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Categoria: Ciência

  • Coronavirus Brasil. A tragédia anunciada em dados e números

    Coronavirus Brasil. A tragédia anunciada em dados e números

    Coronavirus Brasil é um programa de visualização de dados que, tem como objetivo visualizar a difusão da contaminação pelo Covid-19 no Brasil. Um geolocalizador dos dados com fase histórica que nos são apresentados em forma de tabela e, que por estar nesse suporte, não cria imagens na nossa mente e deixa essa questão extremamente abstrata e conceitual.

    Coronavirus Brasil

    A função dessas visualizações é responder à perguntas encontradas em uma base de dados gigantesca, especificando qual o tamanho de negócio, e onde ele se encontra, pra onde vai e até quando dura? Acompanho o desenvolvimento dessa crise de forma prática. No início o software levava menos de 30 segundos para ativar, agora leva uns 5 minutos para dar conta dos dados, e até o fim da pandemia vai aumentar.

    Importante deixar registrado que o resultado de hoje é uma viagem no tempo, as pessoas com sintomas hoje foram contaminadas pelo menos 14 dias atrás. O abril conturbado só piorou muito o que já era ruim. As curvas que eram interrompidas, mesmo que as amostragens diárias tenham um padrão de ruídos, mas apresentar um padrão randômico mostravam graves problemas na amostragem e diagnóstico. Problemas esses que se acumularam e atingiram a dramaticidade agora por total incompetência, se quisermos ser lenientes com esse desgoverno, ou projeto político dos nossos necrogovernantes.

    A leitura da fase histórica traz certos padrões no crescimento dos números:
    1. por questões culturais, os número caem todo final de semana, voltam a subir nas terças, e atingem novos patamares nas quintas-feiras.
    2. toda quinta-feira, nosso presidente cria um novo factóide. todas suas falas infelizes se deram nas quintas-feiras para desviar a atenção desse novo patamar. Foi gripezinha, cloroquina, falas contra a quarentena, crise com Mandetta, não sou coveiro, etc.
    3. 14 dias depois de cada fala há uma explosão de números, com novos patamares para novos casos e mortes.

    A tendência é atingirmos o patamar de tragédia com a aceleração da curva e os custos econômicos de não fechar a economia, para diminuir o tempo de duração da pandemia no nosso território. Há que prestar atenção que há uma semana o responsável pelos números da pandemia no MS foi trocado(3) e desde então o número de mortes por covil caíram milagrosamente, mas as mortes por SRAGs mais que decuplicaram comparadas a outros anos(4) segundo dados da Fiocruz. Esses dados também vem milagrosamente reduzindo há uma semana.

    Se tivéssemos feito o lockdown em março estaríamos saindo dessa enrascada por volta de 10/5, o provável agora é que saiamos dessa pandemia do coronavirus só em julho.

    RoadMap

    A primeira incursão nessa pesquisa do Coronavirus Brasil foi uma tentativa de criar um próprio mapa que tivesse a visualização global, como muitos outros que estão rodando a rede, para ilustrar a chamada para a nova edição da Na Borda, uma revista eletrônica de arte com o tema pandemia/virus. Essa visualização me trouxe a necessidade de criar uma versão local, em que tivéssemos tanto o país, quanto os estados brasileiros.

    A primeira questão na visualização de dados é encontrar os dados. Esse tipo de visualização precisa de uma fase histórica, isso é, uma planilha com dados diários acumulativos separados por Estados. Encontrei esses dados no GitHub(1) do Wesley Cota, doutorando em física pela UFV que se encontra na Espanha. wcota programou um bot que faz varreduras nos boletins das Secretarias estaduais e municipais, bem antes do Ministério da Saúde centralizar os boletins. A normativa do Secretaria de Saúde para a notificação e centralização dos dados aconteceu só em 31/3(2). O tempo tem mostrado ser mais acertada a busca pelos dados das Secretarias do que do Ministério.

    A primeira versão do Coronavirus Brasil surgiu no final de março, 26/3, que teve por objetivo criar a segurança dos dados. Isso é fazer a leitura da tabela de estados, criar a fase histórica de cada estado e plotar um gráfico com as curvas lineares com o total de contaminações e óbitos.

    Coronavirus Brasil
    Aquisição, análise sintática e distribuição dos dados

    Finalizada a fase de aquisição, análise sintática e distribuição dos dados com segurança, passamos para a segunda fase que é a fase de perguntas e respostas a esse dump de dados. As primeiras necessidades eram, visualizar o lugar no mapa, apresentar as totalizações do dia (total de casos, novos casos e mortes), junto a uma plotagem das duas curvas (tC e nC).

    Coronavirus Brasil
    Fase de perguntas e respostas a esse dump de dados

    O próximo passo era iniciar a visualização por cidades. A primeira visualização foi a plotagem das cidades no mapa nacional e a visualização dos dados de cada município. Menos abstrato mas ainda sem diferenciação.

    Coronavirus Brasil
    Visualização por cidades

    A segunda fase dessa visualização por municípios foi a criação de um mapa coreoplético, o que me obrigou a terminar um projeto abandonado de criar um mapa SVG com todos os municípios do brasil em vetor com seu código IBGE. Uma semana depois foi encerrada essa fase, com a visualização coreoplética nacional, estadual e das regiões metropolitanas.

    Coronavirus Brasil
    Mapa coreoplético

    Estamos na V7.a. do aplicativo. Falta arrumar a visualização dos mapas das cidades, para carregar mapas customizados de acordo com a programação visual do aplicativo e transportar tudo para a web.

    Histórico de Abril

    Antes de passarmos as leituras dos dados em si, temos no link abaixo uma visualização da fase histórica do Coronavirus Brasil no mês de Abril no Brasil e em todos os estados.

    Vemos em cada localidade/dia:
    Novos Casos (nC) em vermelho, Total de Casos(tC) em verde, Total de Mortes(tD) em cyan, Novas Mortes(d) em azul, População Estimada e Casos/100k habitantes em roxo, Mortalidade/Infectados e Mortalidade/População em cyan. Três curvas históricas. Dois gráficos “pizza” com tC e tD por estados, lista dos 25 municípios mais atingidos.
    Mapa coreoplético da infecção.

    No alto, à esquerda, temos alguns números de controle. O que interessa é o quinto número, que indica a quantidade de municípios atingidos no momento da leitura de dados. Cada dado aparece com um time stamp, que mostra o horário da leitura dos dados.

