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Categoria: Movimentos Sociais

  • Durmam de Botina: A história de um acampamento Sem Terra no Paraná

    Durmam de Botina: A história de um acampamento Sem Terra no Paraná

    A história de um acampamento Sem Terra no Paraná

    ‘Durmam de botina’ foi a senha na tarde daquela quinta-feira, no dia 17 de julho, há um ano, no Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio. Feito na divisa entre o Assentamento Ireno Alves e as terras de uma grande madeireira nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu, na região centro-sul do estado do Paraná.

    O clima no acampamento se transformou. Uma mistura de ansiedade, medo, tensão e felicidade. Aquelas famílias já estavam por ali há mais de 60 dias. A ocupação era aguardada. A hora se avizinhava. “Vamos para a nossa terra, terra pra produzir comida”, falavam. Homens, mulheres, crianças, jovens e idosos todos com um só objetivo: a conquista.

    A movimentação no acampamento, àquela altura com mais de 2mil “cadastros” — cerca de 5mil pessoas — , aumentou. Sacolas, malas, fogões, ferramentas, tudo sendo empacotado e carregado. Carros velhos, caminhões, tratores, kombis, motocicletas… Organizados, em menos de três horas tudo estava pronto. Uma fila de carros se formou, o trânsito no acampamento ficou complicado.

    Todos estavam prontos. Todos queriam a terra, a tão sonhada terra.

    Afinal, o MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra só existe por causa da terra. Lutar pela terra, fazer a reforma agrária e transformar a sociedade, eis os pilares do Movimento.

    Eram 18h quando, a qualquer momento, aquele mundão de gente marcharia para a conquista do chão para produzir. Mas não foi às 18h. Nem às 19h, nem às 20h. Somente a meia noite veio a orientação para a coluna avançar. E lá se foram os Sem Terra, ocupar e resistir, para produzir. A ocupação ocorreu de forma rápida, não houve resistência. O único imprevisto foi um temporal que encharcou tudo. Mas apesar do aguaceiro, na manhã seguinte já se via os barracos sendo levantados e as roupas, os colchões e cobertores secando ao sol que brilhava.

    O Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio tem uma característica peculiar: muitos dos acampados são filhos de assentados da região. Região essa que tem um longo histórico no que diz respeito à luta agrária. Foi ali, que na década de 90 o MST realizou a maior ocupação da sua história. Em 1996, mais de 3.340 famílias ocuparam a antiga fazenda Giacomet-Marodin e conquistaram o maior conjunto de assentamentos da América Latina. Em 2014 a ocupação foi na Fazenda Rio das Cobras, em terras da mesma empresa, que hoje atende pelo nome de Araupel. Os Sem Terra denunciam que as atuais terras da empresa tem um histórico de apropriação ilegal e grilagem.

    Um ano de resistência

    Apesar da intensa campanha difamatória realizada pela empresa Araupel para deslegitimar os Sem Terra, os camponeses resistem. Hoje, o acampamento está organizado com 2500 famílias, cerca de 7 mil pessoas. Já recuperaram variedades de sementes crioulas e utilizam sistemas de controle biológico.

    Cultivam, coletivamente, 200 hectares de terra. Produzem de forma agroecológica uma imensidão de frutas e verduras. Hortaliças, mandioca, feijão, arroz, abóbora, milho. Criam galinhas, porcos e algumas cabeças de gado. A maior parte da produção é para consumo próprio, mas já se comercializa uma pequena quantidade em feira livre no município de Rio Bonito do Iguaçu.

    Dimas da Silva Lemes, 68 anos e uma energia de criança, responsável por uma horta comunitária que produz “tudo de época”, e “não tem veneno, é orgânico, é tudo limpinho”, afirma que está na luta por um pedaço de terra pois, quando trabalhava na cidade, queria que quando se aposentasse “fosse para um lugar pacato”.

    “eu e minha mulher estamos na luta. Se não for agora, logo teremos
    nos tantinho para produzir”.

    Dimas também é voluntário na cozinha da Escola Itinerante do acampamento. “Em breve vou começar a ensinar a criançada a plantar e cuidar da horta da escola. Hoje a gente vai no mercado e não sabe o que está comprando nem comendo. Aprendendo a plantar e cuidar, a criançada vai saber a importância de produzir sem venenos”.

