Jornalistas Livres

Categoria: crônica

  • ATIRAR PEDRAS NOS PÁSSAROS

    ATIRAR PEDRAS NOS PÁSSAROS

    Na ordem natural das coisas o certo é ver um monte de planta vivendo juntas e a bicharada satisfeita andando pelo mato. A cada ano que passa vejo mais tudo sendo desterrado, animais desorientados correndo sozinhos e, onde se via floresta extensa, alguns anos atrás agora é verde campo vivo de soja com um horizonte sem fim e sem árvores, livre para os ventos e a insolação.

    Ah, os buritis que Burle Marx dizia serem a mais bela planta de nossos nichos, agora andam meio isolado buscado a água que sobra e empoça. O cerrado some e a mata torta fica plana, enfileirada, pequenos quadrados.

     

    A lua é um deserto, vejo sempre de longe em beira de lagoa ela brilhando cheia, linda sem vida em silêncio. Ouço que as plantas andam meio aflitas, há comentários entre elas, pois plantas falam quando o silêncio envolve durante a noite, dizem: parentes andam vagando sozinhas no campo em solidão profunda e os bichos de longe, todos os dias vão chegando para dentro da terra indígena, se refugiando, espalhando as últimas notícias. O mato é fogo, a fofoca corre solta, intactas no Mato Grosso restam as Terras Indígenas.

    Mas o fato é que o bicho corre solto no Mato Grosso, que tanto derrubou suas florestas nas últimas décadas, produzindo riqueza com árduo trabalho de famílias inteiras, é verdade, mas um caminho de destruição do ambiente e desenvolvimento do agronegócio. O Estado era rio e mato, vai se tornando vento e pó, terra vermelha e plantações verdes na chuva e palha dourada na seca.

    As famosas águas do rio Culuene e sagradas histórias para as etnias alto xinguanas vão se assoreando mais a cada ano. Com a construção da PCH de Paranatigna III durante o governo de Blairo, os peixes vão resmungando dia a dia

    Quando criança a palavra maggi me remetia às galinhas, cubinhos que mordia pelos cantos antes de minha mãe os colocarem na panela. Depois fui encontrando e entendendo que a galinha quadrada, bicho de cérebro pequeno e grande apetite, era caldo. Outro  Maggi era homem de grande sucesso nos negócios e na política. Blairo nasceu no extremo sul do Brasil, agrônomo estudado no Paraná e homem nomeado entre as dez famílias mais ricas do país e entre as maiores produtoras de soja do mundo, nos negócios e na política.

    Frango D`agua, vai se virando como pode para não virar a galinha nos caldos.

    Não sou economista ou fazendeiro, sou fotógrafo, e basta sobrevoar o Estado  de Mato Grosso e entender porque o agronegócio paga as contas dos governos há tempos, gerando grandes receitas na ocupação do território que era florestas e fauna diversa, pois tudo é alimento ou pode vir a ser, sabem bem os Maggi. Governador, senador, ministro e homem de confiança da esquerda e da direita. Só a história apura e depura, tal caldo em panela quente, o lugar de cada um, mas homem tão rico metido em notícias de benefícios e desvios de verbas públicas. Nunca entendi gente rica enrolada no desvio de vida pública, vida de fotógrafo se resolve nos click entre um trabalho e outro, indo assim índio arrancando mandioca. Vá entender a insanidade do poder. Nossa pobre mão segue limpa.

    Em poesia logro e louro é rima imprópria, choro que não dá samba. Tanta árvore morta, tanto bicho perdido, tanto dinheiro pra nada. Triste vai tornando-se fotografar Mato Grosso, tão bonito um dia, vai sugerindo em toda curva o grito raso, um desgosto, pele lunar. 

    Maggi nas manchetes ocasionais ao longo da década, leia mais:

    *O senador Blairo Maggi é o braço político de um império econômico de gigantescas proporções: o grupo André Maggi, sediado em Cuiabá, Mato Grosso, holding que controla quatro divisões de empresas ligadas ao chamado agronegócio. Os Maggi – André, patriarca e fundador do império, morreu em 2001; hoje quem tem a última palavra é a matriarca Lucia Borges Maggi, de 81 anos, coadjuvada pelos cinco filhos, sendo Blairo o único homem – fazem de praticamente tudo, dominando o setor: plantio, processamento e comércio de grãos, produção de sementes, reflorestamento, pecuária, venda de fertilizantes, geração de energia elétrica, administração portuária, transporte fluvial, exportação e importação. 2011 foi um grande ano para as empresas, que, juntas, faturaram US$ 3,78 bilhões, 60,8% a mais na comparação com a receita dos três anos anteriores. O faturamento no ano passado ficou em torno desses altos patamares e, para este, um ano mais difícil, espera-se o mesmohttp://ultimosegundo.ig.com.br/os-60-mais-poderosos/blairo-maggi/520bb7a73467948e7c000003.html

