A procuradora regional da República da 5ª Região Sônia Maria de Assunção Macieira deu parecer favorável à liminar do agravo ajuizado pela União que pede à Justiça Federal para reconhecer a legitimidade da portaria expedida pelo Ministério da Educação em 20 de abril nomeando o interventor Josué Moreira para o cargo de reitor pro tempore do Instituto Federal do Rio Grande do Norte.
Na prática, o parecer legitima o golpe do MEC nas eleições do IFRN realizadas em dezembro de 2019. Na época, o candidato mais votado com 48,5% dos votos foi o professor de Educação Física José Arnóbio de Araújo. O interventor nomeado pelo ministro Abraham Weintraub sequer participou da disputa, mas ganhou o cargo por indicação do deputado federal general Girão (PSL). Moreira é ex-candidato à prefeitura de Mossoró pelo mesmo partido do parlamentar bolsonarista.
A procuradoria regional da República em Pernambuco foi consultada a pedido do desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região Elio Wanderley de Siqueira Filho, que já havia concedido liminar favorável ao pedido da União, mantendo no cargo o interventor Josué Moreira.
O que chama a atenção no caso é a militância explícita e política da procuradora. Nas redes sociais, a integrante do MPF se revela bolsonarista, defensora e militante do presidente da República Jair Bolsonaro. Numa das postagens extraída da página pessoal e pública do Facebook de Sônia Macieira, ela compartilha imagem onde se lê “procura-se por homens valentes, que sejam capazes de salvar o meu futuro do comunismo”.
Postagem extraída do facebook pessoal da procuradora Sônia Macieira
Há também saudações a Jair Bolsonaro, fotos de manifestações em favor do presidente da República e comentários sobre a beleza do casal Jair e Michele Bolsonaro. A maioria das imagens é ligada a santos católicos.
Os argumentos do MEC e da Advocacia geral da União ratificados no parecer de Sônia Macieira justificam a nomeação do “reitor pro tempore” em razão de uma sindicância interna no IFRN que José Arnóbio de Araújo responde por conta de uma denúncia feita em 2018 por membro do Movimento Brasil Livre (MBL) de uso do espaço público do campus central do Instituto para fins políticos.
Parecer
Procuradora regional Sônia Macieira
Ativistas da campanha Lula Livre instalaram uma barraca na área sem consultar a direção do IFRN. Arnóbio era diretor do campus, mas alegou que não sabia nem estava na cidade quando o fato aconteceu. Em razão desse caso, Sônia Macieira coloca em xeque até a reputação do reitor eleito:
– Não se mostra desproporcional a exigência por parte de ocupantes de cargos da natureza dos autos, a satisfação do requisito de “idoneidade moral e reputação ilibada“. Na espécie a decisão que suspende a posse do reitor eleito, não se mostra com vício de motivação a ensejar seu afastamento liminar. Ademais, não se pretende em sede liminar o exaurimento do mérito, logo as questões de fundo devem ser analisadas pelo Juízo de primeiro grau, evitando-se assim a supressão de instância. Na espécie conclui-se pelo dano reverso, visto que uma vez efetivada a posse no cargo em questão, estaríamos afastando critérios sensíveis a boa administração e probidade, exigíveis a assunção de cargos dentro da administração pública de alta envergadura social e educacional”, diz o parecer.
O MEC e a AGU também usam a Medida Provisória 914 editada por Jair Bolsonaro que prevê a nomeação de reitores temporários em instituições federais.
Em razão de uma ação civil pública ajuizada pelo Sinasefe, o procurador Luís de Camões Boaventura considerou ilegítima a nomeação do reitor pro tempore alegando que os efeitos da MP 914 não se aplicam nos casos em que os editais das consultas internas tenham sido publicados antes da data de sua entrada em vigor.
Para o procurador, a nomeação de Josué Moreira no lugar do reitor eleito fere os princípios da segurança jurídica, da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e representa um desvio de finalidade.
Segundo Camões Boaventura, a escolha pelo nome de Josué de Oliveira se baseou claramente na proximidade entre o posicionamento político do reitor temporário e o do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que privilegiou “interesse de cunho pessoal em detrimento da escolha da comunidade acadêmica”.
