Jornalistas Livres

Categoria: Entrevista

  • Para Padre Júlio Lancelotti, sofrimento do povo de rua está ligado à ação violenta da GCM

    Para Padre Júlio Lancelotti, sofrimento do povo de rua está ligado à ação violenta da GCM

    Em entrevista aos Jornalistas Livres, o Padre Júlio Lancelotti, da Pastoral Povo da Rua, responde às declarações feitas na tarde de hoje (16/06) pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), a respeito dos óbitos de moradores de rua em decorrência da recente frente fria que assolou a cidade.

    Haddad afirmou não haver ligação direta entre a ação da Guarda Civil Metropolitana e as mortes. Para o Padre Júlio, não se trata uma investigação policial a respeito de uma questão pontual, mas antes de um problema social, do trato diário da GCM com a população em situação de rua.

    “Vamos em qualquer dos lugares onde a população de rua está perguntar: como é a ação da GCM?

    É truculenta, ameaçadora, intimidatória, vexatória, humilhante. É o que se chama escracho.”

    O padre afirma ainda que o fato de os laudos médicos não incluírem hipotermia como causa mortis não isenta a administração pública, uma vez que a temperatura é um fator agravante para condições sociais e de saúde pré-existentes. Para ele, as pessoas poderiam ter sido acolhidas ou mesmo socorridas a tempo, em todo caso.

    “Eu penso que a administração pública deveria ser mais humilde, mais humana, conversar. Não ter medo de ser avaliada e até criticada, porque receber crítica pra mudar é um sinal de maturidade.”

    Por fim, o Padre Júlio comenta a situação dos albergues da prefeitura, que segundo ele têm condições de insalubridade e não acolhem os moradores de rua de maneira humana. Ele coloca a disposição o centro de acolhimento da Casa Belém, na Rua dr. Clementino 608, aberta em todas as horas do dia e da noite:

    “Se você encontrar um irmão de rua que quer ser acolhido pode trazer aqui, ele será acolhido com um abraço.”

    Entrevista: Laura Capriglione
    Edição: Henrique Cartaxo, para os Jornalistas Livres

  • “O Brasil está ao lado dos países mais retrógrados em relação a luta histórica das mulheres”, ex-ministro da Saúde José Temporão

    “O Brasil está ao lado dos países mais retrógrados em relação a luta histórica das mulheres”, ex-ministro da Saúde José Temporão

    O médico sanitarista José Gomes Temporão foi ministro da Saúde de 2007 a 2010 e diretor do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Entre os governos do PT, foi o que mais tempo ficou à frente da pasta. Na chamada Nova República apenas José Serra se manteve tanto tempo no cargo. Durante o governo de Lula, o ex-ministro comprou brigas com os conservadores ao defender, por exemplo, que o aborto, é assunto para ser tratado por mulheres e dentro do âmbito da saúde pública.

    Hoje, Temporão é diretor executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), da Unasul.  O médico conversou com os Jornalistas Livres sobre o papel do Instituto para o desenvolvimento de uma estratégia de saúde comum à América do Sul e o risco que atual congresso representa para os avanços conquistados nos últimos anos.

    teporaoJornalistas Livres – Atualmente o senhor é diretor executivo do Isags. Qual o papel do Instituto para a América do Sul?

    Temporão – O ISAGS é uma organização internacional, pública, intergovernamental diretamente vinculado ao Conselho de Ministros da Saúde da UNASUL. É resultado do processo político de integração da América do Sul e tem por objetivo se constituir em um centro de altos estudos e debates de políticas para o desenvolvimento de lideranças e de recursos humanos estratégicos em saúde, buscando fortalecer a governança em saúde dos países da América do Sul e contribuir  para articular a atuação regional e a saúde global.

    JL – Em 2011 o senhor se filiou ao PSB. Os parlamentares deste partido votaram maciçamente a favor do processo de impeachment da presidenta Dilma Russeff. O atual ministro das Relações Exteriores, José Serra, em seu primeiro dia de trabalho, soltou uma carta atacando o diretor da Unasul por questionar o processo em curso no Brasil. Como o senhor se posiciona sobre o impeachment de Dilma?