     

    *O Grupo André Maggi, uma empresa familiar sem nenhum plano de abrir o seu capital, é um dos maiores produtores individuais de soja do mundo. São mais de 400 mil toneladas colhidas por ano e cultivadas em 130 mil hectares na primeira safra. Juntando as culturas da segunda safra – milho, algodão e sementes – plantadas na mesma área da soja, a média de produção dos últimos anos tem sido de cerca de 700 mil toneladas. “A soja não é um movimento passageiro, e nunca será”, diz Bongiolo.

    Para entender o apetite do grupo pela oleaginosa, basta dar uma espiada nos planos da trading Amaggi, o braço importador e exportador de produtos agrícolas. No ano passado, a Amaggi comercializou 4,3 milhões de toneladas de soja entre produção própria e de terceiros, e 546 mil toneladas de milho entre grãos inteiros, óleos e farelos. “Nos próximos anos, vamos para sete milhões de toneladas de grãos, com a meta de 12 milhões de toneladas no médio prazo”, diz Loto. “Mas podemos crescer além desse volume, porque o País não sairá da rota de crescimento da produção de alimentos. E se tem espaço para multinacionais como Cargill e Bunge, também tem espaço para a Maggi.”

    Somente em Mato Grosso, o grupo administra 252,3 mil hectares de terras para agricultura, pecuária e reflorestamento. São 200,4 mil hectares em 19 fazendas próprias e 51,9 mil hectares arrendados do Grupo Itamarati, do empresário Olacyr de Moraes, em Campo Novo do Parecis. Os números são tão superlativos que duas de suas atividades, a pecuária e a extração de borracha natural – cujo porte é grande para os padrões nacionais –, são consideradas menores pelo grupo. Na pecuária são quatro mil bovinos criados. Na extração de borracha, eles já são os maiores do Brasil. São 11 mil hectares de seringueiras cultivadas em fazendas de Mato Grosso, compradas no ano passado do grupo francês Michelin e hoje arrendadas.  http://www.dinheirorural.com.br/secao/agronegocios/o-imperio-da-familia-maggi

  • DAS ÁRVORES QUE CONTAM

    DAS ÁRVORES QUE CONTAM

    Falar de árvores em tempos de crise lembra despropósitos, mas se algazarram as plantas em tempos difíceis e ensurdecem os mais sensíveis. Se gritam é porque o momento ameaça.

    A presidência do país anda torta e tudo desemudece. No cu do mundo quer Temer liberar a queda do mato, o uso das pedras, a perda de seus. Vã filosofia a do mandatário que segue em superação de si mesmo, sempre querendo aprimorar a perfídia.

     

    Aqueles que derrubam a floresta, que reviram raízes e deixam a terra livre para mineração e lavoura, não entendem velhas histórias. Me lembro de ouvir história antiga que durante a infância uma menina na aldeia velha conversava com árvores. Fala assim não é no ritmo de palavras, mas aquilo que se diz e se ouve entre copas e raiz rasteira. Mouco som, turbilhão de tons, sons de baixa frequência.

    Ouvir árvores, sussurrar entre matos, inferir entre passarinhos e abelhas. Pessoas assim são denominadas pajés, poetas ou malucos, tudo depende da intenção, tolerância e ciência. Difícil acreditar que plantas discursam, mas é fato que tal diálogo se dá entre os enraizados na terra. Contam os Yanomami que uma grande árvore cantava e dançava, sensível ao canto das mulheres, a árvore dos cânticos que em seus galhos sustentava o céu. Do pé-do- céu resta o vestígio do monte Roraima.

     

    Em tempos de crise o presidente venderá as árvores, venderá a mãe talvez até.

     

    Dizem que as árvores falam e as notícias não são boas.

  • Cidinha da Silva: Passou (ou não?)

    Cidinha da Silva: Passou (ou não?)

    Ufa! Acabou o dia dos pais nas redes sociais. Depois que o Facebook se transformou no Orkut repaginado, os desabafos amargos de filhos e mães, fruto de sofrimento profundo causado pelos homens-pais que os abandonaram, tomaram a cena, passaram a rivalizar com as propagandas para venda de produtos.

