Os sargentos gays FERNANDO ALCÂNTARA DE FIGUEIREDO e LACÍ MARINHO DE ARAUJO ganharam fama em junho de 2008, quando denunciaram a homofobia institucional no Exército do Brasil. Primeiro casal homossexual assumido na ativa das Forças Armadas no Brasil, os dois foram matéria de capa da revista Época, o que lhes custou uma série de retaliações envolvendo ordem de prisão, atentados e até mesmo tortura física. O caso de ambos os sargentos já foi admitido pela Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acolheu a denúncia deles e transformou o Estado brasileiro em RÉU, acusado do crime de ódio; no caso, homofobia.
Desde então, Fernando e Lací lutam pelo reconhecimento de seus direitos e de todos aqueles que sofrem com o preconceito. Assim, em 1º de dezembro de 2010, fundaram o Instituto SER de Direitos Humanos e da Natureza, organização sem fins lucrativos que atua em direitos sociais e ambientais.
A desembargadora MARÍLIA CASTRO NEVES, em foto no seu perfil do facebook
Dessa forma, entre outras frentes de luta, eles ingressaram nesta terça-feira (20/3) com uma Reclamação Disciplinar junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contra a flagrante atuação degradante por parte da desembargadora MARÍLIA CASTRO NEVES, que escreveu um post nas redes sociais, em que caluniou a vereadora assassinada Marielle Franco, dizendo que ela “estava engajada com bandidos” e “não era apenas uma lutadora”.
Fernando e Lací requisitaram ao CNJ a “urgência” e a “punição” que o caso requer. Abaixo, a reclamação deles, entregue ontem ao CNJ.
No domingo (18) , durante a Feijoada das Marias do Jongo que acontece há 13 anos na Comunidade Jongo Dito Ribeiro em Campinas (SP), a cantora , compositora e deputada estadual de São Paulo Leci Brandão (PCdoB) falou sobre o empoderamento da mulher negra , refletiu sobre a morte da vereadora carioca Marielle Franco e alerta para o perigo do que pode acontecer no Brasil.
Feijoada das Marias do Jongo
A Comunidade Jongo Dito Ribeiro comemora o aniversario das Marias do Jongo, a celebração tem o objetivo de evidenciar a contribuição dessas Mulheres, Negras e Filhas de Dito Ribeiro, para a Salvaguarda do Jongo por meio dos seus saberes culinários de ensinamentos e lições de vida.
Foto: Fabiana Ribeiro | Jornalistas Livres
Video: Sonia Fardin | Socializando Saberes colaborou especialmente com Jornalistas Livres
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) comoveu a sociedade. Milhares de pessoas foram às ruas no dia 15, o caso ganhou repercussão internacional. Pessoas que compareceram às ruas testemunharam que o clima é de “indignação”.
A banda nazifascista ficou encurralada. O deputado Jair Bolsonaro recolheu-se ao silêncio. Aqui e ali apareceram declarações tipo “defensora de bandidos tem que morrer”, mas ficaram nas bolhas da extrema-direita.
A Rede Globo e toda a mídia hegemônica cobriu amplamente o episódio. Inclusive com atitudes irresponsáveis, como a divulgação do nome da assessora da parlamentar, que sobreviveu ao atentado, colocando a vida dela em risco.
E isso forçou o governo golpista e todo o seu “staff” a se posicionar. Prometem investigar com celeridade o caso, pressionados a dar uma satisfação à opinião pública nacional e internacional.
Manifestação na av. Paulista, quinta 15.03.2018. Foto Christina Braga | Jornalistas Livres
Os analistas da mídia hegemônica continuam dando escorregadas. A tônica é que o assassinato da vereadora põe em xeque a intervenção militar no Rio de Janeiro. Não pelas críticas que a vereadora fazia, mas por demonstrar que a segurança pública no Rio de Janeiro continua falha.
Mas o assassinato de Marielle Franco não é um problema de “falha de segurança pública”. Não foi um assalto. Não foi um seqüestro. Todos os indícios apontam para um crime político.
E é justamente disso que os analistas da mídia hegemônica querem fugir. É fato que o golpe de agosto de 2016, que levou Temer ao poder, abriu uma caixa de pandora. O bloco que está no poder junta o que há de mais abjeto na sociedade civil brasileira. Muitos manifestantes de verde-amarelo que defendiam a derrubada da presidenta Dilma faziam apologia à ditadura militar e até a torturadores daquele período. Esta turma faz parte do poder que esta mídia hegemônica apoiou e apóia.
