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Categoria: Futebol

  • Nota da torcida organizada Bahia Antifascista contra Bolsonaro

    Nota da torcida organizada Bahia Antifascista contra Bolsonaro

    No dia em que, infelizmente, o Brasil confirmou mais de 10 mil mortes e 155.939 casos de Coronavírus e a Bahia registrou 196 mortes e 5.174 casos confirmados, Bolsonaro passeia de Jet Ski em mais um episódio lamentável de desrespeito a vida.
    Nos chamou a atenção, o fato dele, inoportunamente, utilizar a camisa do Esporte Clube Bahia durante o passeio da morte.

    É comum ver o protofascista do Bolsonaro vestir diversas camisas de clubes populares. Ele já havia vestido a camisa do Esquadrão durante a sua última visita a Bahia.

    Não podemos deixar de registrar o nosso repúdio quando o oportunismo se faz presente com Bolsonaro vestindo o nosso manto sagrado em um ato de desrespeito a memória dos mais de 10 mil brasileiros e brasileiras que perderam as suas vidas, d@s profissionais da saúde que lutam contra a pandemia do Covid19 e dos milhões de homens e mulheres que sofrem com os descasos do governo federal com o povo.

    Bolsonaro representa tudo que o Esporte Clube Bahia e a sua torcida repudia com veemência. Ele reverencia a ditadura, enquanto o Bahia e a sua Torcida lutaram e lutam pela democracia. Ele reverencia o racismo, o machismo e a homofobia, enquanto o Bahia e a sua Torcida são exemplos internacionais de combate a todas as formas de opressão.

    Bolsonaro tem lado e não é o da defesa da vida do povo. Nós tricolores temos lado e estamos somando esforços para que o nosso povo sobreviva a essa Pandemia realizando atos de solidariedade de classe nesse momento tão difícil.

    Nosso povo é de resistência e luta e por tudo isso, a Torcida Bahia Antifascista registra o mais profundo repúdio ao fato dele vestir nossas cores.

    Bolsonaro não é digno de vestir o manto do clube do povo!

    Fora Bolsonaro e Mourão!

    Torcida Bahia Antifascista

  • ARGENTINA: Futebol popular ajudou a expulsar o neoliberalismo de Macri

    ARGENTINA: Futebol popular ajudou a expulsar o neoliberalismo de Macri

    Mauricio Macri, presidente da Argentina na época, tentou passar um projeto no início de 2018 que tinha como objetivo fazer os clubes de futebol do país se tornarem Sociedades Anônimas, transformando-os em empresas e abrindo suas ações para investidores. O modelo, que permite a venda de ações e o controle para investidores, é adotado na Europa e muito criticado por afastar os sócios e torcedores das decisões que envolvem os clubes.

    Após o anuncio, a sociedade civil e os pequenos clubes se uniram em uma campanha para barrar o projeto neoliberal de Macri. Hoje Mauricio Macri deixou a presidência da Argentina sem conseguir aprovar o projeto. Ignacio Etchart, do Club Atlético Ituzaingó de Buenos Aires, explicou um pouco do panorama vivido nestes últimos dois anos na Argentina.

    “Eu sou Ignacio Etchart, encarregado da comunicação do Club Atlético Ituzaingó, em Buenos Aires, Argentina, em ascensão no futebol argentino, e entendemos esses últimos tempos como uma resistência nos times de futebol.

    Os times na Argentina têm uma importância muito grande. Temos um vínculo entre o bairro e o time e isso é uma forma muito potente para enfrentar os embates do governo de Mauricio Macri, que tentou privatizar os clubes.

    Os clubes da Argentina só podem funcionar e competir se forem associações civis sem fins lucrativos. Porém, Mauricio Macri, que foi presidente do Boca Júniors, e agora presidente da República Argentina — por sorte de saída —, tentou, através de diversas formas, instaurar as sociedades anônimas esportivas.

    Isso significa que as empresas podem controlar os clubes e, dessa maneira, se perde o espírito social que têm os times da Argentina. Por sorte, os torcedores se organizaram e formaram grupos que se abriram ao debate para resistir.

    Desta maneira, se constatou que Mauricio Macri, embora ele pudesse avançar em diversos ajustes sobre a sociedade trabalhadora, com os clubes não pode. Os clubes seguem sendo associações civis sem fins lucrativos, e assim seguirá sendo.

    Porque entendemos que os clubes, principalmente os de futebol, têm uma função social muito importante, em uma sociedade que têm muitas demandas.”

  • “Sou a menina preta na fila do estádio”

    “Sou a menina preta na fila do estádio”

    Por: Rafaela Freitas
    Jornalista e Maria do Podcast das Marias

    Os gritos de “macaco” e “olha a sua cor!” ecoaram Mineirão afora, colocando novamente de forma fugaz o racismo no futebol na pauta da imprensa brasileira. O caso ganhou um reforço da Ucrânia: na mesma tarde, os brasileiros Taison e Dentinho foram vítimas de racismo num jogo entre Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev.  Era só mais um domingo normal de futebol ao redor do Planeta.  

    Após essas ocorrências – registradas no mês da Consciência Negra –, a CBF e a maior parte dos clubes brasileiros seguem inertes no combate ao racismo – e a outros preconceitos e discriminações. Enquanto isso, assistem o Esporte Clube Bahia se tornar a maior referência em ações afirmativas no futebol brasileiro. Em outubro de 2019, Roger Machado, técnico do time baiano, e Marco Aurélio de Oliveira, comandante do Fluminense, os únicos treinadores negros da série A, participaram de uma ação promovida pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Na entrevista coletiva pós-jogo, Roger foi contundente ao explicar didaticamente sobre racismo estrutural e questionar a falta de negros em cargos de gestão do futebol e na imprensa. Na ocasião, o técnico ainda destacou a situação das mulheres negras como maioria nos casos de feminicídio e de suas ausências no jornalismo esportivo. 

