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Categoria: Lula

  • Entrevista com Lurian, filha de Lula, sobre o momento político atual

    Entrevista com Lurian, filha de Lula, sobre o momento político atual

    Do Portal 4 P

    O Portal 4P conversou com exclusividade, durante evento do People’s Fórum, em Nova York, com a filha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Lurian. Nesta conversa, após receber em nome do pai o prêmio Personalidade do Ano, concedido pelo Coletivo Brado – NY, Lurian tratou de temas como os rumos da esquerda brasileira, os caminhos de luta adotados pelo PT, a prisão de Lula, o sentimento da família com as perdas recentes, entre outros assuntos. Os principais trechos do bate-papo você assiste no vídeo. É só clicar. Curta, comente e compartilhe para fortalecer o Portal 4P, plataforma de comunicação a serviço da luta antirracista! Imagens de cobertura (caravana de Lula e Lula carregado pelo povo) retiradas do YouTube.

     

  • Lula é preso político, diz Associação Americana de Juristas

    Lula é preso político, diz Associação Americana de Juristas

     

     

    A Associação Americana de Juristas (AAJ) publicou nesta quinta-feira, 2, uma declaração oficial na qual reconhece Luiz Inácio Lula da Silva como preso político. Organização Não-Governamental com estatuto consultivo no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, a AAJ já havia denunciado a perseguição a Lula durante a Assembleia Geral da 39ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no ano passado. Esta é a primeira vez, no entanto, em que a entidade declara Lula oficialmente como preso político.

    A declaração destaca que Lula deixou seu governo com mais de 80% de popularidade e, no ano passado, foi não apenas impedido de concorrer à Presidência como também proibido de dar entrevistas ou de se manifestar publicamente. O documento condena ainda a violação do preceito constitucional da presunção de inocência até o julgamento final do processo.

    Para a associação, está demonstrado que a prisão teve motivação política, sem relação com o delito a que Lula foi acusado e que cuja pena pretende “afastar a figura pública de Lula da Silva do processo político nacional”.

    E o documento é direto ao afirmar que: “Esses fatos enquadram o caso naquilo que o Conselho da Europa define juridicamente como uma prisão política, e a Anistia Internacional como uma prisão de consciência”.

     

    Leia aqui postagem original em espanhol da Associação Americana de Juristas no Facebook.

    Abaixo, a tradução livre do documento:

    Declaração da Associação Americana de Juristas reconhecendo Luiz Inácio Lula da Silva como preso político

    A Associação Americana de Juristas (AAJ), organização não-governamental com estatuto consultivo nas Nações Unidas, manifesta sua preocupação pelo prolongado encarceramento de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, ainda que a pena tenha sido reduzida por uma corte superior. Esta condenação foi determinada como consequência de uma acusação produzida em violação do devido processo legal, com prejuízo ao direito da defesa, sem provas, e em um processo dirigido pelo juiz Sérgio Moro. Moro é o atual Ministro da Justiça e foi nomeado tão logo o novo governo entreguista e ultradireitista de Jair Bolsonaro tomou posse, beneficiado nas eleições pelo afastamento de Lula da Silva como candidato presidencial, que tinha ampla preferência nas pesquisas eleitorais.

    Lula da Silva deixou seu governo com mais de 80% de aprovação. Em agosto de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral invalidou sua candidatura e lhe proibiu de se manifestar politicamente da prisão, assim como proibiu seu partido de usar sua popular imagem na campanha eleitoral.

    É importante assinalar que a Constituição Brasileira garante a presunção de inocência até o julgamento final do devido processo, o que nem sequer se alcançou até o momento.

    É evidente que essas condições demonstram uma prisão feita com violação das garantias fundamentais e com motivações claramente políticas, sem guardar relação com um delito que se enquadre em um marco típico penal, com uma duração e penas acessórias que pretendem afastar a figura pública de Lula da Silva do processo político nacional, e assentar as bases para discriminar a outras pessoas de tendências ideológicas distintas por meio de procedimento irregular.

    Esses fatos enquadram o caso naquilo que o Conselho da Europa define juridicamente como uma prisão política, e a Anistia Internacional como uma prisão de consciência.

