Em 1968 durante as filmagens de “O Bandido da Luz Vermelha” Sganzerla, diretor do filme, escreveu um manifesto chamado “Cinema-fora-da-lei”, no qual seu trecho final dizia:
“O ponto de partida de nossos filmes deve ser a instabilidade do cinema – como também da nossa sociedade, da nossa estética, dos nossos amores e do nosso sono. Por isso, a câmara é indecisa; o som fugidio; os personagens medrosos. Nesse País tudo é possível e por isso o filme pode explodir a qualquer momento.”
(Rogério Sganzerla)
Passados mais de meio século depois muita coisa aconteceu, tanto no cinema como na história política do país. Entretanto, o Brasil atual de certa forma, é um eco cacofônico daquele fatídico 1968, não por acaso, a citação acima ainda faz sentido mesmo depois de 52 anos, e com a exceção dos “personagens medrosos”, o documentário de Mirrah Iañez é a incontestável prova da atualidade do manifesto de Sganzerla. “Rua Augusta, 1049” é um cinema-fora-da-lei, instável como nossa sociedade na iminência (e da necessidade) de explodir pra não “sobrar quem estiver de sapato”i.
O filme nos mostra os primeiros momentos de uma ocupação por famílias em um prédio abandonado no centro de São Paulo, lutam contra o tempo enquanto a polícia vai cercando o local. No escuro a câmera tateia o espaço, registra os procedimentos iniciais e atua também como mecanismo de proteção contra as arbitrariedades da polícia, os sons desencontrados nos inserem na tensão do momento, cinema e ativismo se fundem em uma imagem imprecisa e cirurgicamente potente, pois, ao mostrar pouco, revela muito.
Na urgência da luta por moradia, a câmera de Mirrah ocupa politicamente não só este ato, mas o próprio cinema, em crise, em muitos casos vazio e elitizado, a imagem em movimento e sons estabelecem aqui a sua função social, não que o cinema deva necessariamente ter essa função, mas estes tempos exigem, assim como o déficit de moradia diante de tantos prédios abandonados exige a ação e questionamento por parte dos movimentos de luta por moradia.
“Rua Augusta 1049”, portanto, como um cinema de ocupação, se realiza na necessidade, no ato político de questionamento do status quo, na luta por justiça social, na coletividade, na coragem e na ousadia de pensar um novo mundo comprometido com a luta de trabalhadores, antifascista e anticapitalista.
Porém sem ser panfletário, ancorado não no discurso retórico mas na dialética das relações de afeto entre pessoas de luta, que para além de números estatísticos e narrativas espetaculares, mostra um cinema feito por nós, para nós, sem hesitar. Em um dos diálogos do filme:
-O meu olho tá doendo – diz um menino pré-adolescente depois de ter inalado gás de pimenta.
-Isso aí é normal, A nossa luta é isso aí. – diz sua mãe enquanto estende a bandeira da F.L.M.
-Eu sei. – responde o menino ajudando a mãe a amarrar a bandeira.
No último plano do filme, quase despercebido, numa irônica coincidência, uma revista Exame perdida na entrada do prédio cuja capa fala sobre especulação imobiliária é endereçada a Delfim Netto no endereço da ocupação, Rua Augusta 1029. Delfim, é importante lembrar, foi dentre outras coisas ministro da economia durante a ditadura militar (em 1968 enquanto Sganzerla escrevia seu manifesto e participou da criação do AI-5) e é sua a célebre frase “fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”, uma ironia aguda demais que coroa o acaso e a relevância de um filme feito literalmente na guerrilha em uma sociedade que não divide apartamentos abandonados com quem não tem onde morar numa cidade que cresceu mais do que um bolo superfermentado.
Quem não luta, tá morto!
Sobre o filme:
Rua Augusta, 1029 (2019)
Sinopse: Na madrugada de 13 de Abril de 2015, 6 mil famílias ocuparam 18 prédios sem função social. O Ato, ABRIL VERMELHO, serviu para atentar o governo sobre a falta de vontade política para sanar os problemas de habitação.
O curta-metragem é um formato enxuto em diversos sentidos e sua viabilização não depende fundamentalmente de leis de fomento e patrocínios (ainda que sejam absolutamente importantes), como ocorre com os longas-metragens de maneira geral. O curta em sua essência é um produto audiovisual menos burocrático, em que o realizador possui maior liberdade de experimentação artística e produtiva, não precisando necessariamente de grandes recursos, o que consequentemente propicia ao filme de curta duração a possibilidade de ser um grande laboratório de pesquisa e experimentação de linguagens e poéticas.