    A educação

    A Escola Itinerante do acampamento atende 560 alunos da educação infantil, ensino médio e ainda turmas de EJA fase I, II e III. Segundo Juliana Cristina de Mello, acampada e educadora, a Escola Itinerante tem características próprias.

    “A educação no acampamento é diferente, a forma de se abordar a questão do conhecimento é sempre buscando despertar o senso crítico no sujeito. A forma de tomada de decisões da escola, conta com a participação da comunidade e dos educandos”, comenta.

    Uma das dificuldades apontadas por Juliana é a rotatividade dos professores da rede estadual que trabalham no acampamento. “Temos alguns professores que estão acampados, com esses conseguimos construir essa forma de educar diferenciada.

    Juliana Ribas, Sem-terrinha.
    Mas a maioria são professores que não conhecem a nossa pedagogia e também não sabemos até quando darão aulas por aqui. Não dão conta de assumir compromisso com a proposta pedagógica. Por isso defendemos que o professor possa ter 40 horas fechadas em uma única escola”.

    Juliana Ribas, sem-terrinha, 12 anos, lembra que a escola itinerante levou dois meses para ser instalada. “Antes da itinerante funcionar aqui no acampamento era complicado para estudar. Tinha um ônibus que levava a gente lá na escola do assentamento Marcos Freire, mas sempre ficava gente pra trás, não cabia todo mundo”.

    “..Atualmente, com a escola funcionando no acampamento, Juliana não perde mais aulas. “Agora não perdemos mais aulas, a nossa escola funciona em ciclos de formação humana, trabalhamos com as porções da realidade e fica melhor para aprender porque é de acordo como o que a gente vive, de acordo com a nossa realidade, é a pedagogia do MST”.

    Mesmo assim, a sem-terrinha se preocupa com o futuro da educação. “Eu estou com medo de quando a gente for para o lote mudar toda essa realidade. Aqui a gente está perto de todo mundo. Nosso acampamento está bem estruturado. Tem a rádio poste que a gente usa para informar as pessoas, quando tem alguma urgência. Tem o mercado, a panificadora, a borracharia”, comenta.

    Perguntada se sabia o que gostaria de “ser quando crescer”: “Antes eu sabia. Eu queria ser policial. Mas de acordo com a minha realidade agora, essa profissão não serve mais. Veja, nem todos os policiais são assim mas muitos dizem que sem-terra não presta, que está invadindo as terras. Os sem terra estão ocupando. Essas terras aqui são griladas, foram tomadas a força. Isso não é justo”.

    Sobre a Reforma Agrária, Juliana explica que as terras griladas da Araupel servem só para monocultivo de madeira. “O povo que está aqui quer terra para se manter, plantar arroz, feijão, alimento saudável. O monocultivo gera pouco emprego e a renda é só para um e nem sempre fica no país, manda lá para fora. Quando a gente chegou aqui, não existia nem formiga nestas terras, de tanto veneno que era passado aqui”.

    Ainda indagada sobre a dificuldade para se fazer a distribuição de terra, Juliana aponta a corrupção como responsável. “

    O burguês lá de cima, sabe que a vida não é fácil para o pobre, que é preciso distribuir a terra. Aí vai lá e paga para a rádio, paga para o político dizer que a terra não é grilada, que não é da União. Ele ganha milhões e acha que pode comprar tudo. Ele quer que seja tudo dele, para fazer monocultura”.

    Um novo momento da luta pela terra

    Antônio de Miranda, da direção nacional do MST, aponta um bom momento da luta pela terra. “O MST vem fazendo uma intensificação da luta. Temos vários focos de ocupação. Em Goiás, no Mato Grosso do Sul, e aqui no Paraná temos uma boa perspectiva, uma análise que seja possível, ainda neste ano, sair o processo para constituirmos o assentamento”, comenta.

    Miranda também aponta que, de acordo com o planejamento que já vem sendo feito com as famílias, o futuro assentamento terá uma forma de sociabilização diferente. “Planejamos um assentamento menos “quadrado”, com os lotes mais próximos. No que diz respeito a produção, será agroecológica, saudável. “Também temos algumas famílias debatendo a produção de leite, grãos e frutas”.

