Apesar de diversos movimentos e campanhas de #DESPEJOZERO durante a pandemia, a Prefeitura de Bruno Covas, age de forma acelerada, burocrática e jurídica, com cerca de 160 pessoas, que moram há 3 anos num prédio na zona sul. Mesmo sem que a ação de despejo esteja decretada, estão ameaçando as famílias de despejo em 48 horas, e pressionando-as a assinarem um termo de acordo para sair do imóvel, ou nem vão pagar o o valor de auxílio definido no processo, ainda em curso.
40 famílias que vivem há 3 anos, no Condomínio Guarapiranga, que fica entre o Atacadão e terminal Guarapiranga, na Zona Sul de São Paulo, estão sendo ameaçadas de ir pra rua nas próximas 24 horas. Pelo menos 25 crianças que ocupam este imóvel há 3 anos podem ir pra rua, com seus familiares com um valor de R$ 2.400,00 que corresponderia à um “valor de custo”, mediante a assinatura de um acordo de desocupação.
Representantes da Prefeitura, da subprefeitura e da SEAHB (Secretaria Municipal de Habitação) ligaram ontem (quarta-feira 27.08.2020) para alguns moradores, alegando que se eles não assinassem esse termo, não receberiam o dinheiro, e seriam despejados de qualquer forma. Nas palavras do agente público:
“Melhor vocês receberem os R$ 2.500,00 do que nada. E depois ter que brigar por isso na justiça”
O fato é que não existe uma ordem de despejo decretada pela justiça, mas segundo a advogada ela pode ser emitida a qualquer momento. Com o intuito de dividir e confundir os moradores, os agentes da prefeitura tem feito as ligações e as ameaças.
O processo está sendo acompanhado, desde outubro de 2019 pelo escritório Gaspar Garcia, encaminhado via convênio com a Defensoria Pública. Segundo a advogada, já havia um liminar condicionando a prefeitura ao atendimento das famílias, ou com auxílio aluguel, ou com “outro atendimento provisório”. Com base nesse termo “outro atendimento provisório” a prefeitura vem recorrendo judicialmente, derrubou o auxílio aluguel, e vem tentando pagar o mínimo possível para essas famílias deixarem o imóvel, inclusive reduzindo o valor desse apoio de custo. Agora eles pressionam as famílias com um ultimato ameaçador, dizendo que nem esse valor eles vão receber.
A espera de uma solução, Marco (nome fictício) comenta a dificuldade que vai ser sair sem tempo de arrumar um lugar pra ir, e com apenas R$ 2.500,00 por família:
“Não vamos sobreviver nem 1 mês”
O papel da Prefeitura no despejo dos Pobres
Essa seria uma rotina normal de litígio judicial, entre os que são chamados “ocupantes irregulares” em imóveis na cidade de São Paulo, não fosse esse um prédio em terreno da prefeitura, e se não estivéssemos em meio a uma das maiores crises sanitárias.
O então Secretário da Habitação João Faria, no dia 03 de Agosto, segundo a advogada, havia afirmado que ia aguardar a decisão judicial. Depois da notificações a advogada entrou em contato com o setor de conflitos da Sehab eles disseram que em função da mudança do novo Secretário, Orlando Faria, não vão mais aguardar a decisão judicial, e vão acatar as orientações do setor jurídico, e por isso determinaram esse prazo de 48 horas, que é um prazo interno administrativo.
De acordo com o Observatório de Remoções, projeto desenvolvido por laboratórios da USP e da Universidade Federal do ABC, apenas no estado de São Paulo, mais de 1.900 famílias foram atingidas por remoções durante a pandemia.
A pergunta que fica é: Porquê da celeridade de um processo em meio a pandemia. Ainda mais partindo da própria prefeitura. Isso é no mínimo uma crueldade por parte do poder público municipal.
A prefeitura acrescentou um laudo técnico ao processo, alegando que o imóvel está em risco. Mas os moradores afirmam que nunca receberam a visita de um técnico ou perito no local. A equipe da SEHAB está tentando acessar os moradores, mas até a final da tarde de ontem só havia contado metade deles.
O co deputado estadual Fernando Ferrari da Bancada Ativista PSOL, está acompanhando o caso junto a SEHAB, e os Jornalistas Livres seguem acompanhando o caso.
