Jornalistas Livres

Categoria: Negras e Negros

  • #13ACuiabá – Mato Grosso na luta pela educação

    #13ACuiabá – Mato Grosso na luta pela educação

    Sete meses e meio de governo de extrema-direta já deixaram mais do clara a guerra aberta contra a educação, a ciência e todos os direitos duramente conquistados por anos pela classe trabalhadora. A miséria voltou, a recessão bate à porta e o presidente que venceu as eleições com fake news e o processo ilegal contra Lula não tem nenhuma proposta para o desemprego, a retomada econômica e a redução das desigualdades sociais. Entre escatologias e nepotismo, lança o Fu(a)ture-se, um projeto de privatização do ensino superior com rendição da autonomia universitária (e financeira) em favor de Organizações Sociais e Comitê Gestor que sequer existem ainda e com regras a serem definidas. Por isso, movimentos sociais, estudantes e comunidade acadêmica voltaram às ruas nesse 13 de agosto de 2019 no 3º #TsunamiDaEducação. Segundo balanço da União Nacional dos Estudantes, mais de um milhão e meio de pessoas protestaram em pelo menos 205 cidades de norte a sul. Uma delas foi Cuiabá, capital de Mato Grosso.

    foto: www.mediaquatro.com

    Enquanto os colegiados da Universidade Federal de Mato Grosso ainda se reúnem para uma posição conjunta oficial, que deve ser tomada até a próxima quinta 15 de agosto, Diretórios Acadêmicos e Departamentos de diversos cursos já decidiram refutar o Future-se. Instituições de Ensino Superior públicas federais por todo país, como a UFRJ e a UFMG, também escolheram rejeitar o projeto. A UNE e centenas de outras entidades, como a ADUFMAT – Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso, idem. Mesmo cansados de uma longa greve de quase 80 dias encerrada dia ontem, a maior da categoria, os professores estaduais organizados no SINTEP/MT – Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso, tomaram novamente as bandeiras para pisar o asfalto e exigir nenhum direito a menos.

    Lélica Lacerda / ADUFMAT, Edna Sampaio / UNEMAT, RUA Juventude Anticapitalista- www.mediaquatro.com –

    Mulheres, negros, quilombolas, indígenas, LGBTs… Gente de todo jeito, de toda cor, marcharam, se abraçaram, gritaram palavras de ordem e avisaram em alto e bom som que esse governo vai cair. Ninguém vai voltar para o armário, para a senzala, para a falta de esperança no futuro. Ninguém vai desistir de garantir e ampliar os espaços de inclusão e diversidade conquistados com muita luta, suor e sangue. O ensino TEM de ser público, gratuito, universal e laico. O governo precisa garantir o acesso, a permanência e, na saída, a igualdade de condições no mercado de trabalho e a plena cidadania. Estamos nas ruas e das ruas não sairemos!

  • VALE FECHA OBRA DE BARRAGEM APÓS DENÚNCIA

    VALE FECHA OBRA DE BARRAGEM APÓS DENÚNCIA

     

     

     

    Por tremenda coincidência, a Vale decidiu suspender as obras da barragem Itabiruçu, em Itabira, MG, um dia após o jornal O TREM Itabirano denunciar o absurdo que era escondido pela empresa, material que foi reproduzido amplamente pelos Jornalistas Livres. Segundo mineradora, a medida preventiva(?) foi tomada “após alterações no terreno e não há risco de rompimento”.
    A megabarragem é uma verdadeira bomba nos calcanhares dos 100 mil conterrâneos do poeta Carlos Drummond de Andrade, com seus 131 milhões de metros cúbicos de lama. Na manhã de hoje, 28, a Vale informou que alterações podem acontecer durante o período desse tipo de obra.
    A mineradora alega que a barragem de Itabiruçu é construída pelo método a jusante, que seria o mais seguro, considerando que em Mariana e em Brumadinho as barragens que se romperam eram do método chamado de alteamento a montante, que permite que o dique inicial seja ampliado para cima quando a barragem fica cheia. Mas o fato é que os trabalhadores receberam a recomendação para ficarem em casa.

    A Defesa Civl de Minas Gerais foi notificada pela Vale às 22h desse sábado e, em seguida, a empresa divulgou a seguinte nota:

    “A Vale paralisou, no início da tarde deste sábado (28/7), as obras de alteamento da barragem Itabiruçu, em Itabira (MG), atendendo à orientação do projetista do empreendimento. A recomendação, uma medida de segurança preventiva, foi dada após a identificação de alterações decorrentes de assentamentos diferenciais no terreno, efeitos passíveis de acontecer durante este tipo de obra. O fato foi relatado aos órgãos competentes, que já vistoriaram as obras. Estudos mais aprofundados estão sendo conduzidos e, em caso de necessidade, medidas corretivas serão tomadas.

    Importante ressaltar que não há, portanto, qualquer alteração nos índices de segurança e estabilidade da barragem Itabiruçu. Cabe ressaltar que a barragem é construída pelo método a jusante, considerado o mais seguro. A Vale realiza o monitoramento integral da estrutura, que teve sua Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) renovada em 30 de março deste ano.”

     

     

    Vale esconde que obra é essa em Itabira, MG

  • Vale esconde que obra é essa em Itabira, MG

    Vale esconde que obra é essa em Itabira, MG

     

     

    “Algum repórter itabirano na escuta?”, pergunta angustiado Marcos Caldeira Mendonça, do jornal O TREM Itabirano.

    “Que tal parar um momentinho com a precária cobertura policialesca do dia a dia, dar um tempinho nos furtos de chinelo de dedo no Lojão Popular e nas batidas de Chevette em poste, e fazer algo que preste? Só para variar. Fazer algo diferente na vida pode ser bom”, prossegue o jornalista. “Eis uma pauta, de graça. Apurar que obra é essa que a empresa Vale está fazendo na megabarragem-bomba Itabiruçu e contar para a população. Destina-se a quê? Começou quando? Acabará quando? Que empresa está executando o serviço?