Os argumentos são bizarros. O primeiro que vou citar aqui é do Josias de Souza, do portal UOL. Diz ele em sua coluna do dia 15/3, que o assassinato de Marielle é um pavio que ascenderá as mobilizações de rua como foi em 2013. Comparação incorreta. Aumento de 20 centavos no transporte público e PEC 37 não se comparam a tirar a vida de uma liderança feminina, negra e da periferia. A identificação com as bandeiras e a postura de Marielle não é a mesma que levou pessoas para as ruas em 2013. Ela era uma das raríssimas vozes representativas dos guetos periféricos no parlamento e foi calada de forma violenta.
Os manifestantes identificados com Marielle sentiram que suas vozes também foram caladas. Por isto, as conseqüências deste fato serão bem diferentes do que ocorreu em 2013. Principalmente porque se somam a uma crescente insatisfação da população da periferia com a situação do país que está bem somente nas páginas de economia dos jornais da mídia hegemônica. Desemprego, aumento da miserabilidade, corte das políticas públicas e aumento da violência são coisas que já vêm de há tempo causando profunda irritação na população. A liderança folgada de Lula nas pesquisas de intenção de votos, não obstante a verdadeira campanha midiática contra ele, é um indicador disso.
Já o jornalista Fernando Rodrigues, do Poder 360, vai na linha que o assassinato de Marielle Franco expôs as falhas da intervenção militar, que demonstrou a sua ineficiência no combate ao crime organizado e que, por conta disto, tornará o tema da “segurança pública” central na disputa eleitoral. Por isto, considera que o fato foi “disruptivo” no sentido de mudança da agenda pública e da situação do governo Temer.
O mesmo enfoque incorreto: tratar o caso como um “problema de segurança pública” e não como conseqüência da direitização da sociedade cristalizada com o golpe de agosto de 2016.
Estes enfoques decorrem de problemas de enfoque ideológico dos autores e, de quebra, da mídia hegemônica.
Primeiro, partem do pressuposto de que o Brasil vive uma “normalidade democrática” o que não é verdade. Exemplos: o uso do lawfare contra Lula, os abusos cometidos pelo Poder Judiciário em vários episódios, o aumento de narrativas nazifascistas e a parcialidade cada vez mais intensa de órgãos, como o STF (cuja presidenta não tem pruridos em receber um presidente da República que está sendo julgado em um encontro privado e fora da agenda oficial e que também topa participar de um jantar bancado por uma transnacional do petróleo). Há tempo que o tal Estado Democrático de Direito foi destroçado no país.
Segundo, que fatos como este assassinato decorrem de um “mau funcionamento” das instituições e não são produtos de uma determinada estrutura política.
Terceiro, aí é de fato uma questão de classe, não entendem os sentimentos e desejos de quem mora nas periferias e nas quebradas. O pensamento dessa população não é o mesmo que é hegemônico na classe média como os jornalistas aqui citados e os seus leitores. O que move o pensamento e os desejos é a sobrevivência e a construção de uma vida digna. Que estão sendo ceifadas com o corte de gastos, com a precarização do trabalho via a reforma trabalhista, com a reforma da previdência e com a militarização dos espaços periféricos onde residem. Pouco importa aumento do PIB de 1,5% e redução do déficit fiscal se isto foi obtido a custa de desemprego e corte de políticas públicas. Pouco importa as diatribes da República de Curitiba se falta merenda escolar – principalmente quando ficou nítido que os pseudomoralistas do Judiciário querem manter mordomias, como o auxilio-moradia de 5 mil reais.
E quando existem poucas vozes representativas destes segmentos sociais nos parlamentos dominados por coronéis, oligarcas, empresários, latifundiários, sacerdotes religiosos, elas são caladas violentamente. É esta a indignação que explodiu. Só não percebeu quem continua fazendo “jornalismo” e “análise política” sentado em gabinetes acarpetados e com ar condicionado.
A indignação é contra a perversidade de um Estado que, além de fazer passar fome, não quer que se grite que está com fome.
Dennis de Oliveira é professor livre-docente em Jornalismo, Informação e Sociedade pela ECA/USP. Possui graduação em Comunicação Social Habilitação Em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1986), mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1992) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1998). Atualmente é professor em RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa) na Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Comunicação Popular, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação e cultura, processos mediáticos e culturais, comunicação e recepção, processos mediáticos e jornalismo, mídia e racismo, e integração na América Latina. É coordenador do CELACC (Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação), vice-líder do Alterjor (Grupo de Pesquisa de Jornalismo Alternativo e Popular) e membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro), todos da Universidade de São Paulo. É professor do Programa de Pós Graduação em Mudança Social e Participação Política da EACH/USP e do Programa de Pós Graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP. Atua como consultor em comunicação, educação e cultura em instituições públicas, particulares e organizações não governamentais.
