Jornalistas Livres

Autor: Isabella Fiuza

  • Nota de esclarecimento da Brigada de Alter do Chão

    Nota de esclarecimento da Brigada de Alter do Chão

    Alter do Chão, 27 de novembro de 2019

    A Brigada de Alter do Chão vem a público comunicar que o pedido de revogação de preventiva feito pelos advogados de defesa para os quatro brigadistas presos preventivamente na madrugada de 26/11 pelo juiz da 1a Vara Criminal de Santarém, Alexandre Rizzi, foi negada na audiência de custódia realizada nesta quarta-feira dia 27/11. O juiz pediu o prazo de dez dias para que a Polícia Civil pudesse evoluir na investigação que fundamentasse a prisão cautelar. Por considerar que os brigadistas não preenchem os requisitos do art. 312 do CPP, a defesa vai impetrar Habeas Corpus.

    Aproveitamos para esclarecer informações equivocadas que têm sido divulgadas desde a manhã do dia 26 de novembro, quando quatro de seus voluntários foram detidos pela Polícia Civil em Santarém, no estado do Pará.

    O primeiro esclarecimento a ser prestado diz respeito à relação entre a Brigada Alter do Chão e o Instituto Aquífero Alter do Chão. A Brigada é uma iniciativa lançada em 2018 e faz parte da organização não governamental sem fins lucrativos Instituto Aquífero Alter do Chão para cooperação no combate a incêndios na região, com apoio de pessoas físicas voluntárias. Sendo uma ação mantida pelo próprio Instituto Aquífero, é equivocada a informação de que a Brigada tenha recebido doações da organização.

    A respeito da menção a vídeos publicados na plataforma YouTube em que voluntários da Brigada de Alter do Chão supostamente apareceriam ateando fogo em matas, a Brigada não teve acesso a tais vídeos. Por desconhecer seu teor, a Brigada pode desenvolver duas hipóteses. Uma hipótese é de que as imagens sejam de treinamento de voluntários da Brigada, em que focos de fogo controlados são criados para exercícios práticos. Esse tipo de exercício, praxe no treinamento de combate a incêndios, é realizado pela Brigada de Alter do Chão com a participação do Corpo de Bombeiros local e com o respaldo de licenças emitidas pelos órgãos competentes. A outra hipótese é de que os vídeos mencionados mostrem a ação conjunta de brigadistas e bombeiros utilizando a tática conhecida como “fogo contra fogo” – realizada regularmente pelo Corpo de Bombeiros no combate de incêndios. Cabe ressaltar que a Brigada de Alter do Chão aplica a tática de fogo contra fogo exclusivamente com a presença e o apoio do Corpo de Bombeiros.

    A Brigada de Alter do Chão esclarece também que fez a devida declaração de doações no final do mês de setembro. Doações recebidas após esta data estão ainda sendo consolidadas em relatório e serão declaradas apropriadamente. Quanto ao valor destinado pela organização WWF-Brasil, ao contrário das informações veiculadas, trata-se não de uma doação, e sim de uma parceria firmada com o Instituto Aquífero Alter do Chão visando à aquisição de equipamentos para a Brigada. Conforme previsto no acordo, o Instituto Aquífero Alter do Chão prestará contas ao WWF-Brasil no dia 10 de dezembro de 2019.

    Nota de esclarecimento WWF-Brasil: https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?74225/nota-de-esclarecimento-brigada-alter-chao

    Além disso, é importante ressaltar que os documentos contábeis da organização estão atualizados e em dia, não havendo discrepâncias nos valores recebidos – valores estes que incluem doações de outras organizações não governamentais e de um elevado número de pessoas físicas, tanto do Brasil quanto do exterior. Quaisquer discrepâncias alegadas são justificadas – e serão dirimidas a seu tempo – pelo cronograma de apresentação dos relatórios de prestação de contas, ainda em andamento.

    Faz-se necessário esclarecer, ainda, que os trechos de áudio de um brigadista voluntário que foram vazados para a imprensa estão sendo disseminados sem a devida contextualização.

    Por fim, a Brigada de Alter do Chão salienta que os advogados de defesa de seus quatro voluntários detidos na manhã do dia 26 de novembro de 2019 consideram que a prisão é irregular. Os brigadistas voluntários foram levados para presídio e tiveram seus cabelos raspados, quando, pela lei, deveriam ser detidos na delegacia e ter sua integridade mantida.

    Brigada de Alter do Chão

  • “O sistema de produção mundial está colocando a América Latina em crise”, diz ex-ministro de Mujica

    “O sistema de produção mundial está colocando a América Latina em crise”, diz ex-ministro de Mujica

    Por Joana Zanotto e Isabella Fiuza, Jornalistas Livres direto de Montevidéu.

    Caminhando pelas ruas de Montevidéu, no último domingo de eleições presidenciais e legislativas (27/10), avistamos um senhor sentado em frente ao comitê de campanha da Unidad Popular Uruguaya (UP) que lia um livro sobre lutas de classes na Grécia Antiga. O senhor lendo e entregando seus panfletos se tratava de Roberto Kreimerman, ex-Ministro da Indústria, Energia e Mineração do governo de Pepe Mujica entre 2010 e 2015. Ele deixou a Frente Ampla para se incorporar a UP e encabeçar o partido Assembleia Popular ao Parlamento. 

    Nos juntamos a ele para conversar por uns instantes ainda pela tarde, antes do encerramento das votações às 19h30. O encontro casual é representativo, nos fez sentir a relação estreita entre as políticas e políticos de esquerda e as comunidades votantes, assim como as fotos de Pepe Mujica e sua companheira Lucía Topolanksky, panfletando e conversando com as pessoas no parque público, disseminadas amplamente nos Whatsapps da geral aqui no Uruguai.

    Cruzando pela capital, encontramos dezenas de militantes e candidatos/as da Frente Ampla e da Unidade Popular em tendas, que aproveitavam os últimos momentos para conversar diretamente com a população que participou massivamente dessas eleições decisivas para o país e a América Latina em um contexto onde a agenda progressista, com avanços nas liberdades individuais e coletivas no Uruguai, conquistados nos últimos quinze anos governados pela Frente Ampla, está ameaçada pelo avanço da direita e extrema-direita que já começam a anunciar as coligações para o segundo turno, que ocorrerá no dia 24 de novembro.

    O primeiro turno foi encerrado com Daniel Martinez, candidato presidencial da Frente Ampla, em primeiro lugar com 39,2% votos e Luis Lacalle Pou, candidato do Partido Nacional com 28,6% dos votos. A coligação de esquerda UP teve como candidato a presidente Gonzalo Abella e vice-presidente Gustavo López. A chapa recebeu o equivalente a 0,8% do total dos votos. Nenhum senador da UP foi eleito.

    Integrantes da Unidade Popular se consideram marxistas, anti-imperialistas e antioligárquicos. Roberto Kreimerman tinha clareza de que o seu partido não venceria o pleito presidencial e trabalhava para alcançar cadeiras no parlamento. “Nós somos um partido pequeno com a intenção de crescer no futuro, por isso a aposta nessas eleições”, nos explicou. 

    O ex-ministro não nos antecipou o posicionamento da UP em relação a possíveis coligações no segundo turno, que já era previsto, por conta da lei eleitoral que proíbe manifestações políticas ostensivas no dia das eleições e também em respeito ao princípio do partido, que alia diferentes correntes. Mas reforçou que para o partido “a democracia é um valor fundamental”. Grupos da extrema-direita, assim como no Brasil, levantam bandeiras com ideais antidemocráticos fascistas.

    “Nós [Unidade Popular] temos como ponto básico os trabalhadores porque são a parte majoritária mais vulnerável da sociedade. Com isso o nosso enfoque é melhorar as suas perspectivas”, disse Roberto Kreimerman. Na entrevista ele abordou essencialmente aspectos econômicos para nos responder sobre as questões sociais que permeiam a América Latina.

    Jornalistas Livres: Pode nos falar um pouco sobre a Unidade Popular?

    Nós somos um partido que já existe há algum tempo, ao qual eu aderi recentemente, e que está basicamente composto por uma série de grupos que possuem uma plataforma comum para trabalharem. Nesse sentido, é um grupo pequeno com intenções de trabalhar fundamentalmente a favor dos trabalhadores.

    JL: Caso as eleições do dia de hoje passem para o segundo turno, há alguma perspectiva de alinhamento?

    Hoje é dia de eleições e os resultados serão definidos em breve. Em função disso, assim que saírem os resultados, nós iniciaremos as discussões entre grupos distintos que compõem a Unidade Popular para falarmos sobre um possível alinhamento.

    JL: Poderia falar um pouco sobre esse momento que a gente vive na América Latina de crescente conservadorismo como isso é visto a partir de uma perspectiva do Uruguai?