    Leitura de Dados e Interpretações

    Números importantes foram retirados da tabela de dados: casos/100k habitantes que revelam o grau de contaminação de determinada população, mortes/infectados que indicam o grau de letalidade da infecção em cada localidade, e a letalidade em relação a população total da localidade.

    A taxa de mortes/infectados locais é um indicador que pode nos dar uma idéia da subnotificação dos dados do coronavirus. A taxa global de mortalidade do vírus é 2% dos contaminados. As taxas de mortalidades brasileiras estão em média 7%, o que indica que temos 3.5 vezes mais gente contaminada há 14 dias do que os números apresentados na foto do dia. Se consideramos que em 14 dias todos os índices brutos cresceram 150% por quinzena desde o início da pandemia do coronavirus, podemos supor que hoje temos 12 vezes mais gente contaminada do que o dado do dia.

    Coronavirus Brasil
    Comprovação de provável subnotificação

    Rotas de Contaminação

    A pandemia entrou no Brasil pelos aeroportos, mas ela se difunde pelas rodovias, essa é a tese do Professor Edmur Pugliesi da UNESP de Presidente Prudente e vem se apresentando correta. Por terra temos como eixo condutores a diagonal no estado de São Paulo Anhanguera, Marechal Rondon, Washington Luis, Imigrantes, Dutra, no Brasil BR-386, BR-101 Curitiba-Porto Alegre e Salvador-Natal, BR-116 entre Feira de Santana e Fortaleza, BR-364 Cuiabá-Porto Velho.

    Coronavirus Brasil
    Pandemia difundida pelas rodovias

    Estados mais isolados economicamente apresentam menores taxas de contaminação. Os estados da monocultura agrícola para exportação, MT, MS, GO, TO apresentam as baixas taxas de contaminação e difusão do virus. Isso pode mudar na época de escoamento da safra, quando caminhoneiros do país inteiro se dirigirem para lá.

    No caso amazônico a contaminação se espalha pelas hidrovias. Na comparação entre as plotagens, vemos surgir o contorno dos Rios Amazonas, Madeira, Tocantins e Araguaia. Para adicionar insulto a injúria, a contaminação da amazônia seguida pelo colapso da saúde pública na região, vai dar mais uma ajuda ao nosso necrogoverno na sua política de extermínio indígena e destruição da amazônia.

    Coronavirus Brasil
    Amazônia. Difusão hidroviária

    Temos que as rotas comercias são as rotas de expansão do vírus. Não querer parar a economia na hora certa e minimizar o impacto foi um erro fatal. Estávamos diante de um problema de teoria dos jogos e coletivamente escolhemos a pior opção, a opção suicida. A opção em que aquela em que muitos poucos ganham muito e todos perdem muito. Somemos a isso a proposta genocida do nosso governo e temos a tempestade perfeita, depois da pandemia do coronavirus virão as dívidas. Dívidas e mais concentração de renda, mas isso eu deixo para os que entendem de economia.

    Próximos Passos

    Precisamos e muito que as prefeituras publiquem os microdados sobre o coronavirus seguindo protocolos mundiais. Vou falar do caso de São Paulo, que é onde estou. A Prefeitura jamais publicou os dados distribuídos por distritos, bem como a demografia dos atingidos (idade, gênero, raça), tanto por óbitos como por contaminação. O acesso a esses dados só será feito por requisição via Lei de Acesso a Informação.

    Verificamos uma anomalia em Minas Gerais. Pelo seu tamanho e relação com a economia, Minas Gerais se apresenta como anomalia nesse fenômeno. Com mais de 70 mil testes na fila, o segundo Estado mais populoso do país tem números muito baixos. Minas Gerais ou tem uma população muito saudável, ou não está tão inserido assim nas rotas econômicas nacionais. É algo a ser investigado.

    Aqui você pode entrar no playlist com as animações e acompanhar Estado por Estado:
    https://www.youtube.com/watch?v=ulj_Vm7gJH0&list=PLs7CxCa4HI9nHF7Gp4vd5Q9URXYeU9bLu&fbclid=IwAR2560VfExkMS1AvJwatQH5BMaY4vU6xniFP9GQKejg8ER6Z-p7Yvapi65k

    Para acompanhar os relatórios diários, entre nesse canal: https://www.facebook.com/eduzal

    Notas:
    Padrão noise e padrão randômico:
    Padrão noise é um padrão em que existem flutuações em torno e um patamar, isto é, se temos um patamar de 200, os números variam de 180 a 220, o que é uma dispersão normal.

    Coronavirus Brasil
    Padrão noise

    Padrão randômico é um padrão em que os números não fazem sentido, se temos um patamar de 200, um dia está em 400, outro 20, no seguinte 32, depois 312, assim por diante.

    Coronavirus Brasil
    Padrão randômico

    Links:

    1. wcota: https://github.com/wcota/covid19br
    2. Resolução SS-42 – Obrigatoriedade a todos os hospitais do Estado de São Paulo, de remessa diária dos dados
      https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/resolucao_SS_42_30_03_2020.pdf
    3. https://revistaforum.com.br/noticias/joao-gabbardo-responsavel-por-numeros-do-coronavirus-e-exonerado-general-assume/
    4. https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/

    Pesquisa, conceito, programação, gráficos e texto: Eduzal

    Designer digital que trabalha com programação criativa

  • Marcha Virtual invade Brasília e cientistas pedem socorro

    Marcha Virtual invade Brasília e cientistas pedem socorro

     

     Mateus Pereira e Valdei Araujo, professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Mariana

    O que motiva a marcha pela ciência organizada hoje pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência – SBPC? Presenciamos no dia 7 de maio uma das maiores manifestações virtuais do Brasil organizada por telepresença. Por volta das 13 horas havia mais de 9 mil manifestantes individuais em Brasília, cientistas, professores e estudantes. No mapa acima podemos ver uma fotografia da manifestação.

    A pandemia não congelou a guerra contra a ciência organizada por Bolsonaro. Pelo contrário, deixou mais evidente a dimensão anticientífica do seu projeto. Por isso, a marcha virtual de hoje, organizada pela SBPC, fundada em 1948, defende o apoio à pesquisa como uma forma de enfrentamento da pandemia e como ferramenta essencial para sairmos da crise econômica e social que começamos a viver.

