a luta dela e que a ocupação fosse uma semente de Marielle.”
Jussara Basso durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
JUSSARA
“Entrei no movimento buscando minha moradia, em 2012, na ocupação Novo Pinheirinho de Embu das Artes. E identifiquei com as propostas políticas do MTST e estou até hoje. Acho que o que me seduziu a permanecer foi essa construção coletiva, essa ideia de você fazer parte de algo muito maior do que você mesmo.”
Tuca durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
TUCA
“Tenho 46 anos. Nasci em São Paulo. Sou de uma família de sete irmãos, comigo. Filhos de pais mineiros. Conheci o MTST em 2014 quando se instalou aqui em Itaquera a [ocupação] Copa do Povo. Em 2014 tivemos a conquista do terreno e lutamos ate hoje para a conquista da obra. Em 2 de junho de 2015 foi fundada a ocupação Dandara dos Palmares, no Jd Alto Alegre. Nisso fui até lá com companheiros e passamos a tocar aquela ocupação. Que já tem o empreendimento pronto, para ser entregue no próximo ano. Para 216 famílias.”
O que é a mandata do MTST?
Tuca: “Tudo aquilo que a gente aprendeu dentro do MTST, todas as nossas lutas, é o que vamos procurara garantir para nosso povo. Não só o povo do MTST, como todo o povo comum, que luta. Todo o povo periférico, trabalhador. É o que a gente pretende buscar, fazer a mudança, dentro da câmara. Ocupando a câmara enquanto mulheres. MTST ocupando. Mostrar o valor que nós mulheres temos, nós do MTST, nós que lutamos. Até onde podemos chegar e revolucionar em cima disso tudo. É um mandato coletivo de mulheres, pra isso mesmo. A câmara não foi feita para as pessoas ficarem lá. Se aposentarem lá dentro, ocupando a bancada, sem ao menos darem os nossos direitos. Chegou a hora de a gente chegar lá e fazer essa mudança, com o mandato coletivo de mulheres. Estamos lá para ocupar, não para ocupar por um espaço de tempo indeterminado, mas sim pra fazer a mudança e renovação.”
Jussara: “A principal ideia, principal bandeira, é a representatividade. A gente tem apenas nove mulheres vereadoras hoje na câmara. Nenhuma delas é negra. A principal experiência que surge de tudo isso é que nós três atuamos na construção coletiva. Na desconstrução dessa cultura de colocar a mulher em segundo plano na sociedade. A experiência de luta do MTST traz esse sentido do coletivo, da construção da unidade. Da solidariedade. O dialogar com a quebrada e saber o que rola e quais são as mazelas. Aquilo que dói na pele de quem mora do lado de cá. Isso é uma característica muito nova e principal. E retomar o trabalho de base, que foi abandonado por uma parte da esquerda, que é você estar nas bases, estar com as bases e, a partir disso, construir propostas de políticas que atendam reinvindicações que estão esquecidas. Você anda na quebrada e vê a falta de segurança e aqueles que deveriam garanti-la são os primeiros a oprimir, violentar e assassinar jovens. Você anda na quebrada e vê a falta de saneamento básico, de iluminação, de lazer, de cultura. Vê que a saúde pública está cada vez mais sucateada. Vê que as pessoas estão se virando como podem pra gerar renda para suas casas e que não existe uma política que realmente incentive isso. Tem muita coisa para fazer. Muita coisa. E ouvir as pessoas vai trazer elementos para a construção de políticas públicas muito efetivas e potentes. Eu acredito que, sinceramente, ocupar a câmara vem no sentido de ocupar a política com consciência. Consciência social – é isso que significa. Imagino que seja muito necessário que, no debate eleitoral de 2020, a gente traga muita qualidade a discussão sobre esse avanço neoliberal, que vem retirando direitos. E esse avanço de uma direita radical que persegue o pobre, o preto, o favelado, a mulher, o homossexual. A gente precisa ser a resistência dentro dos espaços institucionais. É um grande desafio, sem dúvida, mas acho que tudo que a gente construiu até aqui, enquanto MTST, vai ser uma ferramenta importante pra dentro da instituição.”
Débora: “O que as pessoas podem esperar é que haverá vereadoras que, de fato, vão representar os seus interesses. A gente sabe que a luta não vai ser fácil, mas estando lá dentro vamos dar voz ao povo da periferia, vamos pontuar as dificuldades e trazer melhorias para a periferia, porque na maioria das vezes grande partes dos políticos que estão lá, não estão para representar o interesse da maioria do povo da periferia. Estão lá para representar interesses individuais ou de uma minoria. Se a gente chegar lá, com certeza, na câmara vai ter voz da periferia. Vai ter voz dos sem teto. Vai ter voz das mulheres. Vai ter voz do povo negro.”
Projetos
Débora: “Existem questões que são diferentes e outras que são iguais. As questões da violência policial contra a periferia e de falta de creche são iguais. Mas, conversando entre nós três, percebemos que outras questões manifestam-se de forma diferente. Por exemplo. Na zona leste e norte temos um problema sobre algumas escolas que estão sendo fechadas por conta do argumento de não ter demanda e a gente que mora na região sabe que tem muita demanda. Muitas pessoas que tinham escola do lado de sua casa estão tendo que procurar escola em lugares mais distantes, por conta do fechamento. Outra coisa que é muito forte na zona norte é a questão da saúde, da falta de médicos ou cada dia um médico diferente, além de remédios faltando, da falta de saúde voltada para mulher ou conseguir consultas especializadas. A infraestrutura também é outra falta grave. Na sul, a Ju pode comentar melhor, a questão muito forte na luta da mobilidade e o trânsito para chegar ao centro. Não é que na Norte não exista essa luta, mas sem tanta força. E na Leste, pelo que já escutei da Tu, tem muito da questão da saúde e fechamento de escola. O legal de serem três regiões diferentes é que as lutas que têm em comum a gente pode pegar as experiências de uma região para a gente tentar aprender e nos fortalecer. Ver que a gente vive numa mesma cidade, com regiões diferentes e vários problemas diferentes.”
