Jornalistas Livres

Autor: Helio Carlos Mello

  • AOS VENTOS DO FUTURO

    AOS VENTOS DO FUTURO

    Novos tempos, atores e novos materiais estão chegando. O índio ouve e vê que a hora é agora, cabe a ele ocupar seu espaço, reafirmar seu lugar nas coisas e sua presença na história viva desse momento. Lideranças como Ailton Krenak, Álvaro Tukano e Sônia Guajajara devem ser conduzidas aos palácios que na esplanada se erguem, o parlamento há de ser indígena também.

    Mario Juruna era índio Xavante e foi o único parlamentar indígena no Brasil nesses últimos 517 anos. Líder indígena tinha em sua posse pequeno gravador de fita cassete como arma poderosa, além de seu caráter ilibado.

    Conheci Ailton Krenak no século passado. Era faculdade e lá estávamos. Eram também tempos de  Constituinte, e Krenak se foi no mundo.

    O cineasta Hermano Penna.

    No século 21 o reencontrei, nós já pais, mais homens e maduros. Lembro-me que era 2012 e Ailton mencionou um fogo que invadiu sua casa certa noite em Minas, daqueles que tudo levam às cinzas, e que uma película do filme Aos Ventos do Futuro, do cineasta Hermano Penna, fora extinto nas chamas. Prova única do documentário em brasas, buscamos notícias. Localizei o cineasta Hermano Penna na rede, homem nobre, e soube que de tal película só duas cópias existiam, a de Krenak e uma cópia depositada na Cinemateca de São Paulo.

     

    Com apoio e empenho do Projeto Xingu, programa de extensão universitária da Escola Paulista de Medicina/ Unisfesp, recuperamos e digitalizamos o precioso registro. Apesar do fogo, que recicla e renova, com todo apreço aos agentes envolvidos, o Jornalistas Livres compartilha em primeira mão o oportuno e auspicioso registro.

    Curioso notar que a projeção de 39 minutos inicia e finaliza com imagem da escultura de Alfredo Ceschiatti, símbolo da justiça nacional em sua suprema imparcialidade, livre. É de Ailton Krenak o depoimento final de AOS VENTOS DO FUTURO:

    “Essa insistência do Estado, do governo brasileiro em não acatar as propostas que o movimento indígena tem encaminhado de criar um órgão, modernizar o órgão de política indigenista, tem feito com que o movimento procure outras formas de representação, de articulação. Uma dessas reivindicações hoje é a representação indígena dentro da assembléia constituinte, que se daria de forma direta, sem concorrer por partidos.

    A base dessa nossa força é no sentido de que os povos indígenas precisam estar representados através de mecanismos que sejam permanentes, de garantia dos territórios indígenas, de garantia das condições para que essas pequenas sociedades se estabeleçam na relação com a sociedade nacional.

    A política que o governo tem feito, na velha república e na nova república, é um desrespeito sistemático às formas de se organizar, às formas de se representar dos povos indígenas. Nós achamos que, na verdade, o Estado brasileiro tem muito a ganhar com a participação da população indígena no sentido que é ampliar os espaços democráticos do Estado, garantir a pluralidade, garantir que esses povos sejam representados dentro do conjunto das relações do Estado com a sociedade brasileira, e a confirmação também de que os povos indígenas, somos, os aliados do futuro dessa Nação.

    Nós devemos estar presentes numa perspectiva de futuro no sentido que vamos continuar tendo terra, de que vamos continuar tendo floresta, que vamos continuar tendo condições de vida nesse país. E isso na verdade é a reafirmação de um princípio nosso, de que se existe um futuro nós somos aliados desse futuro e temos que estar obrigatoriamente nesse projeto. “

     

  • SEM LIMITES PARA SONHAR, SEM PESO E MEDIDA, DESEJOS E DELÍRIOS, HOJE E AMANHÃ.

    SEM LIMITES PARA SONHAR, SEM PESO E MEDIDA, DESEJOS E DELÍRIOS, HOJE E AMANHÃ.

    *ensaio sobre fotografias de Sato do Brasil.

    Porque eles são maus, são sádicos e são covardes. Domingo infiltrando sua madrugada fria entre ratos nos canos podres sob o asfalto, chão sujo da metrópole perversa com a miséria alheia.

    Nos chega a notícia às seis da manhã, que centenas de coturnos e seus uniformes de batalhões cercam a região central. A Cracolândia não só será invadida, mas desocupada e  demolida. As armas e os homens na ação seriam suficientes para transformar todos em carne moída na cidade pobre, pois são tão fracos os que ameaçam, vulneráveis à toda repressão arrogante que invade.