     
    Essa mexeção de terra é o tal alteamento? Pausa: alteamento, palavra técnica para aumento da capacidade de armazenamento de água e lama numa represa, o que significa, por óbvio, elevar o potencial de mortes, em caso de rompimento. Morte de pessoas, de animais, de árvores, de casas, de rios e do futuro. Aquela avant-première do Apocalipse que a Vale cometeu em Mariana e Brumadinho.
     
    Quem da prefeitura está fiscalizando essa inconha? O Ministério Público está atento a essa inconha? Qual o nome do engenheiro responsável por essa inconha e onde ele mora? O que tem a dizer sobre essa inconha a secretária municipal de Meio Ambiente, Priscila Braga Martins da Costa, que recebe dinheiro do povo todo mês, sem atraso, para cuidar de assuntos atinentes ao… Meio ambiente.
     
    O TREM tentou obter informações da Vale, mas a mineradora optou por seguir a estratégia de não responder a nenhuma pergunta do jornal.
     
    Desde que O TREM espalhou a notícia do fim do minério explorável em Itabira, documentado para 2028, informação que a empresa deixou apenas em herméticos relatórios, a exportadora de minério cortou relações com o jornal.
     
    Responde a perguntas de todos os comunicadores itabiranos, menos dO TREM. Das maiores empresas do mundo, dominadora de logística transoceânica, presente em 30 países e com diretores formados em Harvard, mas anda fugindo de pergunta em Itabira. Cunhemos esta expressão: imaturidade corporativa.
     
    A prefeitura de Itabira também incluiu O TREM em seu index prohibitorum. Não responde a nenhuma pergunta que lhe encaminha o jornal. Como a Vale, também deu tapinhas nas bochechas e falou belém-belém-nunca-mais-ficar-de-bem. É com esse gesto e som que as estudantes de 10 anos do Colégio Nossa Senhora das Dores cortam amizades.
     
    Combinemos o seguinte, repórteres itabiranos: entrevistem a Vale e a prefeitura, deixem o pessoal falar à vontade e publiquem o material bruto nas redes sociais. A análise, o sapeca-iaiá, fica por conta dO TREM.
     
    Parceria firmada? Avante!
     
    O TREM ITABIRANO”.
     
    Nas fotos, obras recentes na megabarragem-bomba Itabiruçu.
  • A formidável (e assustadora) biografia do ano passado

    A formidável (e assustadora) biografia do ano passado

    Por Walter Falceta, especial para os Jornalistas Livres

     

     

     

    Por Walter Falceta, especial para os Jornalistas Livres

     

    Atribui-se ao 32º presidente estadunidense, Franklin Delano Roosevelt, a perturbadora frase: “leva-se um bom tempo para trazer o passado ao presente”.

    De fato, corre tempo demais até compreendermos o porquê das pequenas e grandes tragédias cotidianas. Roosevelt pensava, por exemplo, nos equívocos e desvarios econômicos e financeiros que haviam conduzido seu país à Grande Depressão.

    O desprezo pelo passado frequentemente nos conduz ao horror e ao sofrimento, fenômeno que se apresenta aos olhos dos historiadores no período entre as duas devastadoras guerras mundiais que marcaram o Século 20.

    No Brasil, há quem ainda não tenha compreendido, por exemplo, a natureza do Golpe Militar de 1964, que ceifou vidas, esperanças e amores.

    Pior é a crença patológica em um passado edulcorado, no qual a farda supostamente garantiu aos brasileiros um tempo de ordem, progresso e segurança, de gestores públicos imaculados, jamais envolvidos em casos de corrupção.

    Se o passado é moldado pela construção e reprodução de narrativas particulares, faz-se necessário garantir que o pensamento da civilidade possa concorrer com aquele da barbárie.

    O livro “Sobre Lutas e Lágrimas – Uma Biografia de 2018” (Editora Record, R$ 44,90) escrito pelo jornalista Mário Magalhães, serve brilhantemente a esse propósito.

    A obra trata do pretérito recente, esse que ainda não tivemos tempo de processar, cuja análise atenta exibe uma fieira de ocorrências espantosas, absurdas ou mesmo inacreditáveis.

    A pena virtuosa do colega Mário nos choca ao narrar, por exemplo, os eventos de abril, quando o ex-presidente Lula deixou a resistente São Bernardo e rumou ao cárcere em Curitiba, vítima estoica das tramas lavajateiras.

    Ora, um recuo modesto no tempo, que seja a 2008, exibe um país governado pelo mesmo nordestino. A economia cresce e multiplica-se a oferta de empregos, o filho do porteiro ingressa na universidade e a fome vai desaparecendo do cotidiano das famílias mais humildes.

    Na época, poucos imaginavam que o ex-metalúrgico, mandatário colecionador de sucessos na gestão pública, pudesse cair vítima de um golpe articulado por procuradores reacionários em parceria com um magistrado de cultura limitada.

    Causa estranheza que, em 2018, nos tenha faltado tempo para compreender 1968, o famoso ano rebelde que não terminou. Vivemos o ano passado de forma vertiginosa, ocupados, procurando entender o mês anterior, o dia de ontem, a hora passada.

    Neste Brasil líquido, senão gasoso, como nos reconta o genial Mário, assistimos à caça de macacos, incriminados como transmissores da febre amarela. Se houve empoderamento das mulheres, multiplicaram-se os casos de feminicídio. O Doutor Bumbum revelou sua verdadeira índole. Caminhoneiros travaram o país, a intervenção militar amedrontou o Rio de Janeiro, a direita paranoica mobilizou-se contra a Ursal, índios e jovens recorreram ao suicídio para findar a aflição dos dias todos.

