Jornalistas Livres

Categoria: Geral

  • Brincar é um ato revolucionário!

    Brincar é um ato revolucionário!

    Corda, bolinha de sabão, lanchinho e muito amor: esta é a definição da Ciranda do MST, que é conduzida com muito carinho pelo setor de Educação do Movimento.

    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres

    Elis Carvalho, da coordenação da Ciranda, a considera uma das tarefas mais importantes do Movimento, e conta como ela começou:  “As Cirandas infantis do MST são um espaço pedagógico e político que a gente forjou no sentido de garantir a participação dos pais e das crianças nas atividades no Movimento. As crianças sem terra sempre estiveram presentes desde o nascimento do movimento, desde o início da luta pela terra, então a gente teve que construir este espaço e pensar qual o lugar da infância no MST. Da experiência cubana com crianças, dos círculos infantis, nós trouxemos a ideia para a nossa realidade do MST.”

    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA

    “Do primeiro seminário da infância do MST, realizado em 2007, surgiu a discussão do papel da infância no trabalho pela reforma agrária. Desde então, se investe cada vez mais a formação dos educadores. “A gente não pode conceber uma ciranda infantil sem pensar na formação dos educadores, no processo político-pedagógico, então a gente conseguiu fazer em 2007 uma grande formação com mais de 30 educadores pensando na ciranda infantil.”

    Para ela, a importância está no tato e no tratamento com as crianças e com a formação dos cirandeiros.  Sobre a formação, ela explica: “a gente começa a trabalhar com os educadores a partir dos 15 anos, porque menos que isso eles estão no processo de saída do sem terrinha.”

    E com amor, as educadoras e os educadores do MST seguem desenvolvendo a formação dos jovens membros do Movimento: “Não é um trabalho só de cuidar da criança, é um trabalho pedagógico e lúdico em que você contribui para o processo de desenvolvimento político, físico e psíquico da criança.”

    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA

    Todas as cirandas nacionais do movimento homenageiam Paulo Freire, grande educador que inspira as ações da educação sem-terrinha. “É importante a gente garantir que as crianças tenham este espaço para o brincar, desenvolver as diversas dimensões das linguagens artísticas e culturais. É um lugar que as crianças gostam muito de vir.”

    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA

    E gostam tanto, que a Ciranda teve até que ampliar a idade limite, de 6 para 12 anos. “As crianças gostam tanto e são tão rebeldes no sentido de lutar pelo que elas querem que hoje nós temos dois espaços, um para os pequenos e outro para as crianças maiores, que já não estão mais na fase da educação infantil”

    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA

    Orgulhosa do trabalho que faz, Elis, que já foi Diretora Nacional do MST e agora retorna à Ciranda, ressalta que o amor pela terra começa desde a infância.  “Nós queremos que estejam presentes as músicas infantis, as cantigas de roda, a ideia do se olhar, do círculo, as brincadeiras de criança, mas também de pensar um espaço com um objetivo. Trabalhar a identidade sem terra, a pertença das crianças ao movimento e criar um espaço lúdico, para que as crianças possam estar presentes e que seja um espaço prazeroso.”

    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
    Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA

     

     

     

     

     

     

     

     

    “A nossa força, a nossa identidade, a nossa luta precisam de continuidade. A gente não pode perder de forma alguma de vista a formação das nossas crianças. Ainda que seja de forma lúdica, a gente precisa trabalhar o que é a nossa identidade e o que é o MST.”

    Elis é uma inspiração como mulher e militante dentro do movimento, e se dedica ao papel de educar desde bem jovem. Hoje aos 38 anos, ela é da coordenação da Ciranda e parte orgânica do MST.

    Foto: Leandro Taques/ Jornalistas Livres
    Foto: Leandro Taques/ Jornalistas Livres

     

     

  • Sementes crioulas – o caminho para uma alimentação adequada

    Sementes crioulas – o caminho para uma alimentação adequada

    A semente é o primeiro elo da cadeia alimentar. É dela que tem origem todos os alimentos, digo os que estão sempre à mesa como o arroz, o feijão, o milho . A semente crioula é o tipo mais antigo, e é o natural. Ao contrário da semente transgênica, tão utilizada nos dias de hoje, a semente crioula não passou por nenhuma modificação genética por meio da interferência humana.