    Nesse sentido, é necessário afirmar que a América Latina passou por um ciclo importante, reflexo da constituição de mundo, das grandes cadeias de valor que promoveram uma nova organização mundial de trabalho e tiveram também uma influência no preço das matérias-primas, com uma crescente desindustrialização em muitos dos países da América Latina, além de uma concentração de produtos primários, de produtos de baixo valor agregado. Então, vemos mudanças políticas significativas de um lado e, em outro sentido, grandes insatisfações populares na região. O sistema de produção mundial está nos deixando como produtores de bens de baixo valor de mão de obra e de recursos naturais. Ambas as coisas são absolutamente inconvenientes ao nosso futuro e isso é um pouco do que estamos vendo como consequência em muitos dos países.

    JL: Como você vê os protestos populares populares no Chile?

    Em primeiro lugar, o que nós vemos são vários efeitos positivos e negativos. É evidente que o que me referia anteriormente se vê muito no Chile, porque é um país que tomou fortemente esse processo como política econômica. Outros países da América Latina também assumiram, como já dizia, uma política baseada na exportação de bens primários, com altíssima porcentagem de exportações dependendo desse tipo de produto. Já em seu processo histórico, não realizaram um processo de industrialização ou um processo de desenvolvimento importante, o que conservou uma grande desigualdade. Então vemos, por um lado lamentável, a quantidade de pessoas mortas e a repressão que se instituiu em boa parte e, por outro lado, vemos que o povo do Chile saiu a protestar porque é uma situação muito negativa para os trabalhadores. Desigualdade altíssima, crescente desemprego, custo de vida elevado e o que isso está mostrando amplamente é que o que eu mencionava anteriormente: a estrutura de produção que se apropria desses benefícios, um tema grave para que os povos possam se desenvolver.

    JL: Temas como o aumento do custo de vida e falhas na segurança pública estão sendo muito comentados nessas eleições. Os partidos de direita e conservadores estão propondo algumas reformas na segurança que envolvem militarização do Uruguai. Qual é o projeto da UP para que possam melhorar essa questão?

    Hoje, o dia das eleições, é um dia em que não posso falar sobre os aspectos políticos do Uruguai por conta da lei eleitoral. Por sorte, por costume dos uruguaios, estamos desenvolvendo esse dia de forma muito natural, comum e com muita participação, mas hoje não podemos falar sobre aspectos políticos. Hoje corresponde a um dia em que a gente se expresse apenas colocando o nosso voto e aguardando pelo resultado.

  • Domingo de eleições no Uruguai se passa com tranquilidade apesar do clima político de tensão

    Domingo de eleições no Uruguai se passa com tranquilidade apesar do clima político de tensão

    Por Joana Zanotto e Isabella Fiuza, enviadas dos Jornalistas Livres em Montevidéu

    O domingo de eleições (27/10) presidenciais e legislativas amanheceu cinzento em Montevidéu. Apesar do momento crucial para a política do país, as ruas se conservaram tranquilas durante todo o dia, com a presença massiva de eleitoras e eleitores. Observamos muitas pessoas idosas e com necessidades especiais indo votar. Os mercados são proibidos de vender bebidas alcoólicas por 24 horas até o fim da eleição.

    Ativistas e eleitoras/es da esquerda começaram a se reunir para os festejos, perto do encerramento das votações às 19h30, na avenida principal 18 de Julio, que corta a capital ao longo de sua extensão, e que no final da noite se encheu de gentes, mesmo diante da alta probabilidade de segundo turno, previsto para o dia 24 de novembro.

    Encontramos com diversos militantes da Frente Ampla durante o dia, distribuindo folhetos e bandeiras em tendas pela capital.

    Logo cedo na primeira hora da votação, que teve início às 8h, o simpático e popular ex-presidente José Pepe Mujica (2010-2015) votou. Aos 84 anos, ele disputa uma vaga ao Senado. Assim como sua companheira, a atual vice-presidenta no governo de Tabaré Vázquez, Lucía Topolansky, aos 74 anos. Ambos da coligação progressista Frente Ampla lutaram contra a ditadura militar no Uruguai, que perdurou entre 1973 e1985.

    O candidato a presidente pela Frente Ampla, Daniel Martínez, chegou cerca de 11h30 ao seu colégio eleitoral, na Faculdade de Administração e Ciências Sociais, no Bairro Pocitos, em Montevidéu, onde permaneceu na fila por uma hora até votar conversando com jornalistas. Em entrevista para Jornalistas Livres, disse que pretende, caso eleito, formar entre os países latino-americanos “uma verdadeira integração” visando fortalecer e sustentar um lugar muito mais digno no mundo. “Foi a luta dos que sonharam uma América Latina independente e também muito mais integrada.” Martínez fez referência ao herói libertário uruguaio José Artigas.