    A marcha é apoiada por diversas outras associações científicas, como a Associação Nacional de História (ANPUH), e acontece através de um site em que cada pessoa pode construir o seu pequeno avatar, associar a ele um cartaz e movê-lo em tempo real para qualquer lugar no planeta. A sociedade adaptou para o Brasil o aplicativo francês manif.app, a partir do serviço colaborativo Open Street Map, que vem sendo utilizado para manifestações em tempo de pandemia.

    Cada avatar representa um único manifestante que só pode estar em um lugar e em um evento por vez, o que dificulta a manipulação dos números por robôs. Em Brasília, as pessoas virtuais marcaram pontos de encontro, em frente ao MEC, em frente ao Congresso ou qualquer outro local no mapa. Usando-se o recurso de zoom, pode-se ver a agregação das pessoas pelos slogans mais usados.

    É importante ressaltar que a chamada PEC do Orçamento da Guerra (PEC 10/2020) não propõe mais recursos para a ciência e a tecnologia, o que é um equívoco enorme. Ela simplifica gastos ao combate a pandemia, mas não garante investimentos na ciência que poderiam oferecer soluções e criar riqueza. Isso em uma conjuntura de cortes e sucateamento que já vinha acontecendo antes da Covid-10 se apresentar.

    Estamos assistindo, ao longo do dia, pelo aplicativo, os slogans que os manifestantes empunham no mapa de Brasília em defesa da ciência, da vida. Slogans que não são apenas meras palavras de ordem: mais ciência, menos bolsonaro; viva a ciência, abaixo o obscurantismo; sem ciência não há soluções; mais SUS, menos Corona; respeito à ciência é respeito à vida; periferia chora; a ciência não pode parar; pacto pela vida, entre outros.

    Alguns manifestantes se identificaram com nome e suas instituições, houve até quem fizesse declaração de amor. O protesto virtual produziu muitos dos efeitos e encontros dos protestos presenciais. Colegas de trabalho posicionaram seus avatares em uma mesma esquina para protestarem juntos. Um grande exemplo de cidadania.

    Um dos grupos lembrados com frequência foram os enfermeiros e as enfermeiras, além de todos os outros profissionais da saúde que estão na frente de combate da Covid-19.

    Também Bolsonaro foi lembrado em diversos cartazes, quase todos pedindo o seu afastamento e condenando sua atuação irresponsável. Assim como Trump, Bolsonaro será lembrado negativamente e para sempre, na história da Covid-19.

    Nos últimos dias foi divulgado estudo da UFMG, coordenado pela professora Fernanda Cimini, sobre as respostas políticas do governo brasileiro, entre 31/12/2019 e 15/4/2020 para o enfrentamento da Covid 19. As conclusões são assustadoras: “(1) Ausência de uma política nacional coordenada para contenção da transmissão do vírus; (2) desalinhamento entre as medidas para o aumento da capacidade de atendimento e as políticas para achatamento da curva; (3) priorização da austeridade econômica, sobre a mitigação social, com atraso e insuficiência nas respostas para a proteção da segurança financeira das famílias e (4) dinâmica de governança marcada não somente por conflitos dentro do Executivo e entre governo federal, autoridades estaduais e municipais, mas, também, pela falta de diálogo com a sociedade civil e o empresariado na tomada de decisão e monitoramento das ações”.

    Ou seja, Bolsonaro representa uma ameaça real à vida dos brasileiros. Isso, após três meses de pandemia e com mais de 1 milhão de infectados em todo o mundo. E sua postura, bem como a do ministro da Educação e vários outros membros de seu governo, é de desprezo pela ciência e pela comunidade científica. Além da negação constante das evidências da pandemia.

    Não se observa, nesse momento, uma convocação das lideranças e dos institutos científicos para auxiliar o governo federal na tomada de boas decisões. E a situação se repete em muitos estados e municípios. Ao que parece, Bolsonaro prefere confiar em seus consultores de marketing e no gabinete do ódio.

    “Todos os principais erros cometidos pelo governo Trump, ao lidar com a pandemia, podem ser atribuídos a essa falha em ouvir e confiar em conselhos científicos. Trump demorou a mobilizar o governo federal, porque não atendeu às advertências científicas; em vez disso, escolheu seguir seu “palpite” de que um “milagre” aconteceria e o vírus desapareceria. Sua obsessão com a droga antimalárica cloroquina como um potencial “divisor de águas” no tratamento do Covid-19 causou estragos nos EUA e em todo o mundo, confirmada pelos estudos recentes sugerindo que a droga não tem qualidades benéficas e provoca muitos efeitos colaterais.” Essa afirmação de Ed Pilkington (The Guardian, 3/5/2020), sobre Trump, parece cair perfeitamente para Bolsonaro.

    E ainda: “O ataque à ciência não termina na Casa Branca. O desdém vocal de Trump pelo pensamento baseado em evidências encorajou um exército de charlatões, grupos de pseudociência e teóricos da conspiração que intensificaram seu proselitismo online e em protestos em todo o país”. Pilkington, porém, é otimista, pois acha que o Covid-19 entregou à ciência um presente inesperado, pois muitas pessoas viram os custos em desprezar a verdade e deixar de lado os pesquisadores. 

    Para os mais otimistas, a crise do novo coronavírus pode ser uma possibilidade para que a população em geral reconheça, não apenas o valor da ciência, mas a forma como ela é construída. O filósofo Edgar Morin, em entrevista recente, chamou a atenção para o fato de que a ciência não é feita de dogmas e sim de diálogos, crítica e mudanças de paradigma. Assim como a democracia que também só pode existir se houver a possibilidade de divergência e mudança.

    Assim, nesse momento, um dos desafios é não deixar a crítica à ciência apenas à contestação rasa dos grupos de direita. E sabemos que uma parte da crise certamente se relaciona com uma aliança de setores da comunidade científica com o capital, muitas vezes, em detrimento da vida. É sempre bom lembrar: a ciência é o lugar da dúvida metódica e da controvérsia fundamentada. Afinal, conhecimento e opinião (in)formada são coisas bem diferentes do achismo dogmático. O cientista pode fazer sua parte, mas ele não substitui a cidadania, essas esferas devem funcionar em diálogo permanente. Viva a ciência, viva a cidadania crítica, viva a boa política!