    Portanto, a Associação Americana de Juristas declara que Luiz Inácio Lula da Silva é um preso político e se soma à campanha internacional por sua libertação imediata, participando da campanha “LulaPresoPolítico” para que alcance repercussão internacional ampla. Exortamos as organizações de juristas no mundo a participar desta campanha e a se pronunciar no mesmo sentido.

    30 de abril de 2019

    Assinam:
    Vanessa Ramos, presidenta da AAJ Continental
    Luis Carlos Moro, secretário geral
    Beinusz Szmukler, presidente do Conselho Consultivo da AAJ

  • A PEDAGOGIA DE LULA

    A PEDAGOGIA DE LULA

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com charge de Aroeira 

     

    Há mais de um ano afastado das câmeras e microfones, Lula reapareceu em vídeo em 26 de abril, quando recebeu no cárcere os jornalistas Florestan Fernandes Jr. e Mônica Bergamo.

    Qual foi o impacto político da entrevista?

    Como a principal característica das crises é a redução drástica do território de consenso, a resposta para essa pergunta também está sendo disputada. Lideranças políticas alimentadas pelo anti-petismo desqualificaram o fato, negando a importância da entrevista: João Dória disse que Lula está “esclerosado”. Jair Bolsonaro chamou o ex-presidente de “cachaceiro”.

    Já as esquerdas em geral, e os petistas em particular, entraram em uma espécie de catarse virtual coletiva, como se a entrevista, por si só, fosse capaz de promover uma reviravolta no cenário político.

    Nem tanto ao céu e nem tanto ao inferno.

    Nada sugere mudanças no curto prazo na realidade política nacional. Porém, a entrevista está longe, muito longe mesmo, de ser fato político irrelevante.

    Antes de qualquer coisa, a realização da entrevista, por si só, é a manifestação mais clara do atual momento da crise brasileira, quando está instaurada uma guerra total no núcleo jurídico da coligação golpista que tomou o poder de assalto em 2016. O Supremo Tribunal Federal, que vinha chancelando todos os arbítrios cometidos pela Operação Lava Jato, sentiu o sopro dos menudos de Curitiba na nuca.

    Já há algum tempo que a Lava Jato deixou de ser o braço do PSDB para se tornar, ela mesma, a força política motora do pós-petismo. Hoje, a Lava Jato é mais poderosa que a base política de Jair Bolsonaro. É sempre importante lembrar que os vínculos de Bolsonaro com a Lava Jato não são orgânicos. A Lava Jato tem seu próprio projeto para o Brasil e Bolsonaro e seus milicianos não estão nele.

    Queiroz, o laranjal do PSL, o assassinato de Marielle e Anderson. Nada disso foi esquecido. Tudo está guardado, esperando o momento certo. A Lava Jato é seu próprio partido político e, como tal, está disposta a engolir adversários e aliados. É assim que os partidos políticos agem.

    Como a Lava Jato se tornou mais suprema que o próprio supremo, o STF decidiu tentar restabelecer a hierarquia. Lula é o grande troféu da Lava Jato. É impossível soltá-lo sem reconhecer que as impressões digitais dos ministros da Suprema Corte estão na farsa jurídica que fraudou as eleições de 2018. A entrevista se tornou, então, um recado enviado a Curitiba.

    Sempre que a aristocracia da toga se sentir ameaçada pela Lava Jato, Lula será usado como munição. Uma diminuição da pena aqui, uma entrevista acolá.

    Mesmo preso, Lula continua bastante ativo na política. Na verdade, a cela é um gabinete de trabalho. Lula passa o dia despachando, lendo, recebendo aliados e liderando o Partido dos Trabalhadores. Lula está muito bem informado, sabe com clareza o que está acontecendo, tem total percepção de que se existe alguma possibilidade de sair da cadeia ainda em vida, ela passa pelo acirramento do conflito entre o STF e a Lava Jato.

    Nessa guerra, Lula sabe qual é o seu lado. Por isso, a Lava Jato, citada nominalmente nas pessoas de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, foi atacada do início ao fim da entrevista.

    Mentirosos”, “farsantes”, “criminosos” foram os adjetivos usados. Já Bolsonaro foi tratado como louco e despreparado, como uma caricatura. Entre os adversários possíveis, Lula sabe qual é o mais forte, o mais perigoso.