    São cegos os que querem esterilizar as ruas, embaixo do asfalto pretendem esconder as carências e mazelas dos excluídos. É governador, é prefeito, é capitão, é médico, todos se orgulham da mão de ferro do Estado, encaram os mais fracos como se nada acontecesse no poder que nos massacra em suas falcatruas. Removem das ruas o espelho de suas promiscuidades, entendem a saúde pública como um problema de polícia e autoridade.

    Como dizem os sujos cartazes, velhos poetas na parede desafiam: redução de danos, o mundo não some quando você fecha os olhos. Atravessar o deserto das razões no céu como se fosse bêbado. O que será que juram os profetas embriagados?

  • Colapso ético do Judiciário brasileiro e os povos indígenas

    Colapso ético do Judiciário brasileiro e os povos indígenas

    por Pádua Fernandes, edição original da Publicação Oficial da Associação Juízes para a Democracia / Ano 17 – nº 74 – Fev – Abril 2017

    Este breve artigo estrutura-se a partir de três questões: a primeira diz respeito ao relacionamento do direito com as ciências sociais; a segunda, à relação entre o direito internacional e o nacional; a terceira, enfim, à justiça de transição e às continuidades da ditadura.

    1. A ignorância antropológica pode gerar bom direito? Certamente não: como os direitos dos povos indígenas são informados pelo conteúdo das práticas e tradições dos povos indígenas, somente uma decisão antropologicamente informada pode ser juridicamente consistente.

    Não foi o caso da tese fantasiosa do Ministro Gilmar Mendes de que “podemos resgatar esses apartamentos de Copacabana, sem dúvida nenhuma, porque certamente, em algum momento, vai ter-se a posse indígena […] Terra tradicional é Copacabana, terra tradicional é Guarulhos”.

    Tratava-se da Terra Indígena (TI) Guyraroka, do povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, em discussão no recurso ordinário em mandado de segurança 29.087-DF. A situação fática da TI não tinha relação nenhuma com Copacabana. A maioria da 2a Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), porém, decidiu pela nulidade da demarcação em 2014.

    Decisões como essa fundamentam-se em uma concepção etnocêntrica de propriedade que, em seu défice antropológico, é incompatível com o artigo 231 da Constituição da República e com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que interpreta o direito de propriedade de forma a proteger as posses coletivas dos povos originários. Trata-se da única interpretação consistente com a diversidade cultural no continente americano. A arrogância epistemológica de uma hermenêutica jurídica que não dialoga com outras ciências não é capaz de inspirar decisões que se coadunem com os direitos humanos.

    2. Ilícitos internacionais são um exemplo de bom direito? Cremos que não. No entanto, esses ilícitos são fomentados ou garantidos pela postura metodológica do STF que, apesar da abertura da Constituição brasileira ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, insiste no que Antoine Garapon chamou de provincianismo constitucional.

    Entre os diversos ilícitos internacionais no tocante ao dever de proteção aos direitos dos povos indígenas, está a sistemá- tica violação pelo Estado brasileiro da Convenção no 169 da OIT, com suas medidas de autonomia dos povos indígenas. A Petição 3.388-RR (o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol), julgada pelo plenário do STF em 2009, foi um exemplo notável daquele provincianismo: a construção jurisprudencial das condicionantes à demarcação da TI foi realizada em desprezo pelo Direito Internacional.

    A arrogância epistemológica de uma hermenêutica jurídica que não dialoga com outras ciências não é capaz de inspirar decisões que se coadunem com os direitos humanos

     

     

    No julgamento dos embargos de declaração, em 2013, a Convenção 169 foi mencionada apenas em orientação hermenêutica oposta à do Sistema Interamericano, ou seja, não para aplicá-la, e sim para limitá-la. O método da ponderação serviu para a ineficácia de direitos humanos.

    A relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, esteve no Brasil em março de 2016 e publicou nota de preocupação com “a interpretação equivocada dos artigos 231 e 232 da Constituição na decisão judicial sobre o caso Raposa Serra do Sol”.

    Se o provincianismo não é o método juridicamente mais adequado para o diálogo com os sistemas internacionais de direitos humanos, deve-se reconhecer que ele é o mais conveniente para reproduzir uma cultura jurídica nacional que discrimina os povos indígenas.

    Victoria Tauli-Corpuz, esteve no Brasil em março de 2016, acompanhada pelos Jornalistas Livres, em várias aldeias de Mato Grosso do Sul.