     

  • Herch Moysés Nussenzveig: Impeachment já para o genocida

    Herch Moysés Nussenzveig: Impeachment já para o genocida

    Nesta terça-feira (5/5), um dos mais destacados cientistas brasileiros publicou na “Folha de S.Paulo” um artigo contundente a respeito do desgoverno atual do País, exigindo a saída imediata e o impeachment de Bolsonaro. Nele, o pesquisador alinha os crimes do monstro que ocupa a Presidência, para concluir que já basta do genocida, basta do obscurantismo. Precisamos de luz. E disso o professor Herch Moysés Nussenzveig entende.

    Moysés Nussenzveig era diretor do Instituto de Física da USP, quando estudei lá. Um homem das luzes, literal e figurativamente, ele fez do arco-íris e da aura seus principais focos de estudo. E destacou-se por isso. Em 1986, recebeu o Prêmio Max Born, outorgado pela Optical Society of America a cientistas que contribuíram de forma decisiva para o estudo da óptica.

    O professor Moysés Nussenzveig foi além e preocupou-se também com a divulgação científica. Foi um entusiasta da coleção “Os Cientistas”, idealizada pelo seu colega, o professor Isaias Raw, que quinzenalmente colocava nas bancas de revistas de todo o Brasil uma caixinha de isopor contendo a biografia de um grande cientista e alguns insumos básicos para montar o aparelho ou o experimento que notabilizou o pesquisador homenageado. Era sensacional. Gerações de cientistas atuais construíram seu primeiro microscópio com a coleção “Os Cientistas”.

    Hoje se vê como a divulgação científica é necessária. A falta dela é em grande medida responsável pelo surto fundamentalista e anti-científico que assola o País, começando por Bolsonaro e seus seguidores terraplanistas, olavetes, fanáticos religiosos e negacionistas do aquecimento global e da letalidade do novo coronavírus. A seguir o texto desse grande físico, que honra a memória de homens como Galileu Galilei (1564-1642), afrontando com a verdade a ousadia dos carrascos. “Eppur si muove” (“contudo, ela se move”) teria dito Galileu, ao sair do tribunal do Santo Ofício, referindo-se à Terra. Sim, ela se movia em torno do Sol. Não estava fixa no centro do Universo com os corpos celestes, inclusive o Sol, girando ao seu redor, como queria a Igreja Católica.

    Que tempos são esses em que temos de lutar para fazer valer conhecimentos adquiridos há quase 400 anos?

    São tempos de luta.

     

     

     

    Moysés Nussenzveig
    Moysés Nussenzveig

    Por Herch Moysés Nussenzveig

    Um editorial do Washington Post de 14 de abril discutiu a conduta de governantes de todo o mundo na pandemia de Covid-19. Jair Bolsonaro foi eleito de longe o maior malfeitor, por “colocar em risco” toda a população do Brasil. O jornal compara os índices de aprovação do ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta com os de Jair, um caso claro de ciúme.

    No dia seguinte, Mandetta foi demitido. Já a demissão de Sergio Moro teve outro motivo. Jair manifestara “preocupação com inquéritos em curso no STF”. Justifica-se o pavor: ele participou de atos de incentivo a um novo AI-5 e de ataques ao Congresso e ao STF. Quer “ter um delegado que eu possa interagir com ele” (sic), recebendo relatórios diários. Emula o Grande Irmão de “1984”.

    Eleito deputado federal, Bolsonaro passou 27 anos como membro obscuro do baixíssimo clero. Ao votar para o impeachment de Dilma, homenageou o torturador-mor Ustra como “herói nacional”. Nos vídeos da campanha eleitoral simulava empunhar dois revólveres. Como Dom Corleone, tem capangas e exige obediência absoluta. Acabou eleito presidente pelo voto contra o PT.

    Em 14 de março de 2018, Marielle Franco foi assassinada. O carro utilizado pelos matadores era guiado pelo ex-PM Élcio Queiroz, que entrou no condomínio onde residem Jair e o filho Carlos pedindo que o porteiro ligasse para “Seu Jair”. Em vídeo gravado à noite, no exterior, Jair, visivelmente apavorado, deu um álibi: estava em Brasília quando do atentado. Não é preciso ser Sherlock Holmes para suspeitar de Jair e dos filhos como cúmplices ou mandantes (ainda não identificados).

    O racismo de Bolsonaro é patente. Em palestra, atacou os quilombolas, dizendo: “Nem para procriar servem mais”. Insultou os indígenas ao afirmar que “são homens como nós”. Como quem, Jair? Parafraseando Primo Levi, “é isto um homem?”. Em relação às mulheres, disse à deputada Maria do Rosário (PT-RS): “Não te estupro porque você não merece”. Invasões a terras indígenas e estímulos para explorá-las dispararam. Também cresce o número de índios assassinados.

    As afinidades com Hitler e o nazismo afloraram quando nomeou Roberto Alvim secretário da Cultura. Em 18 de janeiro, este divulgou um vídeo repetindo frases de Goebbels, de 1933, ao som de Wagner. A repercussão mundial levou à demissão do secretário. Visitando o Chile, Bolsonaro ofendeu o povo chileno ao elogiar o ditador Pinochet.

    Além de vítimas atuais e futuras da pandemia, e das citadas acima, quantas mortes Bolsonaro provocou e virá a provocar? Quantos morrerão nas estradas pelo afrouxamento de regras do trânsito? Quantos bebês vitimará flexibilizando o uso das cadeirinhas?

    Ao estimular o desflorestamento e não combater as queimadas na Amazônia, fomenta o aquecimento em todo o planeta. Jair é o vilão-mor do meio ambiente, com sérios prejuízos à imagem do nosso país.

    Eu acuso Jair Messias Bolsonaro de violações do Código Penal e perjúrio, atentando quase diariamente contra a Constituição que jurou defender! Acuso Jair Messias Bolsonaro de genocídio premeditado! São crimes de responsabilidade, justificando o seu impeachment.

    Já foram encaminhados ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), muitos pedidos de impeachment. Ele foi instado pelo STF a manifestar-se sobre a abertura do processo. Pelo bem de sua biografia e cumprimento da vontade do povo brasileiro expressa nesta época de isolamento, através de panelaços em todas as capitais do país, faço votos de que ele atenda prontamente a essa vontade.

    Fora, Bolsonaro. Impeachment já!