    As sementes crioulas são sustentáveis, primeiro, porque não degradam o meio-ambiente. Segundo, porque dos alimentos produzidos a partir delas, pode-se produzir artesanatos. É o caso da palha de milho.

    Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
    Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo

    Ela permanece intacta e conservada em um paiol por até dois anos. Já a palha do milho transgênico não dura dois meses.

    Mas o maior problema dos transgênicos é a destruição da natureza, com toda certeza. O problema é tão grave no Brasil que a água hoje é um bem ameaçado. Como bem disse Antônio Vicente, guardião de sementes, a falta de água “já doeu na pele, já queimou”.

    Conhecimento. Outra palavra que tem tudo a ver com as sementes crioulas.

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    A alimentação adequada é um direito humano e social previsto na nossa Constituição Federal. Significa tanto que as pessoas devem estar livres da fome e da desnutrição mas também com acesso a uma alimentação adequada e saudável. O conhecimento começa aí. Na barraca das sementes crioulas, instalada na Feira de Artes e Cultura da Reforma Agrária do MST, que acontece em BH entre os dias 20 e 24 de julho, quem visita pode “conhecer” as sementes crioulas e ainda ter acesso a uma cartilha informativa, produzida pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar de Minas Gerais, o Consea.

    Antônio é guardião de sementes crioulas há seis anos. Ele faz parte do Conselho Municipal em São João Del Rei, no Campo das Vertentes. Ele veio para o Festival da Reforma Agrária trocar sementes crioulas e partilhar conhecimento. Não imaginou que a troca seria tão profunda.

    Trouxe sementes de milho, ervilha, feijão, arroz de vários tipos, quiabo, almeirão, jiló e outras.

    Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
    Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo

    Recebeu em troca de suas sementes as de mucumo, fava vinagre, moringa, que é uma árvore cheia de nutrientes, melancia comum, que seu Antônio queria muito, e mamão. A cada troca, vem o valioso conhecimento junto: do mamão por exemplo, ele não sabia que se retirava as sementes da segunda arremessa da colheita, e não da primeira.

    A barraca das sementes crioulas está sempre cheia de gente. O que é bom e esperançoso. As pessoas querem o conhecimento. Muitas delas chegam a seu Antônio e vão perguntando: vende, né ? Ele, sempre simpático e atencioso, explica a tradição: “as sementes crioulas não podem ser comercializadas. A alimentação deve ser uma troca, como antigamente. Vamos começar de grão em grão. O dinheiro não tem poder, tem serventia. O poder é a semente, pois ela alimenta”.

    Conforme explica seu Antônio, pra ser um guardião de sementes, tem que ter caráter e responsabilidade, e também o conhecimento. Segundo ele, guardar sementes é como um jogo: não se pode colocar todas as cartas na mesa.

    Não há muitos guardiões de sementes. Mas o caminho está dado: é preciso recuperar a biodiversidade. Pra se ter uma ideia de como ela está ameaçada, o milho de uma semente transgênica demora dois meses para crescer, enquanto das sementes crioulas o tempo é da natureza: por volta de seis meses. Dá pra imaginar o tanto de água que se gasta para adiantar esse processo de produção, não é?

    Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
    Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo

    É por causa desse respeito à Mãe Terra que as sementes crioulas proporcionam, que é importante resgata-las. Há ainda muitas em extinção, que precisam ser recuperadas. Seu Antônio vai continuar na busca. E é cada surpresa boa: uma indiana descobriu 3 mil espécies diferentes de arroz: “Se tem isso de arroz, imagina quantas espécies de feijão não há?”, pergunta, com os olhinhos brilhando de satisfação.
    O resgate das sementes crioulas é bom pra natureza e bom para todos os seres vivos que nela habitam: “você não consegue uma galinha de qualidade sem um milho de qualidade, um porco de qualidade sem um milho de qualidade, você não tem uma vaca ou um leite de qualidade se você não tem um milho de qualidade, e você não tem um cavalo bom pra andar se não tem o milho de qualidade. Antigamente eles falavam que o agrário tomava a terra do grande pra dar pro pequeno produzir. Hoje o agrário pra mim é o seguinte: quem trabalhar com a produção certa, sem veneno, com qualidade, e se seu produto tiver etiqueta, tem exportação. Os outros países querem. Se você não estiver preparado, você não vai. Lá fora não querem veneno, então nós não podemos deixar nosso país produzir e consumir veneno! Se estamos com dificuldade com alimentação dentro do nosso país, como vamos exportar? Primeiro nós temos que matar a fome de quem tem fome”.
    Na sexta à noite Antônio estava muito animado. Havia preocupação com a grande saída das sementes, que podiam acabar antes do festival, mas a partilha realmente está valendo a pena. Ele havia ganhado mudas de ervas medicinais em troca de sementes. “Incrível como as sementes crioulas puxam as ervas medicinais”. Realmente, das sementes crioulas saem as melhoras coisas: alimentos saudáveis e saberes para todo mundo.

    Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
    Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
  • Confiança e degradação do Brasil

    Confiança e degradação do Brasil

    Mark Weisbrot é codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, em Washington, e presidente da Just Foreign Policy,
    organização norte-americana especializada em política externa.
    Neste artigo, Mark explica como o Brasil avança a passos largos para se tornar uma República das Bananas mergulhada em um longo período de declínio econômico, comparável à década perdida de 1980.

    #Não ao Golpe! #Fora Temer! #Volta, querida!

     

    Pela primeira vez em mais de três décadas, desde o fim da ditadura, o Brasil tem um governo que é amplamente visto como ilegítimo, não apenas por muitos de seus cidadãos, mas em boa parte do mundo.

    A imagem do governo está maculada e se degrada mais a cada semana que passa, com escândalos crescentes tomando conta dos mais altos escalões do Executivo.

    Em junho, o terceiro ministro do governo interino renunciou sob acusações de corrupção. Inconvenientemente, ele era o ministro interino do Turismo, quando o país enfrentava pedidos de especialistas internacionais em saúde pública para adiar as Olimpíadas por causa do vírus Zika.

    O presidente interino, Michel Temer, teve o tino político “unificador” de nomear um gabinete composto inteiramente por homens brancos e ricos — em um país no qual metade da população se identifica como afro-brasileira ou mestiça.

    Muitos dos ministros empossados são investigados por suspeita de corrupção. O próprio Temer foi condenado pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo por doações de campanha acima do limite legal.

    São essas as pessoas que tentam depor Dilma Rousseff, presidente afastada não por corrupção, mas por utilizar um mecanismo contábil, conhecido como pedalada fiscal, que governos anteriores também haviam usado.

    É verdade que todos os principais partidos políticos foram implicados na corrupção. Mas, pela primeira vez na história do Brasil, a presidente Dilma autorizou promotores a investigar autoridades corruptas, independentemente de quem fosse atingido. Já ficou claro que o objetivo principal de seus opositores é impedir a continuidade das investigações e dos julgamentos.

    Atualmente o Brasil também se destaca negativamente por ser o país com maior número de assassinatos de ativistas ambientais. Não parece provável que o novo ministério de direita, estreitamente ligado aos interesses do agronegócio, fará algo para prevenir esses assassinatos.

    Ironicamente, o objetivo declarado do governo interino foi restaurar a “confiança”, principalmente dos investidores internacionais. Mas o oposto aconteceu: o governo está muito mais mergulhado em escândalos e sua reputação internacional está caindo no abismo.

    O conselho editorial do jornal “The New York Times”, que está longe de ser fã de qualquer governo latino-americano de esquerda, escreveu dois textos nas últimas semanas sobre a política brasileira, com os títulos “A medalha de ouro em corrupção do Brasil” e “Agravando a crise política do Brasil”.

    O Brasil foi uma estrela em ascensão internacional durante a maior parte do governo do PT, inclusive por suas conquistas domésticas, tendo reduzido a pobreza em mais da metade e triplicado o crescimento do PIB per capita nacional ao longo de uma década, até entrar em recessão em 2014.

    É verdade que Dilma cometeu um erro ao aceitar o dogma desgastado, ainda muito popular nos textos escritos hoje sobre o Brasil, de que austeridade fiscal, cortes nos investimentos públicos e elevação das taxas de juros poderiam de alguma maneira conquistar a confiança dos investidores e compensar o impacto econômico negativo.

    Todavia, o governo interino está redobrando a austeridade e gerou entre os investidores toda a confiança que seria suscitada por uma grande e gorda República das Bananas. Se o Senado votar pela deposição da presidente eleita, pode inaugurar um longo período de declínio econômico, comparável à década perdida de 1980.