Sem dúvida, este formato, principalmente com o advento do digital, é uma espécie de espaço privilegiado para se perceber o que pode ser o futuro do Cinema, seja no surgimento de novas possibilidades de linguagem, de produção e principalmente de novos cineastas.
Paralelamente, com o surgimento de oficinas e cursos livres de cinema digital, alguns deles em territórios descentralizados durante a última década, principalmente na cidade de São Paulo, é possível perceber um aumento significativo de cineastas periféricos e com narrativas para além das até então difundidas pelo cinema hegemônico.
Novos corpos e novas perspectivas periféricas desvelaram-se simultaneamente às lutas identitárias, sejam de pretos, mulheres, indígenas e LGBTQIA+ entre outros. Inevitavelmente a produção audiovisual recente se insere nesta perspectiva, principalmente o curta-metragem, dada a sua acessibilidade.
Sendo assim, ao seguir o caminhar do cinema através dos filmes curta-metragem que vem se destacando nos últimos anos, podemos entender e refletir sobre o cinema, e sobretudo a sociedade contemporânea.
E agora neste momento de pandemia e desmonte de instituições e políticas públicas audiovisuais em que o cinema tem sido drasticamente afetado, paradoxalmente, graças a uma série de Mostras e Festivais de Cinema realizadas de forma online, é possível ver de casa o que há de melhor do universo dos curtas-metragens enquanto propostas e respiros de outros possíveis cinemas na iminência de um futuro incerto.
Neste contexto tão atípico, portanto, é possível ver “Peripatético”, curta-metragem de ficção vencedor de diversos prêmios na época de seu lançamento, incluindo o Festival de Brasília em 2018. “Peripatético” de alguma forma é um exemplo bastante relevante das colocações acima, apresentando um cinema contra hegemônico, dirigido por Jéssica Queiroz, uma mulher preta e periférica, gravado na Zona Leste de São Paulo com personagens diretamente conectados a este lugar de fala. Um olhar desatento poderia deixar passar a relevância e transgressão disto, pois, se antes a periferia era retratada sempre pelo olhar de um diretor homem heteronormativo branco de classe média, aqui se abre uma fresta para um novo ponto de vista, de baixo para cima e de dentro para fora.
O resultado é um filme bastante vigoroso ao retratar temas já bastante abordados nas artes e no cinema em outros momento, como a passagem da adolescência para a vida adulta, o mundo do trabalho, as desigualdades sociais e o racismo.
Entretanto, Jéssica Queiroz propõe um outro imaginário sobre a periferia, colocando em xeque o clichê da periferia suja, violenta, de tons ora azulados ora pastéis, com faces cheias de dor, sofrimento e melodrama. “Peripatético”, ao contar a história de três jovens amigos moradores da periferia e seus planos e medos para o futuro, apresenta uma periferia pop com uma fotografia iluminada e cheia de cor, com diálogos cheios de referências a animes japoneses, “Ilha das Flores”, banalidades e reflexões existenciais, tudo ritmado por uma edição bastante dinâmica, porém, sem deixar de lado temas como a violência, a desigualdade social e o racismo, o que muda é a maneira como isto é tratado.
Há uma inventividade lúdica no filme que surpreende a cada cena, desde graffitis animados em diálogo com os pensamentos em voice over da personagem sobre o trabalho, a explicação da meritocracia mostrando nadadores e não nadadores em uma piscina competindo e a cena da abordagem policial violenta encenada por crianças brincando de polícia e ladrão. Jéssica consegue em suas alegorias, mesmo não explicitando a violência e o sofrimento, potencializar imagens carregadas de crítica e afeto que transbordam um “real” que encontra identificação instantânea com quem também vive em regiões periféricas, coisa que filmes como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, por exemplo, não atingem nem de longe.
“Peripatético” não é o primeiro e nem o único filme que traz estas questões, mas é um dos mais relevantes ao trazer um frescor narrativo em contrafluxo do até então cinema tradicional (branco de classe média) produzido até aqui, sem deixar de ser popular e muito menos de ignorar as questões que atravessam seu contexto.