    Foto: Thiago Ribeiro / AGIF

    Vistas como intrusas maculando o sagrado espaço masculino e machista, as mulheres encontram-se uma série de obstáculos para legitimar seu papel como coprotagonistas do futebol. O desafio é ainda maior para as torcedoras negras, como explicam a mestre em Comunicação Mayra Bernardes e a designer e estudante de Pedagogia Maíra dos Anjos. Convidadas nos episódios especiais sobre racismo do Podcast das Marias (produzido por torcedoras cruzeirenses e com pautas voltadas para a legitimação do papel da mulher no futebol), Maíra e Mayra revisitaram alguns pontos da fala do técnico Roger Machado, relacionando-as com suas experiências como mulheres negras num ambiente tão machista e racista. 

    Mayra Bernardes destaca que o “racismo para as mulheres negras está muito relacionado à aparência” e à inadequação ao padrão de beleza imposto pela norma branca.  Maíra dos Anjos endossa trazendo esse ponto para o contexto do futebol. “É só ver nos desfiles de uniformes. Quantas modelos são negras? Você não vai encontrar aquele padrão com facilidade nas arquibancadas. É preciso fazer um esforço imenso para tentar se adequar à esta norma branca da beleza. Por mais que alisemos os cabelo ou façamos qualquer outro procedimento estético, sempre seremos mulheres negras”, exemplifica.

    Mayra Bernardes destacou a fala do treinador Roger Machado sobre ser o único negro na faculdade de Educação Física e a falta de negros no jornalismo esportivo. Para o mestrado, Mayra – cuja dissertação discutiu a transição capilar na publicidade de cosméticos – foi a fundo nas pesquisas sobre a presença do negro na mídia. “Escrevi um artigo dizendo que quando uma pessoa preta aparece, ela sempre é a única. Num grupo de 10 repórteres de TV, um vai ser negro. Geralmente, para legitimar a emissora como “não racista”. Mas se ela não é racista, porque só dá espaço para um negro? Isso é péssimo, pois transforma pessoas em uma única referência dentro de um grupo que corresponde a 54% de toda a população brasileira. É impossível que uma pessoa possa representar uma população tão grande e complexa”, reforça.

    Para Maíra dos Anjos, ser a única negra nos lugares é de uma responsabilidade muito grande.

    Sobre ser “a única”, Maíra desabafa. “Na fila do Mineirão, sou sempre a menina preta. Sou um ponto de referência por conta da cor da minha pele. Minha mãe fez de tudo para eu estivesse nos melhores ambientes. Então, muitas vezes e em muitos lugares, fui e sou a única negra, e isso me faz carregar um fardo muito grande, porque todo e qualquer assunto sobre sobre cor de pele passa a ser minha responsabilidade”. 

    Cruzeirenses frequentadoras de estádios, Mayra e Maíra destacaram no Podcast das Marias a falta do sentimento de pertencimento entre a torcida. “O futebol é um ambiente completamente hostil e permite que o ser humano exponha o pior de si. E quando você é uma mulher negra ou um homem negro, no contexto do futebol, a primeira coisa que vai ser motivo de chacota será a cor da sua pele. Se você for xingar um jogador branco, raramente vai ofendê-lo se referindo à cor da pele. Eu nunca vi isso. Mas ouvi, inúmeras vezes, chamarem jogadores e árbitros negros de ‘macaco’. Isso me faz pensar muito se quero continuar a ser uma torcedora assídua. A sensação que eu tenho é que a qualquer momento irei virar motivo de chacota e passar por alguma humilhação. E como ali estou numa minoria, prefiro me abster, o que é triste, pois o futebol deveria ser um ambiente de união, e não de afastamento”, lamenta Maíra. 

     Apesar dos reveses, resistir é a única opção para ela. “Eu não vou deixar de existir, mesmo que muitas pessoas queiram. Não vou voltar pro tronco, não vou deixar de frequentar os ambientes onde ficam incomodados com minha presença. Isso não é um problema meu, é um problema de quem é racista”, enfatiza. 

    Paixão nacional para poucos

    Historicamente, o esporte mais popular do Brasil nunca foi para todos. Criado em berço de ouro, no fim do século 19, o futebol foi, em suas primeiras décadas, uma atividade desportiva restrita à elite branca, dentro e fora dos campos. Ao mesmo tempo em que ganhava notoriedade nos clubes de regatas – dividindo as atenções aristocráticas com os esportes náuticos –, o futebol chegava clandestinamente às várzeas e se popularizava entre os pobres e negros. Com a profissionalização do esporte, em 1933, a barreira segregacionista no futebol parecia ter sido derrubada para sempre.  Mas era apenas impressão.

    O decreto-lei n. 3.199, de 14 de abril de 1941, proibiu a prática de modalidades esportivas “que não combinavam com a formação física do belo sexo”, entre elas o futebol. Regulamentado pelo Regime Militar, o decreto só fora revogado em 1979, graças à luta das jogadoras e relevância econômica mundial do futebol. 

    De origem branca e aristocrática, e, por alguns anos, proibido para mulheres, o futebol só se tornou uma paixão das massas na segunda metade do século 20. No entanto, inclinou nos últimos anos para um novo processo de elitização com o fim das “gerais”, transformação dos estádios em arenas, criação de programas de sócio-torcedores e, consequentemente, aumento dos valores dos ingressos. 

    “A partir do momento em que os clubes passaram  a comercializar camisas oficiais a mais de R$200, ingressos a R$100 e criar programas de sócio a preços elevados, eles deixaram claro não quer que a população preta faça parte. Quanto mais cifras são colocadas nesse orçamento para se legitimar como ‘torcedor de verdade’, mais o cenário se torna excludente para o negro, que é minoria nas classes A e B no Brasil”, pondera Maíra dos Anjos. 

    Mayra Bernardes acredita que essa padronização não é por acaso. “Os clubes querem um torcedor da norma branca e burguesa”, dispara. 