    É grande a expectativa no processo eleitoral do Uruguai perante a convulsão política que vive a América Latina neste momento, na sua maioria colapsada em crises econômicas e sociais geradas pela agenda neoliberal, que é defendida pelos candidatos de direita no Uruguai, inclusive Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional. O candidato deve se aliar aos demais partidos de direita/conservadores no segundo turno, o que deixa em alerta os setores progressistas. Ainda mais que um dos candidatos nesse bolo, Manini, do partido Cabildo Abierto, fundado neste ano, se promove com discursos fascistas semelhantes aos que elegeram Bolsonaro no Brasil, com forte ênfase na segurança pública. Nas televisões uruguaias os políticos de direita já anunciam as possíveis coligações pela candidatura de Lacalle.

    Os dois partidos principais de direita, Colorado e Branco, sempre rivalizaram entre si, mantendo-se por quase duzentos anos no poder. A possível aliança entre os dois partidos é uma tentativa de disputa com a coligação de esquerda.

    São quinze anos e três mandatos da Frente Ampla à frente da presidência. O país conquistou importantes avanços nas liberdades individuais e coletivas durante esse período, como a descriminalização do aborto em qualquer circunstância e a liberação da venda e cultivo da maconha. Em 2018, o Parlamento de maioria frenteamplista aprovou lei para proteção da população transgênero.

    A eleitora Giselle Marchesi falou em entrevista para a reportagem que nesses quinze anos se conquistou “igualdade de direitos para as mulheres, trans, gays e pessoas com deficiência. Eles [a Frente Ampla] fizeram muito e uma troca de governo a essa altura seria voltar pra trás.”

    Junto aos avanços, o país enfrenta desafios como o alto custo de vida. A direita conservadora superexplorou o tema da segurança pública para impulsionar a sua campanha. 

    Uma proposta da direita de reforma à segurança pública para militarizar as polícias também foi votada neste domingo. A reforma foi rejeitada pela maioria dos eleitores nas urnas, mas ainda assim chegou a receber 47% de adesão.

    O eleitor Javier Torres, que trabalha em uma empresa de ônibus e há dois anos também como motorista de Uber, conta que vota em Lacalle porque considera que “algumas coisas precisam mudar.” Ao mesmo tempo, ele considera que “não gostaria de militares nas ruas.”

    Pepe Mujica fez uma declaração no final do ano passado, em Los Angeles, nos Estados Unidos dizendo que se conseguiu no país “até certo ponto, ajudar essa gente [pobres] a se tornarem bons consumidores; mas não conseguimos transformá-los em cidadãos”. A autocrítica de Mujica ganhou bastante repercussão internacional. O ex-presidente, com seu jeito simples e repleto de dignidade, passou o sábado na praça junto a vice-presidenta Polansky conversando com passantes em campanha para a Frente Ampla.

    Os resultados preliminares das eleições indicam o segundo turno entre Daniel Martínez e Lacalle Pou.

     

    Uruguaios vivendo fora do país viajam para votar

    São mais de 7 mil colégios eleitorais em todo o Uruguai; 6.314 em áreas urbanas e 808 em áreas rurais. A população é de 3,4 milhões de pessoas. 

    Uruguaios que vivem fora do país se organizaram para viajar nas eleições. O Uruguai é um dos únicos países que não possui o direito a voto consular e, portanto, os cidadãos não podem votar desde outros países. 

    Do Brasil saíram ônibus de Santa Maria (RS), Caxias (RS), Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC). A reportagem acompanhou a caravana das eleitoras e eleitores da Frente Ampla que partiram de Floripa rumo a Montevidéu. Durante as 20 horas de trajeto muita música e animação entreteve as 46 pessoas no ônibus fretado.

    Integrou a caravana o professor de história Luis Hector, preso político e torturado pelo regime militar do Uruguai quando tinha 19 anos. Ele vive no Brasil desde que foi solto e sempre viaja para votar. Nessas eleições, Luis saiu do Rio de Janeiro de ônibus para se juntar à caravana e ir até o seu colégio eleitoral. Questionado sobre seu esforço para participar das eleições, afirmou convicto: “nós temos que ganhar. A esquerda não pode perder, ainda mais agora, no contexto em que a América Latina se encontra. O Chile está provando que a representatividade da direita está falida.”

