Durante a abertura da Copa do Mundo, Wera surpreende a todos.
O garoto Wera Jeguaka Mirim tornou-se Kunumi MC. Conheci Wera ao lado de seu pai, o escritor Olivio Jekupe, na aldeia Krukutu, da etnia Guarani M’byá, uma das três aldeias existentes na cidade de São Paulo, que resistem além dos 462 anos da ocupação das terras paulistanas.
Wera ficou mundialmente famoso na abertura da Copa do Mundo , quando, aos 13 anos, para surpresa geral, expôs o único protesto em campo, na abertura dos jogos. Pela demarcação das terras indígenas, após soltar as pombas brancas, o pano vermelho em suas mãos cantava em dissonâncias seu lamento e pedia a demarcação das terras tradidionais, ameaçadas pela proposta da PEC 215. Naquele momento no Brasil corria um zumzumzum contra a presidenta Dilma Roussef e o cronograma foi pensado pela FIFA em substituição ao discurso da presidenta. Uma única palavra, escrita artesanalmente em num pedaço de pano vermelho, saiu-lhe da cueca e causou momentânea turbulência e teve forte repercussão.
Wera com o rapper Criolo durante aprendizado e gravações.
Em seu simples gesto evidenciou-se uma coragem jovem e firme, ousadia e importante atributo muito considerado entre os indígenas. Hoje Wera faz na arte sua corte ao entendimento dos homens que presunçosamente querem dominar a cultura indígena. Muitos querem dizimá-la, é verdade, em vão. Sempre destinado ao fracasso, as tentativas de calar os índios no planalto, traz no Rap a nova arma da juventude indígena.
A luta pelos direitos dos povos tradicionais e o exercício da arte sempre presentes na vida do jovem Guarani.A forte musicalidade da cultura Guarani e a congruente arte do jovem rapper.
Após 462 anos os Guarani não desistem da busca da terra sem males, e Wera canta firme sua música.
Os rios amazônicos e os impuros meandros dos homens.
Pa’ra significa rio-mar na língua tupi-guarani, e o projeto de governo que ali se instalou, em 1616, visava a exploração das chamadas drogas do sertão, visando a exploração da biodiversidade amazônica que se expunha. A ocupação do vasto território se deu sobre a escravização ou massacre dos povos originários e expropriação de territórios. A província relegada à uma irrelevância política originou a revolta da Cabanagem entre sua população pobre e miscigenada que vivia em cabanas de barro no século XIX, vencida e levada ao extermínio em 1840. O imenso e riquíssimo território sempre foi palco de grandes investimentos exploratórios e assim continua se firmando, com mãos de ferro em seus desgovernos. Muitos foram os escândalos já denunciados em sua história de desenvolvimento.
Nos tempos atuais não é diferente. Três já são os anjos do apocalípse nesse mês de fevereiro, anunciando em suas trombetas os males que nos entorpece e embalam as insanidades com a terra, as águas e os ventos no Estado do Pará. Expõe-se na floresta milhares de tonéis de lixo tóxico rejeitados pelas empresas de todo país; ou à beira do rio sagrado dos indígenas do Xingu se anuncia a concessão de licença para se tirar o ouro da terra http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2017/02/governo-concede-licenca-para-belo-sun-extrair-ouro-na-regiao-do-xingu.html, bem como em gesto de astúcia e falsas intenções entronam ceifadores de árvores no comando de instituições ambientais.
Houvesse seriedade no tratamento da questão ambiental, no Brasil faríamos uma operação à la Lava a Jato entre as veredas do meio ambiente e seus minérios e preciosidades da terra. Tudo se destrói, se destitui, se imunda na pátria.
O abandono de milhares de tonéis de lixo tóxico no meio da floresta entre cursos d’água é inadmissível http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/edicoes/2017/02/02.html#!v/5621052, bem como o comando do desmatamento entre funcionários de órgãos ambientais, quando deveriam defendê-los http://www.portalparanews.com.br/noticia/pa/altamira/amazonia/acusado-de-promover-o-maior-desmatamento-da-amazonia-e-impedido-de-assumir-chefia-no-ibama, ou a exploração de minérios em territórios indígenas. Crimes ambientais nos condenam e a vastidão da Amazônia nos alimenta a ilusão que danos localizados não compromentem o todo. Nossos erros se espalham no caminho percorrido desde o ano 1500 e se perpetuam como sina. Pretendem nos dias de hoje, dizem manchetes garrafais, passar a nação a limpo, e se desviam na sujeira sob o tapete da história mocosada pelos marqueses e governadores da linha sucessória. É praxe na república conduzir homens que mandam na terra aos órgãos de comando, assim vemos nos ministérios e até no senado.
Entre o canto das águas ou pelos rios voadores que matam nossa sede e nos envolvem nas grandes cidades sob chuva plena, assistimos passivos o choro da floresta. Como disse um dia o indígena Davi Yanomami, tudo nos condena, o ouro canibal e a queda do céu.
A aurora amazônica e o ouro que recobre nossas vergonhas.
Era uma arena delicadamente iluminada e devidamente organizada para a ordem do dia, distinta das ruas em desordem que nos habita em droga ou todo o incômodo que o tema traz aos habitantes brancos em sua rede de combates e convicções. Diverso do mundo destituído de humanidade dos excluídos, dos pobres, negros e barbudos que habitam as calçadas do crack e são denominados moradores de rua, na arena o que se pretende é consolidar um mundo de braços abertos e harmônico em suas dúvidas e dilemas. O que fazer com a transversalidade do tema? Todos presentes tem sede de respostas, e os interlocutores também as buscam.
Paradigmas e paradoxos são servidos ao público pelo elenco notável, pois a complexidade da pauta exige braços, pernas, mente e coração para romper o maniqueísmo, abordando o indivíduo em sua complexidade. Não há, nessa anatomia, espaço para desencanto ou falsas demagogias, pois o corpo doente dos homens em desumanidade, deletado do corpo social, é dependente, é usuário de algo que não se encontra nos assépticos bancos ou vendas, igrejas ou bibliotecas.
Ação do Batalhão de Choque na região central da cidade de São Paulo.
Na revisão dos modelos de prevenção do uso indevido de drogas não cabe as milongas dos políticos ou a euforia dos que querem repressão e confinamento, exige sim procedimentos que resultem no bem-estar de toda a cidade. Atacar o fornecimento de droga é não resolver a questão, pois as circunstâncias que levam ao uso do crack é o que conta nessa guerra. Recompor a dignidade, o significado da vida e a auto estima do usuário é a única saída. O vício não pode ser tirado de seu contexto, ele tem relação com o que somos e nossa história. Quem sabe qual é a solução é o usuário e sua relação com o mundo e não os governos. Reorganizar a vida e a recuperação plena do cidadão usuário de droga é o que se pretende.
O economista e vereador Eduardo Matarazzo Suplicy, sempre presente nos debates fundamentais.
Os agentes envolvidos nesse debate não são os que batem panela para derrubar governos ou pedir o Choque na rua, nem são os cidadãos que esquentam latas para fumar sua pedra. É sim a sociedade civil que quer um país sem o diabo nas ruas e na entrada e saída dos presídios a fazer suas fortunas, limpo de seus arranjos, maracutaias e mandingas.
O país e o planeta vivem dias de invasão de maus pensamentos, ervas daninhas entre campos semeados ao bem da razão no passado. Incautos nos trazem a doença para depois vender a cura.
Muitos estão em processo de autofagia, mas é a palavra antropofagia que vem à baila em nossos dias, à nossa alma e espírito cansados de idiossincrasias. Dois artigos publicados na semana instigam pensamentos e vicissitudes.
Leonardo Sakamoto e a Universidade Antropófaga nos fazem reagir em tempos de dietas políticas e ideológicas. Visões se cruzam, se completam, se distinguem.
Entenda o que se deve ou não comer em dias de dúvidas e desolamentos, sem perder a ternura e o caráter:
Conheci aquele senhor em 2003. Senhores são simpáticos ao primeiro olhar, bons velhinhos. Ele, contrário à tradição, evidenciava um primeiro olhar rigoroso entre frase firme: muito prazer, Roberto Baruzzi. Preciosos risos seriam consequências no trabalho em equipe, cravado entre rios volumosos e mata densa entre os excluídos.
Um ano faz que o médico Roberto Geraldo Baruzzi, do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina, faleceu. Fundador do Projeto Xingu, programa de extensão universitária da Unifesp, foi pioneiro no exercício e construção de uma assistência à saúde indígena no Brasil.
Nascido em abril de 1929, em 1952 ingressou na faculdade de medicina, sendo também funcionário da Caixa Econômica Federal no período noturno. Concluído o curso de medicina passou ao Departamento Médico da Caixa, na Praça da Sé, quando atendeu muitos pacientes em plena epidemia de Gripe Asiática que então acometia a cidade. Como médico pertenceu à instituição por vinte anos, chegando a chefia do departamento médico do banco.
Em 1962, Baruzzi fez o Curso de Medicina Tropical com o professor Carlos da Silva Lacaz, e após foi estudar saúde pública na Bélgica, pois os belgas tinham grande experiência em doenças tropicais no antigo Congo Belga. Baruzzi dedicaria suas ações à medicina pública. Após se aproximar da Medicina Preventiva e ao professor Leser, ele ingressa na Caravana Médica ao Araguaia, a partir de julho de 1963, viagens com destino a região da Ilha do Bananal, em atendimento aos Tapirapé, Karajá e a um grupo Kaiapó recém- contactado. Em uma dessas viagens, durante um desvio de rota, o avião da FAB fez um pouso no Posto Leonardo Villas Bôas, no Xingu. Nessa ocasião, na pista, um homem se aproximou e perguntou se havia alguém que pudesse atender um índio doente. Essa pessoa era Álvaro Villas Bôas. Dr. Baruzzi prestou o atendimento necessário e seguiu viagem, mas ali ficou depositada uma semente, que germinou após o encontro do médico com Orlando Villas Bôas no retorno a São Paulo.
