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Categoria: Artigo

  • LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

    LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

    Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

    O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

    É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

    A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

    São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

    É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

    Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

    Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

    Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

    Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

  • OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

    OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

     

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

     

    O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

    Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

    Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

    Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

    Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

    A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

    Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

    Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

    Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

    Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

     

    Rodrigo Janot

    Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

    Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

    26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

    A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

    Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

    Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

    Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

    Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

    Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

    Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

     

    Rogério Favreto

    Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

    “Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

    Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

    Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

    Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

    Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

    Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

     

    Marco Aurélio Mello

    Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

    1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

    É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

    Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

    Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

    Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

    2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

    Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

    A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

    Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

     

  • Armai-vos uns aos outros

    Armai-vos uns aos outros

    Por José Barbosa Junior
    O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
    Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
    O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
    Parece estranho. E é.
    Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
    A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
    A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
    A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
    A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
    A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
    A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
    Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

    *Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.
  • Ameaça: fazendeiros visam terras indígenas no Maranhão

    Ameaça: fazendeiros visam terras indígenas no Maranhão

    Por Tássia Aguiar – do Maranhão, especial para o Jornalistas Livres

    Frente de Atração Guajá – foto por Adelino Mendes©

    Fazendeiros e posseiros estiveram reunidos, neste domingo (13), em São João do Caru-MA, com o intuito de articular uma frente de mobilização para retornarem à exploração de terras indígenas em São João do Caru, Governador Newton Belo, Zé Doca e Centro Novo do Maranhão. As referidas terras são de propriedade da União e legalmente destinadas aos povos originários Awá-Guajá que, desde 2005, têm esse direito reconhecido em decreto presidencial (Diário Oficial da União de 20 de abril de 2005, seção 1, pág. 7 e 8)

    Mesmo após demarcação, essas terras são alvo constante de tentativas de invasão por parte dos grandes fazendeiros. Além dos riscos de morte em conflitos, a exploração ilegal das terras põe em risco a sobrevivência do povo Awá, que vive, exclusivamente, da caça e da coleta.

    Para proteger os Povos Indígenas, a Funai instituiu, em 2009, a Frente de Proteção Etnoambiental Awá-Guajá visando à execução de ações de vigilância, fiscalização, localização de índios isolados e promoção dos direitos dos Awá-Guajá de recente contato em articulação com outras coordenações do órgão indigenista. Porém, essa importante iniciativa encontra-se ameaçada pela recente mudança de vinculação do órgão, do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura.

    A liderança indígena Sônia Guajajara, que teve acesso à carta-convite de mobilização do grupo de fazendeiros e posseiros, manifestou preocupação em seus perfis nas redes sociais. “Tá na hora de acionar os órgãos responsáveis”, cobrou.

    De acordo com lideranças no município, o grupo de ruralistas liderado pelo advogado Arnaldo Lacerda encaminhará à Presidência da República, documento elaborado na reunião em que demonstram interesse de reocupar o local.

    Frente de Atração Juriti – por Adelino Mendes©

    “O governo do Maranhão tem posição firme em defesa dos povos indígenas e da Constituição Federal. Reconhecemos, portanto, o direito de posse irrevogável dos Awá, que assegura o direito desse povo originário de viver de acordo com seus costumes e tradições”, enfatizou o secretário de Estado dos Direitos Humanos, Francisco Gonçalves da Conceição, também em seus perfis nas redes sociais.

    Providências

    No que cabe ao Governo Estadual, o secretário Francisco Gonçalves informou que medidas preventivas já foram tomadas pela Secretaria dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), que oficiou a Secretaria de Estado da Segurança Pública, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, a Coordenação Regional Funai Maranhão, a Polícia Federal, o IBAMA, o Ministério Público Federal, o Ministério da Justiça, e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, para que tomem conhecimento e devidas providências visando salvaguardar o direito dos Awá ao território e evitar episódios de violência na região.

     

     

    Em 2014, à época do processo de desintrusão, o INCRA disponibilizou dois assentamentos, em Parnarama e Coroatá, para as famílias dos agricultores que ocupavam o local. Ainda na tarde de ontem (14), a Sedihpop oficiou o instituto solicitando informações sobre os assentamentos que devem oferecer condições dignas para as famílias residentes.