Diante da ameaça de serem retirados do local em plena pandemia, dezenas de moradores da Ocupação Professor Fábio Alves, no bairro Barreiro, em Belo Horizonte, decidiram acampar na porta da prefeitura, no centro da cidade, em busca de negociação com o prefeito Alexandre Kalil (PSD).
Eles reivindicam que seja realizado o cadastro das mais de 700 famílias da Ocupação para que permaneçam na ocupação ou para que se busque uma alternativa a um possível despejo no futuro.
Como até o final da tarde de hoje não havia qualquer sinalização da prefeitura, os sem-casa decidiram ficar acampados na entrada do prédio, na Avenida Afonso Pena, mantendo suas barracas armadas, e chegaram a usar um fogão para preparar a refeição da noite.
O terreno da Ocupação Professor Fábio Alves fica na divisa com os bairros Novo Tirol e Marilândia. Seus 72 mil m² estavam abandonados há mais de 30 anos. Há dois anos, 700 famílias ocuparam a área, que hoje já conta com cerca de 500 construções em alvenaria. O terreno integrava o distrito industrial do bairro Jatobá e foi doado a empresários para a implantação de empresas, mas eles acabaram repassando a particulares de forma irregular, conforme denunciam as lideranças dos sem-casa.
No dia 06 de agosto, em plena pandemia provocada pelo novo coronavírus, a Prefeitura de São Paulo, com auxílio da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana, promoveu uma tentativa de despejo e destruição de moradias de famílias que atualmente ocupam uma área livre na Avenida Pedro Bueno, na confluência com a Rua Josué de Castro. Nessa área está a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, localizada entre as subprefeituras Jabaquara e Santo Amaro.
A subprefeitura do Jabaquara denominou pomposamente a ação de “desfazimento”, mas para as famílias atingidas trata-se mesmo de “destruição de moradias pobres com o que tiver dentro”. Por isso, as famílias resistiram e pediram apoios. A Prefeitura de São Paulo, diante da mobilização, recuou por trinta dias.
Contudo, o prazo final se aproxima perigosamente e, com ele, a pressão das subprefeituras e da polícia militar, sem que alternativas reais e adequadas sejam apresentadas. A gestão pública diz que ali é uma área de risco e que haveria pessoas inescrupulosas fingindo morar no lugar para receber auxílios do governo. Fomos ao local e o que vimos foram famílias reais, de carne e osso, insistindo em defender suas moradias humildes e também reais, com móveis, geladeira, fogão, e outros equipamentos domésticos. São pessoas que lutam desesperadamente por um teto porque já não aguentam mais ser removidas de um canto para o outro.
https://youtu.be/YKxp5U9JRgc
Essa é a posição de Jacira, Maiara, Bruno e outras tantas famílias removidas das áreas no entorno da operação urbana. A Rocinha Paulistana, uma das últimas comunidades removidas, espalhou famílias sem alternativas habitacionais e uma parte de seus moradores se instalou nos precários barracos, agora sob risco de sofrerem um novo despejo. Outra parte está diante de um dilema terrível porque o orçamento doméstico é curto: ou compra alimentos, ou paga aluguel.
Essas famílias se juntam a uma demanda de mais de 10 mil famílias removidas ao longo da avenida Roberto Marinho e adjacências, contando também as favelas incendiadas. Entre estas há cerca de 3 mil famílias inscritas em programas de aluguel aguardando atendimento habitacional, conforme dados do Observatório de Remoções.
Mas a Prefeitura de São Paulo não entregou nem sequer 20% das habitações de interesse social prometidas às famílias removidas no âmbito da operação urbana Água Espraiada, que destaca-se, foi sucesso financeiro em venda de potenciais construtivos, tendo criado uma nova centralidade e uma elite imobiliária em todo entorno da Avenida Roberto Marinho e construído, com a venda de potenciais construtivos, marcos monumentais como a Ponte Estaiada, que custou a remoção de famílias que ocupavam a área do Jardim Edith. Bem na frente da sede paulistana da TV Globo, aliás.
Na Prefeitura de São Paulo, o conflito fundiário – no meio da pandemia e por isso incrementado de crueldade – não é conhecido como “Novo Chuvisco”, nome que se destacou no último dia 06 de agosto. Esse conflito se territorializa na administração pública como Água Espraiada – Rua Josué de Castro. O que pensaria Josué de Castro, autor de um clássico das ciências sociais “Geografia da Fome” publicado em 1946, ao ver-se nominado num conflito fundiário territorial?