Walter Benjamin, um judeu alemão, que se suicidou para escapar à perseguição do nazismo, quando fugia, na fronteira entre França e Espanha, foi um heterodoxo crítico literário/filosófico marxista, que previu o desastre nazista. Prever o desastre, não é, de maneira derrotista, sucumbir preventivamente a ele. Ao anunciar a falência da ideia de progresso e a esterilidade das oposições democráticas de esquerda ao nazismo na Alemanha, Walter virou o profeta do imenso genocídio que viria a se configurar diante dos olhos de quem não acreditava que o país mais culto e letrado de Europa fosse capaz de gestar o mal absoluto: o nazifascismo.
Venho falando de fascismo no Brasil desde 2013. Eu alertei que a Lava-Jato, o macarthismo brasileiro, era um movimento de fundo fascista, que queria judicializar a política no Brasil, criminalizando toda a esquerda. O bolsonarismo é um passo além. O movimento tem tendências paranoicas e psicopatas que vão um grau acima, chegam ao nazismo. Entre o nazismo e o fascismo, irmãos siameses, há uma questão de gradação. Mussolini (admirado e, no princípio, copiado por Hitler) era o líder do Partido Nacional Fascista italiano e um genocida, mas não criou pogrons (perseguições específicas contra uma etnia) e nem campos de concentração. O festim diabólico apelidado de reunião ministerial, que mas parecia o set de filmagem de Saló de Pasolini, revelou ao Brasil, abertamente, o pensamento, mais do que fascista, nazista de Bolsonaro, Weintraub e Damares.
Estes intentos nazistas são corroborados pelas falas golpistas e tirânicas do General Heleno, que conseguiu açular alguns militares de reserva. O perigo do nazismo em Bolsonaro é que, ao contrário da ditadura militar de 1964, ele não tem nenhum projeto de país. Braga Neto na reunião parecia alguém que quisesse ensinar balé aos símios. Um governo que perde rapidamente sua base de apoio e que aposta cada vez e mais na radicalização, apelando para um exército de fanatizados, que, no entanto, por todas as pesquisas, deve atingir entre 20% e 30% do eleitorado brasileiro, o suficiente para gerar o caos, o confronto, um conflito civil e dar as desculpas para rasgar as últimas garantias constitucionais.
Não, eu não mudei de posição. Quem alerta para o desastre não diz que o desastre é inevitável. Pessimismo em análise não é derrotismo. “Pessimismo na análise, otimismo na ação”, diria Gramsci. Reitero: alerto para o avanço do fascismo desde 2013. E desde 2016 mostro elementos nazistas nas falas de bolsonaro. O ódio às mulheres (misoginia, pulsões anais sadomasoquistas reprimidas são características da histeria em massa nazifascista), homofobia, racismo, desejo de exterminar o inimigo imaginário, Bolsonaro nunca escondeu isto em seus discursos. Assustador e revelador foi vê-lo falar de seus intentos abertamente em uma reunião ministerial.
Todavia, a história não se repete. A primeira vez ela acontece como tragédia, a segunda vez, como farsa. Se na ditadura militar, o imenso contingente de oficiais de reserva, praças e baixas patentes, tanto das forças armadas, quanto das PMs, era uma linha auxiliar controlada facilmente pelo regime, com Bolsonaro (que no máximo teria atuado em 64 como algum torturador do delegado Fleury), esses homens tornam-se constituintes de um poder que se organiza de maneira subversiva e paralela, e chantageia e pressiona todo o tempo o Estado Democrático de Direito.
A finalização de um golpe, com a tirania pessoal de Bolsonaro não é o único perigo para a democracia. Já vi várias análises dizendo que este golpe é inevitável (não concordo com este fatalismo, embora também alerte para o perigo golpista). Com certeza Bolsonaro tem esta aspiração e força os limites de nossa pálida democracia toda semana. Mas, como ele mesmo diz, se vê limitado pelos, cada vez em menor número, alucinados com seus cartazes pró AI5 que consegue reunir na frente do Palácio do Planalto. Basta ver as imagens aéreas em comparação com, por exemplo, as manifestações contra a PEC 95.