     

    Na manhã de hoje (15), a jornalista Míriam Leitão do Bom Dia Brasil (TV Globo) falou da situação preocupante que ameaça os Povos Indígenas do Maranhão:
    “Recebo notícia das aldeias Awá Guajá, no Maranhão, onde estive com o fotógrafo Sebastião Salgado, em 2013. As informações são de que os grileiros estão se organizando em São João do Caru para retomar as terras das quais foram expulsos na desintrusão havida em 2014. Ontem, o cacique Antonio Guajajara, da TI dos Caru, me disse que o perigo realmente é grande. As terra Awá Guajá, um paraíso raro no Maranhão devastado, já foi demarcada e homologada. Vinha sendo sitiada por invasores, que foram retirados. Agora os grileiros se reúnem novamente. Neste domingo foi marcada uma reunião em Maguary e convocados, para ela, produtores de São João do Caru, Governador Newton Bello, Zé Doca e Centro Novo. O objetivo é voltar para a terra indígena. Os índios da aldeia Juriti são os mais ameaçados. Para fazer a reportagem, eu passei uma semana nessa aldeia. A maioria dos índios nem fala português porque a etnia foi contatada nos anos 1990. São poucos e vulneráveis e a terra que preservam é preciosa porque é um dos últimos remanescentes da Floresta Amazônica no Maranhão. Fiz lá, com Salgado, a reportagem “O Paraíso Sitiado”, que ganhou o prêmio Esso. Os grileiros são conhecidos e estão se organizando para invadir de novo as terras. Os índios começaram a pedir socorro a outros indígenas da região. Pode haver uma tragédia.”

  • Lula X Bolsonaro, uma comparação necessária

    Lula X Bolsonaro, uma comparação necessária

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Al Margen

     

    Hoje, no Brasil, o sistema político está polarizado por duas lideranças carismáticas capazes de despertar na sociedade afetos tão opostos como o amor e o ódio. É claro que estou falando de Lula e Bolsonaro, do lulismo e do bolsonarismo. Nesses 30 anos de “Nova República”, com a exceção desses dois, nenhuma outra liderança política brasileira teve um “ismo” para chamar de seu.

    Qualquer esforço de compreensão da história politica brasileira contemporânea passa pela comparação entre Lula e Bolsonaro. É isso que faço aqui. Começo pelas circunstâncias eleitorais que pavimentaram as vitórias eleitorais dos dois personagens.

    A vitória eleitoral de Lula era um projeto da sociedade civil organizada que datava do final da década de 1970. Ao ser eleito em 2002, Lula era velho conhecido de todos os brasileiros. As eleições de 2002 aconteceram na perfeita normalidade democrática. Lula enfrentou José Serra, o ungido de Fernando Henrique Cardoso, que na época terminavam seu segundo mandato. A população brasileira teve todas as condições de comparar os dois projetos em disputa. PSDB X PT. Lula foi a todos os debates.

    Bolsonaro foi eleito em um processo eleitoral confuso e marcado pela interferência direta do poder Judiciário na corrida presidencial. Todos sabemos que Lula foi impedido de concorrer, foi impossibilitado até de participar da campanha por Sérgio Moro, que hoje é ministro de Estado nomeado por Jair Bolsonaro.

    As eleições de 2018 aconteceram sem debates. Protegido por um atentado que até hoje não foi devidamente explicado, Jair Bolsonaro não foi aos debates, não falou sobre seu plano de governo.

    Nos discursos de posse, tanto Lula como Bolsonaro se apresentaram como o resultado de um desejo coletivo de mudança. Os dois falaram da necessidade de reformas estruturais no Estado brasileiro.

    Dezesseis anos separam 2003 de 2019. Muita coisa mudou. Existem também algumas semelhanças. Eram momentos de transição, de virada na página da história. Com Lula, o Brasil mudou do ensaio neoliberal para a social democracia. Com Bolsonaro, o Brasil está transitando da social democracia para algo que ainda não tem nome, mas que é assustador.

    “Hoje, começamos um trabalho árduo para que o Brasil inicie um novo capítulo de sua história”, disse Bolsonaro.

    “Hoje, estamos realizando um sonho que não é só meu, mas um sonho do povo deste país, que queria mudança”, disse Lula.