    Temporão – Eu me desfiliei do PSB acompanhando a posição de outros companheiros como o Roberto Amaral e entendo esse processo como uma grave ruptura da ordem democrática me colocando ao lado daqueles que defendem o mandato da presidente Dilma e questionam os argumentos utilizados para afastá-la da presidência da república.

    JL – Durante sua gestão como Ministro da Saúde no governo Lula, o senhor teve posições polemicas sobre a questão do aborto, defendendo que este era um assunto para ser tratado por mulheres e dentro do âmbito da saúde pública. Senadores chegaram a usar esta matéria para dizer que o PT é contra a família. Passados alguns anos que avaliação o senhor tem das medidas tomadas quando era ministro? O senhor vê algum avanço neste tema no Brasil e na América Latina?

    Temporão –  Com exceção da decisão do STF que incluiu entre os motivos legais para a interrupção voluntária da gravidez a anencefalia, não há muito a comemorar. A exceção é o Uruguai que aprovou uma lei mais liberal sobre o tema. Neste momento forças extremamente conservadoras ameaçam no Congresso Nacional grave retrocesso na atual legislação propondo restringir, se não impedir, o que hoje consta na legislação brasileira sobre o tema. O Brasil hoje está ao lado dos países mais retrógrados do mundo em relação a esta luta histórica das mulheres brasileiras.

    JL – Os médicos sanitaristas historicamente estiveram à frente da criação e defesa do SUS. Como o senhor enxerga o SUS nos dias de hoje? O SUS é capaz de garantir ao cidadão o direito constitucional de acesso à saúde?

    Temporão –  O processo que levou à criação do SUS tem raízes nas lutas contra a ditadura militar e expressa um processo histórico por direitos e cidadania em nosso país. Nesse período de mais de duas décadas de implantação do SUS houve expressivos avanços em termos de ampliação do acesso e de estruturação de políticas e programas que hoje garantem atenção integral à saúde a cerca de 75% da população brasileira. E isso deve ser reconhecido. Por outro lado existem contradições e fragilidades que impedem que essa reforma se estabeleça em toda sua plenitude. Entre elas estão o subfinanciamento, o estímulo ao mercado privado através de subsídios e renúncias fiscais, o modelo de atenção ainda muito centrado na atenção hospitalar e o modelo de gestão hoje pulverizado entre gestão pública, terceirizações, OSS [Organizações Sociais de Saúde], criando um modelo fragmentado que impacta negativamente a eficiência e a qualidade dos serviços.

    JL – O atual ministro da Saúde considera que não é possível sustentar o nível de direitos que a Constituição determina. O que o senhor pensa sobre isso? É possível garantir saúde Universal para todos?

    Temporão – O SUS e seus princípios pétreos- universalidade, integralidade, gratuidade e democracia- conformam um processo civilizatório que deve ser defendido por todos que compreendem a saúde como um direito de cidadania e dever do estado. A defesa do SUS é a defesa do direito à vida plena e com qualidade para todos. Defendê-lo radicalmente é um compromisso com a democracia e o desenvolvimento nacional.

     

     

  • “Não há expectativa de reconhecimento da diversidade em um governo golpista”

    “Não há expectativa de reconhecimento da diversidade em um governo golpista”

    Entrevista e Texto por Caio Santos e Rafaella Dotta
    Vídeo e Edição por Lívia Montenegro e Marcos Scatolin Rago

    Um apartamento pequeno, confortável e modesto, na regional Pampulha de Belo Horizonte, decorado com peças de arte negra. Sem ostentar, as pinturas e esculturas revelavam uma personalidade orgulhosa de sua cultura e origem. A dona do apartamento recebeu a reportagem e, enquanto preparávamos o equipamento para a entrevista, ela comentou vaidosa de seu penteado afro: “Antes usava tranças, quando mudei as pessoas se surpreenderam. ‘Ministra, você ficava tão bem de tranças’. É que agora estou soltando minhas raízes!, eu respondia.”

    Nilma Lino Gomes retorna para sua terra natal, Minas Gerais, depois de permanecer por 18 meses como ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Formada em educação na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ela cresceu no espaço acadêmico como uma das maiores especialistas em ações afirmativas do país, se tornando a primeira negra a chefiar uma universidade federal. Depois, Nilma foi chamada por Dilma Rouseff para compor seu governo. No entanto, menos que uma política ou acadêmica, sua fala mostra tanto a didática de uma professora quanto a consciência de uma defensora dos direitos dos negros e das negras.