Enquanto não consegue finalizar seu intento de uma tirania pessoal, vai financiando e armando suas milícias pessoais. Já conseguiu emplacar até o advogado do escritório do crime como assessor no ministério da saúde. Não temos ideia de quantos mais milicianos estão nomeados em cargos de terceiro, quarto ou quinto escalão pelo país. O nazista disse abertamente na reunião ministerial que quer armar o povo (suas milícias) para derrotar o “inimigo”. Quem for considerado inimigo, ele já declarou diversas vezes, deve ser expulso do país ou sofrer as consequências. E quem pensa que é delírio, é bom lembrar que Bolsonaro aumentou o limite de compra de projeteis de 200 munições por pessoa/ano para 500 por mês (6.000 por ano), o que dá para montar pequenos exércitos milicianos. Junte-se a isto a medida que afrouxa a marcação controle de munições por parte do exército e para a qual chegou a exonerar um general e colocá-lo na reserva. Todos estes movimentos aconteceram sob nosso olhar complacente, sem nenhuma reação nossa.
O passo mais descarado e ostensivo para isto foi dado por Paulo Guedes. Espanta-me que a esquerda tenha protestado apenas contra o “trabalho escravo”, quando Guedes tem a coragem de anunciar que quer treinar jovens nos quartéis e depois usá-los para cavar buracos, pagando 200 reais por mês.
O menos ruim aí é o trabalho escravo. Creio que a maioria das pessoas nem se deu conta de que Guedes sugeriu criarmos a guarda nazista, a juventude hitlerista bolsonarista, com dinheiro público. O problema é que a esquerda introjetou o absurdo. Alguns estados governados pela esquerda aceitaram a excrecência que são as escolas cívico-militares, colégios de “pedagogia” militar em plena democracia. Algo não previsto em lugar nenhum da nossa constituição, mas que diante da falta de verbas, quando condicionadas a elas, foram aceitas avidamente de norte a sul. Mas, muito pior do que isto é a proposta de milícias estatatais bolsonaristas feita por Guedes.
O governo financiaria jovens que iriam para os quartéis serem doutrinados com “OSPB” e, depois, por 200 reais por mês, estariam disponíveis para “ações governamentais”. A disciplina Organização Social e Política do Brasil, nem matéria escolar é mais. Tenho 49 anos, portanto, sou da geração que teve OSPB e Educação Moral e Cívica na escola. Cada estabelecimento de ensino dava, nessas matérias, aquilo que desejava. Além de ensinar o hino nacional e o que representava cada estrela da bandeira, podiam incluir a estrutura do estado e até história. Obviamente que, usando-se as forças armadas para amestrar jovens, através de OSPB, não vai se ensinar hoje a eles “direitos humanos”. Jovens pobres (nenhum jovem de classe média vai se alistar para ganhar 200 reais por mês) que serão doutrinados e estarão ao dispor do Bolsonarismo, para qualquer ação por uma ninharia, e tudo pago com dinheiro público.
Óbvio que temos que evitar isto! E uma das formas é denunciar que a maior tragédia é que de maneira clara e aberta o bolsonarismo tenha coragem de propor a criação de uma milícia paga com dinheiro público, sem acobertamentos, sem subterfúgios.
O anjo da história, tese IX de Benjamin, olha para o passado, para a sucessão de tragédias e catástrofes, para o sofrimento dos humilhados e derrotados, mas é impelido por um vento irresistível para o futuro. É impossível parar a roda da história. Mas é possível SIM evitar as catástrofes, as tragédias, antes que elas aconteçam. O bolsonarismo já desdenha ocultar que declarou uma guerra de morte à frágil democracia brasileira. Temos que estar alertas e desarmar seus planos, destruir sua tentativa de criação de um gigantesco exército paramilitar. Ou paramos esta construção, o autômato do mal absoluto e estrutural, ou ele ficará maior que Bolsonaro. Um exército de paramilitares, milicianos, armados até os dentes, de jovens alistados e mal pagos para cumprir tarefas de uma seita nazista, lutando contra um inimigo imaginário, é uma séria ameaça à democracia, que está sendo arquitetada, tijolo por tijolo, frente a nossos olhos complacentes.
Roberto Ponciano é escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia.
O presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) partiu para a baixaria e promoveu uma chuva de xingamentos, palavrões e ofensas pessoais em reunião ministerial do dia 22 de abril, que teve vídeo divulgado nesta sexta-feira, exatamente um mês após o evento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Os vídeos divulgados pelo ministro decano do Supremo, Celso de Mello, mostraram uma série de trechos em que Bolsonaro apresenta postura desrespeitosa e imoral, incompatível com o cargo da Presidência da República.
Palavrões e expressões ofensivas como “estrume”, “bosta”, “filho da puta”, “foder”, “merda”, “puta que pariu”, entre outros xingamentos, foram usados pelo chefe do Poder Executivo brasileiro para se referir a inimigos e até em direção a auxiliares da sua equipe ministerial.
A baixaria protagonizada pelo presidente não para por aí. Ele recebe apoio de ministros para os absurdos que foram ditos. Aliados como a ministra da Mulher, da Família e do Direitos Humanos Damares Alves defenderam “prender governadores e prefeitos” que não apoiam medidas de exposição da população ao vírus, defendida por Bolsonaro.
O próprio presidente, por sua vez, orientou o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro a “armar a população” – medida que aumentaria ainda mais a violência urbana, segundo especialistas, e que contribuiria para que milícias agisse em caso de um impeachment contra Bolsonaro no Congresso Nacional.
Bolsonaro ainda exigiu interferências na Polícia Federal para impedir investigações que caminhavam para incriminar seu filho Carlos Bolsonaro, principal líder de uma rede de notícias falsas. “Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final!”, disse o presidente.
“É fácil impor uma ditadura aqui. É facílimo”, também disse Bolsonaro durante a reunião ministerial, mais uma vez colocando em xeque a democracia. Nas últimas semanas, ele já havia feito coro para pedidos de golpe militar.
No mesmo tom autoritário, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou chamou os ministros de STF de “vagabundos” e defendeu “colocar na cadeia” os juízes da Suprema Corte da Justiça brasileira.
Os governadores Wilson Witzel (Rio de Janeiro) e João Dória (São Paulo) foram chamados de “estrume” e “bosta”, nesta ordem. Os xingamentos pessoais foram feitos porque os dois governadores defendem o isolamento social para proteger a população contra a COVID-19, doença provocada pelo novo Coronavírus.
Ministro ainda foram ameaçados de demissão caso elogiassem o trabalho da imprensa, que recentemente foi atacada pelo presidente com ordens para que repórteres “calem a boca”.
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou parecer favorável à posse de José Arnóbio de Araújo Filho como reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN). Ele foi eleito através de consulta interna da comunidade acadêmica, porém o Governo Federal nomeou como reitor temporário o professor Josué de Oliveira Moreira, que sequer participou da consulta e foi indicado pelo deputado federal do PSL/RN General Girão.
No parecer assinado pelo procurador da República Camões Boaventura, o MPF atende a uma Ação Civil Pública impetrada pelo Sindicato Nacional dos Servidores da Educação Básica, Técnica e Tecnológica (Sinasefe) e destaca que a própria Medida Provisória MP 914 prevê que a nomeação de reitores temporáriosnão se aplica nos casos em que os editais das consultas internas tenham sido publicados antes da data de sua entrada em vigor.
No IFRN, o edital foi publicado em 31 de outubro – 54 dias antes da MP passar a vigorar – e o resultado das eleições anunciado em 6 de dezembro, sendo homologado pelo Conselho Superior em 11 de dezembro.
O Ministério da Educação (MEC) alegou que a nomeação de um reitor temporário ocorreu devido à suposta impossibilidade de nomear o reitor eleito e acrescentou – através do twitter – que essa impossibilidade se devia ao fato de José Arnóbio responder a um processo administrativo.
O MPF ressaltou na decisão que o argumento do MEC não impede a posse, uma vez que a legislação proíbe apenas a nomeação de pessoas condenadas com sentença judicial transitada em julgado. O procedimento ao qual responde o reitor eleito, aliás, poderá resultar no máximo em uma irregularidade administrativa. “(O argumento) não constitui realmente justificativa razoável para evitar sua nomeação, em face do princípio da presunção de inocência. Ou seja, a decisão simplesmente ignora toda a legislação específica sobre a matéria, não tendo respaldo, seja na lei nova, seja na antiga”, destacou Boaventura.