Do encontro com Orlando, em 1965, nasceu o acordo que a Escola Paulista de Medicina mandaria equipes de saúde ao Xingu e abriria o Hospital São Paulo para retaguarda hospitalar.
Começaram a se organizar quatro viagens ao ano com os profissionais de saúde para assistência aos índios, coisa inédita, para pesquisa, assistência e vacinação. Dr. Baruzzi concebeu um fichário dos índios, com todas as informações: nome, fotografia, anotações médicas em prontuário. Foi algo inédito e revolucionário na atenção à saúde indígena.
É de Roberto Baruzzi o relato:
O contato direto com os índios foi mesmo no Xingu, e a partir daí as coisas foram acontecendo, o programa foi caminhando. Também não tinha competição entre os cuidados de saúde deles e os nossos…Eles mantinham a medicina deles, com os pajés responsáveis pela saúde nas aldeias. Isso era quase uma sinergia. Não era um caso de um contra o outro, nós respeitávamos a capacidade deles, suas crenças e tradições, e eles respeitavam a nossa capacidade, o que tínhamos a oferecer, sabiam que estávamos lá para ajudar. Às vezes nós conseguíamos resolver o problema do paciente, às vezes os pajés eram mais indicados…Uma vez tivemos uma criança em coma provocado pela malária, tentamos de tudo, mas não dava certo, e o pai resolve tirar a criança, nós tentamos fazer com que ele mudasse de idéia, sem conseguir, então, desligamos o soro com antimalárico que estava sendo aplicado por via endovenosa, ficamos desolados. De repente a criança volta para dar continuidade ao tratamento, o pai havia levado a criança para o pajé e voltou animado. A criança se curou, a participação do pajé foi importante…
Ao longo dos últimos 51 anos, o trabalho se consolidou com a participação de amigos, antropólogos, doutores, professores, alunos, indigenistas e profissionais das artes e comunicação. Professor Baruzzi gostava de destacar a figura extraordinária de Orlando Villas Bôas e seu irmão Claúdio, e juntos inseriram páginas importantes na política de preservação física e cultural de povos indígenas e na defesa de seus direitos.
Homenagem ao Dr. Baruzzi, que até seus últimos dias frequentava a Escola Paulista de Medicina.
Há um ano me despedi do professor, que em final perseverante animava a todos a prosseguir, com seu rigor e seu vigor, em determinação firme no comprometimento com a saúde dos povos indígenas. Seu legado é um divisor de águas, sua vida e dedicação à saúde e respeito à diversidade das curas e tratamento das doenças indica um caminho e fortalece o espírito de todos.
Para se lavar uma roupa suja deve-se olhar bem as manchas do tecido. Pegar todas as cores e metê-las na água é criar outros problemas. Lavar roupa na beira de rio, então, exige outros cuidados, pois se banha também, enquanto se lava. Com as indígenas, observei bem, como lidar com os tecidos: chega-se à beira em horário não muito quente, com seu jacá na cabeça e crianças à volta para brincar enquanto se realiza o ofício. Depois despe-se e põe-se em profundo e aprazível momento de limpeza, cuidados com corpo e frescores de alma.
Tal proficiência e utilidades deveriam ser observadas por magistrados ou burocratas que pretendem lidar com a questão indígena. Vão metendo os pés pelas mãos, querendo aprimorar aquilo que já tem sua ciência.
A semana iniciou e se finda entre atropelos de portarias que sujam as já tumultuadas águas da questão indígena e sua urgente observância, pois muitos morrem em conflitos insanos e interesses escusos.
Reproduzo aqui a nota de Paulo Teixeira*:
TEMER RECUA NA QUESTÃO INDÍGENA
Após receber críticas de especialistas e do Ministério Público Federal, o Ministério da Justiça se viu obrigado a revogar a Portaria 68, responsável por mudar os métodos de demarcação das terras indígenas. Decretado sem escutar as entidades e órgãos que estudam a causa indigenista no Brasil, o mecanismo previa a criação de um Grupo de Trabalho externo à Funai, que poderia alterar por completo as decisões da entidade sobre as terras indígenas. Depois da pressão, o governo pensa reduzir o texto e em manter apenas o “conselho”.
Não é nenhuma boa notícia. A medida de Alexandre de Moraes ainda coloca as terras indígenas a serviço dos latifundiários, dos ricos, daqueles que pouco se importam com a história de lutas dos povos nativos brasileiros, uma vez que a criação do Grupo de Trabalho abre espaço para a satisfação de ruralistas e dos grupos financeiros responsáveis pelo golpe contra a presidenta Dilma.
Não há justificativa para a criação de um novo conselho com o poder de revogar as decisões tomadas pela Funai. Os 280 processos de demarcação de terras indígenas que estão em andamento saem extremamente fragilizados.
*Paulo Teixeira é deputado federal, pelo Partido dos Trabalhadores, em exercício do 3º mandato.