    Ficando até os últimos dias ao lado de Dilma Rousseff em Brasília, Nilma foi exonerada de seu cargo devido ao golpe político contra a presidenta e assistiu à extinção do ministério que estava à frente. Em entrevista aos Jornalistas Livres, ela fala sobre o racismo no Golpe, o descaso do governo interino aos direitos humanos e de minorias e também comenta os avanços dos últimos 13 anos da administração petista.

    [aesop_video align=”center” src=”youtube” id=”wyw39D4ueJM” caption=”Nilma Lino Gomes – Parte 1 sobre os avanços dos governos Lula e Dilma” loop=”on” autoplay=”on” controls=”on” viewstart=”on” viewend=”on”]

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    [aesop_video align=”center” src=”youtube” id=”Z2fnS3lXUXI” caption=”Nilma Lino Gomes – Parte 3 sobre a extinção do Ministério dos Direitos Humanos” loop=”on” autoplay=”on” controls=”on” viewstart=”on” viewend=”on”]

  • DILMA PROMETE LUTAR ATÉ A ÚLTIMA TRINCHEIRA

    DILMA PROMETE LUTAR ATÉ A ÚLTIMA TRINCHEIRA

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    A presidente Dilma Rousseff recebeu ontem no Palácio do Planalto blogueiros e jornalistas da imprensa independente. Disse e repetiu que é vítima: “Eu sou vítima. Eu não estou me vitimizando. Eu sou vítima. Eu sou vítima. Estou sofrendo o pior dos agravos que é ser condenada injustamente.” E prometeu lutar até a última trincheira em defesa da Democracia. “Vou às últimas consequências contra o golpe. Estou colocando tudo em que acredito porque esta é uma situação extrema. Eu vou lutar em todos os níveis. Onde for necessário eu vou lutar. O que está em questão não é o meu mandato. Está em questão o processo democrático.”

    Dilma respondeu ao ataque de Jair Bolsonaro, que em sua declaração de voto, homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi do 2º Exército (de 1970 a 1974), a quem a presidente conheceu no período em que esteve presa por sua atividade contra a Ditadura Militar. Bolsonaro descreveu Ustra, conhecido torturador e assassino de presos políticos como “o pavor da Dilma”. Na entrevista, Dilma disse: “Eu tenho orgulho de ter pavor deles.”

    Nesta entrevista, Dilma fala sobre o machismo contra ela e contra os programas sociais focados no empoderamento feminino, conta como vê o desenvolvimento da dinâmica do golpe e como se comportará para derrotá-lo.

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    O GOLPE

    Não tem legitimidade. O que está acontecendo é uma eleição indireta travestida de impeachment. Dizem que o impeachment está previsto na Constituição. Isso é verdade. Mas é uma meia verdade. E qual é o resto da verdade? É que o impeachment está previsto na Constituição desde que haja crime de responsabilidade.

    No parlamentarismo você pode tirar o chefe de governo por desconfiança política, por conflito político ou por oposição política. Por quê? Porque no parlamentarismo o chefe de governo não passa pelo [crivo do] voto majoritário. O chefe de governo sai de um agrupamento partidário que representa um conjunto ou uma parte dos eleitores. Você pode chegar a uma coalizão e, mesmo sem ter o voto majoritário, tornar-se o chefe de governo, no caso o primeiro-ministro.

    [No presidencialismo], o impeachment é previsto na Constituição desde que haja crime de responsabilidade. Esta é a exigência política para que ocorra o afastamento de um presidente legitimamente eleito pela maioria dos eleitores. Por isso, no presidencialismo é necessário que as condições jurídico-políticas estejam dadas. Não basta só não gostar do presidente, divergir dele, achar que ele deve agir de outra forma.

    O [presidente] Obama governa com minoria no Senado e na Câmara. Nem por isso, ele sofre impeachment. E tem a oposição da Fox — ele descredenciou a Fox da Casa Branca. Obama é minoria, e não é minoria em relação a uma oposição gentil e meiga. O Tea Party não é nem gentil nem meigo. Além disso, ele sofreu todo um preconceito. E nem por isso ele sofreu um impeachment.