    Por outro lado, o STF foi tratado como o guardião da democracia, como a instituição que tem histórico comprometido com a defesa dos direitos dos oprimidos. Lula elogiou a “vocação democrática” do STF, citando os posicionamentos da suprema corte em favor da criação da reserva indígena Raposa da Serra do Sol e em favor da implementação do sistema de cotas para o ingresso de negros nas universidades públicas.

    A essa altura do campeonato, pouco importa se o STF chancelou o golpe contra Dilma e a prisão arbitrária de Lula. Pouco importa se essa “vocação democrática” é mesmo um dado da realidade ou não passa de retórica política. Ao associar o STF à defesa dos direitos de índios e negros, Lula conseguiu reunir, numa mesma formulação, a aristocracia da toga e as minorias.

    A operação Lava Jato declarou guerra contra o STF. O governo de Jair Bolsonaro declarou guerra contra índios e negros. Lula quer consolidar sua imagem como o principal antagonista à Lava Jato e como líder da oposição ao governo de Bolsonaro, quer liderar uma frente ampla em defesa da democracia e dos direitos sociais. Foi este foi o objetivo da entrevista.

    Relações internacionais, políticas públicas de assistência social, macro-economia e drama familiar. Lula passou por todos esses temas com desenvoltura, mostrando estar em perfeita forma física e intelectual.

    A entrevista acabou, os jornalistas foram embora e Lula foi reconduzido à sua cela. A reforma da previdência continua tramitando. Treze milhões de brasileiros ainda estão desempregados. Seria ingênuo achar que uma simples entrevista pudesse ser capaz de transformar a realidade.

    Definitivamente, não é.

    Mas a repercussão impressionante, a despeito do silêncio da mídia hegemônica, comprova a importância que Lula ainda tem.

    Em duas horas de entrevista, Lula foi mais eficiente do que Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Fernando Haddad, que estão por aí, livres, soltos. A notícia para a esquerda brasileira não é nada boa. A entrevista só veio reforçar o que muitos já sabem: Lula ainda não tem herdeiro. Até aqui, ninguém conseguiu substituí-lo como liderança popular.

    É que quando falam, os outros apenas falam. Falam de números, de dados, mas não afetam e pouco explicam. Mais do que falar, Lula explica, e afeta. Consegue ensinar aos que mal sabem ler. Antes de tudo, Lula é um pedagogo.

  • MARCHA NA ALEMANHA SE SOLIDARIZA COM TRABALHADORES BRASILEIROS

    MARCHA NA ALEMANHA SE SOLIDARIZA COM TRABALHADORES BRASILEIROS

    Em muitas cidades da Alemanha, como Hamburgo, Berlim, Colônia, Munique, Mannheim e Dresden, ocorreram no dia de hoje passeatas e manifestos em defesa dos direitos dos trabalhadores. Em todas elas, não faltaram gritos por “Lula livre” e “Marielle presente” desencadeados por grupos de brasileiros e alemães solidários aos que lutam contra a ascensão do fascismo no Brasil, a prisão de Lula e o extermínio de negros, indígenas e integrantes da comunidade LGBTI.

    Primeiro de Maio na Alemanha teve marcha por “Lula Livre”

    As manifestações começaram desde cedo, em Mannheim, sob céu azul e muito sol. Jovens, velhos, mulheres e homens caminharam da Central Sindical até a Praça do Mercado (Marktplatz), ponto central da cidade, onde os organizadores montaram um palanque. Ao lado das barracas de organizações como a da Anistia Internacional, do Sindicato dos Metalúrgicos e de grupos ecológicos, o grupo de resistência “Solidariedade para os Sindicatos Brasileiros” marcou forte presença. Por toda a praça havia barraquinhas com comidas típicas e bebidas neste dia de grande festividade cultural, histórica e política para os alemães.

    O grupo discutiu com passantes temas que envolvem o Brasil atual e informou a população alemã acerca da grave situação em que o país se encontra com os desgovernos e desmandos do neofascista Bolsonaro. “Como todos os grupos presentes, reforçamos aqui nosso objetivo de lutar pelos direitos do trabalhador, mostrar nossa solidariedade aos trabalhadores brasileiros e alastrar pelo mundo a luta por Lula livre!”, afirmou Namir Martins, que mora na Alemanha há quase 30 anos.