Segundo o MPF, a medida provisória determina ainda que o Ministro da Educação pode designar um reitor temporário quando o cargo se encontrar vago e não houver como homologar o resultado da votação, em razão de possíveis irregularidades no processo de consulta, que não é o caso da eleição no IFRN, que seguiu todas as normas vigentes e não possui irregularidades.
“A nomeação de Josué de Oliveira Moreira, que sequer participou do processo de escolha, para o referido cargo, mostra-se temerária, pois afrontou, além do princípio da segurança jurídica, os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, em desvio de finalidade”, registra o representante do Ministério Público Federal.
Para Camões Boaventura, a escolha pelo nome de Josué de Oliveira se baseou claramente na proximidade entre o posicionamento político do reitor temporário e o do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que privilegiou “interesse de cunho pessoal em detrimento da escolha da comunidade acadêmica”, desrespeitando o princípio da impessoalidade.
União suspendeu liminar da justiça que impedia nomeação de Josué
A Justiça chegou a conceder uma liminar suspendendo os efeitos da portaria que nomeou Josué de Oliveira, dando um prazo para que ocorresse a nomeação do reitor eleito, José Arnóbio, que chegou a ser publicada no Diário Oficial da União.
No mesmo dia em que foi concedida a liminar, a União obteve a suspensão dessa liminar no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5).
O desembargador federal da 1ª Turma do TRF5 Elio Wanderley de Siqueira Filho suspendeu a nomeação de Arnóbio até o julgamento do recurso de agravo de instrumento ajuizado pela Advocacia Geral da União. Em seguida, foi publicada no DOU uma nova portaria suspendendo a nomeação de José Arnóbio e reconduzindo à reitoria o interventor Josué Moreira.
O claro flerte com o fascismo, a exultação da ditadura e as honrarias a assassinos e torturadores, uma constante na vida política de Jair Bolsonaro, finalmente está levando a centro-direita a voltar, ainda que devagar, à luta pela preservação dos Direitos Humanos no Brasil. Enquanto o PSDB tinha interesse na queda, por quaisquer métodos e motivos que fossem, dos governos petistas, a escalada fascista, o negacionismo da ciência e mesmo os crimes da familícia foram sempre minimizados ou mesmo ignorados. Agora que uma pandemia global ceifa, oficialmente, mais de 16 mil vidas de brasileiros, cinco ex-ministros sociais-democratas e um ex-ministro de Lula, todos fundadores e representantes da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos, publicaram artigo na Folha de S. Paulo para dizer o óbvio: Bolsonaro não possui as mínimas condições de seguir governando e enquanto ele não for impedido não será possível criar saídas para o genocídio diário e com viés de crescimento até onde a vista alcança. Antes tarde do que mais tarde ainda.
Veja abaixo a íntegra do documento:
Hora de falar ao povo, detentor e destinatário dos rumos do país
Assistimos em 2019 ao desmanche de instituições e estruturas de Estado, em nome de alinhamentos ideológicos e guerras culturais.
A partir de fevereiro último, com a chegada da pandemia em nosso território, ao grande desmanche somaram-se ataques à ordem constitucional, à democracia, ao Estado de Direito. Não podem ser banalizados, muito menos naturalizados.
Como alertaram os cientistas, a Covid-19 encontraria no Brasil campo fértil para o seu alastramento: um país-continente com enorme desigualdade social e concentração de renda, sistema de saúde fragilizado por cortes e tetos orçamentários, saneamento básico precário, milhões de brasileiros vivendo em bairros, comunidades e distritos sem infraestrutura, sucateamento da educação pública, desemprego na casa das 13 milhões de pessoas e uma economia estagnada.
Acrescente-se a esse quadro as características próprias da atual pandemia — um vírus com alta velocidade de transmissão e sintomatologia grave, para o qual ainda não há remédio ou vacina eficazes.