    Educação e formação humanizada 

    Mayra Bernardes: “os clubes não estão nem aí para a formação humana de seus jogadores”. 

    As frases dos Racionais MCs (“Amo minha raça, luto pela cor. O que quer que eu faça, é por nós, por amor”) e de Angela Davis (“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”) deram o tom no contundente desabafo que o jogador Taison fez em seu Instagram após os insultos racistas que ouviu no estádio. Apesar de episódios como este serem rotineiros no futebol mundial, ainda são poucos são os atletas negros que se manifestam sobre o assunto. No Podcast das Marias, foram questionados os motivos pelos quais ídolos do passado e do presente, como Pelé e Neymar, nunca se assumiram como “porta-vozes” da causa. Maíra acredita se tratar de um reflexo da falta de consciência social e racial da maioria dos atletas. 

    “Seria muito importante que os atletas tivessem essa consciência para resistir ao racismo. Mas  quanto mais ele atinge certo status financeiro e social, vai se afastando dessa luta. No entanto, é preciso se lembrar que por mais dinheiro que possamos ganhar, seremos para sempre negros”, pondera. 

    Mayra destaca que os jovens jogadores abandonam a escola muito cedo para se dedicarem integralmente ao futebol, e por isso, os clubes teriam de ter como missão auxiliá-los no desenvolvimento de suas consciência social e racial. “Seria uma ótima ação antirracista por parte dos clubes oferecer essa formação aos atletas mais novos. Mas só querem que eles façam gols. Não estão nem aí para a formação humana de uma pessoa que tem o poder de transformar essas relações tão desiguais dentro do futebol”, observa.

    As entrevistadas, no entanto, acreditam não ser justo cobrar posicionamentos apenas dos atletas negros, afinal, o racismo é um problema, sobretudo, dos brancos. Voltando à frase da ativista do movimento negro e principal voz do feminismo negro, Angela Davis, ser antirracista é um papel que deve ser assumido por todos. 

    Maíra relembra o episódio envolvendo Daniel Alves, quando era jogador do Barcelona, que comeu uma banana que fora arremessada em sua direção. No momento do ataque, nenhum companheiro branco manifestou indignação ou solidariedade ao brasileiro. “Sempre vai precisar de um negro para ser referência no assunto. Já foi o Daniel Alves, foi o Aranha, agora é o Roger Machado ou Taison. Os brancos também precisam se posicionar”, avalia. 

    Impunidade e “desculpas esfarrapadas”

    Não é justo culpar apenas o futebol pelo racismo, uma vez que os estádios são apenas uma pequena amostra da sociedade. Mas o que torna o local tão permissivo para essas agressões? Além do histórico aristocrático do esporte, Mayra inclui a impunidade. “Apesar de racismo e injúria racial serem crimes no Brasil, não vemos as punições serem aplicadas conforme a lei. Ou quando são, costumam ser medidas muito brandas”. 

    Ela também cita a deslegitimação dos atos racistas. “Quando a gente comenta que sofreu racismo em algum lugar, as pessoas sempre nos cobram: ‘por que você não processa? Por que você não chamou a polícia’, como se fosse resolver o problema. Pelo contrário, isso gera mais problemas, uma vez que as instituições são racistas. E as pessoas que detêm o poder de fazer alguma coisa não conseguem enxergar o racismo e refutam dizendo que o agressor estava brincando, que a fala foi tirada do contexto, a banana escorregou da mão do torcedor…”. 

    Os suspeitos de agressão contra o segurança do Mineirão usaram e abusaram desse tipo de “desculpa esfarrapada” para se defenderem das acusações. Não são racistas. Estavam bêbados. Têm irmãos negros. E um deles ainda destacou que corta cabelo com uma pessoa negra. Sobre esse caso, o inquérito policial segue aberto e em investigação. 

    Após as agressões em Belo Horizonte e na Ucrânia, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol atualizou os números de casos de racismos registrados no ano: 42 no futebol brasileiro, 13 envolvendo brasileiros no exterior e 5 em torneios continentais na América do Sul. 

    Árbitros podem encerrar partida após atos racistas

    Em julho deste ano, entrou em vigor o novo Código Disciplinar da Fifa, entidade máxima do futebol mundial, que permite ao árbitro suspender a partida em casos de racismo dentro e fora de campo. No entanto, a decisão de encerrar ou não o jogo só deve ser tomada após outras medidas, como anúncios no alto-falante solicitando o fim das agressões, não surtirem efeito imediato. No jogo entre Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev, os atletas solicitaram que a arbitragem desse fim à partida, mas seguindo o protocolo Fifa, aguardaram alguns minutos antes de decidirem pela continuidade do jogo, vencido pelo Shakhtar, time dos brasileiros que foram alvo de racismo.  As arbitragens em todo mundo são orientadas a relatar os casos de racismo na súmula da partida, que podem ser julgados pelos tribunais desportivos.


    Rafaela é jornalista e integrante do Podcast das Marias, um podcast de quatro torcedoras cruzeirenses que compartilham o amor pelo Cruzeiro e pelo futebol.

  • Copa dos Refugiados e Imigrantes: Futebol e união para além da terra

    Copa dos Refugiados e Imigrantes: Futebol e união para além da terra

    Ocorreu ontem (20) no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, também conhecido como Estádio do Pacaembu, em São Paulo, a Grande Final da Copa dos Refugiados e Imigrantes – etapa São Paulo. O evento é organizado anualmente pela ONG África do Coração em parceria com a ACNUR – Agência de Refugiados da ONU, a OIM – Organização Internacional para as Migrações, a Caritas Arquidiocesana de São Paulo – CASP, a Prefeitura de São Paulo e outros apoiadores públicos e privados.

    As primeiras fases da Copa iniciaram em agosto nas cidades de Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Curitiba e São Paulo. A competição envolveu, ao todo, aproximadamente 1.120 atletas, organizados em 46 seleções que agregaram pessoas de 39 nacionalidades em situação de refúgio (solicitantes de refúgio e refugiados reconhecidos) e imigrantes. A final foi disputada entre os times da República Democrática do Congo (RDC) e Níger.