    Namir trabalha como professora de música em um escola antroposófica e é dirigente do coral brasileiro da sua cidade. Participa do Comitê Lula Livre Berlim / Komitee Freiheit für Lula Berlin, do fórum Resiste Brasil, da Resistência em Frankfurt e do Grupo de Trabalho Solidariedade para os Sindicatos Brasileiros, de Mannheim.

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  • Lula é a moeda de troca mais valiosa do mercado

    Lula é a moeda de troca mais valiosa do mercado

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia

     

    Terça-feira, dia 23 de abril, julgamento de Lula no Superior Tribunal de Justiça. Outro episódio fundamental na cronologia da crise brasileira contemporânea. Daqui a alguns anos, quando for possível olhar para acrise com algum distanciamento, veremos esse 23 de abril como um momento chave para a compreensão do complexo cenário de instabilidade que desde 2013 fragiliza a democracia brasileira.

    Refrescando a memória…

    No final de 2017, o então juiz Sérgio Moro condenou o Lula no caso do triplex do Guarujá. Em janeiro de 2018, na segunda instância, o TRF 4 confirmou a condenação e aumentou a pena. Contrariando o preceito constitucional que determina a execução da pena somente após o esgotamento dos recursos, o STF autorizou a prisão de Lula em abril de 2018. Desde então, o ex-presidente está na sede da Polícia Federal em Curitiba, completamente isolado e silenciado.

    De lá pra cá, muita coisa aconteceu. Nas crises, o tempo passa mais rápido: eleições, vitória de Bolsonaro e, principalmente, o fim da aliança entre o STF e a Operação Lava Jato.

    Golpe de Estado sempre é trabalho de equipe. O grupo político que tomou o governo de assalto em maio de 2016 teve seu caminho pavimentado pela aliança entre o sistema de justiça e a mídia hegemônica. O objetivo era claro: desmontar o Estado e entregar ao mercado o pleno controle das riquezas nacionais. Para isso, era necessário enfraquecer o Partido dos Trabalhadores, que representa o avesso desse projeto. Aqui, a Operação Lava Jato cumpriu papel estratégico.

    Nos dois anos do governo Temer, tudo aconteceu mais ou menos dentro do esperado. Reforma trabalhista, PEC dos gastos. Só faltaram a reforma da previdência, a privatização completa do pré-sal e a desvinculação do orçamento. Mas isso poderia esperar o próximo governo. Com Lula preso e incomunicável, a coligação golpista contava com a vitória nas eleições de 2018, reconduzindo o PSDB ao Palácio do Planalto. Não aconteceu bem assim. O trem começou a sair do trilho com a vitória de Bolsonaro.

    Sim, leitor e leitora, a vitória de Bolsonaro desestabilizou o projeto do golpe, ao levar ao governo um grupo de aloprados de direita que não consegue ter o mínimo de responsabilidade institucional. A presença de Paulo Guedes no Ministério da Fazenda mostra que o mercado tentou se adaptar, que está tentando disciplinar o governo. A cada twittada, a cada trapalhada do clã presidencial, fica mais evidente que Bolsonaro não serve nem aos interesses dos mais ricos.

    Criou-se, assim, um vazio de lideranças no coração da coligação golpista. Com o colapso do PSDB, quem comanda o núcleo político do golpe? Não é difícil responder. Diante do amadorismo do bolsonarismo, a Lava Jato tomou para si o papel que antes era exercido pelos tucanos.

    A Lava Jato deixou, então, de ser um braço do PSDB para ganhar vida própria, para ter o seu próprio projeto de nação. Aconteceu, assim, o reequilíbrio de forças dentro da coligação golpista. Aqui está a explicação para a guerra total que está sendo travada entre o Supremo Tribunal Federal e a Lava Jato.

    Essa nova situação política alterou o lugar ocupado por Lula na dinâmica da crise. Hoje, o ex-presidente não é mais apenas a liderança popular capaz que ameaça o projeto político que pretende fazer do mercado o agente controlador das riquezas nacionais. É também o trunfo que o STF tem na manga para confrontar seus adversários de Curitiba.

    Em menos de uma semana, dois episódios evidenciam com clareza o novo papel que Lula passou a desempenhar na crise: em 18 de abril, após ser atacado pela Lava Jato e por veículos de imprensa vinculados à extrema direita, Dias Toffoli, presidente do STF, autorizou Lula a dar entrevistas na cadeia. Em 23 de abril, a quinta turma do STJ diminuiu a pena imposta a Lula, o que coloca a possibilidade da progressão penal num horizonte próximo.

