Jornalistas Livres

Categoria: LGBT

  • Nenhum Plínio a menos

    Nenhum Plínio a menos

    Neste domingo, (23/12), um grupo de pessoas se concentraram na esquina da Av. Paulista com a Av Brigadeiro Luís Antônio para realizar uma vigília em homenagem à Plínio, morto enquanto voltava do parque do Ibirapuera com seu noivo e amigos nesta última sexta (21).

    A morte de Plínio foi resultado de mais uma ação violenta, homofóbica e racista: ele, jovem negro e gay, apenas passeava pela avenida mais importante da cidade com seu companheiro e amigos.

    Homenagem deixada em uma das esquinas do cruzamento Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Essa cena já é, há bastante tempo, uma das mais comuns no local: casais de gays, lésbicas, trans, negras, elegeram a Paulista como um dos pontos mais legais para passear.

    Mas para Plínio e o noivo, a Paulista foi palco do pior lugar para um lazer: eles, de mãos dadas, “chamaram a atenção” de dois homens, que comecaram a provocá-los.

    Sem aceitar xingamentos e provocações homofóbicas, o casal resolveu responder de maneira verbal e isso foi suficiente para fossem atacados. Plínio foi esfaqueado, não resistiu ao golpe e faleceu.

    Mesmo sendo a avenida que recebe uma das maiores paradas gays do mundo, vendida como espaço seguro, a Paulista já teve outros casos de violência contra gays. O mais famoso é caso da “lâmpada”. Um jovem gay que andava pela calçada foi morto com golpes de lâmpada no crânio.

    A vigília de hoje foi chamada ontem pelas redes sociais. Até a noite de sábado, o caso teve pouco repercussão e demorou a ser tratado como crime de homofobia.

    O grupo que organizou e fez a montagem Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    A organizadora do ato, a estudante, Andreza Delgado, explica a motivação para convocá-lo: “uma afronta, não é? Um dos poucos espaços que a gente consegue circular na cidade e isso acontecer, do jeito que aconteceu e o que está acontecendo no Brasil, essa onda conservadora. O quanto esse discurso do Bolsonaro, ele legitima muita violência. É doloroso.”

    Por volta das 13h pessoas que apareceram se reuniram em uma das quatro esquinas do cruzamento. Ali, se reconhecendo pelos portes de cartazes e flores, começaram a preparar o monumento em homenagem à Plínio.

    “Memorial” para Plínio Foto: Lucas Marins / Jornalistas Livres

    Algumas outras pessoas que andavam pela avenida, se juntaram aos manifestantes para homenagear Plinio.

    Plínio, presente!

     

     

     

    TRÊS DEPOIMENTOS DE MANIFESTANTES QUE ESTIVERAM NO ATO NA AVENIDA PAULISTA ORGANIZADO EM HOMENAGEM A PLÍNIO

     

    https://www.facebook.com/292074710916413/posts/996029420520935/

  • Organização lésbica repudia encontro de LGBTs com Damares

    Organização lésbica repudia encontro de LGBTs com Damares

    A Liga Brasileira de Lésbicas e mulheres bissexuais se pronunciou por meio de carta sobre um encontro entre alguns ativistas LGBTs e a futura ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves. No encontro, realizado nessa semana, foi discutido algumas ações da futura pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos.

    Veja abaixo a íntegra da carta:

    CARTA ABERTA LBL NACIONAL

    A Liga Brasileira de Lésbicas – LBL é uma articulação política de lésbicas e mulheres bissexuais pela garantia efetiva da livre orientação e expressão afetivosexual. Tendo como princípios: o pluralismo, a autonomia, autodeterminação e liberdade, a democracia, a solidariedade; a transparência; a horizontalidade; a defesa do Estado laico; a defesa dos princípios feministas e suas bandeiras; a visibilidade lésbica e bissexual; a luta antirracista e anticapitalista e de combate às mais diversas formas de LGBTfobia – pautas e princípios esses que o presidente eleito Jair Bolsonaro, seus ministérios e respectivos representantes não apenas se opõem como publicamente propõem extermínio e cerceamento.