Tuca: “O contraponto agora é o olhar da periferia, trazendo as pautas da periferia pra cidade. Como a da saúde, educação, transporte e segurança. Esse é nosso ponto de vista, trazer as pautas periféricas enquanto MTST.”
Jussara: “Existe uma diversidade nas periferias de São Paulo que são, quase, municípios diferentes. Não dá pra você pautar a periferia de São Paulo, sem singularidade. É muito diferente. As pautas de reivindicações basicamente são as mesmas. Mas as pautas prioritárias dessas regiões diferem. Se pegamos o extremo sul, já mais pro Jd Ângela, é muito forte o debate sobre a mobilidade urbana, lá tem um afunilamento do trânsito local, na estrada do M’Boi Mirim que liga, inclusive, as cidades da região metropolitana (Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra) ao município de São Paulo e a região central. Por outro lado, é uma região extremamente populosa, com a necessidade de transporte público muito grande o que causa problemas gravíssimos. São debates muito antigos, como a duplicação da M’Boi e as remoções necessárias para essa duplicação, já que famílias inteiras vão perder suas casas e precisam ser indenizadas. Outro debate antigo, como o Metrô JD Angela, e as remoções necessárias para a ampliação necessária da linha Lilás do Metrô. E se você for para a zona leste o debate é muito grande sobre os fechamentos dos cursos noturnos das escolas. Houve uma mobilização muito grande dos estudantes, nesse sentido. Lá também é crescente a discussão sobre saúde pública, sendo uma região superpopulosa. Já na região norte você tem outras caraterísticas de debate, que também traz as suas prioridades mais locais. As companheiras vão poder trazer elementos que eu não tenho acúmulo suficiente. Mas você percebe que existe essa diversidade e mesmo aqui na sul, onde moro, você tem três extremos (Grajaú, Jd Angela e Macedônia, que está no limite da cidade, o que traz mais carências porque o poder público não alcança os limites municipais). A cidade de São Paulo tem uma diversidade de debates e necessidades muito grande e de prioridades. A gente precisa trazer essa pluralidade para dentro do institucional. Os vereadores, os políticos de carreira, essas pessoas que estão sentadas há décadas na cadeira do poder público, elegem a sua região, seu curral eleitoral, e ali eles fazem políticas de acordo com seu eleitorado, mas sem atender toda a população local. E só se pautam no período eleitoral, depois esquecem. Outra questão é o orçamento que vem das emendas parlamentares e muitas vezes é destinada para um grupo específico e não atende a população. Precisamos, realmente, democratizar a política. Para além da candidatura do companheiro Guilherme Boulos, ano passado, essa nova candidatura, esse novo período eleitoral traz pra nós a possibilidade de trazer pra pessoas, claramente, o que é o cargo, quais são as competências do cargo.”
Como vai ser a pauta da moradia e a relação com o MTST?
Tuca: “Isso vai depender de nós mesmos, MTST, enquanto ocupação lá dentro da câmara. Tudo vai depender de nós. A influência vai ser muito forte e positiva. Vai fortalecer mais ainda os movimentos sociais, não só o MTST. Estaremos lá por todos.”
Débora: “No nosso programa político uma das pautas principais vai ser a questão da moradia. A gente está vivendo uma situação em que não existem mais políticas habitacionais. O foco na nossa mandata vai ser a questão de moradia”
Jussara: “O município lançou agora uma proposta de COHAB faixa 1, que vai seguir os mesmos métodos do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), no sentido de produzir habitação no município. Uma grande questão é pautar as leis de zoneamento, como temos áreas municipais que podem se tornar ZEIS [Zonas Especiais de Interesse Social], que podem atender a moradia popular. Existem famílias cadastradas há mais de trinta anos e nunca foram atendidas. Você precisa produzir habitação de acordo com o déficit. Também a questão do número de imóveis na cidade que permanecem vazios e precisam ser discutidos – de que forma a gente consegue estabelecer políticas públicas de combate à especulação imobiliária para que tenha casa para quem precisa de casa? A população de baixa renda precisa acessar os espaços centrais da cidade. Entrar na discussão do direito à cidade é de extrema importância. O exemplo do que aconteceu em Paraisópolis, aquilo que aconteceu com aqueles jovens, está ligado a essa ausência de acesso. Um transporte caro que as pessoas não conseguem acessar a cultura, o lazer, que estão mais presentes na região central. Assim procuram da forma que podem morar, se divertir, estudar, trabalhar. Essa mandata não pode e não vai ser um mecanismo exclusivo do MTST, mas sim um mecanismo de discussão de todas as políticas necessárias para atender todas as pessoas que precisam de políticas sociais. É de fundamental importância que a gente tenha interlocução com diversos movimentos, com diversos personagens que atuam no sentido de trazer mais direitos para as pessoas.”
As futuras candidatas durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres