Jornalistas Livres

Autor: Laura Capriglione

  • MTST ocupa latifúndio de 1,3 milhão de metros quadrados em São Paulo

    MTST ocupa latifúndio de 1,3 milhão de metros quadrados em São Paulo

    Neste sábado, 1.200 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto ocuparam uma área em estado de abandono que até Deus duvida que possa existir na cidade de São Paulo. Trata-se de um terreno com cerca de 1 milhão e trezentos mil metros quadrados. É tão grande que, estando de um lado, não se vê o outro lado.

    O coordenador do MTST, Guilherme Boulos, conversa com militantes dentro da ocupação

    Vazio e sem função, o latifúndio –pasme! — poderia abrigar mais de 250 campos de futebol de campo com metragem oficial, mas se encontra desesperadoramente baldio há anos e anos.

    Enquanto isso, bem ali, na região sul de São Paulo, entre o Capão Redondo e Itapecerica da Serra, milhares de famílias sofrem em moradias precárias e foram ou estão sendo despejadas por não conseguirem pagar aluguel.

    Jornalistas Livres acompanharam a entrada dos sem-teto no terreno em que já se pretendeu construir um campo de golfe, um aeroporto, um porto seco. Mas os proprietários nada fizeram à espera de oferta milionária, fruto da especulação imobiliária.

    Segundo avaliações preliminares, o terreno valeria até R$ 40 milhões.

    O mesmo terreno já foi ocupado em 2007 pelo MTST. Vitoriosos, os militantes conquistaram a moradia popular em outra área, no município de Taboão da Serra, perto dali, onde foi construído do Condomínio João Cândido, um conjunto com seis torres de apartamentos, lar atual de mil pessoas.

    “O período que passamos acampados aqui foi a única vez em que este terreno teve alguma função social”, disse Gabriel Simeone, 29 anos, coordenador do MTST. “Como nada fizeram aqui depois de nossa saída, voltamos e pretendemos ficar até a conquista de moradia para todas as famílias que aqui estão.”

    Emoção forte percorreu o acampamento quando lá chegou Railda de Jesus, 77 anos, negra, uma espécie de heroína no lugar. Vó Railda, como a chamam, esteve acampada no mesmo terreno, há nove anos. Fez greve de fome, acorrentou-se ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual, teve uma cobra de estimação, que adotou o seu barraco como casa, durante o período da ocupação. Hoje, ela tem o seu próprio apartamento no Condomínio João Cândido. “Esse tempo do acampamento foi o período mais feliz da minha vida. Estou aqui para desejar boa luta para quem está chegando agora”, disse, enquanto era cumprimentada por todos.

    Pedreiros, porteiros, pintores, mecânicos, borracheiros, empregadas, babás, cozinheiras… Estas são algumas das profissões que se encontram entre os ocupantes. Gente como Felipe, 29 anos, casado, metalúrgico que trabalha no Embu, salário de R$ 1.500, que chegou há pouco ao MTST. Felipe ainda estuda (“pra melhorar de vida”) e tem um filho de cinco anos. Paga R$ 750 de aluguel. Sobra pouco para a alimentação, vestuário, material didático, transporte. Lazer, nem pensar. “Temos de lutar. Nada vem sem luta”, ele diz, enquanto levanta o barraco em que deverá viver a partir deste sábado.

    Trata-se de barracos de lona preta, sustentados por cinco bambus –é o kit ocupação, distribuído pelo MTST a todos os sem-teto. Guilherme Boulos, um dos coordenadores do MTST explica, durante um rápido discurso, na primeira assembleia da ocupação, as regras do jogo:

    1. “Ninguém poderá cercar os lotes com cordinhas e nem construir outra coisa que não barracos de lona com bambu ou outra madeirinha melhor. Queremos encher esse terreno de barracos. Nosso objetivo é conquistar a moradia digna. Não é fazer mais uma favela em São Paulo, com todo o respeito pelo pessoal que está fazendo sua luta nas favelas”, disse.
    2. “Aqui não se vai vender um lote; aqui não se cobra dinheiro. Estamos aqui para conquistar um direito básico, que é o da moradia. Ninguém terá de pagar nada para permanecer na ocupação.”
    3. “Todos precisam entender a importância de consolidar o acampamento, permanecendo o máximo de tempo possível nele e convidando outras pessoas (vizinhos e parentes) a aderir.”

    A bandeira do MTST é içada na frente da ocupação, quando um carro da Polícia Militar passa bem diante da entrada do terreno. Tudo bem.

    Guilherme encerra seu discurso de olho no momento político do país:

    “Todo mundo aqui está acompanhando a crise política. A nossa melhor resposta para aqueles que estão ameaçando, para aqueles que querem calar a nossa luta, que querem acabar com os programas sociais no Brasil… a nossa melhor resposta para essa elite sem vergonha desse país é fazer novas ocupações de terra como a de hoje, que mostram que não vamos dar nenhum passo atrás. Enquanto eles ameaçam e tentam nos intimidar, vamos responder colocando lona preta em cada terreno vazio.”

    A nova ocupação ainda não tem nome. Mas vários membros do MTST defendem que ela se chame Presidente Hugo Chávez. Tem a ver.

  • Folha faz jornalismo-lixo contra os movimentos de moradia

    Folha faz jornalismo-lixo contra os movimentos de moradia

    “Reportagem” da Folha publicada no último domingo, 11 de outubro, tenta lançar um tsunami de suspeitas sobre os movimentos de moradia que atuam na cidade de São Paulo. Sem se identificar, um repórter teria percorrido “15 ocupações de movimentos de sem-teto, de siglas distintas, no centro e na periferia” e flagrado a cobrança de taxas dos postulantes à moradia, e o recurso a ameaças e à intimidação contra os maus pagadores.

    O texto da Folha, ocupando três páginas do jornal (uma imensidão nesses tempos de vacas magras da mídia impressa e de leitores escassos), menciona taxas de R$ 150 a R$ 200 mensais, cobradas de moradores que vivem em ocupações situadas em prédios no centro de São Paulo.

    Isso é muito ou é pouco? A reportagem maliciosa não diz. Se fizesse bom jornalismo, a Folha investigaria a contabilidade dos condomínios. Ou alguém acha os prédios ocupados estavam “prontos pra morar”, como aqueles dos folders e dos anúncios imobiliários que forram as páginas do jornal?

    Sem água, sem luz (muitos com toda a fiação roubada), os encanamentos entupidos ou simplesmente arrancados, sem elevadores, sem extintores ou mangueiras de incêndio, repletos de lixo (só do antigo hotel Cambridge foram retirados 15 mil quilos de entulho!), os prédios dos sem-teto eram sucatas podres antes de serem –aos poucos — revitalizados pelo movimento social.

    E quem paga por isso? O poder público é que não é. A iniciativa privada é que não é. Então, sobra para os ocupantes, na forma das taxas condominiais. Aliás, a reportagem da Folha, se não estivesse atrás de escândalos inexistentes, poderia investigar como as novas tecnologias sociais estão ajudando a baratear os custos de manutenção dos edifícios ocupados.

    Tensão na saída para ocupar prédio no centro de SP. Foto: Maurício Lima, Jornalistas Livres
    Tensão na saída para ocupar prédio no centro de SP. Foto: Maurício Lima, Jornalistas Livres

    Exemplos? No Hotel Cambridge, os moradores fizeram parceria com a Escola da Cidade e estão desenvolvendo uma horta comunitária para ocupar toda a cobertura com verduras e legumes sem agrotóxicos. Foi da mesma parceria que se originou o lindo e inovador mobiliário que decora as áreas comuns do prédio — creche, biblioteca e oficinas de costura e maquiagem feitas com material de reciclagem. E será dessa parceria também que os moradores pretendem ressuscitar um antigo poço artesiano abandonado no subsolo do prédio, a fim de utilizar a água para lavagem do chão e descarga das privadas.