    Os conspiradores que querem construir aqui o impeachment são claros. O conspirador-mór, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha [PMDB-RJ], faz o processo de impeachment não olhando as bases reais para tal processo, mas olhando para o fato de que a sua negociação chantagista [para evitar a investigação contra ele] não havia sido aceita. E há o próprio vice-presidente da República que, numa ação inusitada, vai contra o presidente que o levou ao poder… Ele não teve votos. Quem teve votos foi o presidente. Ele foi eleito junto com o presidente. Não [poderia agir como está agindo] por uma questão ética e política. E moral. Existe, portanto, mais essa ilegitimidade.

    Mas o fulcro da ilegitimidade dos propósitos de quem quer me substituir e conspirou para isso, é que não tem votos. E só tem um jeito de você se legitimar na democracia, que é o voto popular.

    Por isso que eu digo que o impeachment é cobertura, disfarce, para fazerem uma eleição indireta [pelo Congresso Nacional]. Porque outra característica deste grupo é que eles não têm votos. E aí nós chegamos numa situação que coloca o país em uma grave dificuldade.

    OS RISCOS

    Nós temos de reconhecer: de fato enfrentamos uma séria crise. Para esse grupo que quer o impeachment, a solução que se coloca é acabar com direitos. Para preservar interesses específicos e não os interesses gerais.

    Nós, todas as vezes que fizemos processos de ajustes, preservamos tanto os programas de investimentos quanto os programas sociais.

    Não foi fácil preservar R$ 2 bilhões para o [programa] “Minha Casa, Minha Vida 3”, de moradia. Nós decidimos fazer o “Minha Casa, Minha Vida”, o maior subsídio praticado no Brasil. Estamos fazendo moradia para a parte mais pobre da população. Para aquela que não tem jeito, que pode passar na frente de qualquer banco e jamais vai conseguir um empréstimo para construir a sua casa, igual a classe média consegue.

    A classe média já consegue com muita dificuldade. Agora, imagina uma pessoa que ganha até R$ 1.600. Como ela paga? Ela não tem poupança… Como é que cabe a prestação no bolso dela? Não cabe. Nós não fizemos bolha imobiliária, [logo,] o governo federal subsidia a casa própria para essas pessoas. No “Minha Casa, Minha Vida 2”, uma casa de R$ 50.000 era subsidiada em 90% pelo governo.

    Todas as casas que já foram construídas ou já estão em construção somam 4,2 milhões. Mais 2 milhões serão construídas pelo “Minha Casa, Minha Vida 3”. Dá 6,2 milhões de residências populares. No ano passado, entregamos 1.220 casas por dia.

    Como a média de ocupação dos domicílios é de 4,5 por residência, resulta 28 milhões de pessoas. Num país com 204 milhões de habitantes, de cada oito brasileiros, um foi ou será beneficiado pelo programa “Minha Casa, Minha Vida”.

    Então, nós fizemos ajuste, sim. Fizemos ajuste, mas preservando tudo isso.

    Nós fizemos esse programa porque a gente prioriza ele. Tiramos dinheiro de todos os lugares, mas não tiramos dele. Eles têm um modelo de ajuste que não é igual ao nosso. O modelo deles de ajuste é um modelo que retira direitos e que não mantém as políticas de inclusão.

    Eu não vou dizer que a arrecadação está uma maravilha. Não está, não. Está caindo. Então, temos de decidir o que se mantém e o que não se mantém. Um governo que tem compromisso com este país e com o seu povo é obrigado, sim, a fazer um ajuste. Não vai gastar o mesmo que gastava na época das vacas gordas. Mas, ao fazer o ajuste terá de preservar aquilo que é o cerne da questão. Nós cumprimos à risca o Programa Bolsa Família. Nós temos o ProUni. O Fies. Tudo isso fazemos melhorando os programas, olhando onde tem gorduras, revisitando etc.

    CONCENTRAÇÃO DA MÍDIA

    A liberdade expressão é muito importante. Obviamente, a liberdade de expressão é comprometida quando existem estruturas oligopolizadas. Isso não só na área da mídia, como de qualquer outra área. Trata-se de uma distorção inequívoca. Teremos de avançar muito nessa questão no Brasil. Mas um presidente da República não pode desconhecer em que condições ele governa. Eu não ignoro a concentração da mídia. Acho que de um ano para cá, ficou claro que a ação oligopolista assumiu uma atitude golpista. Não há quem acompanhe o “Diário do Golpe” e não perceba isso claramente.