     

    Chegada da caravana de Florianópolis em Montevidéu na noite de sábado (26)
  • Eleições na Bolívia: Bloqueio no acesso à Santa Cruz de la Sierra

    Eleições na Bolívia: Bloqueio no acesso à Santa Cruz de la Sierra

    ELEIÇÕES NA BOLÍVIA: Santa Cruz de La Sierra

    No início da manhã desta quarta-feira (23) o acesso à Santa Cruz de La Sierra (BO) , na altura da cidade de Puertachuelo, foi bloqueado. Relatos afirmaram que outros acessos para a região, que é reduto do agronegócio boliviano e de apoiadores de Carlos Mesa, também estão bloqueados. Ações desse tipo mostram que a direita não irá aceitar o resultado da apuração, caso Evo Morales saia vitorioso das urnas e seja reeleito em primeiro turno. Chama a atenção algumas características dos manifestantes que bloqueiam a estrada: “bem vestidos”, carros, motos, celulares, tratores, a maioria homens. Enquanto do outro lado da estrada há trabalhadores, muitas mulheres, o povo…

    Fotos: Leonardo Milano (Jornalistas Livres) – enviado especial à Bolívia.

    Foto: Leonardo Milano (Jornalistas Livres)

     

    Foto: Leonardo Milano (Jornalistas Livres)

     

    Foto: Leonardo Milano (Jornalistas Livres)

     

  • Por dentro da rebelião popular no Chile

    Por dentro da rebelião popular no Chile

    Notícias do Chile
    Por Ota C Rojas

    Como muitos já estão acompanhando, há uma verdadeira rebelião popular em curso no Chile. O país que era o exemplo sul-americano de estabilidade e modernidade explodiu.

    Quero contar um pouco de como estão as coisas por aqui desde o início da rebelião.

    Na semana passada o governo anunciou um aumento da passagem dos ônibus e metrôs de Santiago. O aumento anunciado foi de 30 pesos, mais ou menos 4 centavos de dólar. Um valor irrisório, se não fosse só a ponta do iceberg. No entanto, o buraco é mais embaixo, como dizemos no Brasil.

    O Chile foi um dos berços ou laboratórios do que se conhece como neoliberalismo. Aqui, desde a ditadura de Pinochet, todo o plano econômico dos neoliberais da Escola de Chicago foi implementado desde fins da década de 1970. A maioria dos serviços públicos foi privatizada. As universidades públicas são todas pagas. No Brasil, temos a ideia de que algo público é gratuito, mas isso não é assim em vários países. No Chile, uma mensalidade em uma universidade pública pode custar mais do que em uma universidade privada. Como os salários das famílias são muito baixos (mais de 50% da população vive com menos de salário mínimo), as famílias não têm dinheiro para pagar as mensalidades. Isso gerou, há anos, um enorme problema de endividamento dos estudantes e de suas famílias. Aqui, um estudante que termina seu curso universitário e pode passar 10 ou 15 anos pagando os empréstimos que tomou.

    A saúde pública também é paga. Não existe um SUS. Os hospitais públicos são caóticos, todos os anos morrem milhares de pessoas nas filas de espera. Quem tem dinheiro para pagar um plano de saúde privado acaba comprometendo grande parte de sua renda nisso, já que os planos não cobrem todos os gastos de atendimento hospitalar, internações, cirurgias, etc. Se uma pessoa fica doente e se salva, seguramente sairá com uma enorme dívida que terá que pagar pelos próximos anos.

    Os direitos trabalhistas foram destruídos pela ditadura. A jornada de trabalho é de 45 horas, as férias são de 15 dias, os trabalhadores têm meia hora de almoço. A maioria dos sindicatos não têm nenhum poder de negociação, já que dentro de uma mesma empresa é permitida a existência de muitos sindicatos do mesmo setor (dentro de uma mina, por exemplo, podem existir 20 ou 30 sindicatos). O resultado disso é que os patrões fazem o que querem. A possibilidade de reação dos trabalhadores é pequena. E quando há sindicatos fortes, estão na mão de burocratas que defendem mais os patrões do que os trabalhadores.

    Uma das heranças mais nefastas da ditadura é o sistema de aposentadorias. Todo o sistema é privado. A aposentadoria dos trabalhadores é administrada pelas AFPs, Administradoras dos Fundos de Pensão. São empresas privadas que utilizam a enorme quantidade de recursos que é descontada todos os meses dos salários dos trabalhadores para lucrar. O dinheiro das aposentadorias é utilizado para financiar os negócios dos próprios empresários, comprar ações de empresas, etc. Os próprios donos das AFPs, que também são donos de muitas outras empresas, bancos, seguradoras, etc., utilizam esse dinheiro para financiar, com baixíssimas taxas de juros, seus outros negócios. É uma mina de ouro. Esse é o modelo de capitalização individual que Bolsonaro e Guedes quiseram implementar já com essa Reforma da Previdência no Brasil. Ainda não conseguiram, mas o projeto virá logo mais. Trata-se de destruir o sistema público (INSS) para que as empresas privadas administrem o dinheiro acumulado pelos trabalhadores. A lógica das AFPs é nefasta. Essa enorme soma de recursos é investida no mercado. Se há ganhos, isso fica pros acionistas das AFPs, se há perdas, esse dinheiro é retirado da aposentadoria dos trabalhadores. E o pior, a maioria dos trabalhadores se aposenta com menos de 30% do que recebia antes. Isso explica em grande parte o enorme aumento do número de suicídios de idosos na última década.