    Mas não.

    Em vez da inteligência, a reportagem da Folha preferiu, a título de escândalo, ouvir banalidades dos “especialistas” de plantão (todo jornal ou revista tem um plantel de “especialistas” disposto a falar o que o veículo quiser, apenas em troca da duvidosa glória de ser citado em letra de fôrma”). Foi assim que se ouviu o “gênio” chamado Edson Miagusko, proferindo as seguintes bobagens…

    “…qualquer tipo de cobrança que é obrigatória deixa de ser uma contribuição.”

    “Esse modelo se aproxima das formas antigas do leão de chácara dos cortiços, que dividia espaços e cobrava aluguel por coerção.”

    E então, como se fosse a comprovação da tese, o texto mau-caráter da Folha emenda: “No hall de uma das ocupações do MLSM em São Paulo, um cartaz escrito à mão avisava: “Senhores moradores, precisamos acertar a contribuição até 25/07/2015. Caso contrário, iremos pedir para deixar o espaço.”

    A seguir tal lógica, o jornal deveria imediatamente, com vigor e coragem, encetar campanha renhida contra a cobrança de taxas de condomínio dos prédios da classe média…! Meu Deus, como é que nunca percebemos que os aparentemente inofensivos boletos de condomínio se “aproximam das formas antigas do leão de chácara dos cortiços”?

    O ápice da covardia e do jornalismo de esgoto foi o texto intitulado “Reunião para prestar contas ocorre em tom de intimidação”. Diz ali que o repórter flagrou uma conversa entre um sujeito, chamado de “Irmão” e uma liderança dos sem-teto da Ocupação Douglas Rodrigues, na Vila Maria. O texto fala em “tom de intimidação” quando o tal “Irmão” faz uma cobrança exigindo… transparência na prestação de contas do movimento. Que coisa horrível exigir transparência!!!

    É mau jornalismo na veia. Jornalismo de adjetivação e de insinuação… Qualquer foca (jornalista iniciante), mesmo os da Folha, sabe que não vale escrever que o cara estava triste. É preciso dizer como se manifestava a tristeza. Ele chorava, soluçava, tremia, tinha a voz embargada são descrições muito melhores do que dizer que o cara estava triste.

    Pois bem. Está dito que o tal “Irmão” intimidava. Como ele intimidava? Gritando? Não diz. Ameaçando? Não diz. O tal “Irmão” estava armado? Não diz. Ah, mas ele estava de jaqueta marrom e óculos escuros. Deve ser isso. Ou o fato de ele ser chamado de “Irmão”, o que levanta a suspeita de que ele seja um membro do PCC, já que os membros do PCC tratam-se dessa forma. Mas também poderia ser um membro de igreja protestante. Então é isso o que se tem: uma jaqueta, um par de óculos escuros e uma insinuação malévola que não tem coragem nem de dizer seu nome.

    Quer escrever que há cobrança de até R$ 1.300, como supostamente denunciado por uma moradora (e negado pela direção da Frente de Luta pela Moradia)? Prove. Simples assim. Vá à luta e prove.

    É claro que os movimentos de moradia incluem alguns oportunistas e exploradores (categoria de que, aliás, o meio jornalístico está cheio). Isso poderia ser uma boa pauta. Mas a preguiça levou a reportagem a transformar a pauta em texto final e a suspeita em tese. O nome disso? Sei lá. Jornalismo falido, talvez.

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    “Quem não luta tá morto!” Este é o lema do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro)

    PS: incrivelmente, a Folha esqueceu de mencionar a existência de 290 mil imóveis não-habitados na cidade de São Paulo, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Habitação, a partir de dados do Censo de 2010. São imóveis deixados vazios para a especulação. O movimento exige que eles tenham função social. Mas isso não tem importância para a Folha e seu recheado caderno de imóveis, não é?