Finalmente, o conflito fundiário Água Espraiada – Rua Josué de Castro não é deflagrado a partir de uma ordem judicial, como tantos outros que vêm sendo noticiados, sobretudo pela campanha Despejo Zero, lançada no último dia 23 de julho. Esse conflito localiza-se no campo do poder de polícia administrativo, e como a própria prefeitura informa, no “desfazimento”. Ação de truculência muito comum na região da operação urbana consorciada Água Espraiada, muito rica no volume de recursos movimentados, mas também muito miserável ao sabor das nossas elites imobiliárias, na medida em que a paisagem é mais importante que a vida.
Em Ribeirão Preto, cidade conhecida como a “Califórnia Brasileira”, o casal Tatiane Pereira, 22, com o marido Mateus Cazula, 24, e o filho Henrique, 2, no dia 28 de maio. A prefeitura demoliu a casa que a família construía em terreno público abandonado. “Estamos sem trabalho e já fomos despejados por dever o aluguel. Ocupamos esse pedacinho da Favela das Mangueiras e com o auxílio-emergencial construímos as paredes pra morar. É o que dava. Foi tudo embora, e agora?” (Foto: Filipe Augusto Peres)
“De que adianta falar para ficar em casa nessa pandemia se o próprio governo está demolindo nossos barracos?”, questiona a diarista Erica Cavalcante da Silva, de 36 anos. No último 14 de abril, ela acordou com o barulhão de uma retroescavadeira da prefeitura destruindo as estruturas de alvenaria e madeirite de seus vizinhos. Vinte famílias, das mais de 60, ficaram sem casa na comunidade Fé em Deus, apelidada de Descalvado, na periferia de Ribeirão Preto.
A cidade do interior de São Paulo, conhecida como a Califórnia Brasileira desde os anos 70, é a maior produtora de açúcar e álcool do mundo e no município circulam 51 bilhões de dólares, 18% de toda a riqueza do Estado paulista. Desde que decretou estado de calamidade pública, em 23 de maio passado, porém, Ribeirão Preto também ganhou o título de campeã de despejos.
O Observatório de Remoções, projeto desenvolvido por núcleos de estudos da USP e da Universidade Federal do ABC, apontou que pelo menos cinco áreas foram desocupadas ou estão em grave ameaça de ordens de reintegração de posse. E não é um caso isolado.
Bolsonaro vetou artigo que impedia a expulsão de inquilinos até outubro
Só na cidade de São Paulo, calcula-se que mais de 1.900 famílias foram atingidas por despejos na pandemia. O mapeamento do Observatório de Remoções comprovou aumento de ações do gênero em comparação ao período anterior.
“As remoções seguem acontecendo, violando recomendações nacionais e internacionais”, diz a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, uma das relatoras de um documento com denúncias de todo o país enviado à comissão de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).
Em resposta, o relator especial da ONU pelo direito à moradia, Balakrishnan Rajagopal, não poupou meias palavras: “despejar as pessoas de suas casas nessa situação, independentemente do status legal de sua moradia, é uma violação de seus direitos humanos”.
Ao contrário do governo da Alemanha, por exemplo, o presidente Bolsonaro vetou em junho o artigo que impedia a expulsão de inquilinos até 30 de outubro – parte do projeto de 14.010/2020, que trata das medidas emergenciais de resposta à pandemia.
Erica, na comunidade Fé em Deus: “só vai para a favela quem precisa. Só não derrubaram a minha casa porque ela fica no alto do morro e começou a chover forte naquele dia.” Ainda assim, a diarista se viu obrigada a assinar um documento que comunicava que a demolição ia ocorrer dali uma semana. “Na prefeitura eu implorei para não fazerem isso, disse que não tinha para onde ir. A única opção que eles me deram foi ir para um abrigo coletivo. E lá já estava com um montão de gente! Como assim?” (Foto: Acervo pessoal)
“É uma tragédia”
“Não há respeito do governo federal ao isolamento nem ao drama da falta de moradia para mais de 7 milhões de pessoas. Também falta consenso entre as decisões das prefeituras, dos governos dos Estados e do judiciário na suspensão dos despejos”, diz o advogado Benedito Roberto Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. “Sem moradia as pessoas ficam totalmente vulneráveis na pandemia. É uma tragédia, questão de vida ou morte”, resume.