Talvez não imune ao vírus, mas com toda certeza imune ao sofrimento humano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem manifestado notória falta de preocupação com os brasileiros, com o risco das aglomerações que estimula, com a volta prematura ao trabalho, com um sistema de saúde que colapsa aos olhos de todos e até com o número de óbitos pela Covid-19, que totalizam, hoje, muitos milhares de casos — sobre os quais, aliás, já se permitiu fazer ironias grosseiras e cruéis.
Mas a sanha do presidente não para por aí.
Enquanto o país vive um calvário, Jair Bolsonaro insufla crises entre os Poderes. Baixa atos administrativos para inibir investigações envolvendo a sua família.
Participa de manifestações pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Manipula a opinião pública, e até as Forças Armadas, propagando a ideia de um apoio incondicional dos militares como blindagem para os seus desatinos.
Enfim, o presidente deixa de governar para se dedicar à exibição diária de sua triste figura, em pantomimas familiares e ensaios golpistas.
Preocupado com o amanhã e sob o peso do luto, o Brasil precisa contar com um governo que coordene esforços para a superação da crise, começando por ouvir a voz que vem das casas, das pessoas que sofrem, em todas as partes.
Não há como aceitar um governante que ouve apenas radicais fanáticos, ressentidos e manipuladores, obcecado que está em exercer o poder de forma ilimitada, em regime miliciano-militar que viola as regras democráticas e até mesmo o sentido básico da decência.
Só resta sublinhar o que já ficou evidente: Jair Bolsonaro perdeu todas as condições para o exercício legítimo da Presidência da República, por sua incapacidade, vocação autoritária e pela ameaça que representa à democracia. Ao semear a intranquilidade, a insegurança, a desinformação e, sobretudo, ao colocar em risco a vida dos brasileiros, seu afastamento do cargo se impõe.
A Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos entende que as forças democráticas devem buscar, com urgência, caminhos para que isso se faça dentro do Estado de Direito e em obediência à Constituição.
José Carlos Dias
Presidente da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça (governo FHC)
Claudia Costin
Ex-ministra de Administração e Reforma (governo FHC)
José Gregori
Ex-ministro da Justiça (governo FHC)
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), ministro da Administração e Reforma do Estado e ministro da Ciência e
Tecnologia (governos FHC)
Paulo Sérgio Pinheiro
Ex-ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (governo FHC)
Paulo Vannuchi
Ex-ministro de Direitos Humanos (governo Lula).
Reportagem de Nataly Simões e Pedro Borges I Ilustração de Vinicius de Araújo – Do Alma Preta Jornalismo
*Todos os nomes utilizados na reportagem são fictícios e foram adotados como forma de preservar a identidade das fontes. Os nomes escolhidos são meramente ilustrativos.
“Quando a diretoria da Fundação Cultural Palmares (FCP) ia se reunir, a gente comentava que era a reunião da KKK”, diz em sigilo Beatriz*, ex-funcionária do órgão de promoção à cultura negra vinculado à Secretaria Especial da Cultura.
O comentário sobre a Ku Klux Klan, organização supremacista branca dos Estados Unidos, começou no início de 2020 após uma crise dentro do órgão público.
Em fevereiro, Sérgio Camargo ocupou as manchetes de grandes jornais do país por ter demitido por telefone diretores negros com trajetória em políticas públicas em prol da cultura afro-brasileira. Como resposta, convocou sua tropa de choque para definir o que fazer diante da cobertura da imprensa acerca das demissões.
“É um grupo de pessoas, na sua maioria brancas, que acredita em racismo reverso, não tem conhecimento sobre a história da Fundação e vê em Sérgio Camargo a oportunidade de colocar tudo o que pensa para fora”, conta Beatriz*, sobre o perfil da direção do órgão.
Perseguição aos profissionais
O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, mantém vínculo próximo com um pequeno grupo de pessoas, descrito pelos funcionários como o núcleo da KKK. O objetivo, de acordo com Beatriz*, é “limpar a Palmares”.
“O Sérgio Camargo quer tirar o pessoal que ele considera ‘esquerdista’, porque para ele todo mundo é ‘esquerdista’. Se não concordar com a extrema direita logo é de esquerda”, acrescenta a ex-funcionária.