    O neofascismo brasileiro, associado aos neoliberais que se desencantaram com o PSDB e o DEM, viabilizou a candidatura do ex-capitão Jair Bolsonaro. Neste medieval ano de 2018, milhões de brasileiros foram enganados pelo “tiozão” do WhatsApp, que repassou notícias sobre a “mamadeira de piroca” do Haddad, o mesmo candidato vermelho que, segundo ele, pretendia legalizar a pedofilia.

    Na obra de Mário o que mais espanta, no entanto, é a celeridade nas mudanças de cenário. Nos textos escritos no início do segundo semestre, ele ainda cogita de uma candidatura de Lula e não descarta a vitória do ex-metalúrgico. Poucos meses adiante, o que se avalia é se Bolsonaro pode ou não vencer a eleição presidencial no primeiro turno.

    O autor rememora o episódio da reportagem de Patrícia Campos Mello, da Folha, sobre o esquema ilegal de disparo de conteúdos anti-PT nas redes, bancado por empresas. Mas não faz olho militante. Investiga na minúcia os personagens de seu 2018, um ano que se converte, ele próprio, em personagem.

    Na página 261, apresenta um rascunho do candidato presidencial de esquerda, Fernando Haddad:

    • Em piscada de olho para o centro, Haddad elogiou Sergio Moro (“ajudou” o Brasil, com “saldo positivo”), mas criticou a condenação de Lula. Errou ao endossar a acusação improcedente que atribuía tortura ao general Mourão, porém se corrigiu. Criticou decisões de correligionários, como a desmesurada renúncia fiscal do governo Dilma.

    Se nos adiantamos aqui, é bem possível que façamos um curioso spoiler daquilo tudo que já sabemos, ou julgamos saber.

    Quer colar no passado e trazê-lo para decifrar o presente? Embarque nessa leitura, no fascinante jogo das frescas reminiscências. São 330 páginas, mas que passam rapidinho, como aquelas 730 de “Marighella – O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, obra luminosa e reveladora do mesmo Mário.

     

     

  • “Desfaça tudo essas reservas”, diz ruralista a secretário em reunião de fazendeiros do Pará com governo federal

    “Desfaça tudo essas reservas”, diz ruralista a secretário em reunião de fazendeiros do Pará com governo federal

    Da Publica

    Quem entrasse desavisado pela porta do auditório Olacyr de Moraes, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no início da tarde do último dia 10, teria dificuldade em saber que se tratava de um encontro entre grandes fazendeiros paraenses e autoridades das áreas da agricultura e do meio ambiente do governo Jair Bolsonaro. Em vez dos esses chiados, típicos do sotaque do Pará, ouvia-se na plateia os erres marcados dos sotaques sulistas, comuns entre os que detêm latifúndios em solo amazônico. Reunidos no auditório, os produtores rurais foram à Brasília apresentar a fatura do apoio enfático dado a Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial.

    A reportagem da Pública presenciou as quase quatro horas do encontro, idealizado pela Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) e bancado pelo governo, sobretudo pelo titular da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf), Luiz Antônio Nabhan Garcia. Ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan Garcia foi tratado na reunião como “vice-ministro” apesar da inexistência formal do cargo. Foi ele quem gravou vídeos disparados pelo WhatsApp convocando os produtores ao encontro. O convite empolgou: o auditório ficou completamente abarrotado e alguns fazendeiros ficaram do lado de fora, esticando o pescoço para acompanhar a discussão.

    A titular do Mapa, ministra Teresa Cristina, fez questão de reconhecer o pronto apoio dado pelo agronegócio, grande protagonista da economia brasileira nos últimos anos, em campanha. “Podem ter certeza que o governo do presidente Bolsonaro tem um apreço e um carinho muito especial pelos produtores rurais, que foram aqueles que primeiro o apoiaram, foram aqueles que primeiro acreditaram. Talvez porque a gente tenha sofrido tanto que os produtores rurais deram um basta e acreditaram que o presidente Jair Bolsonaro era a pessoa que podia fazer a mudança de rumo no nosso país”, discursou. “O estado do Pará foi um dos estados que primeiramente deu a ele [Bolsonaro] o seu voto de confiança.” Vale registrar que a ministra se referia aos fazendeiros, e não à população, que votou majoritariamente no candidato do PT, Fernando Haddad.

     

    O presidente da União Democrática Ruralista, Luiz Antônio Nabhan Garcia. Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil

    Diante da ministra, do “vice-ministro” Nabhan Garcia e outras autoridades, como o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), general Jesus Corrêa, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato, e o secretário executivo da Secretaria de Governo, Mauro Biancamano, a principal exigência colocada à mesa pelos ruralistas foi a flexibilização radical (talvez o termo correto seja desmonte) da fiscalização ambiental feita em solo paraense.

    O Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgãos encarregados por lei de fazer fiscalização ambiental, foram alvos de duras críticas e xingamentos. Era alguém tocar no nome deles e o burburinho começava. Aos poucos, palavras de ordem eram gritadas e aplausos efusivos demonstravam o apoio da plateia a quem tomava coragem de gritar no meio da multidão. Nas manifestações anônimas, feitas durante as falas, os órgãos foram acusados de praticar “terrorismo de Estado”, alguns disseram que o governo “tem que acabar” com eles, a despeito da obrigação do Estado em mantê-los, e os chamaram de “câncer”. Produtores falaram em “desfazer essas porcarias de Unidades de Conservação” (UCs) – termos similares aos usados por eles para se referir a outras áreas protegidas pela União, como terras indígenas e assentamentos de reforma agrária.