    16ª caminhada de mulheres lésbicas e bissexuais de São Paulo, 2 de Junho Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livre

    Somos uma rede que em seus 15 anos de existência atuou com posicionamentos independentes, de autonomia política e que nunca se esquivou do debate ético, crítico e coerente em prol da coletividade e da democracia. Desta forma, não acreditamos ser possível aliança com aqueles que pretendem nos exterminar.

    Acreditamos que o controle social tem como função evitar a barganha das pautas inegociáveis de uma sociedade democrática, não sendo possível barganhar direitos LGBTQI+ com um governo que expressa publicamente seu desejo em eliminar a oposição e criminalizar os movimentos sociais. Consideramos impossível ter diálogo enquanto as populações indígenas, comunidades de terreiros, quilombolas e outras organizações e movimentos estão sendo ainda mais dizimadas. Diante do genocídio da juventude negra e do cruel encarceramento em massa que tem cor e classe, não acreditamos ser possível participar de espaços que fomentam a violência estatal e que legitimam as ações da polícia que mata diariamente em nome da segurança pública.

    É irreconciliável negociar garantia de direitos e enfrentamentos a violências específicas de nossa população, como por exemplo, o estupro corretivo, com um Ministério que declara como meta resgatar o “Bolsa Estupro”, um projeto de lei que fere profundamente a dignidade de mulheres, lésbicas e homens trans, visto que é uma vivência que também perpassa nossos corpos. Assim como não é possível conciliar diálogo com defensores da existência da chamada “ideologia de gênero”, e o cerceamento dos debates avançados e dos direitos duramente conquistados pelos movimentos sociais. Sabemos que as instituições democráticas estão fragilizadas e não há garantia de respeito aos princípios democráticos e a laicidade do Estado.

    16ª caminhada de mulheres lésbicas e bissexuais de São Paulo, 2 de Junho Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livre

    Acima de tudo, não acreditamos em articulação com governos que apoiaram o golpe institucional misógino, que pretende instaurar uma agenda neoliberal de privatizações destruindo mais de 16 anos de avanços na luta contra a pobreza. A LBL se mantém como oposição política a este governo e faremos o controle social sem nos afastar de todas as lutas feministas, antirracistas e antifascistas, e não coadunamos com a cooptação dos movimentos e de todas as lutas emancipatórias e libertárias. Um governo que propõe extermínio e cerceamento de direitos não “pensa diferente”, mas nos violenta.

    Não nos contentamos apenas com o fato de não retroceder, queremos AVANÇAR!

    Indivíduos do movimento que visam a autopromoção e a busca por ocupação de espaços aliados a um governo fascista, racista e misógino não nos representam e nem legitimam as nossas pautas e buscas por políticas públicas.

    Lésbicas e mulheres bissexuais querem existir com dignidade!

    Liga Brasileira de Lésbicas – LBL – 2018

  • Em tempos de resistência, artista lança manifesto LGBTI

    Em tempos de resistência, artista lança manifesto LGBTI

    Minha mãe é poeta; eu sou poesia”. O verso repetido ao longo da música Húmus sintetiza a poética provocativa e corporeidade da multiartista Silvino, bicha não-binária que canta, compõe e desponta como uma letrista promissora na nova MPB. O Manifesto Húmus, com lançamento oficial previsto para 21 de novembro no Youtube e dia 23 nas plataformas de streaming, aborda a ausência do debate sobre respeito aos LGBTIs na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e conta com a participação das Mães Pela Diversidade.

     

    Gravado de forma documental em agosto desse ano, o vídeo registra o encontro entre jovens, a afetividade e a construção de um memorial LGBTI no centro de Santos. Elaborado pelo artista visual Fernando Gois, o memorial de rua conta com nomes de mais de 300 LGBTIs executadas no Brasil, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e do Grupo Gay da Bahia e permeiam caricaturas de militantes históricas dos movimentos LGBTI e negro como Audre Lorde e Marsha P. Johnson e também de Herbert Daniel, militante LGBTI e dos direitos das pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil.

    “Procuramos dados de recortes de raça das execuções de LGBTI no Brasil e não encontramos. Trazer Audre e Marsha no vídeo é apontar esta intersecção, assim como ter Herbert Daniel vestindo uma faixa presidencial é dizer sim ao SUS. É dizer sim a manutenção do tratamento gratuito e universal das pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil”, afirma Silvino. A cantora lançou no ano passado o single Olhos Amarelos, onde revela viver com HIV. Ela foi apontada por Elza Soares como uma promessa da “primavera da diferença”.