***Este artigo foi escrito no dia 16 de março de 2018
O Dia Internacional das Mulheres, conhecido também como “8 de Março”, é considerado uma data de resistência e luta feminista pela emancipação feminina e pela garantia dos direitos das mulheres. Mas, você sabe a origem da data? Conheça mais sobre a história do “8 de Março”.
Fonte: As Origens do Dia Internacional das Mulheres de Ana Isabel Álvarez Gonzáles
Texto:Fernanda Maria Caldeira
Fotos: Isis Medeiros
Vamos entender melhor o que aconteceu naquela época?
Muitas pessoas acreditam que as comemorações do dia das mulheres se iniciou em homenagem às trabalhadoras que morreram em um incêndio numa fábrica dos Estados Unidos. Mas, na verdade esse é um dos maiores mitos difundidos na história.
De fato, houve um incêndio em uma fábrica têxtil; a Triangle shirtwaist Company, em Nova York no dia 25 de março de 1911, onde 146 operárias/os foram mortos/as, sendo a brutal maioria de mulheres. No entanto, o Dia da Mulher – Woman Day’s – já era comemorado nos EUA desde 1908, no último domingo de fevereiro – três anos antes do famoso incêndio.
No final do Século 19 e início do Século 20 efervesciam as discussões e mobilizações sobre o Sufrágio feminino. Nessa época, as mulheres ainda não tinham uma série de direitos como o de estudar, de trabalhar e ter igual salário, de se divorciar, e também o direito político de votar. Esse período de intensa organização feminina por direitos com foco na luta pelo sufrágio, é conhecido na história como a 1ª onda do feminismo.
Geralmente, quando pesquisamos sobre a 1ª onda, os olhares se voltam às movimentações que ocorreram nos EUA e Inglaterra. Todavia, na Alemanha existia um poderoso movimento de mulheres trabalhadoras, desenvolvido a partir da forte organização das lutas operárias apoiadas por sindicatos e pelo Partido Social-Democrata (PSD), de orientação socialista, o único que reivindicava em seu programa a luta das mulheres.
A frente do movimento estava Clara Zetkin. Clara se tornou uma excelente oradora, muitas vezes subiu em tribunas para falar à uma plateia hegemonizada por homens, confrontando a noção do papel das mulheres naquela época. Ficou conhecida internacionalmente pela sua atuação no Congresso da Segunda Internacional (ou Internacional Socialista) em 1889, onde foi uma das 8 mulheres delgadas dos 400 que se somavam de 19 países. Sua ação ao longo dos anos seguintes, foi organizar as mulheres para torna-las fortes e conquistar direitos para transformar a sociedade através de uma revolução, abolindo as classes sociais e a opressão das mulheres.
Em 1910, aconteceu em Copenhague a 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas. Nos debates, Clara Zetkin propôs organizar a celebração de um Dia Internacional das Mulheres, inspirado no “ Woman’s Day ” Americano. É importante dizer que o Dia da Mulher passou a ser comemorado nos EUA a partir de 1908, após uma resolução da Segunda Internacional (proposta pela própria Clara Zetkin no Congresso de 1907), segundo a qual todos os partidos socialistas membros deveriam promover em seus países um dia de reivindicação do direito de voto das mulheres.
O Woman’s Day foi um sucesso, sobretudo em 1910 na cidade de Nova York, devido à greve geral de 13 semanas do setor têxtil, conhecido como “O Levante das 20 mil”. Resistindo aos empresários, policiais e juízes, a greve reivindicava melhores condições de trabalho e melhores salários. A greve se encerrou 12 dias antes das comemorações do Dia da Mulher (todo último domingo de fevereiro), e contou com a participação das operárias grevistas da fábrica Triangle Shirtwaist Company, dando o caráter da classe trabalhadora às reivindicações pelo direito do Sufrágio Universal. Um ano depois, no dia 25 de março, a maioria delas foram mortas no incêndio, por imprudência dos patrões que trancavam os portões das saídas de emergência para evitar furtos por parte das trabalhadoras.
Por fim, devido ao êxito das comemorações americanas e da deliberação do congresso das mulheres, internacionalizou-se o “Women’s Day“ – Dia das Mulheres -, no plural, abarcando as diversas nacionalidades das mulheres trabalhadoras. Portanto, foi definido que haveria um dia específico para a reivindicação das mulheres, embora não tenha sido definido o dia exato para as celebrações.