    Tradução de Clara Allain.

    Com foto de Fernando Sato

  • TXAI E O PENSAMENTO MÁGICO

    TXAI E O PENSAMENTO MÁGICO

    Por Helio Carlos Mello, especial para os Jornalistas Livres

    O que os lábios não dizem as mãos falam em seus cliques. Quando sobrevoamos a floresta abstraímos. Mato denso no coração aflora, outro império de leis. Cede-se. A ilusão doce do mar verde de árvores, aos olhos no horizonte sem palidez se mostra, mas nossa atitude em si contradiz desvarios, pois vamos em busca de pessoas. Sob o manto verde do mato o pensamento mágico dos Txai, os Huni Kuin, Kaxinawá. Ensinar a outros em civilização para captação de imagens e comunicação é o rumo de nosso grupo e o rio será nossa estrada depois do céu.

    Meus caros amigos e eu descemos do velho avião Bandeirante que nos compraz e nos traz ao pisar em Jordão, pequena e isolada cidade acreana às margens do Rio Tarauacá. Jordão é local cinematográfico, um não ter aonde ir amazônico, sem jeito nas areias da margem do porto. Tudo se acalma na precisão do aprender a ser aqui, o cotidiano viciado da metrópole desfeito de repente. Nossa vida apressada e eletrônica da cidade grande perde toda a função aqui.  Agora o rio espera com suas águas secas em céu de pouca chuva nessa época do ano.

     

    Três barcos seguem recheados com  tambores cheios de combustível necessário aos percursos, alimentos e muitas malas e câmeras para os 40  alunos reunidos de várias localidades  na aldeia Boa Esperança, no médio Rio Jordão. Os barqueiros Huni Kuin, incansáveis, repetem sempre a lembrança do batismo do rebento Jesus, batizado em águas de mesma identidade. Penso, em engano, ser isso influência das igrejas evangélicas na Amazônia, e descubro sim, ao longo da viagem no barco, que essa etnia se define verdadeira por ter o pensamento mágico como ponto de partida  para o entendimento da cultura de redenção e afirmação do espírito. O cipó  sagrado traz na tradição a miração do mundo paralelo presente na floresta através do Ayahuasca, chá usado por muitos durante as cerimônias tradicionais. Meu Deus, indaga e afirma a mente Huni Kuin, o povo verdadeiro em tradução de sua auto denominação. A vida do espírito se afirma a todo momento.

    O longo percurso para a aldeia se estende muitas horas noite adentro e é imenso o esforço de todos, num constante sobe e desce dos barcos a encalhar nas águas rasas do Rio Jordão obstruído por imensos troncos de árvores e galhos em muitos trechos. Empurrar o barco é solução necessária a todo momento.

     

    Somos recebidos na madrugada por toda comunidade e a Oficina é semeada entre o cotidiano diverso da aldeia, afoita em aprender e se mostrar. São preparos de alimentos, maestria na arte dos artesanatos, riqueza de rituais e hábitos cotidianos que permeiam toda a teoria pedagógica da ação fotográfica em curso durante uma semana de exercícios.

    A palavra Txai, a outra metade de mim, como uma terceira margem do rio, se desvela, e plenamente afirma o desenho de luz  da fotografia em sua química a revelar as necessidades, sabedoria e delicadezas da comunidade. Doce é ensinar e aprender, armar para a guerra com objetivas e máquinas de imagem. Força soberana que renova na mata, a fotografia se mostra como possível antídoto aos evangélicos, militares e políticos que insistem em serem donos do índio. Índio é do índio, não há espaço para outras posses, onde todos se chamam Txai, e são definidos como um só no vasto território.

    Voltamos para casa olhando as águas, no céu apenas lembranças. Vão-se os dedos, ficam as fotos.

     

     

  • Existe crime depois da prisão?

    Existe crime depois da prisão?

    Por Natália Martino e Leo Drumond | Projeto Voz para os Jornalistas Livres

    Nos primórdios, ela era um mero lugar de espera para o cumprimento da pena, que podia ser de enforcamento, fogueira ou suplício em praça pública, por exemplo. Evoluímos como sociedade e hoje a prisão é a pena em si – o suplício saiu das praças e passou a ser escondido por muros altos. No caminho trilhado pelas sociedades ocidentais, o discurso oficial amenizou o caráter repressivo do encarceramento e criou para ele objetivos educacionais. Está lá, na Lei de Execução Penal brasileira em seu primeiro artigo: “tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Não se trata de vingança, e sim do que é chamado de ressocialização – conceito esse bem mais controverso do que parece, mas essa discussão vai ficar para outro momento. A pergunta é: funciona? “É ruim, mas é bem melhor do que acreditamos” é a resposta da socióloga Roberta Fernandes, que recentemente concluiu sua dissertação de mestrado sobre reincidência criminal em Minas Gerais.