     Em clima festivo, a música é também uma celebração à vida e aos corpos das pessoas que existem e resistem às opressões por conta de suas identidades de gênero e orientações sexuais. Produzido pela Dois Pontos Filmes, o vídeo também conta com a direção de Thiago Felix, que assina com Linn da Quebrada o clipe Enviadescer. A direção de arte é de Hugo Vicente. A viabilização do projeto foi possível graças a contribuição de 33 pessoas por meio de arrecadação colaborativa on line.

    Ficha Técnica
    Direção geral: Thiago Felix
    Direção de arte: Hugo Vicente
    Produção: Dois Pontos Filmes
    Produção musical: Theo Cancelo e Adam Biasi
    Artista plástico: Fernando Gois
    Participação especial: Mães pela diversidade 

  • O 18 BRUMÁRIO DE JAIR BOLSONARO

    O 18 BRUMÁRIO DE JAIR BOLSONARO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Pelicano


    Demonstro nesse livro como a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar um papel de herói.”

    Assim, com essas palavras, Karl Marx inicia o livro “O 18 Brumário de Luís Napoleão Bonaparte”, publicado em 1852. No texto, Marx se pergunta como um sujeito medíocre e grotesco conseguiu se tornar o líder máximo da sociedade que meio século antes havia experimentado a mais importante revolução social da história moderna.

    Aqui, neste ensaio, me inspiro em Marx para formular minha própria pergunta:

    Por que Jair Bolsonaro, até então um deputado medíocre, inexpressivo, foi eleito presidente da quarta maior democracia do mundo?

    Meu esforço aqui é o de entender o capital político que impulsionou o bolsonarismo. Esse capital político é substância composta e heterogênea. Neste texto, pretendo decompor essa substância, trazendo à luz cada um dos seus elementos.

    1°) O antipetismo

    Desde o final da década de 1980 que o antipetismo é fator decisivo nas eleições presidenciais brasileiras. Até aqui nenhuma novidade. Porém, dessa vez algo mudou. Ao velho macarthismo, que durante tanto tempo inviabilizou Lula, somou-se uma dupla interdição moral.

    A primeira camada de moralidade refere-se ao sentimento anticorrupção. Desde 2005, existe o esforço articulado pela grande mídia e por órgãos do aparato policial e judicial do Estado (Polícia Federal e Ministério Público) de colar no Partido dos Trabalhadores a pecha de partido mais corrupto do sistema político brasileiro. Essa frente antipetista sempre teve um modus operandi muito claro: a espetacularização seletiva dos escândalos de corrupção. É impossível compreender a ascensão de Bolsonaro sem a atuação dessa frente antipetista.

    A segunda camada de moralidade refere-se ao plano do comportamento.

    Nos últimos 30 anos, vimos no Brasil e no mundo o fortalecimento dos direitos civis das minorias (mulheres, pretos e pretas e LGBTs). Essa discussão já estava presente na cena brasileira desde a redemocratização, nos anos 1980, tendo sido contemplada parcialmente pela Constituição de 1988. Avançamos nessa agenda tanto nos governos de Fernando Henrique Cardoso como nos governos petistas. Poderíamos ter avançado mais, é claro.

    É uma obviedade dizer que o Brasil é um país conservador e que, por isso, a pauta dos direitos civis das minorias tem grande impacto ofensor na moralidade dominante. Essa moralidade dominante foi ainda mais radicalizada com a ascensão do cristianismo neopentencostal, do qual a Igreja Universal do Reino de Deus é a principal representante.

    Hoje, a formação política de parcela considerável da sociedade brasileira não acontece na universidade, tampouco na escola, muito menos nos sindicatos e associação de moradores. As igrejas evangélicas neopentencostais estão formando a consciência política de milhões de brasileiros e brasileiras, de todas as classes sociais.

