“O Brasil está ao lado dos países mais retrógrados em relação a luta histórica das mulheres”, ex-ministro da Saúde José Temporão

O médico sanitarista José Gomes Temporão foi ministro da Saúde de 2007 a 2010 e diretor do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Entre os governos do PT, foi o que mais tempo ficou à frente da pasta. Na chamada Nova República apenas José Serra se manteve tanto tempo no cargo. Durante o governo de Lula, o ex-ministro comprou brigas com os conservadores ao defender, por exemplo, que o aborto, é assunto para ser tratado por mulheres e dentro do âmbito da saúde pública.

Hoje, Temporão é diretor executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), da Unasul.  O médico conversou com os Jornalistas Livres sobre o papel do Instituto para o desenvolvimento de uma estratégia de saúde comum à América do Sul e o risco que atual congresso representa para os avanços conquistados nos últimos anos.

teporaoJornalistas Livres – Atualmente o senhor é diretor executivo do Isags. Qual o papel do Instituto para a América do Sul?

Temporão – O ISAGS é uma organização internacional, pública, intergovernamental diretamente vinculado ao Conselho de Ministros da Saúde da UNASUL. É resultado do processo político de integração da América do Sul e tem por objetivo se constituir em um centro de altos estudos e debates de políticas para o desenvolvimento de lideranças e de recursos humanos estratégicos em saúde, buscando fortalecer a governança em saúde dos países da América do Sul e contribuir  para articular a atuação regional e a saúde global.

JL – Em 2011 o senhor se filiou ao PSB. Os parlamentares deste partido votaram maciçamente a favor do processo de impeachment da presidenta Dilma Russeff. O atual ministro das Relações Exteriores, José Serra, em seu primeiro dia de trabalho, soltou uma carta atacando o diretor da Unasul por questionar o processo em curso no Brasil. Como o senhor se posiciona sobre o impeachment de Dilma?

Temporão – Eu me desfiliei do PSB acompanhando a posição de outros companheiros como o Roberto Amaral e entendo esse processo como uma grave ruptura da ordem democrática me colocando ao lado daqueles que defendem o mandato da presidente Dilma e questionam os argumentos utilizados para afastá-la da presidência da república.

JL – Durante sua gestão como Ministro da Saúde no governo Lula, o senhor teve posições polemicas sobre a questão do aborto, defendendo que este era um assunto para ser tratado por mulheres e dentro do âmbito da saúde pública. Senadores chegaram a usar esta matéria para dizer que o PT é contra a família. Passados alguns anos que avaliação o senhor tem das medidas tomadas quando era ministro? O senhor vê algum avanço neste tema no Brasil e na América Latina?

Temporão –  Com exceção da decisão do STF que incluiu entre os motivos legais para a interrupção voluntária da gravidez a anencefalia, não há muito a comemorar. A exceção é o Uruguai que aprovou uma lei mais liberal sobre o tema. Neste momento forças extremamente conservadoras ameaçam no Congresso Nacional grave retrocesso na atual legislação propondo restringir, se não impedir, o que hoje consta na legislação brasileira sobre o tema. O Brasil hoje está ao lado dos países mais retrógrados do mundo em relação a esta luta histórica das mulheres brasileiras.

JL – Os médicos sanitaristas historicamente estiveram à frente da criação e defesa do SUS. Como o senhor enxerga o SUS nos dias de hoje? O SUS é capaz de garantir ao cidadão o direito constitucional de acesso à saúde?

Temporão –  O processo que levou à criação do SUS tem raízes nas lutas contra a ditadura militar e expressa um processo histórico por direitos e cidadania em nosso país. Nesse período de mais de duas décadas de implantação do SUS houve expressivos avanços em termos de ampliação do acesso e de estruturação de políticas e programas que hoje garantem atenção integral à saúde a cerca de 75% da população brasileira. E isso deve ser reconhecido. Por outro lado existem contradições e fragilidades que impedem que essa reforma se estabeleça em toda sua plenitude. Entre elas estão o subfinanciamento, o estímulo ao mercado privado através de subsídios e renúncias fiscais, o modelo de atenção ainda muito centrado na atenção hospitalar e o modelo de gestão hoje pulverizado entre gestão pública, terceirizações, OSS [Organizações Sociais de Saúde], criando um modelo fragmentado que impacta negativamente a eficiência e a qualidade dos serviços.

JL – O atual ministro da Saúde considera que não é possível sustentar o nível de direitos que a Constituição determina. O que o senhor pensa sobre isso? É possível garantir saúde Universal para todos?

Temporão – O SUS e seus princípios pétreos- universalidade, integralidade, gratuidade e democracia- conformam um processo civilizatório que deve ser defendido por todos que compreendem a saúde como um direito de cidadania e dever do estado. A defesa do SUS é a defesa do direito à vida plena e com qualidade para todos. Defendê-lo radicalmente é um compromisso com a democracia e o desenvolvimento nacional.

 

 

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