Se no filme, no qual jovens entram na fase adulta cheio de incertezas, o cinema brasileiro em crise entra também em uma nova fase. Creio que uma saída possível é caminhar junto com essa nova geração, observando-os e (re) aprendendo com elas e eles, e assim, será possível amadurecermos enquanto cinema e sociedade.
Sobre o filme:
Peripatético (2017)
Sinopse: Simone, Thiana e Michel são jovens moradores da periferia de São Paulo. Simone procura o primeiro emprego, Thiana tenta passar no vestibular de medicina e Michel ainda não sabe o que fazer. Em meio às demandas do início da fase adulta, um acontecimento histórico em maio de 2006 na cidade de São Paulo muda o rumo de suas vidas para sempre.
Ao mesmo tempo em que, neste contexto de pandemia, muitos projetos culturais e artísticos tenham sido paralisados, no circuito audiovisual diversas Mostras e Festivais de Cinema optaram por realizar suas edições de forma online, permitindo que filmes restritos a eventos locais pudessem ser vistos de qualquer parte do mundo.
Neste cenário atípico, e como nunca antes, é possível assistir muitos curtas-metragens (formato pouco comum em plataformas on demand) inéditos e recentes, que oferecem em geral uma maior ousadia e algum frescor em experimentações de linguagem e técnica, além de visibilizar produções independentes e marginais com outras narrativas além das até então difundidas pelo cinema hegemônico.
Atualmente, o cinema no Brasil vem também passando por processo de transformação no qual, o cinema negro, feminista, LGBTQIA+ e periférico vem ganhando (a partir de muita luta) cada vez mais espaço, e neste bojo, o cinema indígena contemporâneo.
Se este cinema de guerrilha, mais identitário e político é ainda uma vertente do cenário audiovisual brasileiro que orbita nas margens do “mainstream”, o cinema indígena está ainda mais à margem, ao mesmo tempo em que, desde o revolucionário projeto “Vídeo nas Aldeias” idealizado pelo indigenista Vincent Carelli lá em 1986, a produção cinematográfica de nossos povos originários cresceu de maneira exponencial, mas ainda que circulado apenas em espaços restritos a filmes etnográficos.
Imagem: Divulgação/Pajé Filmes
É sob esta perspectiva que está em cartaz a 1ª Mostra Cine Flecha, exibido na plataforma VideoCamp e que está disponível gratuitamente até o dia 15 e outubro. Nela é possível ver 25 filmes brasileiros e 1 boliviano. Dentre eles, a animação “Mãtãnãg, a encantada”.
O curta narra uma história tradicional do povo indígena Maxakali situado no município de Ladainha (MG) que, mesmo tendo contato com os brancos por séculos, tentam preservar sua cultura mantendo sua língua e sua cosmologia, e já há alguns anos, utilizam o cinema como ferramenta para tal.
Animação no Cinema Indígena
A animação, fruto de uma oficina, foi roteirizada e ilustrada pelos próprios indígenas, a direção é de Shawara Maxakali e Charles Bicalho, este último não é um Maxakali mas é um parceiro deles há décadas, e foi o mediador entre o projeto dos Maxakali e editais de fomento.
Outra característica importante sobre o curta é que ele é todo falado em Maxakali com legendas em português. O filme retrata a história da índia Mãtãnãg, que segue o espírito de seu marido, morto por uma picada de cobra, até a aldeia dos mortos. Nesta jornada eles superam os obstáculos que separam o mundo terreno do mundo dos Yãmiy (dos espíritos).
Entre cantos que evocam essa história e a mistura de desenhos de cada participante, a animação nos faz imergir em um universo onírico e novo, de outra temporalidade, outras noções de narrativa a partir de outras percepções de mundo.
Em uma negociação entre tradição e modernidade, os Maxakali se conectam com sua cultura, se afirmando e fortalecendo seus laços enquanto povo, corroborando com a afirmação de Krenak em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo”:
“Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos (…) E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim”.
(Ailton Krenak)
Adiando o fim do mundo, os Maxakali mostram uma animação naturalmente decolonial, difícil de descrever de maneira eficiente em palavras “coloniais”. Tem que assistir, assim como os outros filmes que compõem esta mostra imperdível. E ainda parafraseando e citando Krenak, Filmar, “Cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial”.
Mais relevante politicamente do que isso, neste momento em que territórios indígenas e tribos estão sendo dizimados enquanto o Brasil arde em chamas, só a destituição deste governo.