    Sem dúvida, a aliança costurada entre a candidatura de Jair Bolsonaro e a Igreja Universal do Reino de Deus foi elemento decisivo para o desfecho da corrida eleitoral. No Brasil inteiro, as igrejas se transformaram em verdadeiros núcleos de campanha. A campanha de Bolsonaro conseguiu convencer as pessoas que os direitos civis das minorias representam um ataque à família brasileira e que o PT seria o principal promotor desse ataque.

    Resumindo: O velho antipetismo foi turbinado e caiu no colo de Jair Bolsonaro.

    Mas por que Bolsonaro e não outro antipetista qualquer?

    2°) A sensação da insegurança pública

    Nas grandes cidades brasileiras, as pessoas estão assustadas. Os índices de violência urbana são similares aos observados em países em situação de guerra.

    Como bem lembrou Marcelo Freixo, as esquerdas brasileiras sempre tiveram dificuldade em discutir o tema da segurança pública, pois costumam enfrentar o assunto com ideias abstratas como “direitos humanos”, ou com projetos que ofendem a tal moralidade da qual falei há pouco, como a “descriminalização do consumo de drogas”.

    Enquanto isso, Jair Bolsonaro evocou a velha máxima do “bandido bom é bandido morto”. Foi o bastante para que as pessoas, assustadas, fossem tomadas por certo sentimento hobbesiano, aceitando de boa vontade abrir mão de algumas liberdades em nome de um Estado autoritário e violento, capaz de trazer a sensação de segurança. O medo é afeto político muito poderoso.

    3°) A narrativa da ineficiência da democracia

    Foram muitos os desdobramentos dos eventos que aprendemos a chamar de “jornadas de junho de 2013”. Ainda não entendemos bem o que aconteceu naquele momento e o próprio significado de “2013” está sendo disputado.

    Mesmo diante de tantas incertezas e caminhando em terreno ainda pouco sólido, estou muito convencido de que junho de 2013 passou uma mensagem para a sociedade brasileira: a democracia representativa criada nos anos da redemocratização seria corrupta e ineficiente na gestão dos serviços públicos e na promoção do Bem-Estar Social.

    Os números mostram outra realidade. Desde a década de 1990, o Brasil vem caminhando relativamente bem no que se refere à qualidade e a eficiência dos serviços públicos.

    Não, leitor e leitora, não estou louco!

    Todos os dados apontam para a evolução no acesso à educação e à saúde, no combate à mortalidade infantil, no aumento da rede de atendimento na saúde básica.

    Mas como o que importa é a tal da “percepção”, os dados estatísticos são pouco relevantes. As “jornadas de 2013”, tão bem exploradas e cooptadas pela mídia hegemônica, pintaram para a sociedade brasileira um quadro de total colapso e ineficiência na gestão dos serviços públicos. Se o quadro não é totalmente falso, está longe de ser completamente verdadeiro.

    A mensagem foi transmitida com sucesso e continuou a alimentar a revolta social em 2015 e 2016. O saldo desse ativismo da sociedade civil pode ser resumido por um sentimento de “fora todos”, de “tudo está errado”, “tem que mudar tudo isso aí”. Temos aqui terreno fértil para o surgimento de lideranças que se apresentam como antissistemas, como “outsiders”. Jair Bolsonaro era um dos poucos políticos que conseguiam caminhar com tranquilidade entre a multidão, justamente porque foi capaz de se apresentar como um crítico ao sistema vigente (a democracia) e um defensor da ordem política superada (a ditatura), que passou a ser objeto de toda tipo de saudosismo.

    A percepção geral da ineficiência da democracia alimentou a utopia autoritária representada por Jair Bolsonaro.

    4°) A falta de compromisso do capitalismo com a civilização

    Uma das principais motivações para o golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff em agosto de 2016 foi sua recusa em adotar a agenda de desmonte do Estado que na época foi chamada de “Ponte para o Futuro”.

    Não há nenhum voo interpretativo aqui. O próprio Michel Temer disse, em palavras cristalinas: “Dilma caiu porque não quis adotar a Ponte para o Futuro”. Essa é uma novidade do golpe brasileiro: os golpistas assumem que foi golpe, sem nenhum constrangimento.