  • Noam Chomsky: Os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição

    Noam Chomsky: Os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição

    Para o filósofo e linguista Noam Chomsky, a primeira grande lição da atual pandemia é que estamos diante de “outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo”, que no caso dos Estados Unidos está agravado pela natureza dos “bufões sociopatas que dirigem o governo” liderado por Donald Trump.

    De sua casa em Tucson (Arizona) e longe de seu gabinete no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), desde que transformou para sempre o campo da linguística, Noam Chomsky repassa em uma entrevista com “Efe” as consequências de um vírus que deixa claro que os governos estão sendo “o problema e não a solução”.

    Que lições positivas podemos extrair da pandemia?

    A primeira lição é que estamos diante de outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo. Se não aprendemos isso, a próxima vez que acontecer algo parecido vai ser pior. É óbvio após o que ocorreu depois da epidemia do SARS em 2003. Os cientistas sabiam que viriam outras pandemias, provavelmente da variedade do coronavírus. Teria sido possível se preparar naquele ponto e abordá-lo como se faz com a gripe. Mas não se fez.

    As empresas farmacêuticas tinham recursos e são milionárias, mas não o fazem porque os mercados dizem que não há lucros em se preparar para uma catástrofe virando a esquina. E depois vem o martelo neoliberal. Os governos não podem fazer nada. Estão sendo o problema e não a solução.

    Estados Unidos é uma catástrofe pela jogada que fazem em Washington. Sabem como culpar todo mundo exceto a eles mesmos, apesar de serem os responsáveis. Somos agora o epicentro, em um país que é tão disfuncional que nem sequer pode prover de informação sobre a infecção à Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Qual sua opinião do gerenciamento da administração Trump?

    A maneira como isto se desenvolveu é surreal. Em fevereiro a pandemia estava já fazendo estragos, todo mundo nos Estados Unidos o reconhecia. Justo em fevereiro, Trump apresenta alguns orçamentos que vale a pena olhar. Cortes no Centro de Prevenção e Controle de Doenças e em outras partes relacionadas com a saúde. Fez cortes no meio de uma pandemia e incrementou o financiamento das indústrias de energia fóssil, a despesa militar, o famoso muro…

    Tudo isso diz algo da natureza dos bufões sociopatas que administram o Governo e porque o país está sofrendo. Agora buscam desesperadamente culpar alguém. Culpam a China, a OMS… e o que têm feito com a OMS é realmente criminoso. Deixar de financiá-la? Que significa isso? A OMS trabalha em todo mundo, principalmente em países pobres, com temas relacionados com a diarreia, a maternidade… Então que estão dizendo? “Ok, matemos um montão de gente no sul porque talvez isso nos ajude com nossas perspectivas eleitorais”. Isso é um mundo de sociopatas.

    Trump começou negando a crise, disse inclusive que era um boato democrata… Pode ser esta a primeira vez que os fatos venceram Trump ?

    A Trump há que lhe conceder um mérito… É provavelmente o homem mais seguro de si mesmo que já existiu. É capaz de sustentar um cartaz que diz “amo vocês, sou seu salvador, confiem em mim porque trabalho dia e noite para vocês” e com a outra mão te apunhalar pelas costas. É assim que se relaciona com seus eleitores, que o adoram independentemente do que faça. E recebe ajuda por um fenômeno mediático formado por Fox News, Rush Limbaugh, Breitbart… que são os únicos meios que assistem os republicanos.

    Se Trump diz em um dia “é só uma gripe, esqueçam dela”, eles dirão que sim, que é uma gripe e que há que se esquecer. Se no dia seguinte diz que é uma pandemia terrível e que ele foi o primeiro a se dar conta, gritarão em uníssono e dirão que ele é a melhor pessoa da história.

    Ao mesmo tempo, ele mesmo olha Fox News pelas manhãs e decide o que supõe que tem que dizer. É um fenômeno espantoso. Rupert Murdoch, Limbaugh e os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição.

    Pode esta pandemia mudar a maneira com que nos relacionamos com a natureza?

    Isso depende dos jovens. Depende de como a população mundial reaja. Isto nos poderia levar a estados altamente autoritários e repressivos que expandam o manual neoliberal inclusive mais que agora. Recorde: a classe capitalista não cede. Pedem mais financiamento para os combustíveis fósseis, destroem as regulações que oferecem alguma proteção… No meio da pandemia nos Estados Unidos, eliminaram normas que restringiam a emissão de mercúrio e outros contaminantes… Isso significa matar mais crianças estadunidenses, destruir o meio ambiente. Não param. E se não há contraforças, é o mundo que nos sobrará.

    Como fica o mapa de poder em termos geopolíticos depois da pandemia?

    O que está acontecendo a nível internacional é bastante chocante. Isso que chamam de União Europeia. Escutamos a palavra “união”. Ok, veja a Alemanha, que está gerenciando a crise muito bem… Na Itália, a crise é aguda… Estão recebendo ajuda da Alemanha? Felizmente estão recebendo ajuda, mas de uma “superpotência” como Cuba, que está mandando médicos. Ou chinesa, que envia material e ajuda. Mas não recebem assistência dos países ricos da União Europeia. Isso diz algo…

    O único país que tem demonstrado um internacionalismo genuíno tem sido Cuba, que tem estado sempre sob estrangulamento econômico por parte dos EE.UU. e por algum milagre têm sobrevivido para seguir mostrando ao mundo o que é o internacionalismo.

    Noam Chomsky

    Mas isto não se pode dizer nos Estados Unidos porque o que tens de fazer é culpar Cuba de violações dos direitos humanos. De fato, as piores violações de direitos humanos têm lugar ao sudeste de Cuba, em um lugar chamado Guantánamo que Estados Unidos tomou à ponta de pistola e se nega a devolver.

    Uma pessoa educada e obediente supõe-se que tem que culpar a China, invocar o “perigo amarelo” e dizer que os chineses vêm nos destruir, nós somos maravilhosos.

    Há um chamamento ao internacionalismo progressista com a coalizão que Bernie Sanders começou nos Estados Unidos ou Varoufakis em Europa. Trazem elementos progressistas para contrarrestar o movimento reacionário que se forjou da Casa Branca (…) da mão de estados brutais do Oriente Médio, Israel (…) ou com gente como Orban ou Salvini, cujo desfrute na vida é se assegurar de que as pessoas que fogem desesperadamente da África se afoguem no Mediterrâneo.