    Dessa vez, quem levou a taça de primeiro lugar foi a República Democrática do Congo (RDC) vencendo o Níger, que havia sido campeão na edição anterior do evento, em 2018. O time vencedor ainda irá participar de etapa nacional no Maracanã, no Rio de Janeiro, em novembro deste ano.

    Etapa Final da Copa dos Refugiados e Imigrantes no Estádio do Pacaembu | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

    Entrevistamos três refugiados e imigrantes que estiveram envolvidos na organização e participação na Copa dos Refugiados e Imigrantes de diferentes maneiras.

    Nosso primeiro entrevistado foi Abdulbaset Jarour, refugiado sírio, vice-presidente da ONG África do Coração e Coordenador-Geral da Copa dos Refugiados e Imigrantes.

    – Como surgiu a ideia da Copa dos Refugiados e Imigrantes?

    A Copa dos Refugiados e Imigrantes surgiu em 2014 com o propósito de chamar atenção da mídia e ajudar na integração dos imigrantes na sociedade brasileira. A ideia de usarmos o futebol foi proposta por um dos imigrantes e acabou sendo apoiada pela ACNUR e pela Caritas de São Paulo. E assim surgiu a ideia, cujo objetivo principal é, primeiramente, realizar integração entre os povos refugiados e imigrantes, mas também integrar os refugiados e imigrantes com o povo da sociedade brasileira, para quebrar todo o olhar preconceituoso e xenofóbico que aumentou muito nos últimos tempos. Também buscamos chamar atenção do setor público para dar protagonismo às nossas falas para ver se conseguimos mudar as leis. Nós também convidamos autoridades para falarmos sobre a nossa situação. Por isso a Copa dos Refugiados não é para refugiados, nem com refugiados, mas dos refugiados e imigrantes. O nosso outro objetivo é chamar atenção do setor privado para superar uma das maiores dificuldades dos migrantes que chegaram aqui no Brasil: muitos deles são formados e vieram para cá com muita vontade de abraçar uma oportunidade para se sensibilizar mais pela causa. O que menos importa é o resultado. Todo mundo sai ganhando e sai feliz daqui. O nosso objetivo é maior do que isso.

    – Você acredita que o esporte cria uma relação entre os povos que facilita a sua integração?

    O esporte e o lazer são coisas que realizam a integração em todo o mundo. Há vários tipos de esportes que dão esse ânimo e que ajudam a realizar a integração. Usamos o futebol porque é o “rei dos esportes”, o futebol é uma linguagem universal, pelo qual as pessoas se unem. Nele, todo mundo se abraça. Torcedores, pobres, ricos, todas as raças, todas as cores. Por isso o futebol é uma linguagem universal, e por isso usamos essa linguagem. Ainda mais porque que estamos no Brasil, lugar onde o futebol é sagrado e que funciona como uma “escola de futebol”, sendo o país que mais exporta jogadores do mundo. E também, como sempre falo, acredito que há duas coisas que tocam o coração humano: o amor e o futebol. Por isso usamos essa linguagem e graças a essa luta e resistência conseguimos realizar esses objetivos e estamos aqui com esse projeto que cresceu muito depois da sua criação em 2014.

    – Conte um pouco sobre a trajetória da Copa dos Refugiados e Imigrantes desde a sua criação.

    A Copa foi criada em 2014, e em 2016 ela foi realizada pela primeira vez fora do Estado de São Paulo, indo para Porto Alegre. O jogo aconteceu no dia 26 de março, dia do aniversário da cidade de Porto Alegre, e foi realizado na Arena Histórica do Grêmio. Em 2018, a Copa foi para três Estados: Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. E, esse ano, a Copa chegou a seis lugares diferentes: Distrito Federal, Recife, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Ano que vem, nosso plano é fazer com que a Copa vá para nove Estados brasileiros: Santa Catarina, Minas Gerais e Mato Grosso. A Copa não é um crescimento só nacional, mas internacional, porque quem carrega o título não é de dinheiro, nem taça de ouro, mas um título humano, de pessoas que deixaram sua terra e recomeçaram com uma nova vida aqui no Brasil.

     

    Abdulbaset Jarour, coordenador-geral da Copa dos Refugiados e Imigrantes, no Estádio do Pacaembu | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

    – Como refugiado, o que um evento como esse significa para você?

    Como refugiado, estou aqui muito feliz de fazer parte dessa história porque essa Copa não é apenas um campeonato, é mais do que um jogo de futebol. Para mim é uma felicidade conseguir trazer os refugiados e imigrantes para pisar em grandes estádios aqui no Brasil. Um dos jogadores, em seu país de origem, era jogador de futebol de carreira, e é muito gratificante trazer de volta esse sorriso de uma pessoa que se sente como um órfão da terra. Isso, para mim, é algo que me deixa muito feliz, de fazer parte dessa história e também de ser um dos organizadores, ser liderança ativista e defensor pela causa dos refugiados e imigrantes.

    – Você gostaria de deixar alguma mensagem, como refugiado, para o povo brasileiro?

    Minha religião é o amor, minha raça é a humanidade, minha pátria é o mundo. Sou cidadão do mundo e somos todos filhos de uma mesma terra. Então, reserve um minuto para ouvir uma pessoa que teve que deixar a sua terra – seja pela desigualdade social, pelas perseguições, pela violência ou pela guerra. E vamos apoiar. Se não vai ajudar, também não vá atrapalhar. Então apoie nossa causa porque é uma causa que merece o nosso apoio. Deus criou este planeta sem fronteiras, criou a diversidade entre nós, como seres humanos. Também precisamos lembrar que o povo brasileiro é formado por pessoas que fugiram da fome, de guerras, da escravidão e também devem ter respeito com os povos indígenas da terra brasileira. Por isso essa causa tem tudo a ver com o povo brasileiro que deve acolhê-la, assim como o nosso projeto.