Então porque 8 de março?
Se na Alemanha Clara Zetkin tinha papel fundamental na organização das mulheres trabalhadoras, na Rússia era Alexandra Kollontai quem estava à frente do movimento. Alexandra iniciou sua vida política ao participar dos protestos que culminaram no episódio conhecido “Domingo Sangrento” de 1905, quando o Tsar mandou matar a população que se manifestava. Kollontai, começou a frequentar círculos de estudos marxistas em São Petersburgo, onde conheceu a camarada Nádia Krupskaya – que posteriormente veio a ser a primeira mulher que escreveu uma obra marxista sobre as questões das mulheres na Rússia. As duas se integraram ao Partido Social-Democrata Russo e posteriormente foram para a ala Bolchevique, onde desenvolveram um vasto trabalho com as operárias e camponesas.
Foto: Isis Medeiros | Nádia Krupskaya, interpretada por Ana Júlia para o projeto Mulheres Cabulosas da História.
Kollontai era integrante do Secretariado Internacional de Mulheres junto a sua parceira e amiga, a alemã Clara Zetkin, ao lado da qual, na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, defendeu a necessidade do Dia Internacional das Mulheres. No entanto, as comemorações não ocorreram na Rússia até 1913, quando foi organizado um encontro no edifício da bolsa de São Petersburgo, no dia 23 de fevereiro do antigo calendário Russo – 8 de março, no calendário ocidental. No mesmo dia, atividades da luta das mulheres aconteceram em outras cidades como Kiev, Samara e Tíflis. Mas os encontros foram dissolvidos pela polícia do Tsar, pois na época eram proibidos encontros com a participação das mulheres.
Nos anos seguintes, impulsionado pelo Partido Bolchevique, o dia 23 de fevereiro (no calendário Russo/Juliano) foi comemorado na Rússia como Dia Internacional da Mulher. Em 1916, apesar de ter sido uma comemoração mais discreta, o Dia da Mulher foi dedicado a protestar contra a Primeira Guerra Mundial. Um ano depois, o dia 23 de fevereiro deu início ao que o mundo veio a conhecer como Revolução Russa. De acordo a historiadora Ana Isabel Ávarez Gonzáles;
“ Segundo todas as fontes, os fatos começaram no dia anterior, quando os operários da fábrica de armamentos de Putilov a encontraram fechada no momento em que tentaram entrar para começar sua jornada de trabalho. As mulheres de Petrogado, que tinham se convertido em chefes de família enquanto os homens estavam na frente de guerra, cansadas da escassez e dos altos preços dos alimentos, saíram às ruas”.
Ao longo do protesto, as donas de casa que ficavam por horas nas filas para buscar o pão se uniram as operárias, e no dia seguinte somaram 190 mil mulheres que cantavam a palavra de ordem: “Pão! Nossos filhos estão morrendo de fome!”. O motim iniciado pelas operárias no dia 23 de fevereiro de 1917 impulsionou grandes manifestações nos dias seguintes, que culminaram na derrubada do Tsar e colocaram em marcha o processo revolucionário de tomada do poder pelas trabalhadoras e trabalhadores, em outubro do mesmo ano, sintetizado no mote “Todo poder aos sovietes”.Após a conquista do poder, em 1919 foi fundado a Terceira Internacional Comunista (ou Komintern), e seu congresso foi realizado em Moscou, contando com a participação de 82 delegadas vindas de 21 países diferentes. Em conjunto ocorreu a 1ª Conferência Internacional de Mulheres Comunistas. Na conferência foi apresentada uma resolução com a proposta de celebrar oficialmente o Dia Internacional das Mulheres no dia 8 de março, em memória ao 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário russo), motivado pelo papel que mulheres russas tiveram na revolução.
Nas palavras de Alexandra Kollontai, que se tornou Ministra e a 1ª mulher no mundo a ser embaixadora:
“O Dia das Mulheres de 1917 tornou-se memorável na história. Nesse dia as mulheres russas ergueram a tocha da revolução proletária e incendiaram todo o mundo. A revolução de fevereiro se iniciou a partir desse dia.”O 8 de março na Rússia (23 de fevereiro de 1917 no calendário juliano) marca o início do processo revolucionário impulsionado pelas mulheres, ao mesmo tempo era a data que as Russas celebravam o Dia das Mulheres Trabalhadoras.
Essa data tão simbólica para a vida das mulheres foi estabelecida para que a comemoração do Dia Internacional das Mulheres fixasse no 8 de março em todo o mundo.