    Coloque todo esse “reacionarismo” internacional de um lado e a pergunta é… serão contestados? Eu só vejo esperança no que Bernie Sanders tem construído.

    Que tem perdido…

    Diz-se comumente que a campanha de Sanders foi um fracasso. Mas isso é um erro total. Tem sido um enorme sucesso. Sanders tem conseguido mudar o âmbito da discussão e a política, e coisas muito importantes que não podiam ser mencionados há alguns anos e que agora estão no centro da discussão, como o Green New Deal, essencial para a sobrevivência.

    Não lhe financiaram os ricos, não tem tido apoio dos meios… O aparelho do partido teve que manipular para evitar que ganhasse a indicação. Da mesma maneira que no Reino Unido o ala direita do Partido Trabalhista destruiu Corbyn, que estava democratizando o partido de uma maneira que não podiam suportar.

    Estavam dispostos até a perder as eleições. Temos visto muito disso enos Estados Unidos, mas o movimento permanece. É popular. Está crescendo, são novos… Há movimentos comparáveis na Europa, podem marcar a diferença.

    Que acha que passará com a globalização tal e qual a conhecemos?

    Não há nada de mal com a globalização. É bom viajar à Espanha, por exemplo. A pergunta é: que forma de globalização? A que se desenvolveu tem sido sob o neoliberalismo. É a que se tem desenhado. Tem enriquecido os mais ricos e existe um enorme poder em mãos de corporações e monopólios. Também tem levado a uma forma muito frágil de economia, baseada em um modelo de negócio da eficiência, fazendo as coisas ao menor custo possível. Esse raciocínio leva a que os hospitais não tenham certas coisas porque não são eficientes, por exemplo.

    Agora o frágil sistema construído está colapsando porque não pode lidar com algo que tem saído mal. Quando desenhas um sistema frágil e centralizas a produção em um só lugar como a China… Olha a Apple. Fatura enormes lucros e poucos ficam na China ou em Taiwan. A maior parte de seu negócio vai para onde provavelmente têm localizado um escritório do tamanho de meu estúdio, na Irlanda, para pagar poucos impostos em um paraíso fiscal.

    Como é que podem esconder dinheiro em paraísos fiscais? Isso faz parte da lei natural? Não. De fato nos Estados Unidos até Reagan, era ilegal. Assim como as compras de ações. (…) Eram necessárias? Reagan legalizou.

    Tudo foi projetado, são decisões… que têm consequências que vemos ao longo dos anos e uma das razões que se encontra é o mal chamado “populismo”. Muita gente estava enfadada, ressentida e odiava o governo de forma justificada. Isso tem sido um terreno fértil para demagogos que podiam dizer: sou teu salvador e os imigrantes isso e aquilo, etc.

    Acha que, depois da pandemia, os Estados Unidos estarão mais perto de uma previdência universal e gratuita?

    É muito interessante ver essa discussão. Os programas de Sanders, por exemplo, previdência universal, taxas universitárias gratuitas… Criticam-no em todo o espectro ideológico. As críticas mais interessantes vêm da esquerda. Os colunistas mais liberais do New York Times, CNN e todos eles… Dizem que são boas ideias, mas não para os estadunidenses.

    A previdência universal está em todas as partes. Em toda Europa de uma forma ou de outra. Em países pobres como Brasil, México… E a educação universitária gratuita? Em todas as partes… Finlândia, Alemanha, México… em todos os lados. De modo que o que dizem os críticos na esquerda é que Estados Unidos é uma sociedade tão atrasada que não pode ser colocado à altura do resto do mundo. E isso diz bastante da natureza, da cultura e da sociedade.

    Tradução: Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba

    Foto: Apu Gomez

    Texto original: http://www.cubadebate.cu/especiales/2020/04/22/noam-chomsky-el-unico-pais-que-ha-demostrado-un-internacionalismo-genuino-ha-sido-cuba/#.XqH1_mZKh0w

    Cuba Salva Bloqueio Mata

  • Dilma cobra testes para detecção do vírus e o fim da PEC do teto de gastos durante pandemia

    Dilma cobra testes para detecção do vírus e o fim da PEC do teto de gastos durante pandemia

    Em live realizada hoje de manhã (9/4), quando participou de reunião do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), a ex-presidenta Dilma Rousseff disse que o PT não está denunciando como deveria a falta de testes para coronavírus. Segundo ela, não há como planejar ações de enfrentamento da epidemia, sem que se conheça a realidade do contágio. Para Dilma, o governo está escondendo da população o tamanho do problema. “Tem uma certa deliberação de não fazer testes”, cogitou.

    Dilma apresentou também propostas econômicas para o partido. O fim da PEC do Teto de Gastos é uma delas, seguindo o que estão fazendo os países europeus, que deixaram de lado os rigores do superávit fiscal, santo graal do neoliberalismo, como forma de gerar recursos para atender a população mais pobre durante a crise sanitária.

    A ex-presidenta quer que o PT defenda a idéia de reconversão de fábricas, de modo a produzir insumos necessários para o trabalho dos médicos. Dilma, com a experiência de gestão acumulada em seus anos na Presidência e como chefe da Casa Civil do governo Lula, conhece como poucos a estrutura produtiva do País.

    Estudiosa e meticulosa em suas análises, nesta live, Dilma Rousseff mostra como faz falta ao País uma abordagem ao mesmo tempo técnica, científica e competente em uma situação dramática como a que vive hoje o mundo.

     

     

  • Covid-19. As causas da pandemia

    Covid-19. As causas da pandemia

    Entrevista de Claudia Korol a pesquisadora Silvia Ribeiro publicada no jornal argentino Pagina 12 em 03 de abril de 2020
    Tradução Leila Monségur

    Silvia Ribeiro, pesquisadora nascida no Uruguai que mora no México há mais de três décadas, é diretora para a América Latina do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), com status consultivo perante o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. A soberania alimentar e o impacto dos desenvolvimentos biotecnológicos na saúde e no meio ambiente são alguns dos tópicos sobre os quais ela investiga e que a levaram a questionar, desde o início da pandemia, a ausência, não apenas da descrição das causas mas também das propostas para modificá-las. Nesta entrevista, ela se refere a esse ponto nodal, ao sistema de produção capitalista e ao que podemos vislumbrar, a partir do isolamento obrigatório, como o futuro.

    Covid-19
    A pesquisadora Silvia Ribeiro. Foto: Francis Dejon

    Embora estejamos falando há meses sobre este vírus, vale a pena perguntar: O que é o Covid -19?