“Milhões de brasileiros gastam a maior parte do que ganham com aluguel. Por outro lado, há milhões de imóveis abandonados que não cumprem sua função social”
Benedito Roberto Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Benedito é um dos articuladores da campanha “Despejo Zero – Pela vida no campo e na cidade”, lançada no último dia 23. De caráter permanente, construção coletiva em rede aberta à toda a sociedade, em apenas uma semana, a iniciativa já congregou mais de 100 mil brasileiros por meio de organizações, entidades, coletivos, movimentos civis ou grupos ainda em formação. São sem-teto, sem-terra, membros de mais de 40 movimentos de moradia que estão sendo removidos de ocupações, muitas vezes com força policial. Mas não só.
Manifestação na manhã de ontem (30/07) em Belo Horizonte de integrantes de quatro ocupações ameaçadas por despejos em meio à pandemia (Reprodução Instagram)
Somam-se a esse contingente pessoas em situação de rua, cada vez em maior número, e povos tradicionais que estão sofrendo extrema pressão em seus territórios por madeireiros, pecuaristas, mineradores e grileiros de todo tipo, caso de indígenas e quilombolas. Há ainda trabalhadores informais sem sustento, como camelôs e ambulantes, moradores de cortiços e inquilinos de centros urbanos em situação de dívida ou em iminente despejo.
Toda propriedade deve ter função social
“Milhões de brasileiros gastam a maior parte do que ganham com aluguel e agora, com o desemprego, precisam escolher entre comer e morar. É desumano, inadmissível”, analisa Benedito. “Por outro lado, há milhões de imóveis abandonados que não cumprem sua função social”, completa o advogado.
No Brasil moradia é um direito humano fundamental e a Constituição de 1988 prevê a função social das propriedades. Terreno, casa ou espaço abandonado, sem uso, pode e deve, sim, ser desapropriado pelo Estado para atender às necessidades da população.
Em São Paulo, marcha do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ontem (30/07), em direção ao Palácio do Governo do Estado. Além de #despejozero, manifestantes cobraram que recursos destinados às políticas habitacionais sejam liberados. João Dória não recebeu a comissão para diálogo e a polícia militar jogou bombas nos manifestantes no fim do ato (Foto: Reprodução Facebook)
A expectativa é que a mobilização #despejozero pressione a aprovação do projeto do projeto de Lei 1975/2020, que propõe barrar as as ações de despejo em todo o país. A medida já tem a urgência aprovada no Câmara dos Deputados, mas ainda não foi colocada em votação.
“Nesse momento, precisamos de mobilização popular intensa para explicar que essa é uma questão fundamental para a sobrevivência de milhares de pessoas”, diz a autora do projeto, a deputada federal Natália Bonavides, do Rio Grande do Norte.
“Não temos para onde ir”
Enquanto isso, Erica e milhares de pessoas seguem perdendo o sono.”Sinto que a qualquer momento vão derrubar minha casinha como naquele dia. Foi de supetão, sabe? Sem documento judicial nem nada. Teve até um morador, catador de reciclados, que tinha saído pra trabalhar ainda de madrugada e só na volta viu que não tinha mais lugar pra dormir”, lembra, ainda chocada com a frieza da guarda metropolitana que acompanhou o despejo.
“Até agora tem idoso cardíaco e criança que tá sem teto, vivendo de favor em casa de vizinho.”
Erica Cavalcante da Silva, de 36 anos, testemunha do despejo na ocupação Fé em Deus
Mãe de quatro filhos, dispensada das faxinas diárias, ela é casada com o motorista Demileno de Souza, de 29 anos, antes da pandemia alugava um carro por R$ 480 semanais para trabalhar como Uber. “Mas ele teve tuberculose recente, é de risco e nem tem mais tanta corrida ou dinheiro que compense rodar”.
Desde saíram de Belém do Pará, há um ano e dois meses, por falta de emprego e medo de uma “guerra violenta na comunidade”, a família vive na casa de 4m por 2,5 metros sempre em construção. “Vivemos mais com medo de ficar sem teto do que do vírus. Não temos para onde ir.”
A casa de Erica, ameaçada de demolição (Foto: Acervo pessoal)
A mesma frase foi repetida no dia de 28 de maio pelo casal Tatiane Pereira, de 22 anos, e seu o marido Mateus Cazula, de 24, quando a prefeitura, também de Ribeirão Preto, demoliu a estrutura em alvenaria de três cômodos que a família construía na Favela da Mangueira, a mais antiga da Califórnia Brasileira.