“As imagens foram retiradas do livro “Mulher, Estado e Revolução” de Wendy Goldman”
Visualizando histórias
Foto: Isis Medeiros | Clara Zetkin, interpretada por Beatriz Simas.
Foto: Isis Medeiros |Rosa Luxemburgo, interpretada por Andressa Pestilli.Foto: Isis Medeiros | Alexandra Kollontai, interpretada por Letícia Proença.
Conhecer a história do Dia das Mulheres, é tão importante quanto conhecer a história delas. Desde 2016, o projeto fotográfico “Mulheres Cabulosas da História”, idealizado pelas mulheres do Levante Popular da Juventude, vem resgatando através da fotografia nomes e histórias de mulheres que foram importantes, mas são ignoradas historicamente nas páginas da história. Clara Zetkin, Alexandra Kollontai e Rosa Luxemburgo são alguns dos nomes retratados pelos projeto, que agora em 2018 vira um livro de 100 mulheres.
A intervenção militar no Rio de Janeiro foi articulada por um velho conhecido do crime organizado: Wellington Moreira Franco (PMDB-RJ), ministro da Secretaria-Geral da Presidência e amigo do peito de Michel Temer, que governou o Rio de 1987 a 1991. Nesta terça (20/02) na “Folha”, numa entrevista pra lá de camarada, daquelas que o jornalista levanta a bola para o entrevistado cortar, Moreira Franco fez-se de intrépido e destemido:
Folha: A intervenção no Rio foi uma decisão arriscada para Temer, porque no primeiro problema, ele será culpabilizado. O governo fez esse cálculo?
Moreira Franco: Aqui não tem amador. As pessoas têm 50, 45, 40 anos de vida pública. Claro que fez.
Folha: E qual é o cálculo?
Moreira Franco: O cálculo é que na vida, tem certas horas, que você tem que assumir riscos, tem que decidir. Nessas circunstâncias, não dá para ficar empinando pipa, tem que mergulhar com coragem e convicção.
Hummmm. Corajoso!
Conhecido desde os anos 1980 pela alcunha de “gato angorá”, pela então vasta e cultivada cabeleira branca, e por causa do gosto entranhado pelo colo de qualquer um, Moreira Franco foi o primeiro governador do Rio a andar para cima e para baixo acompanhado de um bandidão do Comando Vermelho. Sim, Moreira Franco não é homem de ficar empinando pipa!
Decidiu-se pela intervenção militar no Rio de Janeiro em reunião na quinta-feira (15/2) no Palácio da Alvorada da qual participaram o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, e ministros do governo federal, como Torquato Jardim (Justiça), Raul Jungmann (Defesa) e Sérgio Etchegoyen (Segurança Institucional), todos envolvidos na discussão sobre segurança pública, além de Moreira Franco, Dyogo Oliveira (Planejamento) e Henrique Meirelles (Fazenda).
A aventura militar entusiasmou particularmente dois participantes do convescote: o próprio Temer, que vê na intervenção a possibilidade roubar alguns pontos da popularidade e do discurso de Jair Bolsonaro; e Moreira Franco.
Peemedebista, Temer é o mestre na arte camaleônica de mudar de cor ao sabor das circunstâncias. Foi social quando interessava estar perto do PT, foi neoliberal no estilo mercurial quando veio o golpe… E agora, com a popularidade no chão, torna-se verde oliva para granjear a simpatia das galinhas verdes do fascismo bolsonariano. Tudo certo como dois e dois são cinco.
Temer está na base do tudo ou nada. O Iraque dele são os morros do Rio. Em lugar de fundamentalistas islâmicos, os inimigos são os pobres e pretos das favelas cariocas. Nada como uma operação nos moldes da doutrina militar do “Choque e Pavor” (Shock and awe), para anestesiar a opinião pública que começava a sair do torpor. O samba enredo da Paraíso do Tuiuti foi o sintoma. E os entusiastas mais apaixonados pela aventura já dizem que ele pode até se apresentar como o candidato.
Parceiro de todas as falcatruas de Temer, Moreira Franco é o idealizador e avalista por excelência da patuscada que, já se sabe, não conseguirá acabar com o tráfico, nem com a guerra entre quadrilhas rivais. Para os ilusionistas da quadrilha de Brasília, porém, basta contar com a mídia tradicional para repetir até o cansaço a cena de soldados com trajes de camuflagem entrando em comunidades pobres do Rio, tanques e blindados fechando o trânsito de becos e vielas miseráveis.