    Os dois presidentes eram alvo de grande desconfiança no momento da posse. A diferença fundamental está na forma como essa desconfiança foi enfrentada.

    Em Junho de 2002, ainda durante a campanha, Lula publicou a sua “Carta ao Povo Brasileiro”. Naquela altura, a vitória eleitoral de Lula era favas contadas e o candidato entendeu rapidamente que precisava começar a se comportar como um estadista, como presidente de uma das maiores democracias do mundo.

    Lula entendeu rápido que o cargo exigia concessões, e que ele precisava deixar de ser o metalúrgico, líder sindicalista, para se tornar o Presidente da nação. Lula desceu do palanque antes de subir a rampa do Palácio do Planalto.

    No documento, Lula falava em respeito à propriedade, aos contratos estabelecidos. A conciliação teve como preço o desgaste com suas bases históricas. Lula foi chamado de traidor por companheiros de longa data. O tom do discurso de posse seguiu a tendência da “Carta ao Povo Brasileiro”. Lula não mencionou seus adversários políticos, não falou em conflito. Somente um inimigo foi nomeado: a fome. No seu discurso de posse, Lula declarou guerra contra a fome.

    “E quero propor isso a vocês: amanhã, estaremos começando a primeira campanha contra a fome neste país. É o primeiro dia de combate à fome. E tenho fé em Deus que a gente vai garantir que todo brasileiro e brasileira possa, todo santo dia, tomar café, almoçar e jantar, porque isso não está escrito no meu programa. Isso está escrito na Constituição brasileira, está escrito na Bíblia e está escrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E isso nós vamos fazer juntos.”

    O comportamento de Jair Bolsonaro foi completamente diferente. No auge da campanha eleitoral, quando sua vitória era dada como certa por todos os institutos de pesquisa, Bolsonaro falou em videoconferência aos seus eleitores, que estavam reunidos na Avenida Paulista, em São Paulo.

    Bolsonaro não sinalizou para a conciliação. Pelo contrário, sob os aplausos e gritos de seus apoiadores, ele prometeu servir a cabeça dos adversários em uma bandeja de prata.

    O discurso de posse seguiu a mesma tendência.

    “A construção de uma nação mais justa e desenvolvida requer a ruptura com práticas que se mostraram nefastas para todos nós, maculando a classe política e atrasando o progresso. A irresponsabilidade nos conduziu à maior crise ética, moral e econômica de nossa história.”

    Quilombolas, feministas, comunidade LGBT, professores, petistas, imigrantes. Segundo o presidente da República, são esses os responsáveis pelo atraso, são esses os inimigos da nação.

    Bolsonaro não conseguiu apresentar agendas propositivas. Todo o discurso é atravessado pela destruição, pela construção de um inimigo que precisa ser combatido, derrotado, aniquilado.

    É certo que entre Lula e Bolsonaro há semelhanças também. Ambos se tornaram objetos de um tipo de culto cívico que diz muito sobre a cultura política brasileira. Somos um país de tradição republicana frágil, de mentalidade cristã arraigada, o que nos torna sensíveis a toda sorte de messianismos. Entre nós, a representação política mais genuína acontece através da projeção de afetos, de idolatria aos líderes carismáticos. Parte da sociedade brasileira se sente representada por Lula. A outra parte se sente representada por Bolsonaro. Uma lástima não termos tido a possibilidade de ver um embate franco e direto entre os dois.

    Entretanto, seria um equívoco acreditar que o lulismo e o bolsonarismo são iguais. Não são. As energias afetivas que os impulsiona são bastante diferentes.

    O lulismo foi alimentado por anos de militância e pela combinação entre experiência e esperança. Lula representava o nordestino, o pobre, o trabalhador sem curso superior que pela primeira vez comandava a República fundada pelos bacharéis. Lula, com todas as contradições que marcaram seu governo, teve sucesso no combate à fome e à miséria. Lula venceu a sua guerra.

    O sertanejo que idolatra Lula tem a experiência como fundamento do seu afeto. Com Lula, a água chegou na torneira, a energia elétrica na tomada, o pão na mesa.