    É antigo o projeto de desmonte do Estado brasileiro. Podemos encontrar sua origem lá na década de 1950, com o udenismo. Porém, esse projeto sempre teve dificuldades para se transformar em realidade. Nem mesmo a Ditadura militar o fez. Na década de 1990, os tucanos avançaram, mas nem tanto.

    Os governos petistas interromperam a marcha, que foi acelerada com Temer. Em dois anos, Michel Temer conseguiu o que três gerações de políticos e economistas liberais não foram capazes de fazer: tirar do controle do Estado o planejamento do desenvolvimento nacional, entregando-o ao mercado. A famosa “PEC dos Gastos” é o grande símbolo desse sucesso.

    As forças do mercado sabiam muito bem que as eleições de 2018 representavam um risco para continuidade desse projeto. O primeiro movimento foi garantir que Lula ficasse de fora da corrida presidencial. Depois, foi colocada em movimento uma campanha negativa, visando a destruição do Partido dos Trabalhadores. O objetivo era fortalecer o outro polo do sistema político, aquele que até então era o dono do antipetistmo: o PSDB.

    Jair Bolsonaro atravessou o processo e as forças do capital não hesitaram em abandonar o antigo aliado e firmar matrimônio com um novo amor. A popularidade de Bolsonaro se tornou a garantia da legitimação eleitoral da agenda econômica do golpe parlamentar. Não houve debate econômico, projetos de desenvolvimento nacional não foram discutidos. Jair Bolsonaro foi eleito, exclusivamente, na base do antipetismo repaginado e do sentimento hobbesiano alimentado por uma população assustada. Paulo Guedes foi silenciado durante toda a campanha.

    As forças do mercado comemoraram a eleição de Bolsonaro. O ideal mesmo seria Alckmin, mas Bolsonaro, com a chancela de Paulo Guedes, serve também. Machista, autoritário, violento, homofóbico? Sim, não importa. O capitalismo não tem o menor compromisso com a civilização.

    A eleição de Bolsonaro inquieta e assusta o mundo inteiro. Dentro e fora do país, aqueles que têm um mínimo compromisso com os valores que fundam a civilização se perguntam: como isso aconteceu? Como foi possível?

    Ainda vamos nos debater muito com essas perguntas. Historiadores, sociólogos e cientistas políticos vão propor inúmeras hipótese explicativas.

    Fato mesmo é que Bolsonaro não surgiu ontem. Ele está aí há muito tempo, no submundo da política brasileira. Ignoramos, não prestamos atenção, subestimamos, debochamos. Acreditamos que o Brasil não se rebaixaria tanto assim. No fundo, bem no fundo, nos iludimos, achando que o Brasil tinha melhorado. Melhorou não. É isso aí mesmo. Sempre foi.

     

  • #HaddadeManuSim: eleitorado pró-Haddad se fortalece a poucos dias do segundo turno

    #HaddadeManuSim: eleitorado pró-Haddad se fortalece a poucos dias do segundo turno

    por Isabela Abalen e Milena Geovana, especial para os Jornalistas Livres

     

    Bruna Sampaio durante o ato Haddad e Manu Sim na Praça da Estação, Belo Horizonte. Crédito: Isabela Abalen / Jornalistas Livres

    “Por um futuro melhor que a gente acredita e luta há muito tempo. E é isso: uma eterna resistência que a gente está fazendo, porque o cenário é de muito ódio, e não é isso que queremos para o futuro de nossas crianças.” Contou a cientista social, Bruna Sampaio, que está grávida de um menino e já tem outra criança em casa. Ela tem certeza do seu voto, que vai em apoio ao presidenciável do PT nesta corrida ao Palácio do Planalto, Fernando Haddad. Para Bruna, a vitória do candidato à frente no segundo turno, Jair Bolsonaro, do PSL, ainda não está dada: “A gente sabe quem está do lado do povo e quem não está, é por isso que a gente segue acreditando”, concluiu.