Sobre o filme:
Mãtãnãg, a Encantada (2019)
Sinopse: Mãtãnãg, a Encantada acompanha a trajetória da índia Mãtãnãg, que segue o espírito de seu marido, morto por uma picada de cobra, até a aldeia dos mortos. Juntos eles superam os obstáculos que separam o mundo terreno do mundo espiritual.
Brasil (SP) | 14 min. | Animação | Livre
Direção: Shawara Maxakali e Charles Bicalho
Pesquisa e Roteiro: Pajé Totó Maxakali Charles Bicalho
Produção: Charles Bicalho, Cláudia Alves, Marcos Henrique Coelho
Tradução: Charles Bicalho, Isael Maxakali, Sueli Maxakali
“Claro que essas fobias e situações não se comparam. Eu tenho as minhas, ponto. Reconheço as tuas, ponto. Vírgula: vem comigo.” – Mariano Mattos Martins em cena de “Para Onde Voam as Feiticeiras”
Falar de união de ativismos, interseccionalidades, é tão fundamental quanto é um campo minado de possíveis conflitos. Por trás de movimentos estão pessoas, e pessoas carregam personalidades, aprendizados, observações, traumas, vivências únicas que as moldaram e influenciam, conscientemente ou não, a forma como praticam o seu ativismo — por quem, como, onde, quando, com que objetivo o praticam.
Na colisão de pessoas (e grupos) que forma qualquer movimento social, e na interação entre eles, confrontos surgem. Na esfera pública (como a conhecemos hoje, na era da internet), esses confrontos conjuram um fantasma de desentendimento e desunião, que é contra produtivo para a missão. Na contramão disso, “Para Onde Voam as Feiticeiras” tenta mostrar que, ao menos em uma escala particular, uma coisa não precisa levar à outra.
As vozes
O filme de Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral, que estreou no Festival Internacional de Curitiba nesta semana, respeita a história, mas está interessado no agora, de movimentos indígenas, negros, LGBTQIA+ e pelo direito a moradia — e nos encontros entre todos eles. O centro nervoso do filme são as atividades de um grupo misto de artistas e ativistas que conduzem a narrativa por performances de rua, brincadeiras, conversas, entrevistas direto para a câmera, em uma mistura revitalizadora para o documentário nacional.
Os nomes desses artistas aparecem em destaque nos créditos finais de “Para Onde Voam as Feiticeiras”: Preta Ferreira, Wan Gomez, Thata Lopes, Mariano Mattos Martins, Gabriel Lodi, Ave Terrena Alves e Fernanda Ferreira Ailish. A dinâmica entre eles é de colaboração, e seus encontros com outros durante o filme também, mas vive na produção uma consciência aguda que construir algo em conjunto é impossível sem os blocos fundamentais que formam cada um dos que participam dessa construção.
A mensagem
Ao redor das ações do grupo, os diretores reforçam a mensagem através de uma estrutura dividida em atos flexíveis, cada um abordando de forma mais específica e aprofundada reivindicações de um grupo social representado no filme. Para isso, recortam clipes em colagens à la Spike Lee e recorrem a participações especiais que muito enriquecem o texto, da líder do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro) Carmen Silva à filósofa americana Judith Butler.
Essa divisão em partes, assim como os frequentes confrontos diretos entre os participantes do documentário (e deles com os documentaristas, diga-se), não se refletem em separatismo. Muito pelo contrário: “Para Onde Voam as Bruxas” modela um exemplo de ativismo que reconhece particularidades sem perder o ponto delas no coletivo. Serve, como obra de arte, para apresentar uma realidade possível, revelando-a como nem tão distante quanto pode parecer.
Nesta terça-feira, 23 de junho de 2020, os trabalhadores da Cinemateca Brasileira, que seguem em greve, se reuniram novamente diante da Cinemateca Brasileira, junto ao Sindicato dos Radialistas de SP e outros movimentos que apoiam a Cinemateca e os seus trabalhadores.
Video do 3o Ato dos Trabalhadores da Cinemateca Brasileira realizado no dia 23/06/2020 em frente à Cinemateca Brasileira no Largo Senador Raul Cardoso, 207.