    O bolsonarismo está sendo alimentado pela sensação do apocalipse político. Até pouco tempo, Bolsonaro era um deputado inexpressivo e desconhecido no cenário nacional. Sua liderança é impulsionada pelo medo, pela desilusão.

    Porque se alimentava de esperança, Lula conseguiu falar como estadista quando ainda era candidato. Porque se alimenta do medo, Bolsonaro não consegue deixar de falar como candidato, mesmo depois de eleito e empossado.

    Em 2003, teve início uma era de prosperidade geral, de conciliação nacional. Nenhum grupo social perdeu com o governo Lula. É certo que uns ganharam mais que outros, como acontece em toda sociedade capitalista. Nunca é demais lembrar que Lula jamais arranhou as estruturas do capitalismo periférico brasileiro. Do socialismo, o presidente Lula não chegou nem perto.

    O ano 2019 começa sob os efeitos de uma grave crise política e econômica que está longe de terminar. Bolsonaro não pode abandonar o virulência característica do palanque eleitoral, não pode tentar se reconciliar com aqueles que não votaram nele. Isso seria o seu fim, seu desaparecimento político. Bolsonaro não existe sem seus inimigos, sejam eles reais ou inventados.

    Bolsonaro será sempre o presidente do conflito, do ódio.

    A necessária comparação entre Lula e Bolsonaro se dá muito mais pelas diferenças do que pelas semelhanças.

     

  • Estaria Bolsonaro a ponto de cair?

    Estaria Bolsonaro a ponto de cair?

    Desde de outubro tenho dito que Jair Bolsonaro é apenas um meme. Uma imagem midiática sem conteúdo real, sem profundidade. A mentira de uma solução simples e mágica para problemas duros e complexos. E, como outros presidentes “imagéticos” o encanto se quebrará rápido. Na metáfora bíblica, seria o ídolo de pés de barro sonhado pelo rei Nabucodonosor e interpretado pelo profeta Daniel. Diferente dos tempos da prisão e tortura do hebreu na Babilônia, hoje as imagens não são apenas sonhadas ou desenhadas. Elas podem também ser facilmente criadas e impressas em papel. O imaginário e a realidade factual estão umbilicalmente trançados, como as pernas de alguns presidentes. E, às vezes, os produtores de imagens intuem o futuro próximo, assim como Daniel previu a queda da Babilônia e de outros reinos.

    A clássica fotografia de Erno Schneider de Jânio Quadros em abril de 1961

    A primeira questão, pra mim, é saber se o capitão que fez a campanha por meio de fake news e conquistou os crentes de um deus/homem preso político torturado até a morte pregando exatamente a prisão, tortura e morte de seus inimigos políticos, durará tão pouco quanto Jânio Quadros (sete meses) com seus sanduíches de mortadela e caspa colocada nos ombros por assessores para parecer humilde, ou tanto quanto Fernando Collor de Mello (dois anos) o “caçador de marajás” representando “o novo”, mesmo vindo de uma tradicional família de políticos e usineiros de Alagoas que sempre usou os cargos públicos como quis.

    A segunda questão é o que virá depois da queda. A renúncia (na verdade uma tentativa de auto-golpe) de Jânio em 1961 levou à crise institucional que desaguaria com o golpe civil-militar de 1964. No caso de Collor, o mineiro Itamar Franco segurou as pontas para o entreguismo neoliberal da era FHC. Se Bolsonaro cair por conta própria ou sofrer impeachment, sua sucessão está teoricamente garantida para o exército, com a ascenção do vice-presidente General Hamilton Mourão. Talvez o plano seja esse mesmo. Afinal, na hierarquia militar general não obedece capitão, muito menos um que foi praticamente expulso da corporação por mentira, ganância, deslealdade e dificuldade de raciocínio lógico como atesta sua condenação em primeira instância em julgamento militar em 1988.

    Mas isso é apenas uma opinião. O fato é que a imagem do presidente trançando as pernas pouco antes de cair (politicamente) já está nas bancas, ainda que, por enquanto, seja apenas uma montagem marota sem citar os créditos. Muito melhor é a foto de Collor, feita pelo Jornalista Livre Lula Marques pouco antes do Impeachment em agosto de 1992 e assumidamente inspirada na obra-prima em grãos de prata do grande Erno Schneider em 21 de abril de 1961.