     

     

    Nosso próximo entrevistado foi Matuka David, que está no Brasil há 5 anos e jogou na Copa dos Refugiados e Imigrantes como goleiro do time da República Democrática do Congo (RDC) – seleção vencedora da edição de 2019. 

    Matuka David recebendo a medalha de campeão como goleiro da seleção da República Democrática do Congo | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

    – Como está sendo participar da Copa?

    Estou muito feliz de estar aqui. Se a gente veio foi pra ganhar, né? A gente ganhou esse jogo de 2×0.

    – Como foi a sua preparação para os jogos da Copa?

    A preparação foi difícil. Quando estávamos nos preparando a Copa, a gente estava sempre aprendendo. A gente até perdeu alguns jogos na preparação, mas falamos pra nós mesmos: “Agora a gente pode perder, mas na hora da Copa a gente não pode não!”

    – Você acha que esse evento facilita a sua integração com outros refugiados e com o povo brasileiro?

    Sim! Graças a Deus, né. Está ajudando bastante. 

    – Há quanto tempo você joga futebol?

    Eu jogo futebol há 4/5 anos, desde que cheguei no Brasil.

    – Quem é o seu goleiro favorito?

    Eu gosto muito do Cássio, goleiro do Corinthians.

    – Você gostaria de deixar alguma mensagem para o povo brasileiro?

    Gostaria de agradecer muito o povo brasileiro. Estamos muito bem aqui, fomos bem recebidos.

     

    Nosso terceiro entrevistado, Yacouba Conde, está no Brasil há dois anos e meio e é capitão da seleção da Gâmbia.

    – Como está sendo participar da Copa para você?

    A Copa está sendo uma grande oportunidade para nós mostrarmos que nós também podemos jogar com qualidade e podemos trazer nossas habilidades para o campeonato brasileiro. Mas, infelizmente, eles não dão essas oportunidades para nós. Então essa Copa dos Refugiados representa um campeonato para a gente.

    – Você tem vontade de seguir uma carreira no futebol aqui no Brasil?

    Yacouba Conde, capitão da seleção da Gâmbia | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

    Claro que tenho. No ano passado eu fui eleito o melhor jogador da Copa dos Refugiados e aí eu tive a oportunidade de ser chamado para jogar no time de futebol do Corinthians. Mas, infelizmente, por questões de documentação, eu não consegui assinar o contrato e perdi a vaga. Até hoje estou correndo atrás disso para ir atrás do meu sonho.

    – Desde quando você joga futebol?

    Desde que eu nasci. Eu cresci jogando futebol. Eu sou jogador polivalente: jogo tanto de zagueiro, como na lateral, e outras posições.

    – Como que foi a sua preparação como capitão do time?

    Não foi fácil não, porque tem alguns jogadores que moram longe e às vezes temos que pagar as passagens deles. E também para vir treinar nós temos que pagar o campo.. Aí não foi fácil, mas graças a Deus deu tudo certo.

    – Como refugiado, o que um evento como esse significa para você?

    Significa muito para mim. Eu acho que é o único evento que nós temos para nos expressar, para encontrar os nossos amigos, porque nós não temos mais lugar para nos encontrarmos e trocarmos uma ideia. 

    – Você acha que um evento como esse ajuda na sua integração com os outros refugiados e imigrantes?

    É exatamente isso.

    – Você gostaria de deixar alguma mensagem para o povo brasileiro?

    Não julguem o livro pela capa. Temos que abrir o livro e ler para conhecer. Não é porque nós somos pretos, ou sei lá o que, não significa que não temos qualidade para mostrar e oferecer. Acho que a gente precisa só é de oportunidade.

     

    Nosso quarto e último entrevistado foi Azuka Okoru, de 24 anos, jogador da seleção do Níger que já está no Brasil há 4 anos e 7 meses. Foi campeão da edição de 2018 da Copa dos Refugiados e Imigrantes e vice-campeão em 2019.

    – O que você sentiu ao participar da Copa?

    Nós já participamos da Copa no ano passado e fomos campeões. Mas esse ano a gente chegou no final mas não ganhou. Mas tudo bem, é assim mesmo. Só Deus sabe o porquê. Nós jogamos muito bem, mas o outro time tem que ganhar porque eles jogam melhor do que a gente. Quem joga melhor é que ganha.

    Azuka, jogador da seleção do Níger | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

    – Como é jogar no Pacaembu, um estádio histórico?

    É muito bom jogar aqui. O estádio é grande e quando a gente joga aqui, a gente descobre se sabe ou não jogar bola. Porque quando a gente joga em um campo pequeno, você sente que sabe jogar muito, porque o campo é pequeno. Mas quando a gente chega aqui, você some. Mas é muito bom, o Pacaembu é muito bom pra jogar bola.

    – Você acha que, aqui no Brasil, o esporte pode facilitar sua integração com os outros refugiados e imigrantes?

    Sim, sim, sim. É muito bom. Esporte é bom e o Brasil é o país do esporte. É por isso que eu estou aqui, e gosto muito do Brasil. Meu sonho era vir aqui pro Brasil pra jogar bola.

    – Como refugiado, o que essa Copa significa para você?

    Essa Copa significa uma oportunidade para conhecer outras pessoas de vários países. É muito bom, todo mundo gosta para jogar. Todo mundo gosta porque estamos conhecendo outras pessoas, que você nunca tinha visto antes.

    Etapa Final da Copa dos Refugiados e Imigrantes no Estádio do Pacaembu | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)
  • Pela liberdade dos jovens meninos da favela São Remo

    Pela liberdade dos jovens meninos da favela São Remo

    Por Lucas Martins, Katia Passos e Emílio Lopez, dos Jornalistas Livres 

    Na última terça-feira, 16/07, Y e A, dois adolescentes de 16 e 17 anos, respectivamente, foram presos em São Paulo, acusados de roubar um carro, na Praça General Porto Carrero, bairro do Jaguaré, zona oeste. Mas a história não é tão simples e clara assim. Os garotos e suas famílias negam veementemente a autoria do crime. Será mais um capítulo de injustiça contra pobres?

