Jornalistas Livres

Categoria: Carnaval da Resistência

  • Cavalo do Cão: Baiana System e a subversão da ordem

    Cavalo do Cão: Baiana System e a subversão da ordem

    Sexta-feira, 17:30, circuito do Campo Grande, Salvador. Uma multidão de pessoas chegando para a saída da pipoca mais esperada do carnaval soteropolitano/2017: Baiana System e seu trio Navio Pirata. Robertinho tira os primeiros acordes de sua guitarra baiana. Suspiros, risos e corpos cadenciados pela dor eletrizante de Russo Passapusso: “Você já passou mim/ E nem olhou pra mim/ Acha que eu não chamo atenção/ Engana o seu coração … Invisível é o nome da música nova da banda. Invisível também é o carnaval da Bahia para o resto do país. Tanto o poder público municipal como as televisões abertas insistem em vender para o resto do país que o carnaval da Bahia é branco, elitizado em camarotes aclimatados, com músicas eletrônicas, e trios elétricos com axé “baladeiro” com corda e cordeiros esfomeados. Felizmente, a população soteropolitana rejeitou esse modelo de carnaval e hoje ele está em plena decadência.

    O Brasil mudou muito nesses últimos 13 anos e o carnaval baiano não ficou à parte desse fenômeno. O que se vê nos últimos anos aqui na Bahia é um carnaval popular, diverso, múltiplo, cada vez mais sem cordas, mais democrático, mais popular e, por tudo isso, muito mais politizado do que sempre foi. Sim, senhoras e senhores, não nos esqueçamos de Luiz Caldas cantando desde os anos 1990 “Vou lutar/ Obá, obá/ Sou bonito/ Como o Apache e o Ilê”. Não nos esqueçamos também que a Bahia é um estado que comemora seus feriados religiosos e cívicos com festa de largo – quando a população em peso ocupa as ruas da cidade, subvertendo a ordem e o controle sobre seus corpos, protestando e reivindicando suas demandas em uma catarse coletiva desde os tempos coloniais.

    Baiana System, ouso afirmar, é o acúmulo de uma cultura política própria dessa Bahia de todos os santos, tantos encantos e muitas revoltas. É também a síntese estética da diminuição das brutais desigualdades entre tantos Brasis em um mesmo território. Sua identidade visual tem a força das músicas na voz grave de Russo Passapusso, que é capaz de alucinar a multidão desejosa de se tornar visível, subvertendo a melancolia da permanente escassez em que vive em uma energia que é pura potência revolucionária. Revolução, foi o que aconteceu naquela tarde quente de sexta-feira, no Campo Grande, com o histórico grito “Fora Temer” depois que Russo Passapusso cantou:

    “Tire as construções da minha praia/ Não consigo respirar/ As meninas de mini saia/ Não conseguem respirar/ Especulação imobiliária/ E o petróleo em alto mar/ Subiu o prédio / eu ouço vaia/ Eu faço figa pra essa vida tão sofrida/ Terminar bem sucedida”.

    Não foi à toa que a grande imprensa não divulgou o vídeo com essa catarse coletiva. Se tivesse divulgado, a população desse país teria assistido o que veio depois do histórico protesto: milhares de pessoas bravas com o golpe de estado que sofremos e continuando a gritar “fora, golpistas” enquanto Russo Passapusso, ao som da guitarra elétrica baiana de Robertinho, começou a gritar “Cavalo do Cão, Cavalo do Cão!”. A geral foi ao delírio ao som de “Playsom”, gritando, rindo, chorando e pulando como se não houvesse o amanhã de alegria pela lembrança desse momento histórico e de dor dilacerante com tudo o que tem nos tirado diariamente com esse golpe. Como a maior e mais dilacerante dor de quem é picado pelo Cavalo de Cão, um inseto que é capaz de paralisar uma aranha viúva negra para devorá-la em seguida. Por isso, a comunidade científica afirma que sua dor é “ferozmente elétrica”, como a força da Baiana System. Como a nossa dor intensamente exposta a céu aberto naquela histórica manifestação.

    A prefeitura de Salvador reagiu, prometendo retaliações à banda. Querem-nos invisíveis e mudos, senhoras e senhores, justo no carnaval, essa festa altamente subversiva e politizada. Recusamos, acusamos, ocupamos, pulamos e gritamos, sempre, ao mesmo tempo e em todos os lugares desse país golpeado. Uma hora, as nossas turmas irão se encontrar e conseguiremos subverter os efeitos do veneno dessas aranhas. Feito cavalos de cão na cadência de “Playsom, playsom/ Já ouviu é dejavú/ Russo Passapusso/Agradece, merci beaucoup”!

    *Patrícia Valim é Professora de História do Brasil Colonial/UFBA, Paulista que mora em Salvador há 3 anos

  • Após lançamento de política contra imigrantes, Muro de Trump é queimado em abertura de Carnaval no México.

    Após lançamento de política contra imigrantes, Muro de Trump é queimado em abertura de Carnaval no México.