    Agora, [a concentração da mídia] não é uma questão que diga respeito somente à Presidência. Você acredita que no Congresso passaria qualquer alteração do marco legal da mídia? Isso não é um ato unilateral do governo. Eu quero dizer que não fizemos [a democratização da mídia] porque não julgamos possível que fosse aprovada.

    Eu acho que não era possível passar no congresso um marco regulatório que de fato colocasse limites à concentração como existe nos Estados Unidos e em países da Europa.

    A gente tem de falar, tem de lutar. Agora, eu tinha muitas lutas. E tenho muitas lutas. Eu as travei, as principais. Eram as mais viáveis. Não foram fáceis — ou alguém acha que foi fácil passar o marco regulatório da internet? Nós tivemos extrema dificuldade para passar o marco regulatório da internet e o marco regulatório dos portos. Nós escolhemos aqueles marcos regulatórios que eram difíceis, mas que poderiam passar.

    MULHERES

    Há de fato uma atitude visivelmente machista. Eu passei todo este período com a imprensa (incluindo repórteres mulheres) me perguntando se eu estava fragilizada, se eu estava sob pressão fortíssima e perdendo o controle, se eu não chorava todos os dias, se eu dormia bem. E tem a matéria da “IstoÉ" que é um escândalo… Porque é a velha história da mulher e do histerismo, assinada por uma mulher. A mulher e o histerismo foram duas falas que percorreram toda a era vitoriana. A versão barata da ciência dizia que a mulher, por ter útero tem uma tendencia a ser histérica.

    Ou então, diziam, eu seria autista [por não perceber os problemas do país]. Eu também não aceito isso, porque se trata de preconceito. Porque não se pode falar assim de um autista. Eu me sinto muito sensibilizada, porque eu tenho um autista na minha família e sei o que é uma criança autista, um jovem autista. Então, diziam o seguinte: ou ela é autista, ou ela está em pânico, tendo um ataque de nervos. Mas a mulher não é assim. A misoginia é sobretudo uma visão absolutamente míope da grande capacidade de resistência da mulher.

    A mulher vive ainda no Brasil sob uma imensa opressão. E a capacidade dela de resistir é muito grande. Eu participo de várias cerimônias muito importantes, como o Pronatec, formatura de Pronatec, recebimento de chaves de “Minha Casa, Minha Vida”. E, em algumas circunstâncias, participei de algumas de Bolsa Família.

    O que você vê? Uma quantidade imensa de famílias chefiadas por mulheres. A mulher é que está ali, segurando todas. Uma das partes mais importantes da política social minha e do Lula foi perceber que empoderar a mulher era também incluir socialmente uma parte da população. Ou se empodera a mulher ou não tem inclusão social. Não tem.

    FUTURO

    Eu não quero um país com ódio, um país que demonize as opções sexuais, mulheres, negros, índios. Eu não quero um país de intolerância e fundamentalismo persecutório. E quero que meu neto viva em um país melhor do que eu vivi. Eu vivi parte da minha vida na Ditadura. Estou vivendo na Democracia. E acredito que nós vamos assegurar que essa Democracia seja inclusiva, que gere empregos e oportunidades. Que seja tolerante culturalmente e eticamente. Que não incite o ódio. Nem o bullying.

    RESISTÊNCIA

    Estou contra o Golpe. Vou às últimas consequências contra o golpe. Estou colocando tudo em que acredito porque esta é uma situação extrema. Eu vou lutar em todos os níveis. Onde for necessário eu vou lutar. O que está em questão não é o meu mandato. Está em questão o processo democrático. Ou seja, está em questão aquilo que a gente dava como garantido. Eu nunca achei que outra vez eu estaria lutando pela Democracia. Não achei isso e acho que nenhum de nós aqui achou. Como isso está em jogo, eu vou lutar em todas as trincheiras que eu puder para derrotar esse golpe. Onde for necessário eu vou.

    Tenho de lutar cada dia, cada etapa, vencendo cada etapa, para daí ir passando para outra. Acho que domingo, nós fomos premiados com uma votação que em momento algum tocou nos motivos jurídicos pelos quais era necessário votar o impeachment. Acho que isso criou na sociedade brasileira um sentimento de que está em curso uma injustiça, em um processo viciado. Porque ele esse processo tem um pecado original. O “Pecado Original” estava sentado na mesa, presidindo a sessão.