    Nas falas feitas em um púlpito do auditório por produtores rurais e autoridades não ligadas ao governo federal, o tom não foi muito diferente. Para ficar em um exemplo, a representante da Associação dos Produtores dos Campos do Araguaia (Aprocampo), Genny Silva, chamou o Ibama, em fala pública, de “instituto brasileiro de assalto à mão armada”. O radicalismo das demandas foi tamanho que levou os representantes do governo Bolsonaro à não usual posição de pedir ponderação, cautela e apego à institucionalidade aos presentes. Se o descrédito demonstrado por Bolsonaro pelos órgãos ambientais, como na ocasião em que o presidente disse que a festa do ICMBio e do Ibama “ia acabar”, gela a espinha dos ambientalistas, para os ruralistas paraenses parece ser pouco. Eles querem a nova era de Bolsonaro para já e, nela, não querem ter que receber fiscais do Ibama em suas porteiras.

    “O Brasil está numa hemorragia generalizada e o governo vem com band-aid pra querer estancar a hemorragia. Não vai conseguir! Nós não podemos querer reformar órgãos inúteis que não têm mais função a não ser consumir dinheiro público e perpetuar a corrupção”, afirmou Paulo César Quartiero, que ocupava o posto de vice-governador em Roraima até janeiro do ano passado pelo DEM. “Quer que eu cito (sic)? Ibama, ICMBio, quantos mais? Vou citar o Incra também? Vou. Que mais?”, questionou à plateia. Alguns fazendeiros falaram na Fundação Nacional do Índio (Funai). “A Funai a gente deixa à parte porque ela não obedece ao governo brasileiro, ela obedece às monarquias europeias”, disse, arrancando risos, referindo-se ao fato de a fundação ter firmado parcerias para desenvolvimento de projetos com recursos do Fundo Amazônia, que tem a Noruega como principal doadora.

    Quartiero, aliás, é um antigo adversário da causa indígena em Roraima, como ele mesmo admitiu em entrevista ao jornal O Globo. Foi arrozeiro na área da TI Raposa Serra do Sol, homologada em 2005. Teve uma fazenda desapropriada em decorrência do processo de demarcação. Em 2008, quando era prefeito de Pacaraima (RR), foi preso pela Polícia Federal (PF) acusado de tentativa de homicídio, formação de quadrilha e posse de artefatos explosivos. Segundo o Ministério Público Federal afirmou em denúncia, tais crimes ocorreram após ele ter coordenado ataques a indígenas da Comunidade Renascer. Nove indígenas ficaram feridos na ação, oito deles baleados, segundo a PF informou à época. A ação ainda corre na Justiça Federal. Hoje Quartiero é suplente na diretoria da Faepa, pois é produtor rural na ilha do Marajó, no Pará.

    A sugestão de Quartiero de que não adiantaria reformar órgãos ambientais, mas sim extingui-los, gerou uma manifestação imediata do anfitrião Nabhan Garcia. Ao tomar a palavra, ele sublinhou que não fora o governo Bolsonaro quem havia “criado” ou referendado a TI Raposa Serra do Sol e lembrou as consequências legais de extinguir órgãos ambientais. “Não se acaba com a Funai como você tá dizendo. Aqui não tem espaço para a pirotecnia, me desculpe. Se tem alguém aqui formado em direito, sabe o que eu tô dizendo. Não é assim que se acaba com Funai, com Ibama, com Incra. Não é assim. Não se acaba, aí é pirotecnia”, respondeu Nabhan Garcia.

    Apesar da impossibilidade jurídica de extinção dos órgãos, o secretário de Assuntos Fundiários lembrou que o governo federal vem esticando a corda nesses órgãos, tentando favorecer os interesses dos ruralistas. “A questão da Funai: ela é responsável pela identificação, delimitação, demarcação, licenciamento de terra e etc. [O governo] Tirou isso da Funai. Não dá pra acabar com a Funai, mas dá pra tirar o que era nocivo que a Funai fazia e assim o governo fez em 1º de janeiro, feriado nacional, no dia de sua posse. Tem lá uma medida provisória tirando da Funai todas essas situações. Passando pra nossa secretaria inclusive as cláusulas quilombolas também, da Fundação Palmares. Hoje está tudo no Ministério da Agricultura, na Secretaria de Assuntos Fundiários, que por sua vez o órgão executor é o Incra, o novo Incra, que está com boas intenções e vai promover as mudanças”, argumentou Nabhan Garcia, sinalizando mudanças na política indigenista. “Eu só estranho que a lei funciona contra nós e a nosso favor não funciona”, murmurou Quartiero, ainda um tanto contrariado.

    Ibama engole críticas e promete mudanças para agradar a fazendeiros

    Quando subiu ao púlpito ao som dos murmúrios do público, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, procurou ser breve. Começou pedindo desculpas pela ausência de seu chefe, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “Todo o ministério, inclusive o Ibama, tem um apreço muito grande pelos produtores rurais. A gente tá tentando mudar uma mentalidade que existiu no passado, de perseguição para quem produz nesse país”, afirmou Bim. “Nesse novo Ibama, a gente está buscando um diálogo muito grande com todos os atores envolvidos pra gente se entender. E, se entendendo, evitar os pontos de atrito que ainda existem. Mudar a cultura de um órgão é uma coisa que demora um pouco, mas a gente está lutando para que essas mudanças aconteçam”, disse. O presidente do Ibama saiu rápido da sala a pretexto de uma audiência com o Ministério Público. Para aguentar a pressão dos produtores, ficou o titular da Diretoria de Proteção Ambiental, Olivaldi Azevedo, major da Polícia Militar de São Paulo, alçado ao posto pelo ministro Salles.

     

     

    Diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Major Olivaldi.
    Reprodução Instituto Brasileiro de Segurança Pública.