    Indagado sobre o lançamento do Plano Agrícola e Pecuário 2015/16, com R$ 180 bilhões, 20% a mais que o ano passado, Miranda lamentou. “Lamentável o volume de recurso que vai para o agronegócio. Lamentável a prioridade que o governo dá para a agricultura que tem a produção voltada para as commodities de exportação, principalmente soja e milho”.

    Para a agricultura familiar, que também teve um acréscimo de 20% nos recursos, totalizando R$ 28,9 bilhões, Miranda comenta que esse volume não corresponde a quantidade de famílias produzindo no campo. “Se todas as famílias acessassem o recurso faltaria dinheiro. Do jeito que está, o Pronaf é excludente, contempla não mais que 80 mil famílias. O volume de recurso não é a questão e sim a forma de se ter acesso ao recurso. Sobre o Plano da Reforma Agrária que vem aí, esperamos que seja para a conquista de áreas. Não dá para o governo ficar no discurso de melhorias dos assentamentos. No último período, o MST e outros movimentos que lutam pela terra não obtiveram conquistas de áreas, novos assentamentos. O que houve foi regularização fundiária e não desapropriação para assentar novas famílias. E o reflexo disso a gente percebe no preço dos alimentos. A agricultura familiar não está produzindo. Se investe na agricultura para exportar e o alimento precisa ser importado, com isso os preços sobem. Precisamos de mais áreas e de recursos desburocratizados para produzirmos alimentos saudáveis”, finalizou.

    Juventude sem terra

    Característica peculiar do Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio foi a construção, desde a massificação, por jovens, em especial filhos de assentados. Wellington Lenon, acampado e do setor de comunicação do MST, explica que um coletivo de jovens, desde a época do acampamento base se mobilizava junto às famílias dos assentamentos da região para o debate e construção da ocupação. Essa foi a primeira tarefa da juventude. “O papel da juventude foi de mobilizar e organizar a própria juventude para ocupar.

    Agora, depois de um ano, essa mesma juventude vem discutindo as estratégias para a resistência na área e a inserção destes jovens ocorre em todas as instâncias do acampamento. Desde a coordenação, passando pelos setores. Temos um coletivo pensando a questão da renda, escrevendo projetos, participando de editais. Temos um coletivo que organiza a cultura e a comunicação. Outro grupo já inicia os debates sobre a agroecologia. Tem muito jovem do acampamento fazendo os cursos que o MST oferece de agroecologia, agronomia. A Juventude tem um papel permanente aqui no acampamento”.

    Lenon explica ainda que se debate com profundidade a questão da permanência da juventude no campo. “Sempre abordamos o tema do êxodo da juventude que conquista o assentamento e as vezes é induzida pelas indústrias ou pela própria mídia a deixar o campo. Fazemos essa reflexão de que precisamos garantir a nossa permanência e com isso construir as demandas para que essa permanência se efetive. Que assentamento queremos. Queremos esporte, lazer, cultura, comunicação. A juventude do campo precisa de acesso. Garantir, principalmente, o acesso a educação de qualidade. Para permanecermos no campo, mas não só para trabalhar na roça. Para permanecermos no campo com formação. Com saúde, médicos, assistência técnica. Precisamos garantir nossos direitos. Por que não podemos ter um teatro ou um cinema no assentamento? É um direito da juventude”.

     

     

  • Eduardo Cunha e os Ditadores em Miniatura: Não é só a Maioridade Penal

    Eduardo Cunha e os Ditadores em Miniatura: Não é só a Maioridade Penal

     

    Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

    “A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa” (Constituição Federal, Artigo 60, parágrafo 5)

    Mesmo que você seja favorável à redução da maioridade penal (não acho que todo mundo que defenda essa ideia seja um “fascista” ou um “sacana que quer matar as crianças brasileiras”), deveria estar preocupado com o que aconteceu na Câmara do Deputados neste dia primeiro de julho, sob a presidência de Eduardo Cunha.

    O Brasil levou tempo para construir uma ordem democrática. Os mais velhos talvez se lembrem de Ulysses Guimarães (PMDB) presidindo a Assembleia Constituinte. Ouvia todo mundo, jamais atropelava a minoria, conduzia o processo como um árbitro. Eduardo Cunha é de outra estirpe. É venenoso, ardiloso, bilioso, nefasto para a Democracia.