    Por isso, na segunda (22), moradores, professores, familiares dos meninos, amigos e o coletivo Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio organizaram um ato nas ruas da favela São Remo, local onde os jovens nasceram e cresceram. O objetivo da manifestação foi denunciar mais essas duas prisões, sem crimes, sem provas, de pessoas pobres que não têm e nunca tiveram envolvimento com nenhum ato ilícito em suas vidas. Pelo contrário, um dos meninos é inclusive um atleta participante da Taça das Favelas e foi recentemente entrevistado na televisão, pela rede Globo. Mas, infelizmente, histórias com esse enredo não causam o mesmo interesses aos veículos da mídia tradicional. Por isso, coletivos organizados por equipes voluntárias e a sociedade civil, têm importância fundamental na visibilidade de situações de genocídio, violência e de injustiça como é o caso dessa. A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, presente nesses territórios, consegue ter uma importantíssima atuação contra o silenciamento de diversos casos, no apoio às famílias vítimas e claramente apavoradas com essas atrocidades, temendo retaliação por parte da própria Polícia dos territórios onde habitam, e sobretudo, no acompanhamento diário, do começo ao fim da história, até o desfecho e in loco.

    Marisa Fefferman, da Rede pontua: “a insegurança e o medo perpassam essas comunidades e isso aumenta cada vez mais. Existe sim um alvo. A metodologia da rede de proteção é andar pela favela, ver quem são os parceiros, é mostrar uma mãe falando pela comunidade que isso não acontece só com o filho dela”. Ainda sobre a institucionalização dessas histórias de injustiça e violência, Marisa explica: “a Rede tem um grupo de trabalho com o Ministério Público para discutir o controle interno das Polícias, com representantes da Secretaria de Segurança Pública, da Ouvidoria e da Defensoria. É um canal aberto e o nosso caminho para a tratativa desses casos é formaliza-los no MP.”

     

    Manifestantes carregam flores durante ato, na comunidade São Remo, na zona oeste de São
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Sobre o destino atual de Y e A, a rede tem acompanhado, junto com as meninas, a internação dos meninos na Fundação Casa, unidade Brás, na capital paulista. O caso foi apresentado ao Ministério Público na última quinta (18) e a partir dessa data, o órgão tem até 45 dias para apresentar o caso a um juiz.

    Entenda os detalhes do caso

    Em depoimento ao advogado de defesa, os jovens saíram de casa para encontrar a namorada de um deles. A moça também reside na região.

    Em mensagens trocadas entre o casal, pelo aplicativo Whatsapp, a moça justifica o pedido para que o amigo do namorado o acompanhasse:

    20h35 – “se ele tiver pede pra ele vim com vc amor, pra minha amiga da uns bjs nele pra ele dá uma atenção pra ela ela ta mal”.

    Na continuação:

    20h44 – mensagem do namorado, um dos jovens apreendidos:  –  “veremos isso na hora que eu chegar ai”.

    Chegaram. Segundo depoimento ao advogado que os defende, em frente a casa da jovem, por volta das 21h38. Dois minutos depois foram apreendidos pela polícia.

    Os adolescentes A e Y se declaram inocentes e apresentam outra versão que contradiz completamente o texto do Boletim de Ocorrência (BO) realizado pela vítima por detalhes importantes de logística, temporalidade e um aparelho celular. Segundo o documento, a vítima, uma Policial Militar, estacionou o carro na Praça, e logo após descer foi “abordada por dois indivíduos” que a colocaram no carro e partiram. É relatado, ainda, que, na Av. Presidente Altino uma viatura perseguiu o carro, mas não conseguiu alcançá-lo, perdendo-o na Av. Dracena. Segundo a vítima ela conseguiu fugir do carro após um dos assaltantes, que estava no banco traseiro, sair do veículo.

    Ainda no Boletim de Ocorrência, consta que, após sair do veículo, “correu em direção a um carro da Yellow, pedindo auxílio, sendo que neste momento o motorista do carro da Yellow abriu a porta e a vítima entrou”. No documento está registrado, também, que na “Rua Onófrio Mileno, Jaguaré, localizaram o veículo parado e próximo havia três indivíduos (…) que saíram correndo empreendendo fuga, sendo dois dos indivíduos alcançados”, isso teria ocorrido, segundo o BO, às 21:40h.

    Já na 91° DP a vítima reconheceu A e Y e recuperou o carro. Consta no relato que foi encontrada a chave do veículo com o jovem de 16 anos, mas não o celular, que também foi roubado.

    A defesa

    O advogado dos jovens confronta a versão policial com a geolocalização dos dois quando foram abordados.

    Segundo o registro do celular eles estariam na Rua Três, há mais de 200 metros de onde a versão policial os coloca e também questiona o paradeiro do celular da vítima, que, até agora, não foi localizado. Segundo a defesa, a pesquisa em imagens de câmeras existentes pelo trajeto pelo qual os jovens passaram, será realizada, ação que poderá elucidar e trazer liberdade aos meninos.

    A mobilização

    Logo após a prisão, as famílias e conhecidos começaram a se mobilizar para provar a inocência dos jovens. O professor de futebol Lula Santos, do Projeto Social Escolinha de Futebol do Catumbi, e que mora na São Remo junto com as famílias e a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que atua em casos de violação de Direitos Humanos em São Paulo, organizaram um ato nesta segunda, 22, que circulou pelas ruas onde os dois jovens moram.

    O professor deixa claro o que acha que motivou a prisão “estamos sem voz e estão prendendo pessoas inocentes pelo tom da pele”. Y, o jovem de 16 anos, também é negro.