     

    O major foi alvo de um dos discursos mais inflamados e aplaudidos da tarde, feito por Nelci Rodrigues, a presidente da Associação de Produtores Rurais Vale do Garça. Nelci começou pedindo desculpas por não saber fazer “discurso bonito” e foi direto ao assunto. Sua associação fica na região da influência do trecho da rodovia BR-163 que corta 11 municípios do estado do Pará onde, em 2006, o governo federal criou um mosaico de áreas protegidas com o objetivo de fazer um plano de desenvolvimento sustentável para a região e mitigar o impacto do futuro asfaltamento da rodovia, ainda não realizado.

    As UCs foram criadas sobre pequenas e grandes posses rurais já existentes – muitas delas estimuladas pelo próprio governo – e até hoje a regularização fundiária não foi efetivada a contento. Com sotaque sulista, Nelci conta que foi à Amazônia ainda criança acompanhando seu pai, que havia sido estimulado pela propaganda dos governos militares que rezava o lema “integrar para não entregar”. E prosseguiu: “A BR-163 vive um conflito de guerra. O Brasil tem que ter memória. Eu me lembro perfeitamente quando meu pai dizia que o militarismo só era ruim pra vagabundo: ‘Então vocês podem ir para o Pará e tenham certeza que vocês vão melhorar de vida’. E sabe o que aconteceu? Nós pioramos”, relatou. “Vivo no Pará há mais de 30 anos, tenho cinco filhos, criei todos e eles são formados, hoje, graças a uma posse e eu sou produtora rural. Em 2006, foi criado um mosaico de Unidades de Conservação atingindo o meu Pará. Aí eu lhe digo: os xiitas do Ibama, as ‘mundiça’ do ICMBio, o câncer do ICMBio no país tomam a casa de uma mãe de família e fala o seguinte: ‘Você tem que sair dessa casa, porque essa casa vai virar casa do macaco’. Tinha um general que abriu a BR-163 e o chamamento era unânime: ‘Venham integrar para não entregar’. Agora, se não deram título da terra, se não fizeram nada, não é culpa nossa”, protestou. “Eles nos invadiram. A regra do jogo muda e a gente fica sem saber. E somos tachados de grileiros. Se um audacioso xiita repetir um trem desse… Eu não tenho tamanho, mas coragem Deus me deu”, bradou, sendo ovacionada por aplausos.

    Muitos fazendeiros falaram no estímulo dado à chamada colonização dos rincões do Pará pelos governos militares e demonstraram ressentimento com as questões ambientais trazidas na democracia. A lei ambiental da época permitia que as posses e propriedades rurais desmatassem 50% da área das fazendas. A aprovação do Código Florestal, em 2012, determinou em 20% a superfície passível de desmatamento para a produção no bioma amazônico. Alguns produtores se manifestaram até mesmo pedindo a volta dos parâmetros de desmatamento da ditadura. Coube a Nabhan Garcia novamente acalmar os ânimos e dizer que não cabia ao governo alterar o código na canetada, mas deixar claro que seria possível uma articulação no Congresso para mudar as leis ambientais.

    Ao fim de sua fala, Nelci Rodrigues vocalizou outro pensamento comum entre os produtores rurais: a argumentação de que as leis ambientais os empurravam para a ilegalidade. Protestou contra o fato de a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), órgão do governo estadual paraense, não validar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) em fazendas situadas em UCs, o que é proibido por lei. “Tem 300 mil cabeças de gado nas Unidades de Conservação. A gente não pode vender porque não tem o CAR. Aí eu não posso vender porque o frigorífico é multado ao comprar. Obrigam nós a ser ilegal. Obrigam nós a tirar nosso gado e levar pra um arrendamento que é legalizado pra só assim nós podermos vender”, afirmou Nelci. “Desfaça tudo essas reservas que a maldita Marina Silva fez”, exigiu, referindo-se à ex-ministra do Meio Ambiente, que estava à frente do Ministério do Meio Ambiente quando da criação das UCs.

    Quando subiu ao púlpito, o major Olivaldi estava nitidamente nervoso. Antes de começar a falar, alguém da plateia disse que queria ver acabar logo o ICMBio. Quando disse que era o novo diretor de proteção ambiental do Ibama, veio outro comentário da plateia: “Não fala esse nome [Ibama]. Vamos mudar o nome”. Olivaldi tentou brincar para quebrar o gelo. “Me sinto um pouco apedrejado aqui. Serei outros dias por conta do que foi construído lá atrás entre quem produz e o órgão de fiscalização ambiental”, começou. A plateia não deu descanso. “Vai trabalhar na cidade e abandona as fazendas. Não tem problema ambiental em fazenda nenhuma. Então nos abandone. Vocês não são bem-vindos”, afirmou um fazendeiro. “Não façam nada durante 60 dias. Só fecha”, disse outra voz.

    Olivaldi pediu calma. Quando conseguiu falar, o major agradou aos ruralistas. “Vamos fazer um mutirão para desembargar áreas passíveis de desembargar. Isso é promessa do governo Bolsonaro, do ministro Ricardo Salles. Estamos revendo esses embargos”, afirmou. “Tentaremos reverter o máximo daquilo que está prejudicando. Não é promessa. Isso nós vamos fazer. Mas eu peço tempo. Não se esqueçam que muito do que foi dito aqui [nas reivindicações], é preciso mudar porcaria de lei. Eu sou funcionário público. Eu vou preso… Alguém criou aquele monte de Unidade de Conservação; se tá certo ou errado, eu não vou entrar na discussão.” “Revoga!”, uma voz gritou. “Mas não sou eu que revogo. Aquilo é criado mediante lei. Tenham paciência e vamos mudar o que precisa ser mudado. Todo mundo aqui é inteligente pra entender que fazer o que ele disse: ‘Ah, não faça nada agora’. Eu vou preso. Existe Ministério Público, juiz, Judiciário, um monte de coisa cobrando a gente”, disse Olivaldi. Ele deixou o auditório na sequência.