    Com o projeto de redução da maioridade derrotado na véspera por cinco votos, Cunha decidiu atropelar a Constituição e colocar a mesma matéria em votação — pela segunda vez. Não se sabe que tipo de pressões ocorreram nos bastidores. O que sabemos é que Cunha deu um golpe, virou 15 ou 20 votos — e conseguiu o que queria (ao fim desse post, transcrevo um texto que traz explicação simples sobre a gravidade do que fez Eduardo Cunha).

    O mais chocante é que o nefasto Cunha tenha recebido o suporte do PSDB (partido que já foi de Montoro e Covas, mas que hoje é o PSDB do coronel Telhada e dos tresloucados Aécio e Carlos Sampaio) para atacar a Constituição.

    “Os tucanos, por grosseiro cálculo político (“ah, o PT é contra a redução da maioridade, então vamos derrotar o PT”), embarcaram na aventura. Sem perceber que o veneno que ajudaram a inocular no sistema político vai atingir todas as instituições.”

    Lembro sempre de Carlos Lacerda, o golpista da UDN que durante mais de dez anos adotou a tática do vale-tudo contra o trabalhismo, contra Vargas e Jango. Em 64, Lacerda alinhou-se com os militares golpistas acreditando que (afastados os trabalhistas do poder) logo se daria nova eleição — em que ele, Lacerda, seria o vitorioso. Não. Lacerda deu o golpe, inoculou o veneno do golpismo no Brasil, e depois também virou vítima da ditadura que lhe cassou os direitos políticos.

    O PSDB vai pelo mesmo caminho…

    Existem duas maneiras de atentar contra a Democracia. Uma é botar tanques e tropas nas ruas. Foi o que se fez em 1964. Outra é solapar lentamente a ordem democrática. No Brasil de 2015, assistimos a essa segunda modalidade de golpe. É o que se chama de golpe em câmera lenta.

    Vejamos…

    1 — Sob a direção da Globo, setores do Judiciário agem à revelia da lei. O juiz deixa de ser um intérprete da lei, e passa a pré-julgar: já tem o roteiro montado, e usa todas as ferramentas (delações, chantagem e prisões arbitrárias) para obter as “provas” que endossem sua tese. Anti-petistas e obtusos em geral aplaudem: “Ah, tudo bem, o que vale é botar esses vagabundos na cadeia”.

    Só que um dia, tudo isso pode-se virar contra qualquer cidadão comum. Um juiz sem limite é um ditador em miniatura. E já temos um deles em ação, em Curitiba.

    2 — A polícia atira, mata, executa. E muita gente aplaude, sob incentivo criminoso de certos jornalistas: “Ah, tudo bem, são vagabundos que merecem morrer”.

    Só que um dia esse “vagabundo” pode ser um filho seu, um amigo, um cidadão qualquer. A polícia não pode julgar e executar. Quem aceita isso aceita a barbárie e o rompimento da ordem democrática. Temos centenas de ditadores em miniatura nas ruas, armados e incentivados a matar pela histeria midiática do medo.

    3 — O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, atropela as regras e a Constituição. E de novos há aplausos: “Ah, tudo bem, essa esquerdalha que defende bandido precisa ser derrotada mesmo, danem-se as regras”.

    “Só que depois que o cristal se rompe, não colamos mais os cacos.”

    Eduardo Cunha, outro ditador em miniatura, quebrou o cristal da institucionalidade democrática. Se o Senado e/ou o Supremo Tribunal Federal não colocarem um basta a esse processo, o golpe terá caminhado mais alguns passos.

    O incrível é que a chefe do poder Executivo, eleita com 54 milhões de votos, não enfrente o golpe abertamente. E não o faz porque errou de forma absurda na política. Eleita pela esquerda, começou governando pela direita, e hoje afunda em 10% de ótimo/bom — segundo as pesquisas.

    Em 1964, a direita precisou botar tanques nas ruas para destituir um governo que era popular, que tinha levado milhares às ruas no Comício da Central, um governo que encaminhara propostas de Reformas de Base. Ainda assim, houve pouca resistência ao golpe.

    No Brasil de 2015, Dilma perdeu apoios, perdeu base popular. O golpe em câmera lenta não precisará de tanques e tropas para se consolidar. Ele vai avançando — passo a passo.

    “O final dessa escalada depende da capacidade de resistência da esquerda, dos movimentos sociais e do centro democrático, mas depende muito mais das contradições que existem do lado conservador.”