     

    3. A violação da justiça de transição na legitimação judicial de genocídios e etnocídios pelo STF constitui um bom direito?

    Lembremos da tese do marco temporal, instituída pelo STF na Pet. 3.388, que exige que, na data da promulgação da Constituição, os índios estivessem presentes em suas terras, sob pena de nulidade de demarcações ou de ampliações realizadas posteriormente. Além de fazer tábula rasa da proteção constitucional anterior, ela viola o Direito Internacional. A jurisprudência da Corte Interamericana segue a linha de que a remoção forçada de um povo indígena não o impede de reivindicar seu território (caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, de 2006).

    Na ditadura militar, a espoliação das terras indígenas ocorreu com a prática de remoções forçadas e genocídio. Com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, o Estado assumiu em 2014 a prática dessas graves violações de direitos humanos, o que, segundo os parâmetros internacionais de justiça de transição, deveria levar à reparação das vítimas com a demarcação, a desintrusão e recuperação ambiental de suas terras.

    A ausência das medidas reparatórias corresponde a uma das continuidades da ditadura e está ligada ao ressurgimento da doutrina de segurança nacional que, por meio de suas duas facetas, a da defesa e a do desenvolvimentismo, vê os povos indígenas e seus modos de vida como inimigos e obstáculos ao “progresso”. Ouve-se hoje nos três Poderes a retórica de que os índios seriam perigosos e atrasados.

    As três questões conjugam-se, enfim: a ignorância antropológica, o ilícito internacional e a injustiça de transição são aspectos do mesmo colapso ético do Judiciário brasileiro ao tratar das questões indígenas.

  • O SABER DO BEM COMER

    O SABER DO BEM COMER

    O alimento tradicional entre as etnias indígenas é a grande marca entre um povo em equilíbrio. Poder e saber comer é elo entre a terra e os homens que nela habitam. Ter contato com novas culturas sempre varia o cardápio secular das comunidades, muitas vezes se enriquecem ou se complementam, mas é regra que se contaminam com alimentos processados e industrializados tendo no acréscimo do sal, açúcar e gorduras seu maior prejuízo.

    A roça e a caça fartavam os que delas sempre se alimentaram quando as chuvas lambiam as matas e o trabalho no roçado mostrava sua graça. Mas nem tudo é mais coleta entre os clãs, as mudanças climáticas no avanço das propriedades e o abraço do agronegócio entre antigos sertões introduziram mudanças em padrões alimentares há muito aprimorados. Rapidamente desfazem  antigas tradições entre os produtos baratos e de má qualidade oferecidos aos mais pobres e açoitados por publicidade voraz.

    Sucos em pó, guloseimas coloridas, inventos com farinhas saborizadas. Conservantes, acidulantes, açúcares, propionato, amaciantes, corantes, antioxidantes, espessantes; tudo vai criando rima com o ambiente que se desnutre e carece.  DDT, acefato, alacloro, aldrin, ametrina, atrazina, bromofós, glifosato, ciromazina, fentoato, malationa, mirex, tiran, zoxamida; uma melodia dissonante  de agrotóxicos vai violando a terra e silenciando o balé de abelhas, borboletas e beija flores que cortavam os campos. Tudo é silêncio na vastidão verde da soja, milho ou sorgo que rasgam o cerrado e cortam a Amazônia em novos padrões de produção. Aldeias isoladas em áreas demarcadas sofrem gradualmente a influência de nossa má nutrição, a obesidade e o diabete invadem, na calada e sorrateiras, a saúde indígena.

    Equipe de profissionais do Projeto Xingu/EPM-UNIFESP, ensina às mulheres indígenas a reconhecerem as armas silenciosas que inventamos, como o óleo, o sal e o açúcar. Mulheres indígenas descobrem que os perigos são muitos e tudo registram em nova tecnologia para compartilhar com os seus.

    Entre tantos desafios oferecidos nesse momento aos povos indígenas, entender nossos alimentos e tudo que neles existe em seu processamento, é apenas um dos mais graves comprometimentos nessa terra que se fundi em sua diversidade. Saber comer é de grande valia entre tantas armadilhas que inventamos. Antigamente o supermercado era o rio e a mata. Agora se perdem entre embalagens e sabores, tudo engana.