    O professor Lula Santos
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Y e A nasceram na favela São Remo, que fica ao lado da Cidade Universitária, em uma região valorizada da capital. Mesmo estando ao lado da Universidade de São Paulo, a USP, maior do país, as condições da comunidade são precárias.

    A manifestação

    O ato começou em frente à casa do jovem Y, por volta das 10h30. Um dos presentes foi Marcelo Dias também preso injustamente ano passado. Emocionado, chorou e contou brevemente sua história: “acordei cedo para vim, em solidariedade a essa família, essas duas famílias. Minha mãe também passou por isso e eu sei a dor que a família está passando nesse momento. A importância, gente, de nos estarmos aqui é muito grande. Essa comunidade precisa sair daí. Precisa vir para a luta junto com essa família”.

    Uma luta que não se restringe ao tema do encarceramento em massa no país. A luta de quem vive em territórios hostis como o da favela São Remo é dura, é preciso apelar, gritar e apelar muito por direitos básicos, para se ter uma vida minimamente decente.

    Antes do ato caminhar pelas ruas da favela, Iracema, mãe de A, mostrou a casa onde mora com o marido e o filho. Três cômodos: um quarto, um banheiro e a sala que também é cozinha. Separados do filho por oito dias, contam como era a vida como educam A, a partir da própria realidade de suas vidas. Arlindo, pai de A, sofreu um AVC e tem mobilidade reduzida, por isso, o filho sempre está presente para ajuda-lo:  “nunca é fácil, mas agora tá pior. Acordar e não ver ele. Quem fazia comida para mim, esquentava. Agora não faz mais. Sempre foi caseiro”.

    Iracema, veio de Pernambuco para São Paulo com 14 anos. Trabalha desde os 16 anos na mesma casa, como empregada doméstica: “trabalho em casa de família. Não deixo faltar nada, dentro das minhas condições. Tudo vem do suor do trabalho de diarista, e falo para ele: seja assim igual a sua mãe”. Enquanto conta sua história, Iracema mostra a chave da casa dos patrões como símbolo da confiança.

    Quando as pessoas começaram a caminhar no ato quem puxava as palavras de ordem era o professor Lula, que convidava as pessoas para se somarem à passeata.

    Depois de alguns minutos de trajeto as pessoas pararam de andar para que discursos em tom de denúncia pudessem ser feitos. Lula explicou a situação “não é justo o que estão fazendo com os nossos meninos. No geral, com todas a comunidades. Todas as comunidades, o que estão fazendo? Oprimindo todas as comunidades, as favelas ao nosso redor. Peço um minutinho de vocês, de atenção. Venham um pouquinho para a rua. Vamos somar aqui, mostrar para as pessoas que temos voz. A favela tem voz”.

    Em seguida Leandro, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Butantã alertou:  “nos vemos casos como esse em todas as periferias, pessoas sendo presas injustamente e hoje a AOB e a comissão de direitos humanos se solidarizam com esses meninos que foram presos injustamente. Vemos que o processo hoje não tem as duas versões, só existe a versão da polícia”.

    O ato seguiu até o campo de futebol da comunidade. Uma escolha simbólica para contrastar os sonhos dos meninos com o pesadelo que vivem.

    Os dois jogam e amam por futebol. Iracema conta, enquanto mostra as chuteiras furadas de tanto uso, que o filho, além de ser um Santista roxo, tem o futebol como sua maior paixão.

    Y e A treinam com Lula no campo da comunidade. Ali o menino Y tornou possível um dos seus maiores desejos, jogar no Pacaembu. Os dois participaram de testes para jogar na Taça das Favelas São Paulo, torneio que reuniu 32 times masculinos e 16 femininos de várias favelas da cidade. A não conseguiu jogar por questões médicas, mas Y passou e realizou o sonho de entrar no estádio, não como torcedor, mas como atacante.

    Iracema, mãe de A mostras as chuterias do filho
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Maria Ivone entrou em campo, como o filho, mas para defendê-lo: “tem muito jovem injustiçado, somente porque mora em comunidade. Somente porque não tiveram a oportunidade estar fora deste lugar. Mas também quero pedir que as mães, os pais que estiverem vendo essa passeata se comovam. Botem a mão no coração, porque hoje sou eu, mãe, que estou aqui, hoje, clamando e pedindo ajuda. Amanhã pode ser você, nenhum dos nossos filhos estão sendo respeitados. Nós não estamos aqui somente para chamar atenção porque é meu filho. É porque são da comunidade São Remo”.

    Manifestantes no campo
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    O ato seguiu para a área externa do campo e prosseguiu entre as palavras de ordem e uma trilha sonora que também servia como apelo por justiça: Racistas Otários, dos Racionais MC’s, e Eu só quero é ser feliz, de Cidinho E Doca.

    A manifestação foi encerrada em frente a porta da casa de A. Aluta pela liberdade dos meninos não para por aqui, por isso, uma reunião que discutirá os próximos passos, já está agendada para a próxima sexta (26/07) e terá a presença de membros da comunidade, advogados e coletivos contra o genocídio da população pobre preta e periférica.

     

     

  • Na briga das TVs, o rádio esportivo vence

    Na briga das TVs, o rádio esportivo vence

    Por Rafael Duarte Oliveira Venancio*, especial para os Jornalistas Livres

    A atual problemática dos direitos de transmissão do futebol brasileiro entre os clubes e as televisões, notadamente a Globo e o Esporte Interativo, produz a cada rodada um novo capítulo. Um capítulo que decidirá o futuro da comunicação em nosso país.

    Já escrevemos sobre isso anteriormente nos Jornalistas Livres, em 2017, no artigo “O futebol não será televisionado” (link aqui – https://jornalistaslivres.org/o-futebol-nao-sera-televisionado/), quando Athletico e Coritiba sem acordo com a Globo, transmitiram o seu jogo pelo Campeonato Paranaense pelo “ao vivo” do Facebook e do YouTube em suas contas oficiais nestas redes sociais.