    Nos últimos anos milhões de chilenos saíram às ruas de forma pacífica contra as AFPs e defendendo a volta de um sistema público de aposentadorias (como o nosso INSS). A resposta dos governos (de “esquerda” e de direita) foi fazer promessas e não mudar nenhuma vírgula. Agora, pior, o governo de Piñera (atual presidente) mandou ao Congresso uma reforma que entrega ainda mais dinheiro para as empresas.

    Nas principais empresas do país, a exploração é brutal. O Chile é o maior produtor de cobre do mundo. Os mineiros, com um longo histórico de lutas, e suas famílias, sofrem diariamente as consequências mais nefastas da mineração – as doenças pulmonares (como a silicose), doenças musculares, psicológicas, etc. Muitos mineiros trabalham longe de suas casas, em turnos de 10/10 (10 dias de trabalho, 10 de descanso), o que os leva a ter uma dinâmica familiar muito difícil e penosa.

    A situação do principal povo originário, os mapuches, é dramática. Há séculos esse povo vem resistindo às ofensivas dos empresários e do Estado para tomar suas terras, que se concentram principalmente na região sul (a mais fértil) do país. Há séculos há uma verdadeira guerra contra os mapuches.

    Dito tudo isso, agora podemos voltar ao aumento da passagem.

    Na semana passada, então, o governo decidiu aumentar o preço da passagem. Um trabalhador ou uma trabalhadora que toma dois metrôs por dia pode chegar a gastar em um mês, 1/6 do salário mínimo.

    O aumento, claro, não foi bem recebido. Nos dias seguintes ao anúncio, muitos estudantes secundaristas começaram a convocar “pulas-catracas” nos metrôs. O movimento se massificou. O governo respondeu dizendo que não ia diminuir o preço da passagem e colocou a polícia nas estações de metrô. Daí pra frente a coisa foi piorando. Muitos vídeos mostram a polícia jogando bombas de gás lacrimogênio dentro das estações, crianças vomitando, mães chorando, policiais empurrando estudantes pelas escadas. Obviamente o efeito dessas ações foi o aumento das manifestações.

    Na sexta-feira (18) o governo militarizou completamente as estações, diante das convocatórias massivas dos estudantes. No horário de pico de saída dos trabalhadores, 18h-19h, o governo resolveu fechar as estações para evitar os pulas-catracas. Essa decisão fez com que milhares de trabalhadores não pudessem voltar às suas casas e tivessem que caminhar. Isso gerou manifestações espontâneas em várias partes da cidade. Na sexta a noite, os conflitos mais violentos começaram.

    Em todos os bairros começaram os protestos e confrontos com a polícia. De noite, a coisa já tinha se generalizado. Em todas os bairros da capital já havia protestos. As famílias se somaram à juventude. A polícia reprimiu e reprimiu. A revolta tomou um caráter mais violento. Nessa noite, 16 estações de metrô e um enorme edifício da empresa de energia Enel (localizado na principal avenida de Santiago) foram queimados, houve saques em alguns supermercados e barricadas por toda a cidade. A polícia já não conseguia mais controlar as manifestações.

    Na noite de sexta-feira, diante de uma enorme rebelião popular, o governo anuncia o Estado de Emergência na cidade, restringindo os direitos a manifestação e reuniões e passando o controle da cidade às mãos de um general. As Forças Armadas são autorizadas a ocupar a cidade. Mais de 300 pessoas são presas.

    A intervenção das Forças Armadas jogou ainda mais lenha na fogueira. Aqui há uma enorme raiva de amplos setores sociais contra as Forças Armadas pelo papel que tiveram na ditadura – os milhares de torturados, assassinados e desaparecidos. A maioria dos militares envolvidos nesses casos nunca foi punida.

    A noite de sexta-feira foi de conflitos e barricadas. Não sabíamos como iria amanhecer o dia seguinte. A presença das Forças Armadas seguramente intimidaria os manifestantes, pensava o governo. Nada mais equivocado.