  • ISA e dezenas de organizações e movimentos unem-se contra retrocessos ruralistas

    ISA e dezenas de organizações e movimentos unem-se contra retrocessos ruralistas

     

    CARTA PÚBLICA

    Nos últimos anos, as agendas socioambiental, de direitos humanos e de trabalhadores do campo têm sido alvo de ataques sistemáticos por grupos de interesse instalados no Congresso Nacional e no Executivo Federal. Nem mesmo direitos garantidos pela Constituição estão a salvo.

    Atualmente estes ataques ganharam uma nova dimensão. Em meio ao caos político que assola o país, a bancada do agronegócio e o núcleo central do governo federal fazem avançar, de forma organizada e em tempo recorde, um pacote de medidas que inclui violações a direitos humanos, “normalização” do crime ambiental e promoção do caos fundiário. Se aprovadas, tais medidas produzirão um retrocesso sem precedentes em todo o sistema de proteção ambiental, de populações tradicionais e dos trabalhadores do campo, deixando o país na iminência de ver perdidas importantes conquistas da sociedade ocorridas no período democrático brasileiro.

    Às tentativas de aniquilação das políticas de reforma agrária e do uso social da terra, contidas na Medida Provisória (MP) 759, somam-se iniciativas de extinção de Unidades de Conservação, a facilitação e legalização da grilagem de terras e os ataques contra direitos e territórios indígenas. Em conjunto, tais investidas buscam disponibilizar estoques de terras para exploração desenfreada e também para serem negociadas através do projeto que libera a venda de terras para estrangeiros.

    A lista de retrocessos segue com as tentativas de enfraquecimento do licenciamento ambiental e da fiscalização sobre a mineração; a liberação do uso e registro de agrotóxicos, inclusive daqueles proibidos em diversos países do mundo; a ocupação de terras públicas de alto valor ambiental; a concretização das anistias a crimes ambientais e o ataque a direitos trabalhistas e sociais de populações camponesas e de trabalhadores rurais.

    Para o avanço rápido desta agenda, governo e parlamentares armam tramitações expressas no Congresso e fazem uso desmedido de medidas provisórias, inclusive para temas que já se encontram em debate no legislativo, excluindo assim a possibilidade da participação da sociedade e de estudiosos dos temas.

    Além de colocar em risco a nossa própria soberania e segurança alimentar, a aprovação de tais medidas resultará em maior concentração fundiária; na inviabilidade econômica de pequenos produtores rurais e da agricultura familiar, dos quilombolas e povos indígenas; no aumento da violência e da disputa por terras; no beneficiamento da grilagem de terras públicas e na mercantilização dos assentamentos rurais e da reforma agrária.

    O desmatamento será impulsionado de forma decisiva, colocando por terra todo o esforço da sociedade que levou à redução do desmatamento na Amazônia em cerca de 80% entre os anos de 2004-2014, nos afastando do cumprimento de compromissos internacionais assumidos em convenções sobre clima e sobre biodiversidade, de direitos indígenas e direitos humanos. Este conjunto de fatores poderá potencializar as dinâmicas das mudanças climáticas, impondo graves prejuízos à economia, aos produtores rurais e à toda população do campo e das cidades.

    A participação do governo na ofensiva orquestrada contra os direitos, territórios da diversidade e meio ambiente revela um retrocesso político histórico: além da renúncia à obrigação constitucional de tutela dos direitos difusos e de minorias, escancara uma concepção de País calcada no desprezo pela natureza e pelo conhecimento sobre ela em função de interesses econômicos imediatos, reproduzindo o modelo excludente de expansão do agronegócio e facilitando a implementação de projetos frequentemente ligados a esquemas de corrupção e má-gestão dos recursos públicos.

    Diante do exposto, as organizações e movimentos dos mais diversos campos de atuação abaixo assinados se unem para denunciar e resistir à perversa agenda de desmonte das conquistas socioambientais, e convidam a população e demais setores organizados da sociedade a somarem esforços no sentido de impedir tais retrocessos.

    Assinam: 1. 350.org   2. Actionaid   3. AdT/Amigos da Terra   4. AFES/Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade   5. ANA/Articulação Nacional de Agroecologia   6. Amazon Watch   7. APIB/Articulação dos Povos Indígenas do Brasil   8. Apremavi/Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida   9. Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil   10. BVRio   11. CBJP/Comissão Brasileira Justiça e Paz   12. CIMI/Conselho Indigenista Missionário   13. Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil   14. Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração   15. Comissão Pró-Índio de São Paulo   16. CONAQ/Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas   17. CONECTAS   18. CNS/Conselho Nacional das Populações Extrativistas   19. Consulta Popular   20. CPT/Comissão Pastoral da Terra 21. CUT/Central Única dos Trabalhadores   22. Engajamundo   23. FASE/Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional   24. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social   25. FURPA/Fundação Rio Parnaíba