    A prisão de Lula é a grande vitória da Operação Lava Jato. Apenas sua libertação seria capaz de confrontar aquela que, hoje, é a mais poderosa força em atuação no ecossistema político brasileiro.

    Mas a situação não é nada simples.

    Não é possível, simplesmente, libertar Lula. Isso significaria assumir o que muitos já sabem: a prisão foi política e o processo esteve viciado do início ao fim, contando com a chancela do próprio STF. Ao libertar Lula, a suprema corte assumiria o crime, se tornaria réu confesso.

    Por isso, a autorização para a entrevista. Por isso, a redução da pena. Soluções de compromisso que, ao mesmo tempo, tentam salvar a reputação do STF e mandam um recado para os rebeldes de Curitiba.

    Provavelmente, Lula não será solto. Os generais, que estão acompanhando com atenção essa guerra total entre o STF e a Lava Jato, precisam que Lula continue preso. Lula solto, ou com acesso liberado à internet, lideraria a oposição ao governo já frágil do Capitão. Os generais ainda apoiam o Capitão. Se nenhuma reviravolta muito radical acontecer, Lula morrerá na cadeia.

    Mesmo preso e silenciado há mais de um ano, Lula continua pautando a política brasileira. Hoje, Lula é a moeda de troca mais valiosa do mercado.

     

     

  • Por que Lula ainda está preso?

    Por que Lula ainda está preso?

     

     

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Fernandes

     

    Uma das principais características da crise brasileira contemporânea é o cerco inédito que o sistema de Justiça montou para acuar a classe política. Desde o nascimento da Operação Lava Jato, em 2014, diariamente o noticiário mostra o espetáculo das operações da Polícia Federal na caça aos políticos profissionais.

    Os brasileiros e brasileiras se habituaram a ligar a TV e ficar sabendo que naquele dia a PF tinha batido às seis da manhã na porta de um senador, de um deputado, de um ex-governador, para cumprir mandado de prisão. De fato, a operação Lava Jato levou para a cadeia um segmento da sociedade que até então contava com mansidão da Justiça.

    É óbvio que a população aplaudiu de pé e a Lava Jato rapidamente se tornou sucesso de público e crítica. Até mesmo a presidenta Dilma e Zé Eduardo Cardozo, seu ministro da Justiça, se deixaram levar pela popularidade da Lava Jato. Eles estavam convencidos de que a corrupção estava com seus dias contados no Brasil.

    Essa energia política era tudo que a Lava Jato precisava para o seu lance mais ousado: a prisão de Lula, o principal líder popular da história do Brasil. Funcionou. Lula foi preso em abril de 2018 e nada aconteceu. Protestos reunindo algumas centenas de pessoas aqui e acolá, mas nada capaz de salvar o ex-presidente.

    Isso quer dizer que a popularidade de Lula derreteu? Creio que não. No final de agosto de 2018, o Datafolha fez a última pesquisa em que o nome de Lula aparecia entre os presidenciáveis. Os números apontam que Lula venceria as eleições com alguma facilidade. Ou seja, as pessoas até votariam em Lula, mas não estão convencidas de sua inocência, não estão dispostas a irem às ruas levar bala de borracha no lombo e gás de pimenta na cara para defendê-lo.

    A discussão se Lula é inocente ou não, se sua prisão foi arbitrária ou legítima, terá vida longa, talvez mais longa do que a vida do próprio condenado. Não entro aqui no mérito dessa questão. Quero discutir outra coisa.

    Por que, um ano depois, Lula continua preso? O leitor mais apressado diria: porque ele roubou!

    Em um exercício puramente analítico, aceito a hipótese do leitor. Digamos que sim, que Lula tenha roubado, que seja de fato culpado.

    Lula é mais ladrão que Beto Richa ou Michel Temer?

    Por que Lula permanece preso, enquanto outros políticos notoriamente envolvidos com casos de corrupção conseguem sucessivos habeas corpus que lhes permitem entrar e sair da cadeia?

    Lula é bandido mais perigoso que Fernandinho Beira-Mar, que o goleiro Bruno, que o Maníaco do Parque? Lula não pode dar entrevistas, ao contrário de traficantes e assassinos, que mesmo presos puderam falar à imprensa.