O motivo: a realização de uma reunião com o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, na própria Cinemateca Brasileira, que decidiria o destino da instituição e dos seus trabalhadores. Os trabalhadores souberam, pela imprensa e mídias sociais, que o novo secretário Especial de Cultura, Mario Frias, esteve na reunião, e que o encontro contou com uma apresentação às autoridades federais sobre o que é a Cinemateca Brasileira, sua importância e necessidades.
No entanto, mais uma vez não tiveram qualquer resposta da diretoria da Acerp quanto ao resultado final desse encontro. Esperávamos, enfim, um desfecho minimamente positivo.
O que se soube partiu da imprensa, que reproduziu informações vindas de fontes não oficiais: teria ficado decidido que o vínculo da Acerp com a Cinemateca seria formalmente restabelecido. Consequentemente, todas as pendências seriam sanadas e a instituição receberia um aporte para sua continuidade a curto e médio prazo, ao menos.
No entanto, sem uma informação oficial confirmando esse futuro da instituição, o que de certa forma nos traria certo alento, o que se vê na prática é que o destino da Cinemateca Brasileiro e dos seus 62 trabalhadores segue indefinido, de forma agoniante. Já são três meses de salários, benefícios e notas de prestação de serviços atrasadas – situação que também se estende aos trabalhadores da TV Escola.
Até quando os trabalhadores terão que esperar? O limite de suas forças está chegando, para não falar do limite econômico, ultrapassado já por várixs delxs.
“Desrespeito”, não há outra palavra para descrever a forma como estão sendo tratados os profissionais da Cinemateca Brasileira e da TV Escola.
Até quando o governo federal seguirá adiando a sua responsabilidade com as instituições que contribuem para manter e levar adiante a história e a cultura do nosso país?
A manifestação da manhã desta quinta-feira, 4 de junho, foi idealizado organizada pelo “Grupo de Trabalho Cinemateca” da APACI – Associação Paulista de Cineastas, com apoio do Movimento “Cinemateca Acesa”. Aconteceu em frente à sede da Cinemateca Brasileira, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, e contou com vários profidssionais da área do cinema e audiovisual, obedecendo as regras de proteção e distanciamento por causa da pandemia do novo coronavírus. Uma faixa com os dizeres SOS CINEMATECA – nome do movimento, foi extendida na porta da Cinemateca.
No Largo em frente à Cinemateca, leu-se um Manifesto explicando o movimento, assinado pelas mais importantes associações cinematográficas do Brasil e que conta com importantes adesões internacionais como Cineteca di Bologna, Cinémathèque Française; FIAF International Federation of Film Archives (152 cinematecas do mundo), Festival de Cannes e CLAIM – Coordenadoria Latinoamericana de Archivos de Imágenes em Movimento.
Estiveram presentes ao ato Roberto Gervitz, Cristina Amaral, que cuida do acervo de Andrea Tonacci, Tata Amaral, Rodrigo T. Marques, Joaquim Castro, Francisco Martins, Raquel Gerber, Alain Fresnot, Daniel Santiago, Gustavo Vinagre, Caetano Gotardo, Eliane Coster, Rubens Rewald, Mauro D’Addio, Fabio Yamaji, Renato Ciasca, Leandro Saraiva, Ícaro Martins, Fernanda Tanaka, Renata de Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a diretoria da ABPA, Debora Brutuce, pesquisadores Piqueras Carango Sá, Flora Rouanet, Eloá Chouzal, Celso Jamelo, Fernanda Costa Paulino, mais diretorias da ADB, APACI, Sindicato de Radialistas de São Paulo e representantes de outras associações de cinema, entre outres.
O movimento pretende articular novas ideias, produções e processos de criação em defesa da Cinemateca Brasileira com o objetivo de manter a luz acesa da Cinemateca. Pretendem, com o video manifesto que está sendo criado e outras ações, provocar a participação e articulação daqueles que querem defender a Cinemateca Brasileira e o Cinema Brasileiro. Planejam, também, uma série de intervenções no entorno da Cinemateca Brasileira e da cidade de São Paulo com uma proposta de Vigília Criativa.
O Manifesto
CINEMATECA BRASILEIRA. Patrimônio da Sociedade
A comunidade cinematográfica brasileira, representada por suas entidades, vem manifestar a sua inconformidade com a grave crise que se aprofunda e pode levar à falência da Cinemateca Brasileira.