    – É uma cepa ou linhagem – a que dá origem à declaração atual de pandemia – da família dos coronavírus, que geralmente causa doenças respiratórias leves, mas que pode ser grave para uma porcentagem das pessoas afetadas, devido à sua vulnerabilidade. Faz parte de uma ampla família de vírus, que como todos, sofre mutações muito rapidamente. É o mesmo tipo de vírus que deu origem à síndrome respiratória aguda severa (SARS) na Ásia e à síndrome respiratória aguda no Oriente Médio (MERS).

    De onde provém?

    Embora exista um amplo consenso científico, sobre sua origem animal, e sua origem seja atribuída aos morcegos, não está claro de onde vem, porque a mutação dos vírus é muito rápida e há muitos lugares onde poderia ter sido originado. Com a intercomunicação que existe atualmente a nivel global, ele poderia ter sido levado de um local para outro muito rapidamente.

    O que se sabe é que começa a ser uma infecção significativa em uma cidade da China. No entanto, essa não é a origem, mas o lugar onde ela se manifesta primeiro.

    Rob Wallace, um biólogo que estuda um século de pandemias há 25 anos e que também é filo-geógrafo, e como tal tem seguido o caminho de pandemias e vírus, diz que todos os vírus infecciosos nas últimas décadas estão intimamente relacionados a criação industrial de animais. Nós – do grupo ETC e do GRAIN – já vimos com o surgimento da gripe aviária na Ásia e da gripe suína (que mais tarde eles chamaram de H1N1 para torná-lo um nome mais asséptico), também da SARS, que é relacionada à gripe aviária, que são vírus que surgem em uma situação em que existe um tipo de fábrica de replicação e mutação de vírus que é a criação industrial de animais.

    É porque existem muitos animais que estão juntos, amontoados. Isto se repete tanto com frangos como com porcos, que não podem se mover e, portanto, tendem a criar muitas doenças. Existem diferentes cepas de vírus, de bactérias, que se transladam entre muitos indivíduos em um espaço reduzido. Os animais são submetidos a aplicações regulares de pesticidas, para eliminar outra série de coisas que estão dentro do próprio criadouro. Também existem venenos nos alimentos – em geral, é milho transgênico que lhes é administrado -. Tudo está intimamente relacionado ao negócio de venda de transgênicos para forragens. Dão a eles uma quantidade de antibióticos e antivirais, para prevenir doenças, o que está criando uma resistência cada vez mais forte.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou as indústrias de criação de animais, especialmente frango, porcos, mas também piscícola e de perus, para parar de aplicar tantos antibióticos, porque entre 70 e 80% dos antibióticos do mundo, são usados ​​na cria industrial de animais. Por serem animais que têm um sistema imunológico deprimido, estão expostos a doenças o tempo todo e também lhes aplicam antivirais. Lhes dão antibióticos não tanto para prevenir doenças, mas para torná-los mais gordos mais rapidamente. Estes centros industriais de criação, desde o confinamento até à criação de porcos, galinhas e perus, muito apinhados, criam uma situação patológica de reprodução de vírus e bactérias resistentes. Mas também, estão em contato com seres humanos que os levam para as cidades.

    Mas vem de morcegos ou não?

    – Há quem se pergunte: “se se diz que foi encontrado em um mercado e provém de morcegos, como chega aos animais que estão sendo criados? O que acontece é que os morcegos, os civetas e outros que supostamente deram origem a vários vírus – até uma das teorias é que o vírus da Aids provém da mutação de um vírus presente nos macacos – os expandem devido à destruição dos habitats naturais dessas espécies, que se deslocam para outros lugares. Os animais selvagens podem ter um reservatório de vírus, que, dentro de sua própria espécie, estão controlados, existem mas não estão deixando os animais doentes, mas de repente se mudam para um meio onde se tornam uma máquina de produção de vírus, porque encontram-se com muitas outras cepas e vírus.

    Eles alcançam esses lugares deslocados de seus habitats naturais. Isso tem a ver principalmente com o desmatamento, que paradoxalmente também se deve à expansão da fronteira agrícola. A FAO reconhece que 70% do desmatamento tem a ver com a expansão da fronteira agropecuaria. Até a FAO diz que em países como o Brasil, onde acabamos de ver tudo o que aconteceu com os incêndios, devido ao desmatamento para a pecuaria, a causa do desmatamento é a expansão da indústria agropecuaria em mais de 80%.

    Existem vários fatores que se conjugam. Os animais que saem de seus habitats naturais, sejam morcegos ou outros tipos de animais, inclusive podem ser até muitos tipos de mosquitos que são criados e se tornam resistentes pelo uso de pesticidas. Todo o sistema de agricultura industrial tóxica e química também cria outros vírus que causam doenças. Existem vários vetores de doenças que atingem sistemas de superlotação nas cidades, especialmente em áreas marginais, de pessoas que foram deslocadas e não têm condições adequadas de moradia e higiene. Se cria um círculo vicioso de circulação entre os vírus.

    Qual é sua opinião sobre o modo como se esta enfrentando a pandemia no mundo?

    – Nada do que está acontecendo agora está prevenindo a próxima pandemia. O que está sendo discutido é como enfrentar esta pandemia em particular, até que, tomara, em algum momento, o próprio vírus encontre um teto, porque há resistência adquirida em uma quantidade significativa da população. Portanto, esse vírus em particular pode desaparecer, como o SARS e o MERS desapareceram. Não afetará mais, mas outros aparecerão, ou o mesmo Covid 19 será transformado no Covid 20 ou Covid 21, por outra mutação, porque todas as condições permanecem as mesmas. É um mecanismo perverso. O sistema agroindustrial de alimentos teria que ser discutido, desde a forma de cultivo até a forma de processamento. Todo esse círculo vicioso que não está sendo considerado faz com que outra pandemia esteja sendo preparada.

    É possível identificar os responsáveis ​​por esta pandemia?

    – É o mecanismo típico do sistema capitalista, que cria enormes problemas que vão das mudanças climáticas à contaminação das águas, dos mares, a enorme crise de saúde que existe nos países devido à má alimentação, mas também devido aos tóxicos aos quais estámos expostos, causando uma crise de saúde em humanos. É claro que o sistema capitalista não vai revê-lo, porque para isso teria que afetar os interesses das empresas transnacionais que são as que acumulam, as que concentram tanto na criação industrial de animais, como nas monoculturas, e inclusive nas empresas florestais e o desmatamento feito comercialmente.

