Jornalistas Livres

Autor: Larissa Gould

  • Morar no Refúgio

    Morar no Refúgio

    Refugiados e Movimento de Moradia organizam Fórum para debater as dificuldades que enfrentam no país e procurar soluções conjuntas

    No último sábado, 30 de maio, o Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo — GRISTS e o Movimento Sem-Teto do Centro — MSTC organizaram o 1º Fórum Morar no Refúgio. O espaço de debate reuniu imigrantes, refugiados, movimento de moradia, organizações e entidades especializadas, para levantar as dificuldades que os refugiados enfrentam e procurar soluções conjuntas.

    Esse foi o primeiro Fórum chamado pelos próprios refugiados. O grupo se formou em 2014, durante a gravação de um longa-metragem da cineasta Eliane Caffé, nas instalações da ocupação Hotel Cambridge: “Percebemos o grande número de refugiados na ocupação, e a proximidade entre o brasileiro de baixa renda e o refugiado, ligados principalmente pelo problema da falta de moradia”, relata Eliane. Aquele grupo continuou a se encontrar e se fortaleceu, formando um coletivo de Imigrantes e Refugiados de diversas etnias.

    Desses encontros e desse coletivo, surgiu a ideia de organizar o Fórum que teve como principal pauta o problema da obtenção de documentação, que impede que o refugiado fique em situação legal no país, e acarreta em outras dificuldades como a de alugar uma moradia, trabalhar e estudar, por exemplo.

    O evento durou o dia todo, pela manhã, refugiados, movimento de moradia e entidades tiveram espaço para expor e problematizar o tema proposto. Pela tarde, os participantes foram divididos em grupos de trabalho para debater e procurar as possíveis soluções.

    Pitchou Luhata Luambo

    Pitchou Luhata Luambo, coordenador GRISTS, iniciou as falas da mesa “não estamos aqui para apontar os culpados, mas para achar soluções juntos. As casas que acolhem os refugiados ficaram pequenas, os três meses de acolhida não são o suficiente. A demora na emissão dos documentos faz com que, passado esse período, o refugiado não consiga alugar uma casa. Ficamos dependentes do movimento de moradia. Alguns não são bons e exploram o imigrante e o refugiado. Quando procuramos as autoridades, não temos respostas.”. Pitchou é advogado, no Brasil, trabalhava como operador de empilhadeira, sua documentação foi emitida com rapidez, em 10 meses, mas, passado um ano, quando foi renová-la, a demora e a burocracia do processo fez com que ele perdesse o emprego. Isso por que ficou sem carteira de motorista, indispensável para exercer o ofício.

    Leonor Solano

    Faltam pessoas e informação. Os refugiados reclamam que, além da demora, eles não sabem a quem recorrer e como proceder, a informação é escassa e de difícil acesso. Também relatam que a dificuldade nos últimos tempos aumentou, devido ao número de refugiados e imigrantes que chegam ao país. Leonor Solano é professora, trabalha em uma escola privada e se considera brasileira, mas reclama que não consegue fazer uso de benefícios como pró-uni e financiamentos na Caixa Econômica Federal. Aliás, o difícil acesso às universidade, para aqueles que querem retomar os estudos, e a dificuldade para a validação do diploma daqueles que já são formados, também foram levantados pelos imigrantes e refugiados.

    Carmem Silva, liderança do MSTC e da FLM — Frente de Luta por Moradia, também participou da mesa. Dispensando o microfone “minha voz ecoa forte pelos meus direitos e pelos direitos dos meus irmãos”, Carmem lembrou que ela também já foi uma estrangeira no próprio país. Ela chegou em São Paulo no início da década de 90, vinda do nordeste em busca de melhores condições de vida. A cidade não foi receptiva e ela acabou em situação de rua, até que entrou para a FLM, “lá recuperei a minha dignidade”. Carmem pontua que, embora falasse a mesma língua, as barreiras principais que enfrentou, e que os imigrantes e refugiados enfrentam, são as culturais. “O movimento de moradia acolhe a todos, sem excluir ninguém. Tentamos ressocializar o indivíduo.”.

    Carmem Silva

    A líder relata que o movimento de moradia não só não recebe auxílio para ajudar esses imigrantes e refugiados, como acaba sendo ainda mais criminalizado pelos órgãos públicos: “Alegam nas reuniões de reintegração de posse que nossas ocupações estão cheias de estrangeiros. Não levam em conta que eles abrem as portas aos refugiados, sem lhes garantir estrutura nenhuma”.

    A experiência do movimento com os imigrantes e refugiados começou tímida. No início eram poucos e principalmente latino-americanos. Nos últimos 3 anos o número cresceu, e as etnias e nacionalidades também. Haitianos, congoleses, nigerianos… chegam aos milhares em busca de acolhimento e oportunidades. No Fórum, havia representantes do Senegal, Mali, Burkina Faso, Gana, Argélia, Benim, Camarões e República Democrática do Congo.

    De acordo com o CONARE, Comitê Nacional para os Refugiados, o Brasil possui atualmente 7.289 refugiados reconhecidos (outubro de 2014), de 81 nacionalidades distintas (25% deles são mulheres) — incluindo refugiados reassentados.

    Alaôr Caffé Alves

    O Professor Alaôr Caffé Alves, presente na mesa, defendeu que a emissão da documentação vai além das questões meramente legais: “está vinculado com a identidade e a reafirmação da identidade pessoal do imigrante/refugiado”. Para ele, outro atributo importante para a reafirmação do individuo e sua ressocialização é o trabalho. O professor também defende a importância da mobilização social: “é fundamental a organização. Pedir solidariedade é pouco. Só com a força social é possível pressionar o legislativo, para que ele adeque a legislação aos refugiados, imigrantes e sem-teto”.

    Andrés Ramirez, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ACNUR, também esteve presente. Ele pontuou que a cidade de São Paulo é a que mais recebe refugiados na América Latina, para ele, é preciso trabalhar também com a formação da população local “É preciso fazer um trabalho de conscientização, pois se a opinião pública ficar contra os imigrantes e refugiados, não existirão políticas públicas que sejam suficientes”.

     
    Larissa Leite, representante da Cáritas Brasileira, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), apresentou o aumento expressivo do número de imigrantes e refugiados no país, a as dificuldades que as organizações vêm enfrentando para dar atendimento aos refugiados, como a falta de advogados. “mas tivemos algumas melhorias, como, por exemplo, a emissão imediata do Protocolo (documento provisório que os refugiados recebem ao chegar ao país)”.

    Também foram convidados para o evento membros do CONARE e da Polícia Federal, mas os responsáveis não puderam comparecer.

    No período da tarde, os participantes do Fórum se dividiram em três grupos que debateram: legislação, comunicação e infraestrutura. As propostas foram apresentadas ao final do encontro e um documento elaborado em conjunto. O Manifesto Morar no Refúgio propõe, entre outras coisas, a criação de um Observatório Municipal de Políticas para Solicitantes de Refúgio. Outros encaminhamentos como um festival de Música dos Refugiados e um grupo de estudos sobre legislação também foram aprovados. O documento será entregue aos órgãos competentes e uma comissão acompanhará seus desdobramentos e cobrará as instâncias responsáveis.

    Leia o manifesto:

    Manifesto Morar no Refúgio

    O Brasil vive hoje um grande desafio para a consolidação da sua democracia e Estado de Direito: o aumento do fluxo migratório ao país escancarou as lacunas existentes na estrutura estatal e legislativa para a garantia dos direitos da população solicitante de refúgio, refugiada emigrante em condição de igualdade com os nacionais. Os processos de regularização e de acesso à documentação são essenciais para que a garantia de tais direitos sejam efetivadas, e que os direitos a solicitar refúgio e migrar estejam de fato garantidos. É necessária a redução do tempo de tramitação da regularização, exigidos no processo decisório, a fim de reduzir a discricionariedade das autoridades estatais. Quanto maior o tempo para a obtenção de documentos, maior será a necessidade de acolhimento por parte do Estado. A documentação rápida permite ao solicitante de refúgio, refugiado e migrante o exercício de sua autonomia enquanto sujeito de direito. É sobre essa base que trazemos nossas demandas ao conhecimento das autoridades competentes.

    Desafios institucionais e legislativos

    Problema: As competências migratórias estão dispersas em diversos atores governamentais e administrativos que não dialogam entre si. Existe um viés de segurança trazido pela centralidade da atuação da Polícia Federal nos processos de refúgio e migração, o que prejudica o olhar dos direitos. Ainda, é necessário mais iniciativas em políticas públicas específicas para solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes nos âmbitos municipais e estaduais.

    Proposta: Nova institucionalidade civil para lidar com os fenômenos das migrações no país, que respeite e explore os benefícios e responsabilidades do pacto federativo e afaste a Polícia Federal enquanto autoridade migratória.

    Problema: A legislação migratória brasileira, da época da ditadura militar, restringe e burocratiza as possibilidades de regularização migratória, o que traz impacto direto no mecanismo de solicitação de refugio, que hoje é a via mais acessível e atrativa de regularização. Ainda, a legislação migratória é inconstitucional, ao diferenciar o acesso a direitos de acordo com a situação migratória. O Estatuto do Estrangeiro restringe o direito de associação e a liberdade de expressão da população migrante.

    Propostas:

    1. Criação de uma nova legislação migratória que incorpore a regularização e o acesso à documentação como um dever do Estado para a garantia de direitos, conferindo critérios claros e transparentes e flexibilidade aos procedimentos, reconhecendo a universalidade dos direitos humanos independente da situação migratória e de regularização;

    2. Com relação ao PLS 288/2013, é necessário uma audiência pública para dialogar com o legislativo.

    Problema: Dependência do protocolo de solicitação de refúgio por parte do solicitante para ter acesso a serviços devido à morosidade do processo decisório, que não possui critérios claros de processamento. Destes desafios, destacam‐se: dificuldades de renovação do protocolo, ausência de acesso à reunião familiar, restrição de acesso aos serviços públicos e moradia adequada. Tais problemas estão relacionados, ainda, com o desconhecimento geral de que o protocolo possui valor jurídico.

    Propostas:

    1. Campanha de sensibilização, nos âmbitos federal, Estadual e municipal, dos agentes públicos, privados e empregadores, com relação aos direitos dos solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes e com relação à validade jurídica do protocolo de solicitação de refúgio;

    2. Maior agilidade do procedimento de solicitação de refúgio e respeito aos prazos, a fim de sanar as limitações trazidas pela condição de solicitante entre elas a reunião familiar;

    3. Atenção às necessidades dos solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes que estão a mais tempo no país.

    Desafios de serviço social

    Problema: O setor público não possui profissionais capacitados (principalmente no tocante à língua) nem instrumentos para atendimento, compreensão das demandas dos solicitantes de refúgio, refugiados e imigrantes ou mecanismos que promovam uma integração efetiva.

    Propostas:

    1. Atendimento efetivo a solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes em diversos idiomas (incluindo, mas não apenas, Inglês, Espanhol, Francês, Árabe e Suaíli);

    2. Capacitação (principalmente quanto a idiomas) dos agentes responsáveis pelo atendimento à população solicitante de refúgio, refugiada e migrante;

    3. Recepção dos solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes por um interlocutor do poder público com proximidade linguística e cultural;

    4. Recrutamento de solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes para atuar no Posto Humanizado da Secretaria de Assistência Social de Guarulhos (localizado no aeroporto internacional de Guarulhos);

    5. Utilização de meios tecnológicos para tradução simultânea;

    6. Ampliação de vagas em cursos de português para solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes;

    7. Facilitação da validação de diplomas para solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes. É necessário que o Ministério da Educação (MEC) disponha de uma orientação única a todas as instituições de ensino, visando melhor eficácia de procedimentos. Também é necessária uma articulação entre os conselhos federais profissionais para que haja uma normativa específica quanto a estes procedimentos;

    8. Ampliação do acesso a cursos de formação profissional, com criação de vagas especiais para solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes. É necessária a criação de uma normativa clara do MEC para que o protocolo de solicitação de refúgio seja aceito nas instituições de ensino.

    9. Estabelecimento de políticas de estímulo à contratação de solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes, pelas instâncias relacionadas ao trabalho nos âmbitos federal, estadual e municipal.

    Problema: O solicitante de refúgio, refugiado e migrante é muito pouco instruído quanto aos equipamentos existentes para seu acolhimento. A superlotação dos abrigos destinados à população solicitante de refúgio, refugiada e migrante e o escasso tempo de acolhimento, faz com que, muitas vezes, sejam direcionados para abrigos destinados à população em situação de rua.

    Propostas:

    1. Para efetivação da legislação existente, ficariam responsáveis por fazer a gestão de moradia provisória, com paridade entre brasileiros, solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes, os movimentos organizados de moradia já habilitados no Ministério das Cidades (nível federal), CDHU ‐ Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (nível estadual) e COHAB ‐ Companhia Metropolitana de Habitação (nível municipal);

    2. Aumento de vagas em abrigos que atendem a população solicitante de refúgio, refugiada e migrante.

    Problema: Desconhecimento de mecanismos de denúncia acerca de tratamento degradante ao solicitante de refúgio refugiado e migrante.

    Proposta: Criação de um Observatório Municipal de Políticas para Solicitantes de Refúgio, Refugiados e Migrantes, com ampla composição e destaque para a participação da sociedade civil. Além de denúncia, o Observatório prestaria apoio ao agente de atendimento presencial e também daria orientações a respeito de processos e procedimentos relativos ao tema, e de trajetos e oportunidades. O Observatório integraria as instituições existentes que lidam com o tema e se vincularia ao Balcão de Atendimento da Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo e demais ouvidorias especializadas ‐ a partir da definição de pontos focais sensibilizados para lidar com a temática.

    Desafios de comunicação

    Problema: Comunicação entre os representantes dos solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes para que possam difundir informações pertinentes;

    Propostas:

    1. Criação de meios integrados para comunicar instituições públicas e privadas (bancos, cartórios, hospitais, imobiliárias, dentre outros) sobre direitos e documentação de solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes;

    2. Criação de meios integrados para comunicar instituições que atuam com o tema, a fim de que se unam em esforço comum para resolução problemas, otimização das ações e efetivação de direitos;

    3. Otimização das plataformas online existentes como canal de comunicação em rede para ações específicas relacionadas à temática, em diversos idiomas (incluindo, mas não apenas, Inglês, Espanhol, Francês, Árabe e Suaíli); Com intuito em continuar o diálogo, tendo por objetivo a implementação e efetivação das propostas apresentadas, manifestamos aqui nossas demandas.


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  • Professores de SP continuam greve e entram na sexta semana de paralisação

    Professores de SP continuam greve e entram na sexta semana de paralisação

     

    Foto: Davi Andres

    Cerca de 60% da categoria aderiu à mobilização durante ato que reuniu 50 mil pessoas

    Nessa sexta-feira (30) a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) realizou sua sexta Assembleia Geral. Em greve desde o dia 13 de maio (48 dias), os professores decidiram pela continuidade da paralisação.

    Foto: Ian Maenfeld / Jornalistas Livres

    A assembleia aconteceu às 15h no vão do MASP e reuniu 50 mil docentes, de acordo com o sindicato, que seguiram em caminhada até a Secretaria de Educação do Estado, na Praça da República. O ato foi encerrado com uma chuva de sal simbólica ao prédio. Devido à indisposição para a negociação do governo do Estado, que não apresentou nenhuma contraproposta às reivindicações da categoria, o sindicato entrou com pedido de dissídio coletivo no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

    O TJ agendou uma audiência de conciliação para 7 de maio, quinta-feira, às 15h, na qual a Secretaria de Estado da Educação deverá apresentar suas posições em juízo. Em nota, Maria Izabel Azevedo Noronha — Bebel, presidenta do sindicato, defendeu que “reafirmará as reivindicações da categoria”.

    Foto: Ian Maenfeld / Jornalistas Livres

    Reivindicações

    Os professores destacam que a greve não é somente por questões salariais, mas, principalmente, por melhores condições de trabalho e melhorias no sistema da educação pública estadual. Entre as principais reivindicações dos professores estão: aumento de 75,33% para equiparação salarial com as demais categorias com formação de nível superior; implantação da jornada do piso; nova forma de contratação dos professores temporários, com garantia de direitos; fim do fechamento de classes e reabertura das salas fechadas; desmembramento das salas superlotadas; aumento dos vales transporte e refeição; garantia de água nas escolas e transformação do bônus em reajuste salarial.

    Foto: Marcia Zoet / Jornalistas Livres

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  • José Bonifácio, 380 I O primeiro dia de uma ocupação

    José Bonifácio, 380 I O primeiro dia de uma ocupação

    Por Larissa Gould e Sergio Silva (fotos) para Jornalistas Livres

    O primeiro dia de uma ocupação vista por dentro

    A saída para a ocupação foi tranquila. A equipe de reportagem partiu, por volta das 22h30, acompanhando Roberto, liderança da FLM incumbida de coordenar a ação no prédio da José Bonifácio, 380, na região central de São Paulo.

    Fomos em um grupo de cerca de 30 pessoas, entre moradores, jornalistas e a chamada linha de frente — grupo encarregado de viabilizar a entrada no prédio — seguimos caminhando até a concentração, na José Bonifácio 137. As ações estavam programadas para acontecer ao mesmo tempo, à meia noite.

    No interior da concentração — uma ocupação que resiste há mais de dois anos e que ainda não foi regularizada — homens, mulheres, jovens, idosos e crianças, aguardavam as coordenadas para ocupar o prédio na mesma rua.

    O grupo é divididos entre base, os futuros moradores da nova ocupação, e apoio, moradores de outras ocupações já estabelecidas que ajudam na ação. Rosa, moradora do Hotel Cambridge, faz parte da equipe de apoio. Ela tem 25 anos e sofre de artrite reumática, entrou para o movimento em 2009, na época estava com a saúde muito debilitada e passava por dificuldades financeiras. “Depois que a gente conhece a luta não tem como sair”.

    O alvo daquela noite foi um prédio da década de 70’, propriedade da Moinho Curitibano S/A , composto por 8 pavimentos e subsolo, divididos em 3 lojas e 7 salões. Penhorado pela Companhia Internacional de Seguros em 2008, por R$732.868,90, o edifício estava em estado de abandono. “Nós damos função social aos prédios” declarou Carmem diversas vezes durante a ação.

    A presença de viaturas policiais no caminho atrasou a saída. Após ronda pelo local, cerca de 200 pessoas saíram por volta da meia noite e vinte e se encontraram com outras equipes, que aguardavam nas demais concentrações. Todos caminharam até o alvo. Quatro Policiais Militares se encontravam na esquina da José Bonifácio com a Rua do Ouvidor, na exata localização de um dos dois prédios que seriam ocupados naquela rua, como descobrimos posteriormente.

    Tão logo a multidão passou, os policiais pediram reforços. Rapidamente chegaram três viaturas até o local. Nesse primeiro momento, somente observaram.

    Observaram a equipe de linha de frente, um grupo de homens munidos de ferramentas abrirem o portão trancado.

    Também nós observamos o trabalho daqueles homens. O trabalho e a coragem (ou necessidade, como mais tarde algum deles relataram), observamos quando dois seguranças privados saíram da janela do prédio armados ameaçando atirar em qualquer um que entrasse.

    Eles entraram, e eram muitos. O suficiente para que os seguranças recuassem e saíssem pela porta dos fundos. Nesse momento se deu a primeira comemoração, entre 50 e 100 pessoas entraram, de acordo com o cálculo das lideranças e da equipe de linha de frente. Dois repórteres dos #JornalistasLivres conseguiram entrar. Passava da meia noite e meia.

    Foi nesse momento que os policiais abandonaram seu papel de observador e interviram. Como a força repressora do Estado, interviram como são treinados para reagir a essas ações: jogaram bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral nos ocupantes. Nos homens, mulheres, jovens, idosos e crianças.

    A correria foi geral. D. Sônia, uma senhora de 62 anos, foi atingida por estilhaços de bomba e caiu. Ela estava lá para ajudar o filho que seria um dos moradores do prédio. Outros ocupantes também foram feridos com estilhaços. Muitos, principalmente as crianças, passaram mal após terem inalado o gás.

    Policiais no alto da ladeira, ocupantes no final. Restou aos dois esperarem. “Eles vão querer nos vencer pelo cansaço, mas nós não vamos sair até todos entrarem”, afirmaram Juliana, Denise e Josenira, moradoras da Rio Branco, 53. Já perderam a conta das ocupações que participaram. Vai fazer quatro anos que entraram para o movimento e fazem questão se estar na equipe de apoio.

    Lá dentro, os ocupantes esticavam a bandeira da CMP — Central dos Movimentos Populares, e da FLM, Frente de Luta por Moradia. Concentrados no quarto andar, escutaram do lado de fora o barulho das bombas e sofreram os efeitos do gás lacrimogênio. Muitos passaram mal. Também a eles restou aguardar.

    Há uma da manhã, o Samu chegou para prestar socorro à D. Sonia. “Tá sangrando muito moça? Me acertaram bem do lado do rosto que eu tenho problema da gengiva e ia operar”. Ela foi levada para a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

    Jaciel faz parte da linha de frente. Explicou que quando abrem os portões, parte do grupo entra para hastear a bandeira e organizar a ocupação, e outra fica na porta para garantir que o maior número de pessoas possíveis entre. Ele integrou a segunda equipe e não conseguiu entrar. Um grupo de 100 pessoas também não.

    Policiais e ocupantes estavam receosos, repórter do #JornalistasLivres tentou entrevistar os agentes do estado que se recusaram. Mas relatou ouvi-los conversar “Se esse pessoal resolve subir, estamos perdidos”. Também ouviu uma importante informação, as bombas haviam acabado.

    Nessa madrugada, dezenas de alvos foram ocupados. Não sabemos se os reforços não chegaram, ou se sequer foram pedidos. Mas, por volta da 1h30, os policiais foram embora. Nesse momento o grupo que estava de fora entrou. Subiram as escadas correndo e foram ocupando os andares. A legislação defere que, se a reintegração não for feita nas primeiras 48h, somente poderá acontecer por meio de ação judicial.

    Por isso, a regra é clara: quem entrou não saí. Os primeiros dois dias são os mais tensos paras as famílias que ocupam as moradias.

    Elcivaldo Moraes, 44, era empresário bem de vida, após sofrer um golpe, perdeu tudo. Em 2003 passou a morar em albergues e a trabalhar de “chapa”, carregando e descarregando caminhões. Entrou para o movimento há oito meses, foi apresentado à FLM por um amigo morador de uma das ocupações. Desde então, mora de favor na casa dele e frequenta todas as reuniões da equipe de base. Estava na linha de frente na hora que ocuparam o prédio. Sentiu medo? “Não senti, a necessidade e principalmente a vontade superam o medo”. Para ele, é muito importante respeitar os policiais: “são trabalhadores como nós e temos que traze-los para o nosso lado. Se conseguirmos uma boa ação, sem enfrentamento, quem sabe eles não criam um sentimento por nós?”.

    E qual a importância dessa moradia para você? “Nesse momento é tudo. Se fosse diferente, se fossa descartável, para que correr esse risco? Para que todo esse perigo?”

    Lindomar Geremias, 33, mora há 5 anos em albergues e casas de acolhimento. Foi trazido ao movimento por Moraes, quem conheceu nas escadarias da Sé. “Uma história engraçada” lembra Moraes, “estava esperando um amigo, quando ele sentou do meu lado e começou a dividir o salgadinho que ele comia comigo”.

    Nasceu em Carapicuíba, após participar de um roubo, foi para a Febem. Quando saiu, morou em Campinas, na casa da irmã, voltou para Carapicuíba na casa do pai, mas a difícil relação com a família o levou à primeira casa de acolhimento, nas proximidades da Av. Cruzeiro do Sul, Zona Norte de São Paulo. Passou por 5 no total, umas melhores e outras piores. Lindomar trabalha como pedreiro e ficou muito feliz com o movimento por “ter me deixado fazer parte e ter me deixado participar da ocupação”. Não teve medo, a felicidade e a perspectiva de melhora eram maiores. Agora quer constituir família: “já está na hora, não dá mais para ficar solteiro”, brinca.