Ah, eles não podem esquecer de seguir as ordens do interventor federal para a área de segurança pública do Rio, o general do Exército Walter Braga Netto, que já disse que a situação do Estado não é tão ruim quanto parece e que a imagem da crise é afetada pelo noticiário. “Muita mídia”, afirmou. É a senha para a Globo, Band, Record e demais veículos: podem parar de cobrir esse tipo de assunto. E assim, com o Rio ocupado, sensação de segurança nas alturas, até pelo menos as eleições de outubro, Temer e seu general interventor conquistam capital político imenso.
Nazareno Tavares, assassinado em 1997
Moreira Franco é o homem central da operação envolvendo o crime porque tem vasta experiência nisso. Quando era governador, todos sabiam do relacionamento do governador com o professor de Educação Física Nazareno Barbosa Tavares, seu personal trainner, um cara boa praça, que organizou e comandou um dos sequestros mais espetaculares da história, o do empresário Roberto Medina, dono do Rock in Rio. O crime aconteceu em junho de 1990.
OK, todo mundo pode-se enganar –ainda mais com um personal simpático… Só que Moreira Franco, ao suceder Leonel Brizola, seu arqui-inimigo, no governo do Rio, assumiu dizendo que em seis meses acabaria com a violência no Rio. Primeira providência: colocar o Comando Vermelho dentro do Palácio do Governo. AHAHAH!
Incrível como toda a imprensa resolveu esquecer disso agora, na cobertura da intervenção militar no Rio.
Mas o caso fica pior ainda.
Presos os sequestradores de Medina (Nazareno foi condenado a 10 anos, dois meses e 12 dias de detenção), depois do pagamento de um resgate de mais de 3 milhões de dólares (nunca se explicou direito aonde foi parar a quantia fabulosa, que saiu diretamente do Banco Central), revelou-se uma trama sinistra…
Além do personal trainner de Moreira Franco, também estavam implicados no sequestro Miguelão (Miguel Jorge, segurança de Moreira Franco e de Rubem Medina, irmão do sequestrado), e Carlinhos Gordo. Todos silenciados….
Azar do Nazareno. Foi só declarar que pretendia escrever um livro contando o que sabia sobre o envolvimento de políticos e empresários em negócios ilícitos, e ele foi assassinado –queima de arquivo, suspeita-se. Corria o ano de 1997.
O crime aconteceu às 7h, num posto de gasolina na zona oeste do Rio. A vítima cumpria a pena no presídio Plácido de Sá Carvalho (Bangu, zona oeste) e trabalhava durante o dia dando aulas de natação em uma academia.
Nazareno tinha acabado de abastecer o carro e esperava o frentista lavar o pára-brisas, quando dois homens em uma moto pararam ao seu lado. Dois tiros –um na nuca. Coisa de profissionais.
Nazareno e o ditador Figueiredo, em foto no JB
Nazareno gostava de palácios. Antes do sequestro, entre 1982 e 1985, era visto correndo na orla do Rio em companhia do último ditador militar do Brasil, João Baptista Figueiredo, de quem era instrutor de educação física. As praias do Recreio dos Bandeirantes e do Pepino (na zona Sul) eram as preferidas da dupla. Frequentava a casa carioca de Figueiredo, na Gávea Pequena, a mansão particular de um amigo, no Recreio, e a Granja do Torto, em Brasília.
Da infância pobre em Benfica (na zona norte do Rio), Nazareno quis se esquecer: foi morar numa cobertura no Leblon! (pausa para rirmos dos bolsominions que acreditam que na Ditadura não havia corrupção: AHAHAHAH!).
O personal bonitão aparecia em fotos de jornais, e começou amizades dentro do partido dos puxa-sacos do regime, o PDS. Na época, é claro, o gato angorá Moreira Franco era do PDS, depois de ter traído o MDB pelo qual se elegera deputado federal em 1974 e prefeito de Niterói em 1976. Filiou-se ao PDS em 1980 e só voltou ao PMDB em 1986, para disputar o governo do Rio de Janeiro contra Leonel Brizola, do PDT. Na ocasião, recebeu o apoio inestimável da Rede Globo para tentar fraudar a vontade popular, no que ficou conhecido como Escândalo Proconsult, (mas isso é outra história!).
A Ditadura já tendo acabado, o gato angorá tinha mesmo de mudar de colo, mesmo trajeto feito pelo irmão dele, Nélson Franco. Nazareno não se apertou e foi trabalhar como assessor de Nélson Franco, que foi secretário da Habitação e Ação Social de Moreira Franco, a poucos metros do gabinete do governador. Chegou a ser nomeado para o cargo de auxiliar técnico no Tribunal de Contas do Estado. Desplante total porque, repita-se, era líder do Comando Vermelho.