    Alckmin e o PSDB paulista querem que o governo permaneça fraco — de olho em 2018. Cunha também prefere o governo fraco. A derrubada de Dilma (último estágio do golpe em câmera lenta) hoje interessa só aos tresloucados de direita e a Aécio.

    Relembremos: se a presidente e o vice caem na primeira metade do mandato, há novas eleições diretas (e Aécio hoje lidera as pesquisas, até pelo “recall” de 2014). Mas se o impeachment ocorre na segunda metade do mandato (ou seja, a partir de janeiro de 2017), aí acontece eleição indireta pelo Congresso: um mandato-tampão até 2018.

    Cunha, o ditador em miniatura, é hoje quem decide a hora de consolidar o lento golpe. Ele é quem decide se abre ou não processos de impeachment.

    Minha aposta: o peemedebista vai avançar em sua agenda conservadora, chantageando o executivo, deixando Dilma e o PT em frangalhos. A hora do impeachment, se depender de Cunha, será entre fins de 2016 e início de 2017. Com a economia no chão, o governo sem base social, o PT derrotado nas eleições municipais: aí, será tirar doce da boca de criança. O ditador em miniatura acerta-se então com os tucanos, e vira presidente num mandato-tampão.

    O PSDB vai sonhar com a vitória nas urnas em 2018, nesse obscuro acerto conservador? Esse, parece-me, é o roteiro da direita. Os tucanos pensam em usar Cunha. Mas há razoes para acreditar que Cunha sairá mais forte que os tucanos em 2018, com uma agenda abertamente de direita.

    Nem todas as cartas estão jogadas. A cada vez que avança no golpe em câmera lenta, Cunha também gera contradições e arestas.

    De toda forma, a situação é tão ou mais grave do que a vivida entre 1961 e 1964. Não nos resta outra alternativa, a não ser resistir. Dialogando com setores de centro (inclusive no PSDB) que precisam entender os riscos dessa aventura.

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    por Yuri Carajelescov*, no Facebook

    Sobre a mais recente manobra de Eduardo Cunha…

    Diz a Constituição Federal que a matéria constante de proposta de emenda constitucional rejeitada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa [artigo 60, parágrafo 5].

    Notem: a “matéria” não pode ser objeto de nova proposta.

    Logo, a matéria “redução da idade de responsabilização criminal” não pode, por ofensa ao devido processo constitucional de emendar a CF, que se constitui em super-cláusula ou limitação formal ao poder constituinte derivado, ser objeto de nova deliberação nesta noite, mas somente no próximo ano legislativo.

    Firulas de redação legislativa, excluindo um ou outro termo presente na proposta rejeitada ontem, são meros jogos de palavras que não mudam essa realidade.

    Ao contrário, tornam ainda mais evidente a intenção ladina de se burlar a lei constitucional.

    Se isso ocorrer, caberá ao STF declarar a medida inconstitucional, mesmo sem examinar o mérito da proposição.

    Sempre é bom lembrar que no estado de direito os meios e processos validam os fins e não o contrário. E o respeito às regras do jogo constitui-se elemento essencial à vida democrática.

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    • Yuri Carajelescov é advogado e professor da FGV/SP

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  • Diversidade presente nas ocupações

    Diversidade presente nas ocupações

     

    Sexta-feira, 22 de maio: uma vez mais, acompanhamos o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) em uma ocupação de terra, desta vez em Mauá, cidade região do ABC, na Grande São Paulo. Eram aproximadamente 350 pessoas em busca de seu sonho da casa própria. Cinco ônibus e 12 carros, em comboio, seguiram em direção a um terreno de 300 mil metros quadrados localizado no Jardim Oratório.

    Foto: Mídia NINJA

    No local, a sensação era de alegria e satisfação, ao vermos tantas pessoas lutando por uma moradia digna — mesmo que para isso precisassem dormir dentro de um barraco feito de lona e bambu. Ao andar pelas barracas, encontramos um grupo de LGBT, tod@s felizes às 4 horas da manhã e sob um frio de congelar ossos.

    Rakelin Delivery, uma mulher cativante de sorriso aberto, conta que conheceu o movimento no coletivo Dandara, de Hortolândia (SP), cidade próxima a Campinas. Naquele momento, resolveu lutar pela casa própria. Já conseguiu o auxílio aluguel no Pinheirinho do ABC, em Santo André, mas estava acordada naquela madrugada para apoiar seus companheiros em luta.