    Itauna_MG, 30 de janeiro de 2014. Modelos alternativos de presidios Na foto, a APAC de Itauna, referencia nacional no modelo que prega um presidio sem policias e armas Foto: LEO DRUMOND / NITRO
    APAC de Itauna, referencia nacional no modelo que prega um presidio sem policias e armas

    Essa é, em geral, a medida mais usada para avaliar o funcionamento de uma pena privativa de liberdade. Se alguém ficou preso e voltou a cometer crimes é porque a prisão não teria funcionado. Em sua dissertação, apresentada na PUC/MG em 2015, ela não deixa de relativizar esse indicador ao destacar que outras questões socioeconômicas são importantes e que acompanhar o egresso depois da saída da cadeia é essencial para aumentar as chances de reinserção social. “Você coloca o indivíduo em uma instituição total, que mortifica o ego e padroniza os comportamentos. Assim, você mata quem ele era antes da prisão e cria para ele uma nova identidade. Só que essa identidade não serve mais quando ele sai de novo da prisão”, explica. Distância da família, ausência de assistência do estado e estigma de ex-presidiário podem formar uma tríade que, em alguns casos, é capaz de inviabilizar o retorno à legalidade daquele indivíduo independentemente da sua experiência na penitenciária.

    Dito isso, vamos ao resultado da pesquisa. Depois de acompanhar por cinco anos inquéritos policiais em busca de 800 dos 2.116 condenados que saíram de penitenciárias mineiras no ano de 2008, Roberta concluiu que o índice de reincidência no crime em Minas Gerais é de 51,4%. O número é alto, sem dúvida, mas é bem menor do que se especula normalmente. “Há uma fala que ficou enraizada no discurso brasileiro de que esse índice chega a 85%, mas não existe nenhum trabalho que comprove isso empiricamente”, diz. Em sua dissertação, ela destaca que a prisão teve um efeito positivo em quase metade dos casos estudados. “Não consideramos uma taxa baixa e satisfatória, mas em relação à especulação midiática, do senso comum e da militância do abolicionismo penal, que se estima de 75% a 85%, a prisão demonstra um indicador ruim, mas não tão ruim quanto se fala”, avaliou em seu trabalho.

    APAC de Itauna, referencia nacional no modelo que prega um presidio sem policiais e armas
    APAC de Itauna, referencia nacional no modelo que prega um presidio sem policiais e armas

    Um dado, porém, chama atenção. No universo pesquisado estavam aqueles que ganharam as ruas por cumprimento total da pena e aqueles que conseguiram livramento condicional. De acordo com os resultados de Roberta, aqueles que cumpriram toda a pena estão 97,5% mais propensos a voltar a cometer crimes em relação aos outros. “A sociedade sempre quer que a pena seja o mais longa e o mais cruel possível, mas talvez esse excesso de prisão não funcione”, avalia. A socióloga explica que existem duas hipóteses principais para explicar a diferença. A primeira é a de que os condenados que cumpriram pena até o fim seriam aqueles de mau comportamento, o que teria impedido a progressão do seu regime. Portanto, seriam pessoas com menor predisposição para seguir regras. A segunda explicação possível é a de que o livramento condicional impõe uma série de regras, como não sair de casa depois das 22h, o que poderia reduzir as oportunidades de ação criminosa.

    Discurso ressocializador ainda está longe da realidade

    Na conclusão do seu trabalho, a socióloga diz que a “função ressocializadora” foi incorporada no discurso da prisão ao longo da história, mas não tem um efeito expressivo nas nossas prisões. Para ela, entre tantas necessidades de melhorias, uma é fundamental: valorizar o agente penitenciário. É precisar formar a identidade dos agentes penitenciários como educadores. O código que deve dirigir o trabalho dos membros dessa corporação, como explica Roberta Fernandes, é a Lei de Execução Penal, que tem caráter educativo. Ao contrário do Código Penal, uma lei altamente punitiva e que dirige o trabalho de outros órgãos da Justiça Criminal, a legislação que trata do funcionamento das penas visa o ensino e não a repressão. “Os agentes, portanto, teriam que ser educadores, essa teria que ser a identidade deles”, afirma.