     

    Senador Zequinha Marinho (PSC), Foto Agencia Senado.

    Senador compara atuação de órgãos ambientais ao Estado Islâmico

    O discurso de ataque aos órgãos de fiscalização ambiental ganhou respaldo também entre os parlamentares presentes ao encontro. Nos dois discursos que fizeram, o deputado federal Delegado Éder Mauro (PSD), coordenador da bancada paraense na Câmara, e o senador Zequinha Marinho (PSC) formaram fileiras com os fazendeiros nos ataques ao Ibama e ao ICMBio.

    “Estamos assistindo às piores arbitrariedades que um governo pode cometer contra os seus cidadãos. Cidadão que produz, que paga imposto”, disse Marinho, referindo-se às autuações e operações dos órgãos socioambientais. “Se o senhor tiver tempo pra ouvir alguém da região da BR-163… É uma coisa do outro mundo. É pior do que o Estado Islâmico na Síria”, qualificou. “A gente não queria continuar sendo tratado como inimigo deste país. É fundamental pacificar a questão ambiental. Produtor precisa ter mais liberdade pra produzir. O produtor do Pará é visto como um marginal. Nós somos invadidos pelo governo federal lá no Pará, que não quer diálogo, não quer conversar. Quer botar fogo em máquinas, quer prender cidadão, arrebentar com tudo, quer matar tudo”, discursou Marinho.

    O deputado Éder Mauro partiu para uma acusação mais direta. “O Ibama no estado do Pará… Eu ainda esta semana já deixei documentações na Casa Civil mostrando que hoje o Ibama ainda é dirigido por uma petista que persegue nossos produtores, os homens que produzem no estado do Pará. Vai mudar, meu amigo. Confie. A bancada do estado do Pará vai estar junto do ministro Onyx pedindo a mudança de todos que estão no estado do Pará. Da Sudam [Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia] até lá embaixo, seja que órgão for. A gente quer andar pra frente e eu acredito no presidente Bolsonaro e nesses homens que ele colocou aqui em Brasília. O Pará precisa crescer! Vocês não vão sair daqui sem a esperança de que o estado vai mudar!”, disse. Mauro não deixou claro se a “petista” a que se referiu era a superintendente do Ibama no Pará, Clívia Bezerra Araújo. Os fazendeiros que estavam na plateia, consultados pela reportagem, disseram que sim. Mauro saiu antes de o evento acabar, mas aproveitou seu tempo para defender os responsáveis pela segunda maior chacina do campo brasileiro nos últimos 20 anos, o Massacre de Pau d’Arco, que deixou dez trabalhadores mortos. “Naquela ocasião, quando a polícia esteve em Pau d’Arco pra defender o Estado, pra defender o proprietário, pra tirar os invasores da terra, matou todos na resistência e os policiais viraram bandidos”, disse.

     

    O deputado Delegado Éder Mauro (PSD – PA) – Agência Câmara

    Nosso patrão, Bolsonaro

    “Tudo o que foi relatado aqui, nós tínhamos em governos anteriores. Agora nós temos um governo presente, que começou há praticamente 90 dias. Estamos sob o comando da autoridade maior, aquele que foi eleito pela maioria do povo brasileiro. Se chama presidente Jair Messias Bolsonaro. Ele é o nosso patrão”, afirmou Nabhan Garcia. Em quase todas as ocasiões, ele, o grande anfitrião do encontro no Mapa, procurou acalmar os ânimos e prometer a tal nova era bolsonarista. “Eu conheci o então deputado Bolsonaro em 1994. Ele sempre foi em primeiro lugar um aliado. Todas as vezes que o setor produtivo precisou de ajuda, esse homem que não tem um palmo de terra, não era da profissão dele, sempre esteve do nosso lado”, garantiu Nabhan Garcia. A maioria da plateia pareceu confiante nas palavras, mas alguma impaciência pairava no ar. Nabhan Garcia voltou à carga: “Não queiram que o governo que assumiu há 90 dias conserte o que houve de errado em 34 anos em 90 ou 100 dias. Nós temos alguns cânceres aqui que não podem continuar mais fazendo o que fazem. Ele precisa do apoio da população pra fazer mudar. Ninguém legisla ou governa sozinho”, falou em um tom mais exaltado. O marco de 34 anos remonta ao término da ditadura.

    Um dia depois da reunião entre Nabhan Garcia e os fazendeiros do Pará, o presidente Bolsonaro assinou um decreto para converter multas ambientais em áreas de recuperação. No último dia 14, o presidente pessoalmente desautorizou uma operação do Ibama em Rondônia enquanto ela estava em curso. A operação visava combater a extração ilegal de madeira. “Ontem, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, veio falar comigo com essa informação [sobre a operação]. Ele já mandou abrir um processo administrativo para a apurar o responsável disso aí. Não é para queimar nada, maquinário, trator, seja o que for, não é esse procedimento, não é essa a nossa orientação”, afirmou o presidente em um vídeo que circulou nas redes sociais. Após o ministro Ricardo Salles ter ameaçado investigar agentes do ICMBio, o presidente do órgão, Adalberto Eberhard, pediu demissão no último dia 16 – seria substituído dois dias depois pelo coronel da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, Homero de Giorge Cerqueira. Servidores ambientais divulgaram um dia depois uma carta acusando o ministro Salles de destruir a política ambiental federal. Em uma live no último dia 17, Bolsonaro ameaçou demitir a diretoria da Funai e criticou a legislação ambiental vigente.

    Ao menos no meio ambiente, a nova era deu passos largos desde a reunião no Mapa.