    No sábado a cidade amanheceu com panelaços e conflitos em praticamente todos os setores populares e alguns bairros de classe-média. Os conflitos agora não eram só com os policiais, mas com as próprias Forças Armadas. Ontem (sábado), os protestos se expandiram para todo o país, de norte a sul, de Arica a Magallanes. O governo decretou estado de Emergência em Valparaíso (cidade portuária com longa trajetória de lutas) e Concepción (uma das principais cidades do sul). Em Santiago, muitos supermercados de grandes empresas (Wallmart, por exemplo) foram saqueados ou queimados. Em um dos incêndios, três pessoas morreram queimadas. Muitas farmácias e grandes lojas foram saqueadas. Sobre os saques, há cenas muito interessantes.

    Muitos deles foram protagonizados por famílias e pela população em geral. Em um vídeo que circula pela internet é possível ver um jovem lúmpen que sai carregando uma enorme televisão. Os trabalhadores que organizavam a barricada, ao ver o jovem saindo com a televisão, tomam-na de suas mãos e a atiram na fogueira da barricada. O televisor começa a arder em chamas. Os alimentos saqueados, em vários lugares, foram repartidos pelos trabalhadores presentes nas barricadas.

    O processo é totalmente espontâneo e sem direção. Os partidos tradicionais não conseguem controlá-lo. O governo está perdido. Ontem, teve que retroceder e declarou a revogação do aumento da passagem. Ao mesmo tempo, o general encarregado de Santiago, anunciou um toque de recolher a partir das 22h. Nada poderia enfurecer ainda mais a população, que saiu às ruas massivamente após o toque de recolher e passou a noite nas barricadas enfrentando-se com a polícia e o exército. Os protestos ganharam muito apoio popular, apesar da campanha dos grandes meios de comunicação para criminalizar os “vândalos” que estavam queimando os metrôs e saqueando os supermercados. Entre os trabalhadores se armou também um grande debate sobre as táticas que devem ser utilizadas no movimento, já que a destruição do transporte público ou outros espaços públicos seguramente acabará significando uma perda para a própria população. Mas a raiva foi incontrolável.

    Os vídeos da brutalidade policial e do exército circulam sem parar. Ontem, a cidade de Valparaíso, uma das mais combativas do país, foi completamente ocupada por tropas do exército. Os conflitos se estenderam por toda a noite de ontem. Muitos panelaços foram realizados de norte a sul do país.

    Hoje o dia amanheceu relativamente tranquilo. Alguns ônibus circulavam por Santiago. O aeroporto, no entanto, não funcionou. Muitos voos foram cancelados, o que está gerando um colapso. Logo no início da manhã começaram as concentrações nas praças e outros lugares públicos. Na emblemática Plaza Itália, o conflito com o exército e a polícia não pararam um minuto. Mais incêndios, mais saques, muitas barricadas. O governo novamente anunciou o toque de recolher para as 19h (há duas horas).

    Um novo fenômeno começou a aparecer. Grupos armados de traficantes ou relacionados com a própria polícia começam a assustar as populações mais combativas, atacar feiras e outros pequenos negócios. Há notícias de corte de água em vários lugares de Santiago. Os vídeos da brutalidade das Forças Armadas não param de circular. Se ainda não há nenhum assassinado pelas forças militares ou paramilitares, essa é uma possibilidade grande nas próximas horas ou dias.

    A fúria popular é enorme e não parece que diminuirá tão cedo. O governo não tem outra resposta além da repressão. Já são 9 mil militares distribuídos pelas cidades ocupadas.

    Enquanto escrevo essas linhas, escuto gritos, tiros e bombas ao lado de fora do lugar onde estou.

    Bem vindos ao Chile, um oásis de modernidade e estabilidade da América Latina.

  • Comunicado: Greve Geral no Chile a partir de 23 de outubro

    Comunicado: Greve Geral no Chile a partir de 23 de outubro

    GREVE GERAL NO CHILE A PARTIR DE QUARTA-FEIRA DIA 23 DE OUTUBRO. COMUNICADO URGENTE. ESPALHAR POR TODOS OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

    URGENTE: COMUNICADO PÚBLICO DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS QUE EXPLICITA AS CONDIÇÕES E DESEJO DE DIÁLOGO.

    Diante do discurso bélico infundado, mal-intencionado e invisibilizador das demandas massivas dos cidadãos por parte de Sebastán Piñera, é fundamental que este comunicado seja difundido massivamente em menor tempo possível. INSTRUÇÃO: cada pessoa deve se comprometer a difundir AGORA intensivamente entre TODOS os seus contatos as condições e desejos de diálogo da Assembleia de Organizações Sociais, com o cuidado de compartilhar essa mesma recomendação de difusão a TODOS os seus contatos.