    A conclusão, ao menos pra mim, é óbvia: mesmo que Lula fosse culpado, sua manutenção na cadeia teria motivação política.

    Lula ainda está preso porque ele representa um projeto de desenvolvimento que confronta diretamente o programa de governo que chegou ao poder em 2016, depois do golpe parlamentar que derrubou a presidenta Dilma.

    A prisão de Lula, seu total isolamento, é a representação perfeita da lógica maior da crise brasileira.

    O Brasil está atolado numa crise que parece não ter fim por causa da radicalização do conflito entre dois projetos desenvolvimentistas rivais: de um lado, está o projeto que define o Estado como o gestor do desenvolvimento nacional. Do outro lado, está o projeto que entrega essa posição de comando ao mercado.

    É a guerra entre o projeto estatista e o projeto privatista.

    O conflito não é nada novo na história no Brasil. Suas origens nos remetem aos primórdios do Brasil moderno, quando, na década de 1940, a gerência estatal começou a ser confrontada pelos grupos políticos organizados na UDN.

    Na década de 1990, nos governos do PSDB, o projeto privatista estava no poder. O PT, representando o projeto estatista, era oposição. Do começo do século XXI até 2013, o PT estava no governo, com energia política para implantar seu programa.

    Mas as sucessivas derrotas eleitorais e o inegável sucesso político dos governos comandados pelo Partido dos Trabalhadores convenceram os adversários de que seria impossível vencer nas urnas. A falta de um horizonte de retorno ao poder pela via democrática levou o projeto privatista a romper seu compromisso com a democracia.

    Não foi a primeira vez. Aconteceu também em meados da década de 1950. O resultado foi na morte de Getúlio Vargas. Aconteceu também em 1964. O resultado foi o golpe militar e o estabelecimento da ditadura.

    Fato é que o projeto privatista apostou alto e declarou guerra total ao seu rival. Não havia lugar para meia vitória. A artilharia foi pesada. O Partido dos Trabalhadores, com seu programa desenvolvimentista, precisava ser completamente destruído.

    Com isso, não quero dizer que o PT não tenha se envolvido em escândalos de corrupção. Somente um militante ingênuo seria capaz de chegar tão longe.

    Estou afirmando que a corrupção não é o núcleo duro da crise. É apenas pretexto, discurso pra legitimar perseguição política.

    Dilma foi golpeada, mas ainda assim não era suficiente.

    Também não bastava apenas impugnar a candidatura de Lula. Solto, andando pelo Brasil e fazendo campanha, Lula poderia eleger o próximo presidente. O projeto privatista não poderia dar sopa para o azar.

    O plano não deu tão certo assim. O objetivo era o retorno dos tucanos ao Palácio do Planalto. O PSDB garantiria a estabilidade política que o projeto privatista precisa. A situação acabou saindo do controle e foi Jair Bolsonaro quem herdou o ódio político que o golpismo plantou.

    O projeto privatista apostou ainda mais alto e resolveu apoiar a candidatura de Bolsonaro. Hoje, o projeto privatista está no governo, mas não tem hegemonia. Precisa disputar espaço com uma direita histérica que fez do moralismo comportamental sua profissão de fé, com os militares que se recusam a abrir mão de seus privilégios previdenciários, com a família presidencial que quer instituir a sucessão hereditária na República.

    Ao fim e ao cabo, a vitória de Bolsonaro significou uma meia vitória para projeto privatista. Não é o ideal, mas é o possível. Talvez sirva. Será?

    Mas pra servir mesmo, para que o projeto privatista consiga continuar impondo sua agenda ao Brasil, Lula precisa continuar preso.

    Já pensaram, leitor e leitora, Lula saindo pelo Brasil em caravana explicando para o povo o que significa a reforma da previdência, o que significa o fim do benefício de prestação continuada.

    Antes de tudo, Lula é um pedagogo.

    Lula solto, ou com um celular conectado à internet nas mãos, significaria a desestabilização de um governo que nasceu frágil, atravessado por conflitos internos.

    Lula solto significaria oposição efetiva agitando as pessoas. Não pode. O projeto privatista chegou muito longe, apostou alto demais. Lula não pode ser solto. Se nada de muito inesperado acontecer, Lula morrerá na cadeia. Temo que jamais ouviremos sua voz novamente.