Quando Nazareno foi detido, seu advogado, Wilson Siston, tentou convocar Moreira Franco, o irmão e um ladrão de carros chamado José Carlos de Carvalho, o “Carlinhos Gordo”, para depor.
A juíza Denise Rolins Faria indeferiu o pedido, alegando que se tratava de “pura especulação”. Segundo o “Jornal do Brasil”, Wilson sustentava que o depoimento de Carlinhos iria explicar “as ligações com Nazareno e mostrar que ambos frequentavam o Palácio Guanabara, tendo o ladrão de carros conseguido entrar na folha de pagamento do Estado”.
Ah, só pra constar, Carlinhos Gordo não mais foi visto neste mundo.
Em setembro de 1988, Nazareno já tinha sido detido por porte ilegal de arma e suspeita de roubo de um carro Chevrolet Monza, então um carro de bacana. Mas pagou fiança e foi liberado. No mesmo ano, ele se envolveu com o traficante Bolado. À polícia, Nazareno disse que o grupo dos sequestradores de Medina foi recrutado pelo chefão do Comando Vermelho conhecido como “Japonês” (Francisco Viriato de Oliveira), que estava trancafiado na penitenciária de segurança máxima Bangu I.
Como o chefão do crime comandava o crime de dentro da cadeia? Tem de perguntar de novo pro Moreira Franco.
O “Jornal do Brasil” de 17 de junho de 1990 explica que Nazareno, contratado pela campanha de Moreira Franco, foi o responsável pela arregimentação do voto dos familiares e amigos de presidiários, além dos comandados nos morros cariocas. “A líderes da organização criminosa Falange Vermelha [a organização que deu origem ao Comando Vermelho] no Complexo Penitenciário Frei Caneca (Centro), prometeu vida boa para os presidiários, caso Moreira Franco vencesse a eleição.”
Como epílogo dessa história, segue a forma como Miguelão (Miguel Jorge) também foi assassinado: a tiros, na porta de sua casa, a poucos dias de se apresentar à Justiça para falar do sequestro de Roberto Medina. Miguelão, vamos lembrar, tinha sido segurança de Moreira Franco e do deputado federal Rubem Medina, irmão de Roberto Medina. O “Jornal do Brasil” assim registrou o enterro de Miguelão:
“Cerca de 300 pessoas compareceram ao enterro no Cemitério do Pechincha, em Jacarepaguá, marcado por tensão e revolta. (…) Parentes e amigos –que não se identificaram—acusaram o governador Moreira Franco de ter sido o mandante do assassinato”.
É este o idealizador da intervenção militar no Rio. Ele é parceiro da rede Globo. Você confia neste homem?
Quando o assunto é “apropriação cultural”, algumas pessoas perguntam: “Branco pode usar turbante?”. Este texto não pretende se resumir a responder esta pergunta, ou discorrer sobre o que seria ou não apropriação cultural. Antes de formular a questão “se negros e negras podem usar turbante”, que me parece mais adequada, eu preciso perguntar a vocês, leitoras e leitores: Dandara Tonantzin tem direito a usar turbante e, mais importante ainda, buscar justiça?
OS FATOS
Foi no dia 22 de abril, deste ano, que o Brasil foi descoberto, mais uma vez, em sua face racista. Descoberto não no sentido de conhecer algo novo, mas de tirar a manta racista que encobre o nosso país. Se na “descoberta” de 1500 teve início um ataque atroz contra as vidas e ancestralidades indígenas, em 2017, atacou-se uma jovem mulher que reivindica a cultura e indumentária de sua ancestralidade africana. A conexão entre 1500 e 2017 está imbrincada em mais de cinco séculos de supremacia racista.
Dandara Tonantzin foi “descoberta” pelos “homens brancos” no “PALÁCIO DE CRISTAL”, local de festas onde se demonstrou, apesar do nome burlesco do local, que o racismo não é um conto de fadas criado para assustar jovens e crianças negras. Dandara, que estava na festa, naquele dia 22 de abril, não conhece ilusões, mas somente fatos. Infelizmente, trataremos de um fato cruel.
Conforme depoimento à polícia, Dandara, que fazia filmagens na dita festa, fora abordada de forma desrespeitosa e racista por um homem que parecia incomodado pela cor que ela tem e o turbante que ela usava na cabeça (até agora não falei sobre fenótipo, mas é possível auferir quem é a pessoa negra e a pessoa racista). Diante da rejeição inicial à provocação que praticava, este mesmo sujeito, desconhecido por Dandara, teria chegado com outro rapaz. Os homens começaram um festim racista que logo atraiu outras pessoas. Dandara não mais vista como mulher que é, se tornou para eles o “objeto” de sádica algazarra. Quando se viu, Dandara estava no meio de cerca de cinco homens, que teriam lhe insultado, jogado cerveja e arrancado seu turbante.