    Eu sou vítima. Eu não estou me vitimizando. Eu sou vítima. Eu sou vítima. Estou sofrendo a pior dos agravos que é ser condenado injustamente.

    Eu serei sempre a pessoa que vai defender a democracia.

    Sabemos que o rito foi inteiramente permeado pelo cerceamento da defesa, pelo desvio de poder por parte de quem conduziu. Estamos disputando para demonstrar quem são os verdadeiros democratas deste país. Nós não vamos atropelar rito nenhum. Agora, quero dizer que nós mostraremos toda a nossa indignação com o rito completamente cheio de falhas e desvios praticados na semana passada.

    Temos de olhar todas as hipóteses democráticas como sendo legítimas. Se a gente aceita ou não aceita depende das circunstâncias. Eu vou lutar pelo meu mandato. Vou lutar. Eu respeito os movimentos sociais, os partidos que me apoiaram, todo o pessoal que nesta hora está pensando como fazer a próxima etapa. Todo mundo.

    Nós vamos até o último minuto do trâmite, lutando em todas as trincheiras. Golpe travestido de impeachment, não!

    MICHEL TEMER E A CONSPIRAÇÃO

    Muita gente hoje quer ser o “Pai do Golpe”. A história vai demonstrar que os pais do golpe renegarão a criança. Mas há uma tendência a posteriori de você encontrar uma explicação para todos os fatos. Vou te contar um caso.

    No fundão do Dops, tinha uma cela em que eles colocavam quem tinha tentado se suicidar, pessoas que estavam feridas. E botavam as mulheres. E aqui estava o Jacob Gorender [cientista social e historiador, autor de “Combate nas Trevas” e “O Escravismo Colonial”]. Eu tinha 21 anos. O “Velho”, como a gente o chamava, tinha 46 ou 47. Havia entre as celas uma portinha e eu e uma outra menina que estava presa comigo conversávamos com ele por ali. [Gorender] era pequenininho e tinha umas mãozinhas branquinhas. Pela portinha, dava pra ver as as mãozinhas dele, do pulso pra cima. Um dia, ele levantou as mãos e nós vimos: ele tinha dois grandes curativos nos dois braços. [Os torturadores] haviam feito barbaridades com ele. Ele, então, tirou uma prótese dentária que usava e… [Dilma faz o gesto de uma pessoa cortando os pulsos].

    Todo santo dia a gente conversava com ele. Cansava de conversar. Porque não tem nada pra fazer enquanto… Um dia, era Carnaval, ou era um feriado, o fato é que eles não estavam trabalhando, o Fleury não estava chamando o pessoal para interrogar. O “Velho” virou-se para mim e disse…

    “Preciso te falar uma coisa: Lembra sempre disso… Nem tudo tem um objetivo claro. Eles não sabem de tudo. Ninguém sabe de tudo. E, portanto, não há um continuum no tempo. A ação sempre é um pouco fragmentada. Lembre disso. Eles não sabem de tudo.”

    Você tem de entender isso senão você atribui a eles um poder que eles não tem.. Ninguém sabe de tudo. Tem uma certa opacidade na realidade que faz com que seja nela que se opera. Eu não posso achar que a condução é assim linear. Que as pessoas tem esse poder de determinar “eu vou fazer isso, vou traçar e será esse o percurso”.

    É uma novela, tem grupos fortes operando nisso, só que esses grupos fortes escolhem os seus agentes. Esses agentes às vezes são escolhidos, às vezes esses agentes se enfraquecem e recuam.. Aí acham outro agente.

    Em um momento anterior os atores [do golpe] não estavam dentro do PMDB. Os atores estavam dentro do PSDB. O que acontece que faz com que um ator seja retirado da pauta e surja outro ator? O ator que foi retirado é aquele que foi vaiado pela manifestação que teria de ser dele [refere-se ao tucano Aecio Neves]. E que perdeu 10 pontos percentuais [de intenções de votos]. Eu acho que não há uma linearidade em nada. Que queriam dar um golpe, damos de barato. A questão é que é uma temeridade a gente acreditar… [temeridade?, ironiza um dos entrevistadores. Risos] Não é garantidão assim.