    O produto pai-super-heroi sem filhos mereceu capa de uma revista de circulação nacional. O importante eram suas aventuras, sua beleza, seu despojamento, seu sucesso profissional e o detalhe de ser pai que não atrapalhava qualquer das outras coisas. Ou seja, as mulheres é que devem ser incompetentes por não conseguirem ser mães e terem, ao mesmo tempo, vida plena como mulheres.

    No Facebook a dor do abandono, dos maus tratos, do desprezo paternal foi tão avassaladora que as pessoas que tiveram pai digno até se sentiram culpadas. Por outro lado, a maioria que se manifesta a partir de experiências ruins parece necessitar do espaço para tornar públicas suas mágoas e dores.

    Oxalá a catarse tenha o desejado efeito terapêutico, embora duvide muito dessa função contemporânea de divã, assumida pelo Facebook, haja vista a falta da mediação, tecnicamente preparada para conduzir a sessão. E essa ausência me faz temer o colapso do sistema. A ver.

  • NA TERRA AINDA ENCONTRAR NOVO O QUE NÃO É SEU.

    NA TERRA AINDA ENCONTRAR NOVO O QUE NÃO É SEU.

     

     

    Sentou-se à mesa desnorteado ao brilho de suas lentes, abriu a mala empoeirada temendo as minúsculas baratas que pegam carona ao retorno das aldeias. Não sabia o motivo da tristeza que o acometia sempre ao fim das viagens; um vazio imenso inunda a vida quando encerram-se os atos, barcos ou voos. O the end joga o fotógrafo, ser quieto e inquieto acanhado entre a fauna social das profissões, ao pânico dos arquivos a serem abertos em fim de empenho. A dúvida perversa da comunhão ou a parceria limpa e clara, gestos de pura intimidade, carência entre os ausentes a ser revelada. Ser fotógrafo  é recolher sentimentos e oferecer o pescoço, é ser definido ou identificado como coruja, gavião ou até como jabuti, pelos indígenas, sei bem.  Deve ser pela rapina, silêncio ou oportunidade em aguardo da boa cena e alimento.

    A fotografia talvez seja a literatura da decadência, pois tal arte e invento sempre desperta nos humanos umas saudades; muitas delas segredos, córregos ou vicissitudes.  

    Tal índio insiste, o homem que era também fotógrafo, tinha hábito de abrir livros para pegar no sono. Naquela noite lhe caiu à mão Charles Baudelaire, prefaciando Allan Poe: “mas o que os professores não pensaram é que, no movimento da vida, tal complicação, tal combinação, pode se apresentar completamente inesperada por sua sabedoria escolar. Então sua língua minguada  se encontra em falta, como no caso – fenômeno que se multiplicará com prováveis variantes – no qual uma nação começa pela decadência e estreia onde as outras terminam.”

    O fotógrafo inventa aquilo que a solidão lhe dá. Do amor tudo passou, sabe, restam outras guerras, desfeitas ou insanidades a se lançar ao ensaio. Quando se assume os pecados dos alheios, aqueles que reportam em foto, define-se os caminhos tortos e seus aclives.

    A fotografia é redonda, uma bola, redonda como um olho, algo para se chutar como antigos cachorros magros, mas ficam na fúria.

     

    João Bittar, um dos precursores da boa fotografia em jornalismo no Brasil, leve pluma, insistia em Robert Capa, ué, se tua foto não está boa é porque você não chegou suficientemente perto.  Insônia. Ser índio é saber o centro da roda, é o tal perto do Bittar.

    Cansado os homens rezam em canto perdido a dor na partida desse momento. Hoje há fúria e ameaça entre os comandantes, a tal bomba nuclear voltou à moda. A jornada agora exige passos largos, boa fé diante das confissões, grito certo e forte para o golpe certeiro como no Huka Huka do Xingu. Não há espaços para refúgios ou fadigas.

    Movimento do vento se faz em caracol entre a poeira do grande pátio circular das etnias. Por mero abandono a poeira sobe ao pisar de muitos. Anda nu o fotógrafo. Futuros amantes, a fotografia e a vida esperam o próximo movimento. 