    Foto: Felipe Paiva / R.U.A Foto Coletivo

    Ela conta que veio da Bahia, morou na casa de amigos, sentia-se reprimida, mas, através do MTST, agora se sente feliz e integrada à sociedade. “Quando você mora de favor, você dorme a hora que o dono da casa quer, come o que querem que você coma. Hoje na minha ocupação tenho minha casinha”, diz, quando perguntamos como é ser trans dentro da ocupação?

    São cerca de quinze pessoas as assumidas LGBT na ocupação. Elas se colocam como base. Estão lá para ajudar @s companheir@s que lutam por suas casas, para que el@s não desistam. Estão lá para ajudar as meninas a se arrumarem.

    Raquilane Rios, cabeleireira, 27 anos, avalia que dentro do movimento não existe nenhum preconceito contra elas. “O movimento abre um leque muito grande de oportunidade de sermos gente”.

    Nas ocupações do MTST participam muitos travestis, homossexuais, lésbicas e gays “que, por não ter uma moradia digna, precisam morar nas casas de pessoas de favor, precisam pagar cafetinas e diárias, mas o MTST em si têm nos dado essa oportunidade de termos uma moradia digna, uma moradia própria”, avalia Raquilane.

    Foto: Mídia NINJA

    Ela explica que as travestis passam por uma espécie de “preconceito de moradia”. Para alugar uma casa, a dificuldade é enorme: “O dono quer saber da sua vida inteira, da sua ficha de nascimento até morrer. Mas o MTST, não! Nós chegamos eles nos dão nosso espaço, dizem para montarmos o nosso barraco, nos dão um apoio legal, nos ajudam, nos incentivam a ser gente, a entrar na sociedade. Hoje eu sou gente de verdade como qualquer outra pessoa”.

    A alegria entre tod@s ali é contagiante. Daniela é drag queen, trabalha como cabeleireira, cresceu dentro da ocupação. Diz que nunca sentiu nenhum tipo de preconceito dentro do movimento e que já teve oportunidade de fazer um evento de drags dentro da ocupação. Mostra fotos suas como mulher. Digo a ela que preciso aprender a me maquiar, afinal sou uma negação.

    Nisso chega Ana Caroline, 24 anos, sua esposa. “Dentro do acampamento é mais fácil do que na sociedade, eles me aceitam como eu sou, no MTST não tem preconceito nenhum”, diz. Ana faz parte do movimento há mais de 3 anos e já conseguiu sua moradia. Nessa noite, estava acompanhando a família e apoiando os companheiros.

    Junt@s estavam construindo um barraco que iria abrigar a tod@s. El@s conversam conosco felizes, posam para nossas fotos entusiasmad@s. É lindo quando nos falam que estão à disposição do movimento, estão lá para lutar, que podem chegar a algum lugar, pois o MTST não @s deixa de lado, e que a sociedade pode não aceitar a sua orientação sexual, mas que precisam aceitá-l@s como gente.

    Fiquei mais apaixonada pela luta do MTST, pelo comprometimento com a sociedade. A luta é por uma moradia digna para tod@s, sejam homens, mulheres, lésbicas, homossexuais, trans, crianças, idosos. A diversidade está presente e é aceita nas ocupações como teria de ser em qualquer lugar.

     

  • Padre e pastor lavam os pés da travesti que se crucificou

    Padre e pastor lavam os pés da travesti que se crucificou

     

    Em alusão à cerimônia sagrada de lavar os pés, em que Jesus purificou os apóstolos antes da Santa Ceia, líderes religiosos repetem o ato com a Viviany Belebone, que se crucificou na Parada do Orgulho LGBT de 2015

    O padre Júlio Lancelotti e o pastor evangélico da Igreja Batista José Barbosa Júnior lavaram os pés da travesti Viviany Belebone em sinal de humildade e como forma de pedir a ela desculpas pelas ameaças e ofensas que sofreu. Viviany se crucificou na Parada do orgulho LGBT de 2015, em ato que gerou polêmica por parte dos setores conservadores da sociedade.

    Sobre a atitude dos líderes religiosos, a transexual disse apenas: “Me sentindo abençoada”. A lavagem aconteceu na tarde deste sábado (27), em São Paulo.