     

    COMUNICADO PÚBLICO.

    O Chile enfrenta a maior crise política e social desde a saída da ditadura militar. A explosão social foi desencadeada pelo aumento dos transportes coletivos, o que colocou em evidência a raiva contida e o descontentamento de outras políticas impulsionadas pelas últimas décadas, aumentos permanentes dos serviços básicos, os salários estagnados e a mercantilização dos direitos sociais, entre outros.

    Diante disso, o Governo está efetuando um verdadeiro “auto Golpe”, recorrendo à maior das práticas antidemocrática que é usar as FFAA (Forças Armadas do Chile) para impor a “paz social” por via da força e, nesse contexto, impor suas políticas impopulares em pensões fiscais, jornada de trabalho, etc. Com esse ato, o governo tem paralisado o país com um clima de violência instaurado com a presença dos militares nas ruas.

    Sebastián Piñera não está entendendo as razões no fundo do protesto generalizado dos cidadãos em todo o território. Com sua atitude, está claro que ele não está em condições de seguir dirigindo o país.

    Portanto, em primeiro lugar, nos âmbitos da lei e em relação a cada caso, nenhum trabalhador deve pôr em risco a sua integridade, nem ir aos seus postos de trabalho se não está em condições para isso.

    As organizações sindicais presentes, em uma reunião de urgência da Unidade Sindical, demandamos ao governo que restitua a institucionalidade democrática, que em primeiro lugar significa depor o Estado de Emergência e devolver os militares aos seus quartéis.

    Apenas depois que o Estado de Emergência for deposto, haverá condições que permitam iniciar de maneira real um diálogo social e político, com organizações representativas dos trabalhadores e movimentos sociais, que o dê uma resposta às demandas que são as que geraram esse estado de indignação social.

    As organizações presentes, nós manifestamos nossa decisão de convocar uma grande Greve Geral que esvazie as ruas do país. Se não houver resposta do governo e uma saída pronta do atual estado de crise da institucionalidade democrática, se fará efetiva a partir da próxima quarta-feira, dia 23 de outubro.

    Fazemos um chamado categórico à oposição e ao progressismo para que se recolham e legislem ao mesmo tempo, considerando as demandas populares, e atuem pelo bem do país com critérios de unidade em torno das exigências e da gravidade do momento. Exigimos que toda ação legislativa seja paralisada imediatamente enquanto se mantenha o Estado de Exceção, assumindo uma greve parlamentar.

    Estamos certos que os primeiros responsáveis pela violência é essa elite arrogante e insensível que durante décadas abusou de maneira impune e que mercantilizou até os direitos mais elementares: eles não são exemplo de nada, são os que levaram o país à grave explosão que estamos vivendo hoje.

    Mas, com a mesma claridade, condenamos de maneira mais energética a violência irracional gerada por atitudes do governo, que permitiu ações de vandalismo e delinquência de grupos minoritários, enquanto a grande maioria do país se manifestou de maneira pacífica e organizada por todo o território.

    É um absurdo destruir o metrô que não é usado pelos poderosos, mas sim pelos trabalhadores e trabalhadoras. É repudiável o roubo em comércios, alguns deles de pequenos comerciantes, assim como a destruição de bens públicos. Essa violência irracional é apenas funcional aos poderosos para justificar a repressão e militarização do país. Mas também deixamos plantada a pergunta sobre a suspeita ausência de vigilância e proteção policial da rede de metrô, comércios e edifícios, justo no momento em que operavam esses grupos de filiação desconhecida e duvidosa.

    Finalmente, as organizações sindicais reunidas no dia de hoje, reiteramos e fazemos nossa declaração e pedido de Unidade Social, que contém as demandas de toda a cidadania, do dia 19 de Outubro, sob o lema: estamos cansados, nos unimos.

     

    Central Unitaria de Trabajadores – Coordinadora No Más AFP – Asociación Nacional Empleados Fiscales ANEF – CONFUSAM – FENPRUSS – Confederación Coordinadora de Sindicatos del Comercio y Servicios Financieros – FEDASAP – Confederación Bancaria- CONFEDEPRUS – Sindicato Interempresa Líder SIL – Colegio de Profesores – FENATS Nacional.

    Aderem: CONES – CONFECH – Chile Mejor Sin TLC – Cumbre de los Pueblos – FECH – FENAPO – FEUARCIS – UPROSAT