     

    O próximo domingo (28) está marcado na agenda. Cerca de 147 milhões de eleitores vão às urnas para decidir quem será o novo presidente do Brasil, como a nova ou o novo vice presidente. Dentre tantas movimentações, o último sábado (20) foi data de atos culturais em todo o país para promoção do candidato Fernando Haddad, do PT, junto à sua vice, Manuela D’Ávila, do PCdoB. A equipe dos Jornalistas Livres de Minas Gerais esteve presente na manifestação cultural de Belo Horizonte, que aconteceu no centro da capital mineira e contou com apresentação de 42 blocos de carnaval protagonizados por mulheres, para conversar com algumas das que saíram de casa a fim de fortalecer o grito #HaddadeManuSim. A advogada Jerusa Furbino foi uma delas. Ela que não veio sozinha, trouxe a filha mais nova, Lívia, de oito anos, e a amiga Marry, com suas duas filhas.

     

    Jerusa fez uma comparação entre os dois presidenciáveis que concorrem o segundo turno para justificar sua escolha. “Como advogada, eu entendo que nós temos que defender o estado democrático de direito, e não deixar essa ameaça de um candidato que quer governar somente para a maioria acontecer. Um candidato que diz que quer eliminar uma minoria é abominável nos dias de hoje”, disse, fazendo menção ao discurso de Jair Bolsonaro durante campanha em Campina Grande, Paraíba, em fevereiro do ano passado. “Nós temos que ter um presidente que pense na educação, que pense no futuro do país, que pense nas minorias e que trabalhe em prol dessas minorias, porque elas têm o direito igual ao de todos”.

    Jerusa Furbino, de chapéu branco, com sua filha, Lívia, à frente, e a amiga com suas filhas ao lado. Crédito: Isabela Abalen / Jornalistas Livres
    Liliana Cunha balançou bandeira pró-Haddad e Manuela D’Ávila em Belo Horizonte. Crédito: Isabela Abalen / Jornalistas Livres

    Quem não pôde levar a filha, mas a trouxe em motivação, foi a psicóloga Liliana Cunha. Liliana contou ter uma filha homossexual e se preocupar em como ela será tratada pela próxima gestão presidencial. “Eu luto muito por ela. Eu não quero ver a minha filha sofrendo, então eu luto pela minha filha e pelas filhas e filhos de outras mulheres, porque é isso que eu quero: um Brasil de amor”, disse.

     

    Em um ato erguido pelas mulheres, que somam cerca de 50% de rejeição à Bolsonaro segundo o último levantamento Datafolha por distinção por sexo, de 4 de outubro, movimentos da luta da mulher marcaram presença. A Marcha Mundial das Mulheres foi um deles. Também, o Movimento de Mulheres Olga Benário compareceu. Indira Xavier, Coordenadora da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, e do Movimento Olga Benário, estava de roxo, a cor da luta feminina. “[estamos aqui] Para dizer que nós temos memória, temos história, e que somos contra a ditadura militar e contra o retrocesso em nosso país. Nós sabemos que a violência,  seja ela qual for, ataca sobretudo as mulheres, e temos visto que o aumento dessa violência vêm crescendo exponencialmente em nosso país”.

     

    Indira Xavier usando seus adesivos em campanha ao candidato Haddad. Créditos: Isabela Abalen / Jornalistas Livres

    Apesar de serem maioria presente no ato do dia 20, as mulheres não foram as únicas que saíram de casa no fim de semana para declarar o apoio aos candidatos da coligação “Brasil Feliz De Novo”, o que engrandeceu ainda mais o ato. Como destacou a estudante Luanna Costa: “Estou gostando muito dessa manifestação há uma semana do segundo turno das eleições, porque tem uma representatividade muito grande de mulheres, negros e homessexuais.” O respeito a diversidade é uma pauta que foi bastante destacada pelos manifestantes, que contaram não sentir o mesmo vindo dos discursos do presidenciável Jair Bolsonaro.

     

    Para a psicóloga e psicanalista,  Renata Cristina Belarmino, fica bem claro a importância de todas as manifestações que ocorreram durante o período eleitoral para defender a diversidade e lutar por mais igualdade. De início, tímida, acabou nos soltando um discurso: “Eu trabalho na área da saúde mental, milito nela, pela democracia, pela liberdade, pela vida e pela justiça. Acho que esse movimento transfere para a gente a representação do sujeito que luta. É um movimento que ultrapassa a barreira política, não é pela bandeira, mas sim pelo significado do sujeito, que se impõe contra tudo o que a gente está aqui lutando hoje. Um sujeito que é toda a representação do machismo, do racismo, da homofobia e de tantas outras ‘bias’ da vida que nos impedem de avançar.  Seja em qualquer magnitude dessa manifestação, o povo brasileiro se colocou porque ele teve que se colocar. E esse agrupamento hoje traz a simbologia do eu e do todo, que não olha só para si.