Apesar de passar uma imagem de segurança nas redes sociais, a funcionária Sueli* reitera a insegurança de Sérgio Camargo diante do cargo. “A gente sabe que ele sente medo, sabe que as coisas que são postadas nas redes sociais e na imprensa o afetam de fato. Ele tem medo de muita coisa”, pontua.
O padrinho nazista
O ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim, é o padrinho político de Sérgio Camargo. Alvim foi o nome dentro do governo de Jair Bolsonaro (Sem partido) que indicou Camargo ao cargo mais importante da Fundação Cultural Palmares.
Ex-funcionários ouvidos pelo Alma Preta recordam que, no primeiro dia após sua nomeação em 27 de novembro, Sérgio Camargo fez uma visita a todos os setores do órgão para conhecer e se apresentar aos profissionais.
Já no dia 29, o novo presidente foi alvo de um protesto de organizações do movimento negro. Diante da ação, Camargo se trancou em uma sala e se recusou a dialogar com os manifestantes ali presentes. Após o fim do protesto, contatou seu padrinho político, Alvim.
O então secretário da Cultura foi até a sede da Fundação Cultural Palmares e convocou todos os funcionários. “Nesse dia, Alvim fez uma série de ameaças aos servidores. Foi de uma agressão impressionante. Não era uma visita de boas vindas, era uma visita para dizer que quem estava envolvido com aquele movimento seria punido”, recorda Beatriz*. “Alvim disse que não aceitaria nenhuma influência ‘esquerdista’ dentro da Fundação e que todas as pessoas de esquerda que estavam ali seriam demitidas”, lembra a ex-funcionária.
Na ocasião, Roberto Alvim também disse uma frase que se confirmou nos meses seguintes. “Eu posso cair, mas o Sérgio não cai”. No dia 17 de janeiro deste ano, Alvim foi exonerado da Secretaria Especial da Cultura após ter feito um pronunciamento similar ao de Joseph Goebels, ministro da propaganda na Alemanha nazista.
Goebbels, antissemita radical e um dos idealizadores do nazismo ao lado de Adolf Hitler, havia afirmado em meados do século XX que a “arte alemã da próxima década será heroica” e “imperativa”. Em vídeo publicado nas redes sociais da Secretaria Especial da Cultura, Alvim afirmou que a “arte brasileira da próxima década será heroica” e “imperativa”.
Sérgio Camargo, por sua vez, nomeado presidente da Fundação Cultural Palmares em 27 de novembro de 2019, foi afastado do cargo após ser alvo de uma ação da 18ª Vara Federal de Sobral, no Ceará, em 4 de dezembro. Segundo a ação, a nomeação contrariava os motivos determinantes para a criação da Fundação Cultural Palmares e colocava a instituição “em sério risco”, visto que a gestão podia entrar em “rota de colisão com os princípios constitucionais da equidade, da valorização do negro e da proteção da cultura afro-brasileira”.
Ao retomar o cargo, em 20 de fevereiro de 2020, por decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro João Otávio de Noronha, Camargo voltou com seu discurso de extrema-direita alinhado ao presidente Jair Bolsonaro. As colocações mais recentes em consonância ao presidente foram os ataque às medidas de isolamento social devido à pandemia do Covid-19.
“O Alvim não está mais no governo, então, quem está segurando ele lá? Aparentemente existe um respaldo forte da presidência da República, que parece que coaduna com aquele discurso negrofóbico do Sérgio Camargo”, reflete em sigilo Sueli*, funcionária da fundação.
Fundação Cultural Palmares
O Alma Preta procurou a Fundação Cultural Palmares para saber o posicionamento do órgão sobre as reuniões entre diretores conhecidas pelos funcionários como “reuniões da KKK”, a perseguição a funcionários com pensamentos diferentes aos do presidente Sérgio Camargo, e quais medidas têm sido tomadas para tornar o ambiente de trabalho confortável para todos. A reportagem também perguntou sobre as intimidações feitas pelo ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim. Até a publicação deste texto, os questionamentos da reportagem não foram respondidos.
A reportagem também tentou buscar um posicionamento de Roberto Alvim sobre as intimidações feitas aos funcionários do órgão enquanto ocupava o cargo de secretário especial da Cultura, mas não o localizou.