    Ribeirao das Neves_MG, 10 de Janeiro de 2013. Revista Veja_PPP Presidio MG Na foto, imagens do presidio que sera inaugurado como modelo de gestao de PPP (Parceria publico Privada). Foto: LEO DRUMOND / NITRO
    Treinamento de agentes penitenciários no presidio PPP (Parceria publico Privada) em Ribeirão das Neves (MG).

    Vários outros são os problemas enfrentados pelas penitenciárias, como a dificuldade de individualizar a pena. “O indivíduo que cometeu um pequeno delito acaba cumprindo pena ao lado de um ‘criminoso de carreira’”, afirma Roberta, que atua em várias instituições que trabalham com o sistema prisional. Um dos indicativos de que estamos longe de resolvermos qualquer umas das questões é a quase ausência de dados e pesquisas na área. Não sabemos o tamanho do problema, suas causas e suas dinâmicas. E assim fica impossível achar uma solução.

    Mais conteúdo sobre sistema prisional você pode ver aquiaqui.

    Sobre modelos alternativos ao sistema carcerário tradicional temos este artigo. Para as críticas sobre os modelos veja aqui.

  • Em memória de Danyelly Barby

    Em memória de Danyelly Barby

    Ato contra a violência em memória de Danyelly Barby reuniu dezenas de pessoas no centro de Mogi das Cruzes, e pede a apuração, identificação e prisão de seus assassinos, além de cobrar políticas públicas para a população LGBT na cidade de Mogi das Cruzes.

    A associação Fórum Mogiano LGBT organizou um ato público na noite de sexta feira, dia 1º. O encontro serviu para pedir a apuração e a identificação dos responsáveis pelo assassinato de Danyelly Barby (23), além de cobrar políticas públicas que contemplem a população LGBT. Cerca de 70 pessoas, entre integrantes da comunidade, políticos, militantes e simpatizantes estiveram presente no largo do Rosário, no centro da cidade.
    “Por mais que se tente justificar, não dá para fazer juízo. Essa execução é um ato de transfobia.” disse Roberto Fukumaro, presidente do fórum Mogiano LGBT, em sua fala durante o ato. “Se vc entrar na rede social e verificar as postagem vcs vão ver que existe crime de ódio sim sustentado por uma massa que não consegue entender o que é o alheio, não consegue ter empatia, não consegue sentir o que é essa fraternidade”.

    Vando Luiz da Silva era tio da vítima, e esteve presente no ato, representando os familiares. “Não tem nada que faça reparar a dor de ter perdido a Dany. É clamar por justiça.”


    O caso de Danyelly não é isolado no município. Vários crimes contra a população LGBT são cometidos diariamente, muitas vezes não são caracterizados como LGBTfobia. “Os dados não são precisos, pois muitas vítimas não fazem B.O. E as que fazem não querem que divulgue”, disse Regina Tavares, secretária da associação. Outra cobrança do grupo é pela implantação, por parte da prefeitura, do conselho LGBT no município, que discutiria políticas públicas específicas na cidade de Mogi das Cruzes.
    “O que não existe ainda na cidade são políticas públicas. Já estamos há dois anos discutindo a implantação do conselho e até o momento nada” disse Regina.
    Os manifestantes saíram em passeata pelas ruas do centro com cartazes de apoio à causa e camisetas estampadas com o rosto de Danyelly, e se dirigiram até o local da execução, onde foram depositado flores e velas em memória da vítima.

    Transfobia
    Na madrugada de sábado (25/06), Danyelly foi assassinada com um tiro, na esquina das ruas Coronel Souza Franco e Princesa Isabel de Bragança, na região central de Mogi das Cruzes. Segundo a polícia, o crime teria como principal suspeito seu acompanhante, que foi visto por câmeras de segurança entrado junto com a vítima em um hotel localizado na mesma região. O caso foi registrado no 1º Distrito Policial da cidade, e encaminhado para a Delegacia de Homicídios. Ninguém foi preso ou sequer identificado até o momento.