     

     

  • Padre Julio Lancellotti: Olha o RAPA!

     

    A desumanidade do atendimento aos que vivem o drama de serem considerados indesejáveis

    Um assunto espinhoso e incômodo na cidade de São Paulo é o RAPA, nome dado à ação das sub-prefeituras, com a GCM (Guarda Civil Metropolitana), apoiada pela PM, retirando os pertences dos moradores de rua, verdadeiros refugiados urbanos que vivem pelas ruas da cidade de São Paulo.

    Segundo o censo de 2015, nas ruas de São Paulo e Centros de Acolhida há 15.900 pessoas em situação de rua — ao nosso ver, trata-se de registro bem abaixo do real . A quase totalidade dessas pessoas já sofreu a ação truculenta do RAPA .

    Os fiscais, guardas e PMs chegam em comboio e de armas nas mãos. Levam colchões, cobertores, roupas, alimentos, remédios, documentos, utensílios e tudo o que têm para sobreviver .

    O que afirmo é como testemunha ocular de muitas destas ações, que são realizadas por toda a cidade de maneira sistemática, contínua e permanente .

    A população de rua tratada com truculência vai acumulando sofrimento e revolta. Quando esboça reação é submetida pela força e criminalizada.

    Os agentes de pastoral e militantes de movimentos ou pessoas que, sensibilizadas, manifestam desacordo com as ações são intimidados. Os que fotografam ou filmam, ameaçados .

    Pelas redes sociais temos denunciado com fotos e depoimentos as ações de remoção e apropriação dos bens dos refugiados urbanos que vivem pelas ruas de São Paulo Paulo.

    Muitas vezes comunicamos de imediato à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e algumas vezes fazemos contato telefônico com o secretário Eduardo Suplicy, que ouve os lamentos e indignação dos atingidos pelo RAPA.

    A secretaria de Direitos Humanos está convocando uma reunião com a presença do prefeito e dos secretários envolvidos para tratarem do assunto , mas mais uma vez sem a presença dos que sofrem tal iniquidade .

    O sofrimento deste povo parece não ter fim. Já vi chutarem a comida, jogarem a água potável no chão, tirarem as cobertas mesmo no frio, deixarem as pessoas desabrigadas e ao relento.

    O prefeito não quer barracas, nem coberturas, nem colchões ou qualquer coisa que possa significar proteção.

    Os centros de acolhida não são suficientes, não há lugar para todos e nem para os grupos familiares. E não há, principalmente, respostas construídas com a participação dos que vivem o drama de serem considerados indesejáveis.

    Enfim, ações desumanas não constroem uma cidade mais humana, que mesmo, na sua complexidade, diversidade e pluralismo, não pode jogar no desalento os mais fracos e descartáveis de um sistema injusto e opressor.

     

  • Vivos los queremos!

    Vivos los queremos!

    Caravana de familiares dos 43 estudantes desaparecidos no México percorre América Latina para denunciar o terrorismo de Estado

    A mulher de mãos finas, rosto enrugado, traços indígenas, olhos cansados e tristes falou com uma voz tímida, quase inaudível, em um castelhano embaralhado e rápido, que ecoou pelos alto-falantes na quadra do Sindicato dos Bancários, na noite da última terça-feira, dia 2 de junho, em SP.

    “Vivos se los llevaron! Vivos los queremos!”

    Hilda Legideño Vargas, que segura o microfone e encara quase assustada a plateia de 300 pessoas à sua frente é a mãe de Jorge Antonio Tizapa Legideño, 20 anos, estudante normalista desaparecido há oito meses no México. Ela faz parte da Caravana 43 Ayotzinapa, que tem percorrido diversos países da América Latina para denunciar o massacre promovido pelo Estado do México. As ações violentas levaram a seis mortes e ao desaparecimento de 43 estudantes normalistas. Junto dela estão Mario César González Contreras e Hilda Hernández Rivera, pai e mãe de César Manuel González Hernández, também desaparecido, e o normalista Francisco Sánchez Nava, que além de primo de um desaparecido é também sobrevivente do massacre.

    Os familiares das vítimas foram recebidos pelas Mães de Maio, que também tiveram filhos assassinados pelo Estado, nesse caso, o brasileiro. Tanto a Caravana quanto as Mães de Maio formaram a mesa de debate no ato realizado na terça-feira. Os mexicanos ouviram as histórias das mães brasileiras que tiveram filhos mortos pela Polícia Militar em maio de 2006.