“A gente já tinha sido despejado porque não conseguiu pagar o aluguel de R$ 550 e foi com o dinheiro do auxílio-emergencial que construímos as paredes pra morar ali”, explica Tatiane.
Só faltavam duas fileiras de tijolo
Mãe de Henrique, de 2 anos, e Heloísa, de 4, ela perdeu o emprego de atendente em um comércio logo no começo do isolamento social. “Meu marido também foi dispensado do serviço num lava-jato. Ele não tinha registro e saiu sem nada. Tudo o que a gente tinha foi para subir as paredes”, conta.
“Só faltavam duas fileiras de tijolo e íamos mudar assim mesmo, sem nada mesmo. Era o jeito, né? Mas chegaram lá derrubando tudo, com polícia e cachorro em cima da gente.” A família toda está alojada num quarto dos fundos de uma prima do marido de Tatiane. “Antes não era tão difícil assim, a gente se virava, fazia uns bicos. Mas agora está muito triste. Só a gente sabe como é.”
O OUTRO LADO: O que diz a prefeitura de Ribeirão Preto
Questionada pelo blog, a prefeitura de Ribeirão Preto não respondeu nada sobre a demolição dos barracos e casas de alvenaria da comunidade Fé em Deus, onde vive Érica, no Descalvado. Foram ignoradas as solicitações de identificação numérica de possíveis processos judiciais de reintegração de posse e ações credenciamento de moradores para encaminhamento aos programas de moradia da prefeitura.
De acordo com a Secretaria de Planejamento e Gestão Pública, em função da pandemia, “todas as reintegrações de posse, inclusive as transitadas em julgado, foram suspensas por solicitação da prefeitura ao poder judiciário”.
Em nota da assessoria de imprensa, o município reiterou que “novas invasões ou tentativas de invasões em qualquer área da cidade são coibidas pela Fiscalização com o apoio da Guarda Civil Metropolitana, como é de conhecimento do Ministério Público e do Conselho Municipal de Moradia”.
Promessa de habitação social
Sobre a Favela das Mangueiras, onde Tatiane e Mateus tentaram construir uma casa, a prefeitura alega que “o fato em questão foi uma nova invasão e demarcações em área de lazer ao lado da comunidade das Mangueiras” e que, em 2017, já havia ocorrido reintegração e transferência das famílias que a ocupavam para empreendimento habitacional.
Segundo o governo municipal, no local será construído outra habitação de interesse social com praça de lazer para atender 160 famílias, inclusive da comunidade das Mangueiras.
“Prefeitura ainda cortou entrega de cestas básicas”
A União dos Movimentos de Moradia de Ribeirão Preto, porém, afirma que essa promessa construção de unidades habitacionais existe desde 2017, à época das remoções. De lá para cá, nenhuma medida de cuidado e proteção da área foi tomada, deixando no local montes de entulhos e situação de abandono.
“Em época de pandemia da covid-19, quando todas as medidas de proteção às populações mais vulneráveis deveriam ser tomadas, a prefeitura de Ribeirão Preto além de suspender fornecimento de cestas básicas e material de higiene, promoveu as remoções das famílias, colocando em risco a saúde de moradores e funcionários públicos nestas ações absurdas e desumanas”, diz o comunicado público da entidade que participa do #despejozero.
“Aqui tudo parece Que era ainda construção E já é ruína Tudo é menino, menina No olho da rua O asfalto, a ponte, o viaduto Ganindo pra lua Nada continua” (Caetano Veloso)
O prédio localizado no número 103 da rua do Carmo, a poucos passos do marco zero da cidade de São Paulo, contém hoje 100 moradores equilibristas. São idosos, portadores de deficiências físicas e mentais, mulheres, algumas grávidas, e crianças, muitas crianças, vivendo em um prédio-símbolo da Arquitetura da Especulação de que a cidade de São Paulo está repleta. Monstro urbano à espera de valorização imobiliária, o edifício recebeu o apelido de “Caveirão” porque é praticamente um esqueleto de prédio: vigas de concreto recheadas de vergalhões de ferro e 23 lajes, imensas lajes, que foram construídas para abrigar automóveis. No projeto, o Caveirão seria um edifício-garagem.