Em tempos de exaltação da “zoeira”, leitores e leitoras, poderia Dandara ter se sentido ofendida? Teria ela o direito de reclamar de jovens que estavam naquela festa para “comemoração” e “diversão”? Sigamos com os fatos.
Incapaz de fazer justiça com as próprias mãos, por superioridade moral e inferioridade numérica, buscou o auxílio dos seguranças do “Palácio” que, após identificarem alguns dos agressores, os retiraram da festa. Um deles teria tentado argumentar, mas a quantidade álcool era grande demais para sequer formular alguma frase coerente (o que é paradoxal, pois não há nada de coerente na própria ideologia racista).
Era para ser o fim…
Dandara foi ao banheiro, provavelmente para se limpar da cerveja que secara em seu corpo deixando aquela sensação desconfortável. Lavaria o rosto e voltaria de cara limpa, um pouco mais calma, talvez. Não há mal em fazer isto e, mais uma vez pergunto, ela tinha o direito de fazer isto, certo?!
Chegando lá, sem que mal tivesse feito a ninguém, foi assediada moralmente pelas namoradas dos rapazes que foram expulsos do Palácio. Um novo cortejo se formou, em que Dandara ouvia insultos e ameaças de espancamento, além de mais cerveja jogada em seu corpo. (Este negócio da cerveja, não sei pra vocês, me parece mais uma forma de comemorar a vitória do racismo sobre a razão, tal qual paródia grotesca do champanhe na Fórmula 1).
Eis que no máximo possível de sua razão, um homem teria gritado que não se deveria jogar cerveja, quando deveriam jogar fezes (merda/cocô). Não sabia ele, que as palavras dirigidas contra Dandara teriam igual função? “Joga pedra” na Dandara; “Joga bosta” na Dandara; Dandara é “feita pra apanhar” e “é boa de cuspir”. A realidade não tem poesia, e a música parece mais assustadora quando Dandara foi posta como Geni.
Não vá embora, vai começar o julgamento.
A JUSTIÇA?
No dia seguinte, 23 de abril de 2017, Dandara buscou a polícia, como cidadãos “de bem tementes à lei” fazem, para que fosse lavrado Boletim de Ocorrência, primeiro passo para abertura de processo criminal.
Em 28 de abril, foi feito termo de declaração, onde mais uma vez, sem apresentar contradição, narrou mais uma vez os fatos. O segurança Silvano Tomaz da Silva também compareceu e, diante dos “homens da lei”, teria confirmado os acontecimentos relatados por Dandara.
No dia 03 de maio, um dos agressores compareceu, colocando seus comparsas e a si mesmo como vítima das maquinações de Dandara. O que fora descoberto no dia 22, tentou velar no dia 3. Outros depoimentos se seguiram. Substituiu-se os fatos pela fantasia. Eis aí o conto de fadas: o rei está nu, e até as vísceras de seu racismo poderiam ser vistas por quem quisesse ver.
Mas de fato quase ninguém quis…
Aos 14 de junho, Frederico e Thiago foram indiciados por incorrerem no crime previsto no artigo 140, § 3º, do Código Penal, a tão conhecida “injúria racial”. Nenhuma outra pessoa foi indiciada, restando no máximo a condição de testemunha (de defesa… dos racistas!).
Já no dia 14 de agosto, o Ministério Público de Minas Gerais, “representante do interesse público”, “fiscal da lei”, opinou pelo arquivamento do caso, que no dia 13 de setembro foi acolhido pelo juiz Dimas Borges de Paula.
Eis os nomes do impunes:
Frederico, Thiago, Bárbara, Bruna e Gustavo ficaram livres e, de fato, não apresentam nenhum perigo para você*.
O TURBANTE
Foto Letícia França | Jornalistas Livres
Que a turba daqueles que me perguntam saiba:
Branco pode usar turbante por um simples fato: numa sociedade racista, brancos podem tudo. Podem ser pessoas incríveis que refletem sobre sua própria condição numa sociedade racista ou podem cometer crimes e ficarem impunes, tais quais as pessoas no caso relatado.
Mas eu te pergunto:
Uma pessoa negra tem direito a usar turbante ou qualquer outra indumentária sem ser vilipendiada em sua dignidade?
E a jovem Dandara Tonantzin, pode usar turbante, ser livre, respeitada e ter acesso à Justiça quando algum direito lhe for negado?