    As celebrações na cidade começam um pouco antes das brasileiras: elas iniciaram na quarta-feira (22/02) com a tradicional “Queima do Mau Humor”, uma sátira interpretada por comediantes locais que zombam de algum personagem contemporâneo.

      

    No final da apresentação, se atea fogo em um boneco do rabugento, buscando exorcizar a amargura para as festas. Este ano, a caricatura escolhida foi o novo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No entanto, ao invés, de queimar um fantoche do herdeiro nova yorkino, se incinerou uma representação da promessa de Trump de construir um muro na fronteira com os dois países.

    Nesta terça-feira, o governo dos EUA criou novas políticas que buscam expandir o número de deportações, assim como aumentar o número de agentes migratórios e patrulhas nas fronteiras em 15 mil. As medidas permitem que praticamente qualquer pessoa sem documentação possa ser presa e deportada do país, mesmo que nunca tenha cometido um crime.

    Uma infração de trânsito ou a suspeita de cometer um crime podem servir como base para deportações e simplesmente ser incapaz de confirmar a residência no país por mais de dois anos, já serve para deportação imediata, sem nenhuma audiência judicial.

    Especula-se que essas novas diretrizes assinadas pelo presidente podem levar a milhões de deportados por ano.  No mês passado, Trump já tinha anunciado a “construção imediata” de um muro na fronteira entre o México e Estados Unidos.

     

    “Vejo nas notícias e sofro muito. Porque sei o que se passa lá e o que se vai passar lá”, me conta Lilian Garcia*, uma velha senhora de 50 anos que também participava do Carnaval.

    Ela e seu marido, Leo Cerda* foram deportados há mais de dez anos, durante o governo Bush, junto com alguns filhos mais velhos ao serem parados por dirigir além do limite de velocidade. Então, foram separados de suas famílias e levados ao México, com nada além da roupa do corpo. O homem conta que viveram duas décadas nos Estados Unidos, conseguindo abrir uma empresa de mecânica e levar uma vida confortável.

    Da noite para o dia, foram deixados a própria sorte em Monterrey, no Norte do México, sem trabalho ou contatos. “Vivíamos dividindo um sanduíche de 30 pesos (R$5,00) ao dia.” diz o senhor. “Mas, Lilian sofreu mais… muito mais.

    Ela ficou sem poder ver seus filhos.” Segundo o casal, a mãe tentou retornar uma vez, buscando rever sua família. No final, foi recebida por policiais, que a encarceraram por seis meses e, ao final de sua pena, deportaram-na novamente. As crianças cresceram e se tornaram cidadãos americanos sem a mãe. Mesmo com anos sem os ver, ela me acompanha cada um nas redes sociais. “Olha como ele está bonito! E trabalha muito também, mas não gosto da sua namorada.” – diz ela, me mostrando a foto do filho no smartphone.

    *Nomes ficctícios
    Fotografia por Caio Santos e Alejandro Melendez

  • Carnaval Sem Catracas – Belo Horizonte

    Carnaval Sem Catracas – Belo Horizonte

    No último domingo (19), o Aglomerado da Serra, maior favela de Minas Gerais, recebeu os Blocos Pula Catraca + Seu vizinho.

    Foto: Leandro Barbosa (História Incomum) / Jornalistas Livres
    Foto: Leandro Barbosa (História Incomum) / Jornalistas Livres

    O carnaval na periferia vem para afirmar que esta faz parte da cidade e carrega em si toda a cultura que representa o Brasil de forma profunda.

    Foto: Leandro Barbosa (História Incomum) / Jornalistas Livres
    Foto: Leandro Barbosa (História Incomum) / Jornalistas Livres

    O carnaval no aglomerado mostra que a festa também pode ser um ato de resistência na luta pela mobilidade urbana.

    Foto: Leandro Barbosa (História Incomum) / Jornalistas Livres

    Como diz a jornalista Eliane Brum: “A tarifa é cara justamente porque a carne humana é barata”. Lutemos!

    Foto: Leandro Barbosa (História Incomum) / Jornalistas Livres
  • FORA TEMER dá o tom no Carnaval de Belo Horizonte