    Os andares já estavam quase todos ocupados. O casal Marcia, 37, e Antônio Pedro, 32, estavam sentados no saguão de entrada. Já haviam se instalado e observavam o movimento. Os dois estão juntos há um ano. Eles estavam em situação de rua e trabalham entregando panfletos. Se conheceram nas ruas do centro, costumavam dormir na região da Sé. Ela potiguar, ele maranhense. Ela há dois anos na rua, ele há quatro. Em comum: o sonho de melhores condições de vida e trabalho na capital paulista.

    Conheceram o movimento por meio de uma amiga de Marcia, participaram de uma reunião logo antes da ação e passaram a integrar o movimento. Sentiram medo no momento da ocupação, mas se quer pensaram e hesitar. “Estamos muito felizes, é uma nova oportunidade. Já sofremos muito nas ruas, é muito frio lá”.

    Por volta das duas e meia começaram a lacrar o prédio. A situação era calma. Na rua, uma equipe de retaguarda ficou para garantir alimentos e água durante as 48h de resistência.

    Os policiais voltaram, mas somente observavam. Era o momento dos repórteres da grande mídia interviram: Globo, Record e SBT passaram pelo local.

    Portas lacradas, ação terminada. Prédios ocupados. Ou não.

    Na manhã dessa segunda-feira (13), de acordo com relatos do morador Diego, um motorista chamado Galego, um homem de terno, um mecânico e mais 11 motoristas sem nenhuma identificação, se apresentaram como funcionários do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TER). O grupo alegou que o prédio está alugado pelo TRE, e que já estava sendo usado para estacionamento de 11 veículos. De acordo com relato, entraram na ocupação um motorista e o mecânico, avaliaram os motores e saíram sem dizer para onde levariam. Dos 11 veículos, três carros estavam em condições normais de uso, porém, o restante estava completamente coberto de pó, aparentemente abandonados, como o restante do prédio.

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    Veja: 

    José Bonifácio 380: 74 dias de resistência

     

  • Estudantes da PUC-SP desocupam reitoria e continuam negociação

    Estudantes da PUC-SP desocupam reitoria e continuam negociação

    Por Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres

    Fotos: Mídia NINJA


    Na noite dessa terça-feira, estudantes da Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), zona oeste de São Paulo, ocuparam a reitoria do compus. A ocupação teve fim na noite de ontem, depois da promessa da gestão em abrir diálogo para negociação com os estudantes.

    O que motivou a ação dos estudantes foram os cortes no orçamento, a demissão de professores, o cancelamento do subsídio do restaurante universitário e problemas com FIES. Os alunos reivindicam, também, a abertura de diálogo com a direção da universidade, eleições diretas para a reitoria, bandejão comunitário gerido pela comunidade acadêmica, creche para mães e pais estudantes e funcionários — inclusive os terceirizados -, formulação de políticas para viabilizar a continuidade dos cursos que estão sendo fechados, inclusão das bolsas institucionais da universidade no programa Passe Livre, municipal e estadual, e a regularização da matricula de todos os estudantes do FIES.

    Os estudantes devolveram a reitoria às 18h30, com a assinatura de um documento assegurando a integridade do prédio e a abertura do diálogo com os alunos. Uma audiência será realizada com uma comissão de negociação de alunos e a Fundação São Paulo, mantenedora da Universidade, no próximo dia 24.

    Após a entrega da reitoria, os alunos seguiram para o ato “Funeral da PUC” em frente à Fundação São Paulo. Em seguida, realizaram uma assembleia geral para retirar a comissão de negociação, na prainha da universidade. Hoje será realizada uma nova assembleia para definir os encaminhamentos e futuras ações do grupo. Segundo os estudantes, cerca de 400 universitários participaram da ação.

     

     

  • Professores em defesa da Educação de qualidade

    Professores em defesa da Educação de qualidade

    Em greve desde a última segunda-feira, professores pedem melhorias na infraestrutura, reabertura de salas e ÁGUA!

    Na última sexta-feira (13), depois de uma assembleia geral convocada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), foi deliberada a greve imediata.

    A paralisação teve inicio na segunda-feira (16). Os professores destacam que a greve não é somente por questões salariais, mas, principalmente, por melhores condições de trabalho e melhorias no sistema da educação pública estadual. Entre as principais reivindicações dos professores estão: aumento de 75,33% para equiparação salarial com as demais categorias com formação de nível superior; implantação da jornada do piso; nova forma de contratação dos professores temporários, com garantia de direitos; fim do fechamento de classes e reabertura das salas fechadas; desmembramento das salas superlotadas; aumento dos vales transporte e refeição; garantia de água nas escolas e transformação do bônus em reajuste salarial.

    Entrevistamos José de Jesus Costa, Diretor e Conselheiro Estadual da APEOESP, nessa terça-feira. Até então, o sindicato calculava que 22% dos professores em todo o estado haviam aderido à greve. A APEOESP calcula que até o fim da semana 50% dos docentes tenham aderido.