    Publicado originalmente: https://apublica.org/2019/04/desfaca-tudo-essas-reservas-diz-produtora-a-secretario-em-reuniao-de-fazendeiros-do-para-com-governo-federal/?fbclid=IwAR2_5tQv6dF4EKi9jJHDuV_ny4-EdPyrngKLOP4uyguSfQh2DOCKsx-qn-8 

  • Mulheres Unidas Contra Bolsonaro denunciam à ONU violação de direitos humanos

    Mulheres Unidas Contra Bolsonaro denunciam à ONU violação de direitos humanos

    Marcha do #EleNão em Florianópolis. Foto: Alice Simas

    Duas integrantes do grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, também conhecido como #EleNão, estão em Genebra desde a véspera do Dia Internacional da Mulher para entregar à Comissão de Direitos Humanos da ONU um Dossiê com denúncias sobre os atentados à vida das minorias no atual governo. Em 67 páginas, o documento expõe relatos sobre a violação de direitos das comunidades indígenas, negra, quilombola, sem terra, sem moradia e atingidos por barragens. Aponta os retrocessos impostos às conquistas constitucionais das mulheres e grupos LGBTQI+ e mostra o aumento acentuado da violência de gênero com os discursos de ódio promovidos por políticos e governantes. Reforça o assassinato impune de Marielle Franco com o envolvimento de filhos do presidente em milícias apontadas como responsáveis pela execução da vereadora. Salienta a violação à democracia com as ameaças de morte a intelectuais, artistas, ativistas e parlamentares da oposição, a exemplo do deputado federal Jean Wyllys, cuja renúncia ao mandato foi comemorada por Bolsonaro. Cita ainda o caso da antropóloga da UnB, Débora Diniz, que teve de deixar o país por ser vítima de linchamento virtual e ameaças de morte por defender a descriminalização do direito ao aborto. O pacote anticrime do ministro Sérgio Moro é denunciado como uma licença para matar que vai agravar o extermínio dos jovens negros. No dia 14 de março, a líder do movimento, Ludimilla Teixeira, fará uma palestra no painel do Festival Internacional de Cinema e Fórum de Direitos Humanos, a convite da direção do evento, ao lado de duas outras líderes feministas da Itália e Filipinas.

    Ludimilla Teixeira, líder do MUCB: união internacional das mulheres para derrotar o fascismo

    Elas conseguiram mobilizar quatro milhões de mulheres criando nas redes sociais uma comunidade feminista unificada pelo grito do “Ele Não!”.  Surgido espontaneamente no dia 31 de agosto, da ânsia de barrar o candidato que incentivava a violência machista e o ataque aos direitos das minorias, o grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro (MUCB) provocou uma onda gigantesca de levantes nas ruas do Brasil e de vários países do mundo. Não conseguiu evitar a tragédia temida por todo o mundo defensor dos direitos humanos, mas seu grito continua ecoando país afora. Na véspera do Dia Internacional das Mulheres, Ludmilla Teixeira, a líder negra e nordestina do MUCB e sua assessora de comunicação, Gisele Figueiredo, chegaram à Genebra com um Dossiê de Denúncias sobre os atentados à vida de mulheres e outros grupos vulneráveis pelo governo Bolsonaro que será protocolado na Comissão de Direitos Humanos da ONU, onde têm reunião no dia 12 de março, durante sua estada na Suíça. Por conta da repercussão do movimento que liderou no Brasil, Ludmilla foi convidada a participar como palestrante de uma mesa-redonda do 17º Festival Internacional do Cinema e Fórum dos Direitos Humanos (FIFDH), mais importante evento mundial dedicado ao tema, que acontece paralelamente ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU.

    Convite enaltece a repercussão da luta das mulheres contra a eleição de Bolsonaro

    De 8 a 17 de março, a brasileira participa em Genebra de um fórum de discussão sobre os desafios geopolíticos planetários, onde são denunciados os atentados à dignidade humana e saudados os trabalhos dos que lutam contra essas violações. Ela terá um momento de fala no dia 14 de março, quando a partir das 20 horas, na Grande Salle do Espace Pitoëff, integra o painel com o instigante título “Para o povo, contra o populismo”. Nesse painel que abre com a exibição de um filme, debaterá sobre a ascensão dos regimes populistas e os ataques às instituições democráticas, ao lado da filipina Ninotchka Rosca, escritora, romancista e ativista social e da italiana Annalisa Camilli, jornalista investigativa, especializada em migração e direitos humanos. Elas farão uma leitura feminista desse populismo liderado por “homens fortes” que se alinham pelos retrocessos no campo democrático e ataques às mulheres e minorias. Moderada pelo professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences-Po), Bertrand Badie, a mesa tem a tarefa de debater sobre como esses regimes prosperaram no século XXI e buscar possibilidades de responder à onda de ódio e medo que eles alavancam.

    Natural da Bahia, publicitária, feminista, servidora previdenciária da APS de Itapuã, 36 anos, Ludimilla é reconhecida na carta-convite por seu compromisso pessoal com a promoção dos direitos humanos no Brasil a partir do lançamento do #EleNão durante a campanha eleitoral, que fez dela “uma figura emblemática da resistência ao populismo do novo presidente brasileiro”.  Assinada pela diretora geral, Isabel Grattiker e pela produtora do Fórum, Carolina Abu Sa’da, a carta enfatiza que no evento a brasileira terá a oportunidade de compartilhar a sua experiência como liderança deste movimento, fazer suas análises sobre a situação do Brasil e apontar perspectivas de luta pelos direitos humanos. “Não podemos pensar em uma representante melhor para esta discussão”, referendam as anfitriãs em nome das instituições estrangeiras que cobrem todas as despesas da viagem, hospedagem e subsistência das brasileiras. O Festival é apoiado pela Anistia Internacional, Human Rights Watch e Médicos sem Fronteiras, Ministério das Relações Exteriores da Suíça, entre muitos outros defensores dos direitos humanos da sociedade civil.