    Com a fala pausada de quem carrega a dor da ausência forçada do próprio filho, Hilda Vargas narrou sua história. “Jorge é um bom menino. O governo não pode praticar este terrorismo de Estado, sumir com nossos filhos e não apresentar quaisquer provas ou indícios de seu paradeiro.”

    Desaparecimento forçado

    Foto: Mídia NINJA

    Os garotos mexicanos são alunos da escola rural Raúl Isidro Burgos, de Ayotzinapa, cidade a cerca de 120 quilômetros de Iguala, uma região rural do país. Eles viajaram até Iguala para protestar por melhorias, verbas para a compra de materiais e investimentos nas escolas. Um ataque da polícia os surpreendeu na noite do dia 26 de setembro de 2014.

    Seis pessoas morreram, 25 ficaram feridas e 43 estudantes desapareceram.

    Testemunhas relataram à imprensa internacional que viram os estudantes normalistas serem conduzidos a força por policiais em suas viaturas para destinos desconhecidos. Depois, os jovens — quase todos com idades entre 18 e 21 anos — teriam sido fuzilados pelos policiais municipais e entregues ao cartel “Guerreros Unidos”. Aí é que começa o drama das famílias.

    Versão oficial

    Segundo o procurador-geral Jesús Murillo, as “provas científicas e periciais confirmam” que os 43 estudantes foram assassinados e incinerados em um depósito de lixo, no município de Cocula, por “membros do crime organizado”. O procurador afirmou à imprensa internacional que, a partir de 487 exames periciais e depoimentos de 99 pessoas detidas, teria ficado provado “de modo contundente”, que os jovens foram sequestrados, assassinados, incinerados e tiveram os restos mortais jogados no rio San Juan.

    Tomás Zerón, diretor-chefe da Agência de Investigações Criminais surgiu quatro meses após os desaparecimentos com uma suposta confissão de um pistoleiro, Felipe Rodríguez, conhecido como “El Cepillo”, que teria declarado autoria da chacina pelos “Guerreros Unidos”. Nessa versão, El Cepillo teria afirmado que os estudantes foram confundidos com membros de “Los Rojos”, bando rival dos Guerreros, e que por isso foram sequestrados e assassinados.

    Para os pais e familiares das vítimas, esta tem sido uma maneira do Estado do México encerrar o caso e deixá-lo cair no esquecimento. É um jeito de apagar a história.

    Em reação às declarações oficiais, a Caravana recorreu a peritos argentinos, que estão no México analisando as provas. Os primeiros resultados parecem ser insuficientes e inconclusivos. O caso tem sido tratado internacionalmente como crime de Estado e desaparecimento forçado.

    As Mães de Maio declararam apoio na busca da verdade contra o terrorismo de Estado. “Os governos globalizaram os crimes”, disse Francisco Sánchez Nava, o estudante normalista que sobreviveu ao massacre e que percorre a América Latina com a Caravana, após ouvir os relatos das Mães de Maio.

    “Nós temos que globalizar a resistência, globalizar a luta”.

    Esperança

    A Caravana 43 Sudamérica começou seu trajeto no dia 16 de maio e passou por sete cidades da Argentina e do Uruguai antes de chegar ao Brasil, onde terá atividades também no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. O ato segue os mesmos moldes de movimentações recentemente organizadas por familiares dos desaparecidos nos Estados Unidos, Canadá e em doze países da Europa.

    Após a morte dos estudantes, milhões de pessoas foram às ruas do México vestidos de preto — Foto: Mídia NINJA

    Os pais Mario César González Contreras e Hilda Hernández Rivera dizem que a esperança de encontrar seu filho com vida são renovadas a cada cidade em chegam. “Apesar de vermos que atos criminosos como esse são praticados pelos governos de todos os países da América Latina, apesar de sabermos que as relações diplomáticas entre os países nos impedem de conseguir apoio das autoridades, atos como os dos movimentos sociais são o que renovam as nossas esperanças”, disse.

    “Como poderíamos perder a esperança de encontrar aqueles a quem amamos? E de lutar por justiça? Há muitos grupos que têm passado pela mesma situação e têm nos dado forças. Estamos aqui para darmos esperanças também”, disse Hilda.