  • Cidinha da Silva: Atotô

    Cidinha da Silva: Atotô

    Agosto é mês de gosto. E das coisas que mais me encantam é ver o povo de Obaluaê na rua, meu povo também, alimentando a tradição de distribuir saúde e fartura pela pipoca. Quem tem saúde, tem fartura.
    Uma senhora esmola na Avenida Sete acompanhada de um irmão mais sorridente e sem sofrimento no rosto. Contribuo e abro a bolsa para receber a pipoca e fazer meu ritual em casa.
    Sigo o caminho em direção ao Castro Alves e passo por outro irmão, de cabelos e óculos hytech que, de pé e altivo, diz algumas coisas que não entendo bem. Só ouço o final, Obaluaê. Contribuo outra vez e ele me convida, “venha mãe, venha tomar seu banho de pipoca”. Agradeço e digo que levarei a pipoca para casa. Abro novamente a bolsa, guardo a pipoca que ele me oferece; nos saudamos, nos despedimos. Sim, que Obaluaê me guarde, me dê saúde e me guie. Sigo meu caminho.
    Na volta vejo o rapaz de Obaluaê atravessando a rua com a sacola de dinheiro nas mãos e o Peji-móvel ali, sozinho no ponto de ônibus. Oxente, onde vai esse menino? E se um desses fundamentalistas destruir o Peji? Meu instinto candomblezeiro quase me faz parar para protegê-lo de qualquer atentato.
    O irmão de Obaluaê continua andando com a tranquilidade de quem sabe o que faz. E o Peji quietinho lá, sereno. O dinheiro ele leva porque os fundamentalistas são loucos, mas não o rasgam, sabem reconhecê-lo e cultuá-lo. O poeta já nos contou. Mas, o Peji de Obaluaê pode esperá-lo e se manterá íntegro. E se bulirem nele, que se vejam com Obaluaê. Atotô, Senhor da Terra!
    Ilustração (montagem) Joana Brasileiro | Jornalistas Livres
    Abaixo as ilustrações originais de  Bruno Müller , Menote Cordeiro e Caco Bressane
  • Cidinha da Silva: Julho das Pretas

    Cidinha da Silva: Julho das Pretas

    Em 1992, durante o Primeiro Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas na República Dominicana, instituiu-se o 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. Em 2014, a Presidenta Dilma sancionou esta mesma data como Dia Nacional Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

    Desde o estabelecimento da comemoração na década de 1990, tem crescido no Brasil o volume de eventos políticos e culturais que objetivam discutir questões caras às mulheres negras, ao tempo que também fazem circular sua produção intelectual e artística. Dessa forma, afirma-se o mês de julho como mês das mulheres negras brasileiras, pautado por programação ativa, crítica e reflexiva que as tem como grandes timoneiras. Tanto aquelas oriundas de organizações mais convencionais, quanto as outras, integrantes de novíssimos coletivos políticos. Também aquelas que se juntam para propor um programa exclusivo no Julho das Pretas.

    Mais do que fazer uma cartografia dos eventos, nomeando-os e localizando-os no espaço político-geográfico, interessa-me registrar e agregar algumas características gerais, muito positivas, cuja sistematização pode vir a ter alguma utilidade para o futuro. Interessa-me mais o tempo político desses acontecimentos.

    A primeira característica que me move é geracional. Noto um protagonismo de mulheres negras que estão entre trinta e quarenta anos e que têm se responsabilizado por estabelecer pontes entre sua própria geração e as mulheres de menos de trinta, bem como entre as maiores de quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta anos…

     

    As mais velhas, principalmente, as bem mais velhas, têm sido tratadas nesses momentos como sábias senhoras. Isso vai da designação de espaços, assentos especiais, aos cuidados carinhosos e destaque aos lugares de fala das mais experientes.

    As juventudes, por sua vez, têm sido instadas a interagir com as mais velhas e a aprender pela troca, pela experiência e pelo exemplo.

    Essa posição de ponte exercida pelas balzaquianas tem sido fundamental para promover um diálogo fluido, pleno de frestas e sem arestas, que se vale também de manifestações culturais e de apresentações artísticas para promover e discutir política, além dos necessários debates temáticos.

    Existe um diálogo freqüente e profícuo com as novas tecnologias de comunicação. Os registros são de alta qualidade no formato de livros bonitos, leves e dinâmicos; áudios igualmente bem feitos, alguns curtos, outros longos, disseminados pela Web. Não raro, podemos acompanhar os eventos em transmissões feitas em tempo real, em qualquer parte do país, quiçá do mundo.

    Por fim, as organizadoras do Julho das Pretas, por todo o país, têm sido capazes de mobilizar significativos públicos negros, não necessariamente filiados a organizações políticas, nem mesmo aos novíssimos coletivos políticos ou culturais formados para atuar na Web ou a partir dela.

    Trata-se de mulheres negras, jovens, a maioria, interessadas em processos de afirmação identitária, discussão política, arte, estética e cultura negras, aprendizados múltiplos, trocas entre pares e sustentação ao protagonismo de mulheres negras.

    O Julho das Pretas veio para ficar e para transformar.