A Cinemateca é uma conquista histórica do cinema brasileiro. Nela está depositada a maior parte das imagens domésticas, filmes de todos os gêneros e bitolas, programas de TVs e jornais televisivos que o nosso país já produziu ao longo dos últimos 100 anos. Ela é a memória viva de nosso país e o testemunho da grandeza atingida por nosso cinema ao longo da sua existência. O trabalho de restauro desenvolvido pela Cinemateca foi considerado de excelência pelos principais centros especializados do mundo.
No entanto, estamos assistindo à inaceitável deterioração de suas funções que já atingiu um patamar absolutamente incompatível com a sua importância. Técnicos valiosos e especializados foram demitidos e as atividades foram reduzidas drasticamente. Entre outras coisas, isso se refletiu na subutilização dos equipamentos de ponta, fruto de vultosos investimentos, que correm o risco de sucateamento.
Há muito a Cinemateca, em grave crise financeira, não recebe recursos governamentais necessários para o seu pleno funcionamento. Desde de abril, está com os salários dos poucos funcionários que restam atrasados e luta para pagar a conta de luz, que pode ser cortada a qualquer momento. Um eventual apagão elétrico será desastroso, pois atingirá a climatização das salas onde estão arquivados verdadeiros tesouros de seu acervo histórico. Sem refrigeração e inspeção constante, os filmes em nitrato de celulose- material altamente inflamável – ficarão expostos ao tempo e podem entrar em autocombustão como já ocorreu em 2016. A lista de obras ameaçadas inclui filmes da Atlântida, da Vera Cruz, tudo o que restou do cinema silencioso brasileiro, arquivos históricos de Glauber Rocha e grandes filmes restaurados pela cinemateca – a história do audiovisual nacional corre enorme risco.
Todo esse processo de irresponsável negligência se combina com o afastamento da comunidade cinematográfica nacional que não é consultada ou sequer informada a respeito dos rumos desta instituição.
Por acreditarmos que a interlocução da Cinemateca Brasileira com a comunidade cinematográfica é essencial para o seu urgente e devido resgate, reivindicamos a formação de uma comissão com membros indicados pelas principais entidades cinematográficas do país a fim de que se estabeleça um contato formalizado e periódico, condição sine qua non para que se trabalhe com transparência e a Cinemateca volte a assumir a sua vocação pública primeira de preservar e difundir o cinema brasileiro.
Para isso, exigimos que o governo federal providencie imediatamente a dotação urgente e necessária para que a Cinemateca Brasileira volte a funcionar plenamente e em bases seguras para os filmes nela depositados – patrimônio cultural e histórico de nosso país.
ENTIDADES QUE ASSINAM O MANIFESTO ENTIDADES NACIONAIS – ORDEM ALFABÉTICA
ABC Associação Brasileira de Cinematografia, ABD Associação Brasileira de Documentaristas , ABPA Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, ABRA Associação Brasileira de Roteiristas, ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, ABRACI Associação Brasileira de Cineastas, ABRANIMA Associação Brasileira de Animação, ACCIRS -Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, ANDAI Associação Nacional Distribuidores do Audiovisual Independente, APACI Associação Paulista de Cineastas, APAN Associação Paulista do Audiovisual Negro, API Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro, APRO Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais, APROCINE Associação de Produtores e Realizadores de Cinema e Audiovisual DF, CONNE Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste, DBCA Diretores Brasileiros de Cinema e Audiovisual, FORCINE Fórum Brasileiro de Ensino de Cine e Audiovisual, FÓRUM DOS FESTIVAIS – Fórum Nacional dos Organizadores de Festivais de Cinema, FUNDACINE Fundação de Cinema do Rio Grande do Sul, SANTACINE Sindicato da Indústria do Audiovisual de Santa Catarina, SIAESP Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo, SIAV Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul, SICAV Sindicato da Indústria Audiovisual, SINDAV-MG Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais, SINDCINE Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual, SOCINE Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, STIC Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual, Mostra Internacional de São Paulo, PAVI – Pesquisadores do Audiovisual e da Iconografia
ENTIDADES INTERNACIONAIS – ORDEM ALFABÉTICA
BIBLIOCI – Red de Unidades de Información Especializadas en Cine y Medios Audiovisuales, Cinémathèque Française – França, Cinémathèque Suisse – Suíça, Cineteca di Bologna – Itália, CLAIM – Coordenadoria Latinoamericana de Archivos de Imágenes em Movimento, FIAF International Federation of Film Archives (152 cinematecas do mundo), FIPCA Federación Iberoamericana de Productores Cinematográficos y Audiovisuales, FIACINE – Federación Iberoamericana de Academias de Cine, Locarno Film Festival – Suíça
Os organizadores explicam a situação
“Estamos atravessando um momento terrível para todas a cultura brasileira com o governo Bolsonaro. Nesse contexto, a Cinemateca Brasileira passa por sua maior crise desde a sua fundação a 7 de outubro de 1946.