    Jesus também relatou que um dos principais entraves para a adesão dos professores é a falta de convicção política: “mas, aos poucos, vamos criando a unidade e mostrando que o único caminho para melhorar a educação é a greve”. Ele relata que alguns professores, principalmente em período probatório, têm medo de serem prejudicados. “Mas sempre frisamos que a greve é um direito constitucional”.

    É o caso de Fadil Lira Dias, professor de sociologia. É a primeira greve que ele participa “Eu tenho um pouco de medo, mas sei que é preciso lutar”. Ele ainda relata que a greve é apoiada pela maioria dos alunos.

    Carina Vitral, presidenta da UEE (União Estadual dos Estudantes), garante esse apoio “Nós estudantes apoiamos a luta dos professores, porque a luta em defesa da educação e da escola pública é uma luta que unifica todos os setores da educação. Estaremos marchando lado a lado nessa greve”.

    Professora Mazé Favarão, ex-secretária de educação de Osasco e atual vereadora do município, mesmo afastada das salas de aula, compõe o comando de greve da região. “Enfrentamos vários problemas. As condições estão cada vez mais precárias, inclusive o Estado pede que os professores e alunos levem suas próprias garrafinhas de água para a escola. É um absurdo”. Ela convocou para o próximo dia 26 de março uma audiência pública na Câmara dos Vereadores para dialogar com a sociedade. “É importante que toda a comunidade escolar saiba que se o professor sofre com essa situação, sofre mais o aluno. O jovem é a grande vítima, pois tem uma educação de cada vez pior qualidade, por melhor e mais esforçado que o professor seja”.

    Bruno Liberato é coordenador pedagógico da Escola Estadual Jardim Santo André III, no bairro Jardim Santo André, periferia de São Mateus — Capital. Até o inicio da semana 9 professores de sua escola haviam aderido a greve, para ele, a principal dificuldade na adesão é a descrença no sindicato e a historicidade de perdas que a categoria teve nesses anos de governo do PSDB, que coincide com o tempo que da atual gestão da direção da Apeoesp. Ele lembra que essa insatisfação ficou clara na última assembleia geral que decretou a greve. “A assembleia muitas vezes foi parada aos gritos de ‘fora Bebel’ feito pelos professores”. Bebel, é Maria Izabel Azevedo Noronha, presidenta do sindicato.

    Para dialogar com os professores e convoca-los à greve, são realizados Comandos de Greve regionais de acordo com a diretoria de ensino. Os professores se organizam em grupos de 4 ou 5 pessoas e vão às escolas.

    Os docentes que tiverem interesse de aderir aos comandos podem se dirigir a suas diretorias de ensino, ou se organizar pelas redes sociais: “Uma ferramenta interessante é grupo da Apeoesp no facebook, lá os comandos atualizam, em tópicos por região, as escolas que estão total ou parcialmente paradas”, explica Bruno.

    A greve é por tempo indeterminado e o sindicato tem como meta a paralisação total dos professores.

  • Afinal, o que eles querem?

    Afinal, o que eles querem?

    Milhares foram às ruas em todo o Brasil pedindo Impeachment, a saída do PT e até intervenção militar. Em comum: a ausência de propostas

    O dia 15 foi marcado por manifestações contra o governo em 25 estados, no Distrito Federal e no exterior. Esta que vos fala acompanhou o ato em São Paulo. Conversei com dezenas de pessoas, homens e mulheres, brancos e negros (embora em expressiva minoria), a favor e contra a intervenção.

    Afinal, o que eles querem?

    Logo ao chegarmos à Paulista, por volta das 13h, pudemos sentir o clima da manifestação. A atmosfera era de final de copa do mundo, as pessoas chegavam em grandes grupos, vestindo camisas do Brasil, enrolados em bandeiras e munidos de suas vuvuzelas. “Contra a corrupção e com uma camiseta da CBF, amigo?” perguntei, em tom de brincadeira, ao advogado Alexandre. “Poxa, é verdade”, respondeu, sem graça.

    A ausência de coerência política foi uma constante. E, para além das milhares de camisetas da CBF, ela ficavam clara no discurso. Alexandre, por exemplo, não é a favor da intervenção militar. Ele acha que é na democracia que a crise institucional encontrará sua saída.

    Foto: Renato Stockler

    “A Dilma devia renunciar, mas, se ela não sair, sou a favor do impeachment”. Alexandre, no entanto, não conseguiu me responder o que deveríamos fazer após a saída de presidenta.

    A ala da Intervenção Militar do grande carnaval da democracia — pois, SIM foi uma manifestação democrática — não era majoritária. Mas soube fazer barulho. Paulo Baldi, aposentado, podia até passar despercebido. Ficava quieto em um canto da calçada, sem interagir muito, sem gritar as palavras de ordem. No pescoço, um cartaz com os dizeres: “Saudades da Ditadura. Democracia só para roubar…”. Ele é filiado ao PPS (?) e acha que não existe solução para a corrupção dentro da democracia.