     

    Luanna Costa levou seu livro “Ele Está de Volta”, do escritor alemão, Timur Vermes, ao ato cultural Haddad e Manu Sim. Créditos: Isabela Abalen / Jornalistas Livres

    Eu não preciso ser negra para me implicar na militância negra, eu não preciso ser lésbica para me implicar na militância LGBT, eu não preciso ser nada para me implicar em qualquer militância. Eu preciso ser ser-humano para me implicar com a militância da vida.”

     

    E a psicóloga finalizou: “Então eu penso que no primeiro ato que a gente fez, tínhamos sim um caráter de construção política de levantar bandeiras, de ter foco no lugar que a gente queria chegar, um caráter de quem a gente vai derrotar, quem é o nosso inimigo. Mas neste momento a gente traz um olhar mais para quem é você, olha para o que você é e o que quer representar neste dia 28.  Por isso tá lindo o movimento, não é apenas um número, é a energia que passa.” Renata também participou do ato do dia 29 de setembro, chamado de “Mulheres Contra Bolsonaro”. 

     

    A mobilização do último fim de semana levou mais uma vez pessoas às ruas, essas que nos contaram acreditar no voto consciente, que, segundo elas, zela por todas as minorias e pode eleger um candidato que respeite essa diversidade e mudar o país. A poucos dias do segundo turno, apoiadores se movimentam acreditando em uma virada na corrida eleitoral. Amanhã (24), Fernando Haddad faz campanha em Belo Horizonte, às 10 horas da manhã, na Rua da Bahia, ao lado do Museu Inimá de Paula. Acompanhe toda a semana de mobilização pró-Haddad e Manuela D’Ávila na cidade clicando neste link.

     

    A psicóloga e psicanalista, Renata Belarmino, ao meio, com suas amigas que a acompanharam na manifestação. Créditos: Isabela Abalen / Jornalistas Livres
  • Eleições 2018: e nós com isso?

    Eleições 2018: e nós com isso?

    Quem somos nós? Somos lésbicas e o povo LGBT todo. Somos toda a população negra, principalmente os mais desesperançados, enganados por achar que o candidato que os quer mortos vai redimi-los. Somos o povo de asè e desafortunadamente, muitos de nós temos declarado voto em alguém que reiteradamente manifesta nojo por nós.

    Somos pan-africanistas, anarquistas, punks, anarco-punks e queremos modelar o mundo à revelia das instituições. O caso é que os processos institucionais nos devoram passivamente se não participamos deles, principalmente em horas cruciais como agora nas eleições de 2018 em que nossa existência como seres humanos plenos e libertários está em jogo (é algo ainda mais fundo do que a derrocada da democracia).

    Somos mulheres negras e também entre nós, para nosso total espanto existe gente partidária de um projeto de ditadura. Somos setores do Hip Hop votando em projeto fascista.

    Somos uma gente iludida que por motivos diversos, todos ligados ao desespero, ao descaso e a falta de perspectiva, conseguimos achar que um projeto fascista pode significar alguma mudança positiva. Talvez sejamos um pouco suicidadas e queiramos entregar o pescoço ao carrasco como ovelhas entorpecidas.

    Somos também aquelas pessoas que não fazem parte de algum dos grupos citados, que não nos identificamos como alguém pertencente a algum deles, mas temos filhos, primos, sobrinhos, tios, amigos, colegas respeitados que integram esses segmentos.

    E o que tenho a dizer a vocês, o que tenho a dizer a todos nós, é que como na velha canção mineira, “vamos precisar de todo mundo banir do mundo a opressão e um mais um é sempre mais que dois.”

    Vem que ainda é tempo de arrumar. Se a gente se organizar direitinho e votar a favor da vida, a gente vira o jogo. E é melhor que o façamos para não sermos os primeiros a morrer, inclusive os que acham que “não têm porra nenhuma a ver com isso”. Vem somar com a gente, ainda dá tempo.