Há alguns anos esta instituição não recebe recursos governamentais necessários para o seu funcionamento pleno. Técnicos valiosos e especializados foram demitidos e as atividades foram reduzidas drasticamente. Entre outras coisas, isso se refletiu na subutilização dos equipamentos de ponta, fruto de vultosos investimentos, que correm o risco de sucateamento.
Desde de abril deste ano, está com os salários dos poucos funcionários que restam atrasados e luta para pagar a conta de luz, que pode ser cortada a qualquer momento. Um eventual apagão elétrico será desastroso, pois atingirá a climatização das salas em que estão arquivados verdadeiros tesouros de seu acervo histórico. Sem a climatização e inspeção constante, os filmes em nitrato de celulose-material altamente inflamável – ficarão expostos ao tempo e podem entrar em autocombustão como já ocorreu em 2016 – a história do audiovisual nacional corre enorme risco.”
A Cinemateca Brasileira
A Cinemateca Brasileira é a instituição responsável pela preservação e difusão da produção audiovisual brasileira. Tem o maior acervo da América do Sul, formado por cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos relacionados ao cinema, como fotos, roteiros, cartazes e livros, entre outros.
A origem da Cinemateca aconteceu quando Paulo Emílio Sales Gomes, Décio de Almeida Prado, Antonio Candido de Mello e Souza, entre outros, fundaram o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, que se propunha a estudar o cinema como arte independente por meio de projeções, conferências, debates e publicações. Em 1949, foi aprovado um acordo entre o recém-criado Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP e o Clube, para a criação da Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 1956, a Filmoteca se desligou do Museu de Arte Moderna, transformando-se em Cinemateca Brasileira, uma sociedade civil sem fins lucrativos. Cinco anos depois, a Cinemateca tornou-se uma fundação, personalidade jurídica que lhe permitiu estabelecer convênios com o poder público estadual. Em 1997, a sede da Cinemateca Brasileira foi definitivamente instalada na Vila Clementino, onde está até hoje. Os edifícios históricos depois foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – Condephaat, e pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp. Em toda esta história, o acervo sofreu em quatro incêndios, perda de muito material histórico. Em 2016, o antigo Ministério da Cultura, através de sua Secretaria do Audiovisual, assinou contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – Acerp, organização social qualificada pelo Ministério da Educação, para execução de um projeto de preservação e acesso de acervos audiovisuais, da Cinemateca Brasileira, e em março de 2018, foi assinado um Contrato de Gestão, parceria entre o antigo Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, em que a Cinemateca passou a ser administrada integralmente pela Acerp por um período de 3 anos.
Ofício do Ministério Público Federal pediu um posicionamento do Governo e da Secretaria Estadual da Cultura sobre a falta de repasses dos recursos direcionados à Cinemateca, De acordo com o MPF, essa situação “vem prejudicando o funcionamento da unidade e causando danos ao acervo audiovisual brasileiro”.
Instalações da Cinemateca Brasileira
Instalações da Cinemateca Brasileira
Instalações da Cinemateca Brasileira
Instalações da Cinemateca Brasileira
Instalações da Cinemateca Brasileira
Instalações da Cinemateca Brasileira
Campanha Emergencial
Foi criada em paralelo, uma campanha pública em apoio aos trabalhadores da Cinemateca Brasileira. “Em respeito do quadro emergencial em que se encontra o acervo da Cinemateca Brasileira, que abriga mais de 120 anos de história da cultura audiovisual brasileira. Mas pouco tem se falado sobre a situação do seu corpo de trabalhadores, cuja sobrevivência também se encontra inteiramente em risco. Apoie os trabalhadores da Cinemateca Brasileira que permanecem com salários e notas de prestação de serviços atrasadas, e sem os benefícios essenciais durante a pandemia da COVID-19.”
Campanha emergencial para os trabalhadores da Cinemateca