    INDIGNAÇÃO

    O que mais me indignou foi nesta altura da vida democrática alguém votar homenageando o maior torturador de São Paulo, Brilhante Ustra. Eu conheci o Ustra dentro da Operação Bandeirantes. Eu fui presa em janeiro de 1970, quando a Oban era chefiada por outro militar. Ustra chegou depois. Um dia, eu já ia sair da cadeia, eu o encontrei. O Ustra já era o Ustra. Já tinha matado gente. Ele me disse: “Se você voltar, você vai morrer com a boca cheia de formiga.”

    Portanto, eu sei bem quem ele é. A homenagem ao torturador é um insulto a todas as pessoas deste país. Porque as pessoas com as quais o Ustra lidou são heróis brasileiros. Os que morreram e foram torturados são heróis brasileiros. [Bolsonaro] falou do “pavor da Dilma”… Pois eu tenho orgulho de ter pavor deles. Dele eu tenho pavor.

  • Érika Kokay segue na luta. – Vídeo

    Érika Kokay segue na luta. – Vídeo

    Após proferir o seu voto de Não ao impeachment, a Deputada Federal Érika Kokay (PT-DF) deixou a câmara e falou com os Jornalistas Livres sobre o atual cenário político e o que potencialmente nos aguarda.

    “Esse fascismo, esse ódio contra o outro, ódio contra a diversidade, ele estava reprimido em função do peso da democracia. E ele surge articulado e alimentado pela presidência da casa. Ali Eduardo Cunha é aplaudido, e ele é um réu com denúncias de corrupção, denúncias consistente.”

    Érika vai além e faz a autocrítica do período de governo do Partido dos Trabalhadores. Segundo ela, apesar dos muitos avanços no campo dos direitos, o progresso não contemplou algumas reformas fundamentais para a democracia:

    “Nós não fizemos a reforma política que precisava ser feita. Tampouco fizemos a democratização dos meios da comunicação, nem fizemos a reforma tributária e uma revolução cultural, pra que nós entendêssemos esse país com a diversidade da condição humana. Porque a condição humana é diversa.”

    Por fim, ela celebra a união da esquerda contra o movimento fascista que se configura e garante que a luta pela ampliação de direitos e pela continuidade das reformas não para por aqui.

    Vídeo: Maria Cândida
    Edição: Henrique Cartaxo, para os Jornalistas Livres

  • Entrevista com Djamila Ribeiro

    Entrevista com Djamila Ribeiro

    O dia 14 de abril foi um dia histórico pra mim e nesse dia, em sala de aula, me lembrei do dia em que me descobri negra dentro da universidade.
    Poderia parafrasear Simone de Beauvoir, até certo ponto e dizer “você nasce negro, a sociedade te branqueia e você se redescobre”. Esse foi o processo comigo e com outras pessoas que conheci na minha caminhada e que sempre se recusaram a usar a palavra “negro” para falar de si próprio, como se ainda vivêssemos no pós-abolição, quando essa palavra ainda era sinônimo de escravizado.


    Na minha jornada de me descobrir negra adotei novos ídolos e principalmente novas ídolas, quando vi que na pirâmide social a carne da mulher negra nem chega a ser a mais barata, porque ela é considerada podre. Não somos humanas.


    Isso quem diz é uma de minhas novas ídolas, Djamila Ribeiro, mestra em filosofia da Unifesp, com quem tive a honra de me sentar para discutir os problemas que ainda afligem diariamente a nossa população.
    A mulher negra morre mais, o jovem negro morre mais, a mulher negra ganha menos e no meio disso tudo a sociedade insiste em fechar os olhos para o racismo e o machismo estruturais que assassinam.
    Quem chora nossa morte?
    Mas isso está mudando. Depois de todo esforço que os colonizadores e escravizadores fizeram para impedir, nós estamos nos reconhecendo como um povo único, plural sim, mas que luta pelos mesmos direitos e pelos direitos de todas.


    A nossa luta é pela democracia e por um Estado que não nos trate mais com violência.
    E é também para mostrar que a mulher negra está agora na universidade e que ela está preparada para discutir Marx, assim como para se sentar na bancada de um jornal, para construir um prédio e para salvar uma vida. Nós decidimos que o nosso lugar na sociedade são todos os lugares que pudermos ocupar.
    Não calarão mais a nossa voz.