    FORA TEMER dá o tom no Carnaval de Belo Horizonte

    Quanto mais cresce e esquenta, mais politizado vai ficando o Carnaval de rua de Belo Horizonte. Uma pequena amostra foi dada nesse sábado, 18, quando a tradicional Banda Mole abriu a folia, arrastando milhares de pessoas pelo Centro da cidade. Não faltaram faixas, abadás, camisas, carimbos e adesivos estampados com o ‘Fora Temer’.
    Esse material deve-se ao trabalho dos militantes do Alvorada, um criativo grupo de whatsapp que se reúne presencialmente todas as semanas para programar iniciativas de agitação política de esquerda em BH. Como vem acontecendo desde o ano passado, na manhã do sábado o grupo armou a Tenda da Democracia na Praça 7, o centro nervoso da cidade, para vender abadás, camisas e panos de chão ou de prato da linha ‘Fora Temer’, além de distribuir de graça adesivos temáticos bastante procurados pelos passantes.
    “Os abadás estão fazendo o maior sucesso”, contou ao Jornalistas Livres o engenheiro agrônomo Evandro Ferreira. “Fizemos 400 abadás Diretas Já, mas acabou logo. Agora fizemos 400 com os dizeres ‘Me beija que não sou golpista’ e mais 200 camisas ‘Fora Temer’, além das faixas ‘Fora Temer’ e de 60 mil adesivos só para o Carnaval, aproveitando a saída da Banda Mole e do bloco Mama na Vaca, do bairro Santo Antônio. Tudo que a gente faz esgota logo, a saída é muito grande”, contou Evandro sem esconder o entusiasmo.
    Vendida praticamente a preço de custo, uma edição do material paga a outra. As camisas são vendidas por R$ 20, enquanto os abadás custam R$ 15 e os panos de chão valem R$ 5. E dentro do espírito ecológico do ‘nada se perde, tudo se transforma’, o grupo descobriu um macete que transforma os abadás em bolsas tiracolo. Interessados por este material é o que não falta. Neste ano foram criados mais de 40 blocos de rua em Belo Horizonte. Apenas no agitado bairro de Santa Tereza, onde surgiu o Clube da Esquina, nasceram 36 novos grupos carnavalescos. Dá de tud, de o Bloco Volta Belchior ao Sem Prisões, este, “um bloco de carnaval abolicionista, anti-prisional, antiproibicionista, anti-manicomial e antipunitivista”. Haja abadás!
    E em Belo Horizonte não tem esse negócio de comercializar a folia. Tudo é 0800.
    “O importante é manter o moral da tropa”, diz com ar de ironia um dos integrantes do Alvorada que prefere se identificar apenas como “Du das Faixas”. “Fizemos adesivos exclusivos para 15 blocos. Cada um recebe mil. Até quarta-feira teremos mais 100 mil adesivos. A receptividade entre a moçada é muito boa, todo mundo quer os adesivos. O curioso é que o ‘Lula 18’ tem sido o mais procurado. Outra novidade de baixo custo que tem feito muito sucesso são os carimbos ‘Fora Temer’ que distribuímos para os blocos. Todo mundo quer ser carimbado”, conta Du das Faixas, que faz questão de dizer que não pertence a nenhum partido político, apesar de ser um incansável militante.
    Segundo Du, o grupo Alvorada comprou 100 metros de PNT, um tecido sintético, para fazer faixas ‘Fora Temer’ a serem distribuídas para os blocos e para serem afixadas junto aos hotéis, numa tentativa de envolver os turistas no clima. O grupo já decidiu que o mesmo material será usado no Dia da Mulher, 8 de março.
    Bordadeiras
    Quem também participa dos eventos do grupo Alvorada na Tenda da Democracia é o coletivo de mulheres bordadeiras conhecido como “Linhas do Horizonte”. “Somos 84 bordadeiras. Desde o ano passado a gente vinha tocando o projeto ‘Viva Dona Marisa (Letícia)’ para homenageá-la em Belo Horizonte, pela sua fibra e coragem. Ela seria convidada para tomar um café com a gente, mas, infelizmente, houve o problema de saúde dela e sua morte”, contou a bordadeira Leda Leonel.
    “Cada uma de nós fez um bordado numa pequena peça quadrada e agora as 84 peças serão costuradas para serem entregues ao Lula em Belo Horizonte. Se não der pra ele vir aqui a gente vai lá em São Paulo fazer a entrega”, explicou Leda. Pelo visto, será uma homenagem inesquecível. Dá para prever que dificilmente o Lula conseguirá conter as lágrimas.
  • Um Baixo Augusta diferente dos anos anteriores

    Um Baixo Augusta diferente dos anos anteriores

    Desde 2009, o bloco do Baixo Augusta desfila pelas principais ruas de SP. Neste ano, os organizadores assumiram uma postura ativista necessária para debater o tema do direito à cidade. Nas ruas, o assunto escolhido foi “A Cidade é Nossa”.

    A concentração aconteceu na Rua da Consolação, por volta das 16h, mas pelo menos 1h30 antes, vários foliões vindos de todas as regiões de SP, inclusive dos extremos da periferia, e claro, do entorno da Av. Paulista, já se encontravam em frente ao Cine Belas Artes.

    No trio elétrico, lotado de celebridades, um dos organizadores dizia: “queremos um carnaval livre, descentralizado e democrático pela cidade inteira”. O recado foi entendido. Muito diferente do ano passado, onde o bloco reuniu em sua maioria, moradores brancos do centro, jardins e outras áreas nobres da cidade, desta vez, compareceram habitantes de várias regiões de São Paulo.

    Na rua, vimos e conversamos com jovens negros de Diadema, da zona sul, da zona leste e de vários extremos da cidade que ali dominavam a cena do Acadêmicos do Baixo Augusta em um lindo contraste que representa legitimamente o povo pobre paulista que trabalha muito, luta diariamente nos ônibus e metrôs lotados e que quase nunca tem oportunidade de participar desse tipo de Carnaval. Segundo os organizadores, estiveram presentes, cerca de 350 mil pessoas.

    Primeiramente, a cidade é desse povo mesmo!

    Veja imagens.