Dançarinos no vácuo, equilibristas sem rede de proteção, os moradores do Caveirão se situam no último elo da cadeia alimentar que define quem come e quem é comido na cidade. Eles são os comidos. Todo o prédio ecoa a música evangélica que sai aos berros de um dos barracos –sim, dentro do esqueleto, os moradores construíram uma favela com os restos mortais de São Paulo (tapumes de obras, portas descartadas, caibros comidos por cupim). A música evangélica parece que fala com cada um dos equilibristas: “O Deus do Impossível não desistiu de mim. Sua [mão] destra me sustenta e me faz prevalecer…”
O prédio tem lixo espalhado por todo lado. São toneladas de dejetos, que os moradores tentam agora limpar. E está condenado. Em março de 2012 o engenheiro Merinio C. Salles Jr. atestou que “a estrutura vem sofrendo deterioração com o tempo, podendo vir a ruir, tendo em vista que sua estrutura de concreto armado já apresenta sua armadura exposta e sem condições de reparação, podendo assim vir a entrar em colapso causando grave acidente na região”. Mas o ruim tem ficado pior porque, nos últimos sete meses, o Caveirão está assombrado por 18 homens, soldados da PM, que aparecem todos os dias para esculachar os moradores, ameaçá-los e exigir que saiam do lugar. “Vai, sua puta, vagabunda, encosta na parede!” É pé na porta, humilhação das mulheres, destruição dos barracos, pontapés nas televisões e celulares esmigalhados sob os coturnos (para os moradores não filmarem a violência). Em um dos ataques, uma moradora com um bebê no colo e um cadeirante foram jogados no chão. Sofreram ainda com os efeitos do spray de pimenta. Os militares aparecem fardados, mas sem a identificação colada no uniforme.
Caveirão: policiais militares ameaçam moradores
Há relatos de tortura contra os homens, que são obrigados a deitar no chão, de bruços, mãos nas cabeças. Os soldados chutam os corpos e pisam neles. Uma moradora tomou choques elétricos no pescoço e nos bicos dos seios, a energia vinda dos varais de fios elétricos que percorrem a ocupação. Na terça-feira passada (23), os policiais chegaram pouco antes das 19h. Entraram de novo no prédio, sem mandado nem nada e, usando os métodos de milicianos, disseram que ou os moradores do Caveirão saíam por bem ou haveria mortes. Para reforçar a ameaça, rasgaram um colchão a facada, o talhe em forma de cruz. E deixaram o bilhete: “O prazo é hoje”. O Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos está oferecendo auxílio jurídico para as famílias ameaçadas.
O incrível em toda essa história do Caveirão da rua do Carmo é que o proprietário atual, Rivaldo Sant’anna, também chamado de “Rico”, que afirma ter comprado o prédio em 2009 por R$ 800 mil (cerca de 1,5 milhão de reais em valores de hoje), nem sequer possui decisão judicial apoiando sua pretensão de despejar as pessoas que lá residem.
Sofrimento demais
Caveirão abriga vítimas de violência doméstica, como Elisângela (à esq.), que foi arremessada pelo ex-marido do 1º andar, quando estava grávida de 8 meses
Miseráveis, os moradores têm um histórico de dor e sofrimento bíblicos. Elisângela Neves David, 37 anos, sempre foi espancada pelo marido. Grávida de oito meses, ele a arremessou da varanda do apartamento em que viviam. Elisângela foi recolhida pelo SAMU. Vergada de dor, ouviu uma agente de saúde lhe perguntar:
–Você quer fugir?
Ela nem ouviu. Ela sentiu:
–Meu filho ainda está comigo? Minha filha está aqui?
–Sim!
–Quero!
“Era tudo o que eu precisava. Dali, eu fui levada para uma Casa-Abrigo, onde fiquei escondida.” Benjamim, o menino que Elisângela carregava no útero quando foi atacada pelo marido, sobreviveu. “Eu desapareci do mundo e, quando vi, estava aqui.”
Elisângela é auxiliar de enfermagem. Como há três anos não consegue pagar a taxa de anuidade do Conselho Regional de Enfermagem (R$ 172,45 em 2020), não pode exercer sua profissão. Ela vende, então, balas nos semáforos, trufas na porta da escola das filhas, o que der. Agora, em época de pandemia, está impossível trabalhar. As pessoas nem abrem o vidro dos carros, por medo de assalto e do contágio. “Da pobreza eu caí na degradação ”, diz Elisângela.