    No carro de som S.O.S Forças Armadas, que liderava a trupe, gritavam “Novamente, na história do Brasil, São Paulo dá o exemplo”. José Edson, militar (tira, é melhor colocar funcionário público), também é a favor da intervenção militar. “No momento, o mais indicado é a intervenção militar. Ninguém pode fazer a verdadeira revolução que precisamos”. Ele tem 55 anos e diz se lembrar da ditadura militar “As pessoas de bem estavam nas ruas e os bandidos estavam presos, agora, é o contrário”. Pergunto se ele é a favor da separação de São Paulo do restante do país:

    “Não, acho que o progresso tem que chegar a todos os estados. São Paulo não pode mais levar o país nas costas. Os nordestinos tem que parar de precisar vir para São Paulo. Afinal, na nossa bandeira diz Ordem e Progresso. Cadê a ordem? Cadê o progresso?”, indaga. A intervenção seria para sempre? “Não, só até convocar novas eleições e estabelecer a ordem”. Também não conseguiu assegurar que uma nova eleição resolveria o problema da corrupção.

    No meio da multidão uma faixa me chamou a atenção “Grandes Companhias escolhem os Candidatos nos Partidos e mandam fortunas para os Partidos que Recebem x 100 pelas Obras Superfaturadas”. Pergunto ao rapaz que segurava a ponta esquerda da faixa: “Você é contra o financiamento privado de campanha? Defende alguma plataforma da reforma política?” “Na verdade moça, quem fez a faixa foi aquele moço da ponta. Acho melhor falar com ele”. Sigo até a ponta direita e faço a mesma pergunta. Giovani Zimovstic, gráfico, me responde: “Sim, sou a favor da reforma política” “E como essa reforma política deveria ser feita?” “Mudando as leis” “Mas quais leis?” “Moça, coloca aí: defendo que todos os políticos deveriam ter suas contas abertas”. Legal, eu também. Mas isso não é uma reforma política.

    Foto: Larissa Gould

    Ao fundo escuto uma voz masculina dizer em um megafone: “Essa é a marcha da Família Brasileira e dos cidadãos de bem”. Ao mesmo tempo, vejo passar uma faixa “Contra o Fanatismo e Populismo”, atrás da faixa uma multidão gritava “A Dilma morreu!”.

    Claudia e Felício Vital, um casal de senhores aposentados simpáticos, estava nesse momento. Eles são a favor do impeachment, mas não da intervenção militar. Também não são a favor de Michel Temer “mas se não tiver jeito, melhor que a Dilma”. Eles não souberam indicar qual a solução para a corrupção do Brasil.

    Quase que imediatamente Reginaldo Lopes, consultor de segurança, me aborda: “Você é jornalista?” “Sim” “Posso dar o meu depoimento?” “Claro”. Em seguida, Reginaldo dá o seu depoimento:

    “O Problema do Brasil é o Foro de São Paulo. Nos anos 90’ Lula e Fidel Castro criaram o Foro e o PSDB foi conivente. De 2 em 2 anos eles se encontram e junto com o Unasul querem criar um bloco da América Latina”. Ele não é a favor da intervenção militar. Na verdade acha que intervenção militar é coisa do PT “Já financiaram a guerra, agora chamam o exército do MST” e ironiza “O nosso professor de filosofia Olavo de Carvalho — conhece? — tinha razão! Exército? Eles vão nos atacar com picaretas e enxadas?”. E finaliza “Você vai usar a entrevista né? Essa é minha contribuição”. Vou, asseguro. Ele também não me apresentou propostas para depois do Impeachment.

    A verdade é que entre as dezenas de pessoas que falei, nenhuma delas conseguiu me dar uma proposta para a crise institucional. Elas estavam todas perdidas, insatisfeitas, mas perdidas. Talvez a pessoa mais sincera que eu tenha conversado tenha sido a Dona Rosa, que vendia churrasquinho enquanto as milhares de pessoas iam à Avenida Paulista pedir mais direitos. A moradora do Jd. Santa Margarida, extremo Zona Sul, contou que ficou sabendo da manifestação pela TV, no jornal, ela não sabia se era a favor ou contra. “Não sei moça, eu fico na dúvida” “Por quê?” “Eu acho que não importa quem entrar, não vai mudar” “A senhora não vê nenhuma saída?” “Não” “E a senhora votou em quem?” “Eu votei na Dilma”.

    Poderia contar outras muitas conversar e citar outros tantos cartazes. Mas a verdade é que a insatisfação é geral e legítima. No entanto, estão todos tão confusos quanto Dona Rosa. Ao mesmo tempo em que se vangloriam por não ter lideranças, não sabem que rumo tomar.

    Foram milhares nas ruas do Brasil. Eles podem até saber o que não querem, mas, definitivamente, não sabem o que querem.

     Foto: Renato Stockler