    Em cada um dos degraus da cadeia do sistema agroalimentar industrial, encontraremos algumas empresas. Estamos falando de três, quatro, cinco, que dominam a maior parte dessa área, como acontece com os transgênicos que são Bayer, Monsanto, Singenta, Basf e Corteva. O mesmo vale para aquelas que produzem forragem para animais. Por exemplo, Cargill, Bunge, ADM. Todas têm interesse na criação industrial de animais, porque são seu principal cliente. Muitas vezes são co-proprietárias dessas fábricas de vírus.

    Além de questionar as causas, … elas teriam que ser modificadas. E mudá-las questiona os próprios fundamentos do sistema capitalista. É necessário questionar os sistemas de produção, especialmente o sistema agroalimentar, imediatamente. Mas também está relacionado a muitas coisas. Por exemplo: quem é o mais afetado pela pandemia no momento? As pessoas mais vulneráveis: quem não tem casa, quem não tem água. São os mesmos deslocados por esse sistema e que não podem acessar aos sistemas de saúde.

    Como é a resposta dos sistemas de saúde?

    – Nestas décadas de neoliberalismo não se atendeu a necessidade de sistemas de atenção primária à saúde, que é fundamental; mas também não há sistemas de saúde para cuidar agora de todas as pessoas que estão ficando doentes em muitos países. Os países em que houve menos mortes em relação à população são países que já tinham sistemas de saúde relativamente capazes de atender sua população. Aqueles que os desmontaram foram os que ficaram pior diante da pandemia. O sistema é injusto não apenas na produção. É injusto no consumo, porque nem todos podem consumir o mesmo. É injusto nos impactos que causa nas pessoas mais afetadas, que são as mais vulneráveis.

    Em alguns casos, será devido à idade, mas em muitos outros, devido a doenças causadas pelo próprio sistema agroalimentar industrial, como diabetes, obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares, todos os cânceres do sistema digestivo. Tudo isso está relacionado ao mesmo sistema que produz os vírus. No meio disso, vêm os sistemas de “resgate” dos governos, e em todos os países do mundo, por mais que digam que primeiro atenderão aos pobres embora possa haver essa intenção – em outros nem sequer isso tem, como nos Estados Unidos – na realidade, o que estão tentando salvar são as empresas, porque dizem que são os motores da economia. Então se repete o mesmo esquema. Se volta a salvar as empresas que criaram o problema.

    Qual é o papel das indústrias farmacêuticas diante da pandemia?

    Mesmo diante da pandemia, as causas não são discutidas, mas se procuram novos negócios, como por exemplo, com a vacina. Todo o negócio das vacinas está acontecendo agora, para ver quem chega primeiro, quem a patenteia. As farmacêuticas estão procurando o negócio. Também é um negócio para todas as empresas de informática, com as comunicações virtuais. Pouco antes da pandemia, as famosas empresas GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft) já eram as empresas mais valorizadas no nível de valor de mercado de suas ações. E são as empresas que estão obtendo lucros enormes, porque houve uma substituição da comunicação direta, ainda mais, pela comunicação virtual. Os projetos de resgate da economia apoiarão esse tipo de empresa, as farmacêuticas que vão monopolizar as vacinas, as empresas de agricultura industrial que produzem estes vírus. É como uma repetição permanente desse tipo de sistema capitalista injusto, classista, que afeta muito mais a aqueles que já estavam mal.

    Também é preciso dizer que 72% das causas de morte no mundo são devidas a doenças não transmissíveis: diabetes, doenças cardiovasculares, cânceres, hipertensão. São doenças respiratórias, não por contágio infeccioso, mas por contaminação nas cidades, com o transporte. Tudo o que está sendo feito agora em relação ao coronavírus é porque ele dá a ilusão no sistema capitalista, que pode ser atacado. Que se houver uma pandemia é um problema tecnológico, e a resposta é criar situações reguladas em cada país, o que é uma resolução do tipo tecnológica.

    Mas existe outra possibilidade de enfrentar esta crise a não ser com o isolamento social?

    – Quero esclarecer que concordo com que sejam tomadas medidas de distanciamento físico, e não social, mas devem ser acompanhadas por medidas que possam apoiar aqueles que não conseguem fazê-lo por causa de sua vulnerabilidade. O fato de selecionar uma doença específica, como neste caso é uma doença infecciosa, para liberar toda a bateria do que seria um ataque global à situação de pandemia, por um lado, não questiona as causas, mas, por outro, instala uma série de medidas repressivas inclusive, muito autoritarias, de cima para baixo pra dizer ao povo: “Faça isso, faça o outro, porque nos sabemos o que você deve fazer e o que não”.

    Tudo isso está relacionado a não ver o fundo do problema, as causas e, ao mesmo tempo, dizer que os únicos que podem lidar com a situação em que vivemos hoje globalmente são os de cima, desde governos, empresas, que são os que forneceriam a solução e, portanto, devemos aceitar todas as condições que nos impõem. Diante disso, acredito que é fundamental resgatar e fortalecer respostas coletivas e desde a base.

    Por exemplo?

    – Por um lado, precisamos entender que existe um sistema alimentar que acessa o 70% da população mundial. Existem trabalhos muito serios de pesquisa do ETC e GRAIN, mostrando que 70% da população mundial se mantém pela produção em pequena escala de camponeses, pequenos agricultores, também hortas urbanas e outras formas de troca e coleta de alimentos que são pequenas, descentralizadas, locais. É isto que alimenta a maior parte da humanidade. E não é apenas uma comida mais saudável, como também a que chega a maioria das pessoas.

    Estas alternativas deveriam ser apoiadas e fortalecidas. É como um paradigma para pensar soluções desde a base, descentralizadas, coletivas, de solidariedade, para ver como cuidar de nós mesmos, diante de uma ameaça que pode nos infectar, mas também cuidar um do outro, e continuar trabalhando na criação de culturas completamente questionadoras e contrárias ao sistema capitalista, porque é o que está deixando doente toda a humanidade, a natureza, aos ecossistemas e ao planeta.

    Link do texto original em espanhol

    https://www.pagina12.com.ar/256569-no-le-echen-la-culpa-al-murcielago