Valéria da Silva Nascimento, 43 anos, mãe de cinco, vive para o filho portador de deficiência, João Gabriel Henrique da Silva Dias, de 20 anos. Hoje músico e compositor, o jovem toca violão, guitarra, baixo, ukulele. Paraplégico, isso não o impediu de jogar basquete e tornar-se dançarino de hip hop. Na escola, escutou pela primeira vez Geraldo Vandré: “Pra Não Dizer que não falei das Flores”. Um professor tocava ao violão. “Eu me apaixonei e pedi para o professor me ensinar. Um dia ele me deu um violão. Eu chorei de alegria. Não parei mais de tocar.” Gabriel é um sujeito doce, com uma auto-estima de gigante. A mãe sempre o cumulou de amores, de olhares e cuidados. Para sobreviverem, ela cata reciclagem, compra e vende na feira do rolo, costura, lava roupa para fora, às vezes até para pessoas que moram em albergue.
Infância no Caveirão: O menino Samuel David, de 3 anos, é autista e sofre com problemas respiratórios. A mãe, Cristiana, já mora no prédio há 18 anos
Cristiana Alessandra Moreira, de 40 anos, tem dois filhos atualmente: Cauê, de 21 anos, e Samuel Davi, de três anos. Mas Cristiana pariu sete, dos quais cinco morreram logo. Mora no Caveirão há 18 anos, interrompidos quatro vezes por despejos. Voltou sempre. Ela precisa estar todo o tempo com o filho Samuel Davi, que é autista e sofre com problemas respiratórios. Da última vez que foi despejada, a Prefeitura pagou auxílio-aluguel para as famílias que viviam no Caveirão (R$ 400 por mês), mas o benefício foi cortado e Cristiana voltou para o prédio.
Cristiana sai de seu barraco por volta das 11h, com um vasilhame usado de margarina. Está repleto de urina. Samuel Davi, agitado, não deixou que ela dormisse a noite toda. O menino só se acalmou por volta das 5h, quando ela, enfim, descansou. A urina terá de ser despejada no térreo do prédio, porque o Caveirão não tem banheiros funcionando. Aquele que Cristiana construiu com as próprias mãos foi destruído pelos usuários de crack que ocuparam o prédio depois do despejo dos moradores e pela Polícia Militar.
Moradia de carros
Anúncio publicado na “Folha”, em 1964: compre sua garagem automática, por 50.000 cruzeiros
O drama do Caveirão vem de longe. Em 1964, a Folha de S.Paulo publicou anúncio da construção de um edifício-garagem a poucos metros da praça da Sé. Era ele, o espigão da rua do Carmo, ainda em fase de vendas. Nessa época não existia nem o metrô. Mas havia edificações espetaculares e reluzentes de novas. Como a própria Catedral da Sé, inaugurada havia apenas 10 anos (a construção só seria finalizada em 1967). Ou o Fórum João Mendes Júnior, março histórico da cidade de São Paulo e símbolo da Justiça paulista. Pois o Fórum foi inaugurado em 1958, apenas seis anos antes do anúncio da Folha.
O novo empreendimento representava a crença inabalável daquele período de que as cidades do futuro seriam as cidades dos automóveis. Portanto, era preciso construir apartamentos, escritórios e edifícios-garagem, para armazenar gente e dezenas de milhares de veículos. No anúncio da Folha, lê-se que era possível tornar-se o feliz proprietário de uma vaga de carro a poucos metros da praça da Sé, com uma entrada de 50 mil cruzeiros, hoje equivalentes a 2 mil reais.
O fato é que as tais garagens jamais foram entregues e, inconclusas, resultaram em um dos retratos mais obscenamente explícitos da cupidez materialista na megalópole.
Casa sem banheiro, sem teto, sem nada
O Caveirão não tem telhado. Quando chove, chove dentro. Instalações sanitárias existem apenas no térreo. Porque carros não precisam delas. A polícia também fez questão de arrancar e destruir escadas e degraus que ligavam as lajes dos andares. Os moradores sobem e descem escalando escadas imaginárias ou banguelas, com degraus quebrados ou simplesmente faltando. Cristiana sobe e desce essas escadas surreais carregando os cilindros de oxigênio de que o filho Samuel Davi precisa para sobreviver.
Amor de mãe no Caveirão: Valéria e João Gabriel, paraplégico: o jovem está morando no prédio há um mês; para ele, é um “lugar maravilhoso”
João Gabriel, o filho paraplégico de Valéria, mudou-se para o Caveirão há um mês, depois que a mãe pavimentou o chão e construiu rampas para o trânsito da cadeira de rodas. “Pra mim, aqui é um lugar maravilhoso. Eu sinto uma alegria, uma união, um prazer. Aqui tenho amigos para conversar. Sei que posso contar com muitas pessoas aqui dentro e elas sabem que podem contar comigo também.”