    POPULISTA DE DIREITA PARA OS DOMINANTES, FASCISTA PARA AS MINORIAS

    Recebido pelo grupo com muita vibração, o convite foi visto como uma forma de reconhecimento ao seu trabalho de mobilização contra o fascismo, que segue com 2,5 milhões de mulheres, mesmo após o resultado das urnas. Ativista pelos direitos humanos e animais, ela conta que ao ler a proposta do evento teve dificuldade de entender a relação entre o governo Bolsonaro e o tema da ascensão mundial do populismo. Em entrevista de vídeo para os Jornalistas Livres produzida pela jornalista Gisele Figueiredo logo ao chegar em Genebra, Ludmilla relata que precisou estudar a literatura internacional na área de ciências políticas para entender que os europeus associam o populismo a governos da nova direita e não aos governos de esquerda ou centro-esquerda, que exploram medidas econômicas de caráter mais assistencial para manter o carisma popular, como a mídia brasileira propagou durante os governos Lula e Dilma.

    Populistas são políticos como Trump (EUA), Viktor Orbán (Hungria), Mateus Morawieck (Polônia), Sebastian Kurz (Áustria), Conte e Salvini (Itália), Duterte (Filipinas) e Erdogan (Turquia), que mobilizam a população mais conservadora com apelos moralistas contra os direitos das minorias, sobretudo dos imigrantes, para obter o seu apoio em medidas econômicas antipopulares. “Então entendi que nessa visão europeia, Bolsonaro seria um populista, mas não para as minorias, ele tenta se tornar popular para os que estão no poder, que são na maioria homens brancos, heterossexuais, de classe média ou alta para quem ele oferta um pensamento conservador e preconceituoso, mas para nós, as minorias étnicas, ele não é populista, eu o consideraria um fascista”, afirma, com a ressalva de que na Europa o conceito de fascismo é menos aplicado do que na América Latina.

    DOSSIÊ DENUNCIA VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS EM DOIS MESES DE GOVERNO

    Aceito o convite, começou a mobilização para elaborar coletivamente o Dossiê de Denúncias que será protocolado na próxima semana na Comissão de Direitos Humanos da ONU. Em 67 páginas, o documento traz um diagnóstico dos ataques às conquistas feministas, das minorias de gênero, do crescimento da violência contra a mulher e do atentado à vida das comunidades indígenas, negros, quilombolas, militantes sociais, sem-terras, sem-teto e atingidos por barragens, com os crimes de Mariana e Brumadinho. Está organizado em seis tópicos principais: 1. Questão indígena e ambiental; 2. O caso das mineradoras; 3. Questão LGBTQI+;  4. Violência contra ativistas e a lei antiterrorismo; 5. Feminicídio, estatuto do nascituro e proibição de anticoncepcionais e 6. Racismo, violência contra quilombolas e assentados.

    Embora o #EleNão tenha sido o único coletivo feminista convidado para o evento, elas fizeram questão de envolver outros movimentos sociais na elaboração do Dossiê, como o Movimento Atingidos por Barragens, Comunidade Indígena dos Tupinambá da Serra do Padeiro, Comunidade LGBTQI+ Brasileira, Movimento Negro, Shayana Busson, mestre em Sociologia e ativista do parto humanizado. O tópico referente à violência contra ativistas, por exemplo, foi elaborado com a contribuição de militantes do 8M SC em Florianópolis. Nessa questão, o próprio MUCB se inscreve como vítima das milícias digitais, que ao ver a potência de mobilização do grupo, começaram a atacar a página, chamando as administradoras de “putas” e “vagabundas” e acusando-as de fazer campanha para candidatos de esquerda. No auge da sua repercussão, em 14 de setembro de 2018, a página do Facebook foi hackeada por eleitores antifeministas que a renomearam para Mulheres Unidas com Bolsonaro, obrigando a organização antifascista a mudar de endereço. Muitos comentários incitavam a violência, afirmando que as integrantes deveriam ser espancadas e estupradas. Temendo por sua vida, a administradora do grupo chegou a desativar sua conta no Facebook. Por conta da lei antiterrorismo, o grupo também está sendo obrigado a mudar seu nome oficial para Mulheres Unidas com o Brasil, embora na prática preserve a definição original da sigla.

    Na entrevista, a militante afirma que o grupo continuará se mobilizando, articulado a outros coletivos feministas e movimentos sociais na luta pelos direitos das mulheres e das minorias. Ela considera prioridade a luta para deter o extermínio da população indígena e negra, e para manter os avanços das conquistas feministas, a democracia, os direitos trabalhistas e previdenciários. Defende o caráter apartidário do movimento como forma de alcançar a unidade das mulheres para derrotar o fascismo que pode se estender como rastilho de pólvora, sobretudo a unidade internacional.  “Estamos representando uma população tratada como minoria, mas se juntarmos todas essas minorias elas se tornarão maioria e irão derrotar este governo que está indo contra nossa própria existência”.

    TRECHOS DA APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ DE DENÚNCIA À ONU

    “É triste constatar que a ascensão de governos como o de Bolsonaro só estimula o avanço do discurso do ódio contra as minorias e ataques aos direitos humanos, o que gera concordância com sua analogia a governos fascistas de outrora. A liberdade é questionada e o autoritarismo avança, gerando sinal vermelho para aqueles que lutam na defesa da democracia e na Proteção do Estado Democrático de Direito.”

    “O repúdio ao machismo, à misoginia, ao racismo, à xenofobia e a todos os outros tipos de preconceitos se tornou a principal pauta de reivindicação da sociedade brasileira, assim como a luta por liberdade, feminismo, demarcação de terras indígenas, reforma agrária, direito à moradia e reforma urbana”.