    No entanto, agora na segunda rodada do Campeonato Brasileiro de 2019, houve uma significativa diferença no Estádio Rei Pelé, em Maceió-AL, entre CSA e Palmeiras. Não havia câmeras de transmissão, apenas as do VAR (Video Assistant Referee, na sigla em inglês para Árbitro Assistente de Vídeo).

    Isso aconteceu porque o Palmeiras não possui acordo com a TV Globo e o CSA não o tem com o Esporte Interativo. Logo, as câmeras lá postas eram apenas as do VAR no acordo entre a Confederação Brasileira de Futebol – CBF e a Globo, sob a alcunha de CBFtv.

    Seria um jogo que ninguém dos conglomerados de comunicação resolveria ir? Claro que não! Um velho herói esportivo surgiu com renovada força: o rádio.

    Ora, a briga entre Globo e Esporte Interativo – cujo principal protagonista é o atual campeão brasileiro, a Sociedade Esportiva Palmeiras – é uma dita “briga de cachorro grande”.

    Em outubro de 2018, em entrevista à Jovem Pan, o presidente do Palmeiras, Maurício Galliote descreveu como seria o acordo em vigor entre 2019 e 2024: “A Globo apresentou um contrato com algumas penalizações, algumas situações em que não concordamos. Além de números muito inferiores ao que a gente pede. Quando apresentamos a proposta para a Globo foi com números: qual o tamanho da nossa torcida, qual é o nosso público, qual é a nossa audiência, qual é a nossa perspectiva para ganho de títulos. Então nossa proposta está na mesa e vamos defender nossos números, porque temos total convicção que esses números são verdadeiros”

    Não existe nenhuma maneira do Palmeiras romper com o Esporte Interativo.

    “Temos o contrato com eles e o Esporte Interativo é que transferiu para a TNT”. Este contrato é estimado em 100 milhões de reais.

    Por outro lado, a Globo faz valer sua pressão econômica com os times que assinaram com ela. Esse é o exemplo do CSA, que disputa uma Primeira Divisão Brasileira após quase três décadas. O clube alagoano tem contrato de exclusividade com a Globo. Assim, sem a anuência do Palmeiras para a Globo e a proibição de possibilidade de acordo pontual do CSA com a Esporte Interativo, o jogo não pode ter sua imagem transmitida.

    Em um primeiro momento, dizia-se que a TV Palmeiras faria uma transmissão  próxima daquela que já faz, porém com as câmeras viradas para os locutores. Inicialmente foi descartada por “problemas técnicos” e o clube fez a divulgação que a sua TV seria como se fosse uma rádio, fazendo alusão no tweet de chamada a um torcedor palmeirense ouvindo no bom e velho radinho de pilha. No entanto, já com o jogo começado, a TV Palmeiras fez a sua transmissão mostrando os locutores, algo próximo do que faz a Rádio Jovem Pan em seu canal no YouTube.

    Restou apenas o bom e velho áudio e seu campeão comunicacional: o rádio, seja nos FMs dos aparelhos ou em suas modernizadas transmissões via YouTube ou Facebook.

    A primeira a propagandear isso foi a rádio Transamérica 100,1 FM de São Paulo através de um apelativo tweet. Logo depois, os demais grandes grupos comunicacionais – tal como Rádio Bandeirantes – mandaram equipes. Outras rádios optaram por transmitir o jogo entre Corinthians e Chapecoense, realizado em São Paulo no mesmo horário de CSA e Palmeiras.

    Na transmissão da Transamérica, o locutor Gavião lia frases dos ouvintes tais como

    “Que saudade de ouvir um jogo que só existe no rádio”

    e “Eu sigo a Transamérica porque ela não nos abandona.”

    Já na transmissão da Rádio Bandeirantes, o nosso colega radialista André Russo me mandou prints muito interessantes onde havia alguma estranheza (como se fosse ruim assistir um jogo apenas com o áudio), mas muita redescoberta, tal como se o futebol voltasse para um querido e bom parceiro amoroso. Um desses prints pode ser visto a seguir.

    Ora, em um trocadilho com a famosa música do The Buggles, sabemos que a TV matou a estrela de futebol radiofônica. Leônidas e Zizinho eram gigantes tal como Pelé, mas o Rei do Futebol surge junto com a popularização do futebol na TV na metade dos anos 1950, enquanto os outros dois – imensos craques dos anos 1930 e 1940 – tinham suas jogadas geniais irradiadas apenas.

    Nos anos 1970 e 1980, programas de humor (ou seria de comédia ficcional – estou fazendo um pós-doutorado sobre isso para entender) tal como o Show de Rádio de Estevam Sangirardi e locutores excepcionais como Osmar Santos chamaram o futebol de volta para o rádio. Surgira até a mania de colocar a TV no mudo e ouvir pelo rádio simultaneamente.

    Dos anos 1990 para cá, a Globo consolidou um estilo de transmissão onde o rádio fora novamente esquecido. Na minha opinião até agora, 2019. Com o uso do YouTube e das demais mídias sociais, os radialistas esportivos ganham novo fôlego. As TVs brigam mais um pouco em cima do desafio da Internet e do DIY inerente a ela. Nisso, o rádio – que se reestruturou enquanto podcast, audiocast, audiostreamming ou mesmo mídia sonora digital – nada de braçada.

    Teremos mais jogos nessa situação antes da Copa América em junho: Chapecoense x Athletico (5/5), Atlético-MG x Palmeiras (12/5), Botafogo x Palmeiras (25/5), Chapecoense x Palmeiras (2/6), Palmeiras x Avaí (13/6) e Goiás x Athletico (13/6). É de observar.

    No entanto, nesta rodada do 1º de maio, o jogo pode ter sido empate entre CSA e Palmeiras, mas o rádio esportivo ganhou de goleada das TVs em briga.

    • Jornalista, pós-doutorando da Universidade de São Paulo e professor da Universidade Federal de Uberlândia.