“Eu sou muito feliz aqui dentro. E eu sofro por ver que o prédio está se acabando sem cuidado nenhum, o proprietário não o usa para nada, e a gente tem milhares de pessoas vivendo nas ruas”, diz Cristiana.
O drama das famílias do Caveirão é a condição de existência de milhares de pessoas na cidade de São Paulo. A Prefeitura de São Paulo calcula que, em 2019, havia 24.344 pessoas vivendo em situação de rua. Mas o Movimento Pop Rua calcula que o número correto seja superior a 32 mil pessoas. E segue crescendo à medida em que a inadimplência gera despejos por falta de pagamento de aluguel. E a rua é um terror, principalmente para as mulheres, conforme depoimento de Valéria:
“Eu sou uma ex-moradora de rua. Passei sete anos vivendo na rua. Você não pode fazer sua comida, você não pode trazer os seus filhos para a rua, você fica vulnerável, você é mal vista, você é apontada, as mulheres não têm valor nenhum. Se você arrumar um homem, ele vai te espancar, ele vai te estuprar, ele vai te usar. E se você não tiver força, você vai virar uma usuária de droga ou vai se prostituir. A rua é o último lugar. Não tem mais para onde cair quando você chega na rua. Por outro lado, ninguém quer viver em albergue. Porque no albergue você é maltratada, você é pisada, você é humilhada. Os funcionários dos albergues te tratam como lixo. A casa de parentes também não dá. O parente joga na tua cara, quando você tem filhos, maltrata os seus filhos. Vivendo na rua, a gente tem medo do Conselho Tutelar, a gente tem medo de tocarem fogo na gente, de estuprarem minhas filhas. Minha filha foi estuprada num abrigo. Eu achei que ela estava num lugar seguro e ela não estava. Eu sou costureira, sempre trabalhei. Já aluguei um cantinho, mas dali a pouco você é mandada embora do emprego e é despejada. Ninguém mora numa ocupação porque quer. Você mora ao lado de pessoas que não conhece, tem muito barulho, a luz cai, a polícia invade. Você tem mais medo do que qualquer outra coisa.
Mas é infinitamente melhor do que a rua.”
“A minha luta só termina quando eu tiver a minha moradia. Porque para a rua eu e meus filhos não vamos. A PM tem a arma, mas eu tenho o direito legítimo. Eu ofereço o meu peito para a a bala. E, se me matarem, meus filhos lutarão por mim” (Elisângela)
Ontem, as 5 horas da manhã, sem qualquer aviso prévio, a Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP) demoliu 6 casas dos moradores da Vila São Pedro sem qualquer ordem judicial ou justificativa. Outros moradores já receberam uma notificação que a qualquer momento podem sofrer uma reintegração de posse e ter suas casas derrubadas. As famílias não tiverem sequer tempo pra retirar seus pertences.
O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) organizaram um ato para chamar a atenção das autoridades e fecharam a avenida Dom Pedro de Alcântara, principal avenida da Vila São Pedro. A GCM apareceu e se comprometeu junto ao capitão Inácio da Policia Militar para realizar uma reunião com o Prefeito Orlando Morando hoje (10) às 11 horas na Secretária de Habitação com as famílias que não tinham para onde ir depois da realização de demolição e despejo de suas casas.
Essa reunião pretendia dar auxílio aluguel pra essas famílias que ficaram sem moradia e, para as outras que foram notificadas, suspender o despejo. Porém, a Secretária da Habitação fechou suas portas com cadeado e as família ficaram do lado de fora sem qualquer diálogo, descumprindo o acordo que havia sido feito no momento da manifestação.
Os movimentos junto aos moradores de São Bernardo do Campo permaneceram em frente a prefeitura para cobrar seus os direitos e realizaram uma live explicando todo o processo ilegal dos despejos.
Em momento de pandemia, a prefeitura orienta a população que fique em casa. Mas essa mesma prefeitura realiza despejos nas periferias, onde o contagio é crítico e as pessoas estão vulneráveis.
A ação ocorreu mesmo com o Tribunal de Justiça indicando para que ações como essa não acontecessem em tempos de pandemia.