     

    https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/isa-e-dezenas-de-organizacoes-e-movimentos-unem-se-contra-retrocessos-ruralistas

     

  • O HORIZONTE QUE NEGAM

    O HORIZONTE QUE NEGAM

    O desmonte da FUNAI, o relatório da CPI CIMI- INCRA, a proposição da aquisição de terras nacionais por capital  estrangeiro, a grande adesão das etnias dos povos originários ao 14º Acampamento Terra Livre, a evidência dos conflitos no campo espalhados pelo país. Dos padres e bandeirantes que em martírio abriram caminhos, do senhor das antigas senzalas, o poder segue firme se constituindo em imolação dos mais fracos fortalecendo a metrópole.

     

    Por que nega-se a terra aos que a querem e a têm na alma e delas nascem e se nutrem?

     

    CPI FUNAI / INCRA segue no atropelo. Até quando?

    http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=8349E47233C4A50750B5D54BA5D29BBE.proposicoesWeb2?codteor=1325691&filename=RCP+16/2015

    Além da indicação de pessoas para serem indiciadas, o relatório formaliza uma série de proposições com impacto direto na política e na ação indigenista, desnorteando a bússola:

    I – Indicação encaminhando o Relatório da CPI Funai e Incra 2 ao Excelentíssimo Ministro da Justiça e da Segurança Pública, sugerindo a reanálise, no âmbito da demarcação de terras indígenas, dos procedimentos administrativos em andamento

    II – Indicação ao Presidente da República, sugerindo a propositura de Projeto de Lei para regulamentar o art. 231 da Constituição Federal de 1988

    III – Ofício ao escritório da Organização Internacional do Trabalho no Brasil indicando transgressões à Convenção 169 da OIT e pedindo providências

    IV – Indicação ao Poder Executivo, sugerindo a criação de órgão a funcionar como Secretaria Nacional do Índio

    V – Ofício à Nunciatura Apostólica no Brasil, encaminhando relatos de atuação contrária aos princípios cristãos e à dignidade humana por parte de agentes do Conselho Indigenista Missionário

     

     

     

    Bomba é solução simples para questão agrária tão arcaica. Sacam a arma de repente e se excluem das responsabilidades, criando outros marcos na semântica.

     

     

    Eram apenas rapazes latino americanos, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes,vindos do interior. Belchior talvez ouvisse seus discos para a partida entre gases e ligeirezas ou já nem se lembrasse mais dos motivos de romaria tão justa, pois tudo, sei, se faz proibido,  quando  muitos, sem medo no coração do sertão, se ausentam entre a fumaça que arde nos olhos.

    Vi senhoras e jovens Kaiowá, com as maracas cantando e abanando as mãos ao vento, como se espantassem demônios, dando valha-me aos males, mirando o Congresso no fim da esplanada distante. É capital o sentimento indígena na percepção do mundo e seus caprichos, e os velhos Kaiowá, apesar de tudo que morrem, ainda pronunciam orações em esperança. Brasília é cidade mouca, os plenários lá constituídos pouco ouvem de seus visitantes e donos cidadãos. Índio ou preto, sertanejo ou metalúrgico, na capital encontram sua guarda, sempre bem armada, num tabuleiro que nomeia e demite, afasta e empossa. Mas a esperança é cega e persiste. 

     

    Os povos indígenas têm o direito a conservar e fortalecer suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, se assim o desejarem, na vida política, econômica, social e cultural do Estado, diz o Artigo 5 da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

     

    “É certo que houve alguns esforços nesse sentido , por exemplo, quando da concepção e implantação dos distritos sanitários especiais indígenas (DSEIs). Alguns agentes sociais, indígenas e não indígenas, viram ali a possibilidade dos DSEIs serem embriões de estruturas políticas mais amplas, para o exercício do direito à autonomia ou ao autogoverno indígena nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, e para a gestão de seus territórios e recursos naturais. Mas a esse esforço seguiram-se movimentos contrários, que por diferentes perspectivas políticas e interesses econômicos, desqualificaram ou, até, criminalizaram iniciativas que pudessem caminhar nesse sentido. Quando muito, foi aceito um multiculturalismo “bem comportado”, que se ocupa da diversidade enquanto diferença cultural, dentro de um determinado espaço (local, regional, nacional ou internacional), ao mesmo tempo em que repudia ou deixa de lado diferenças econômicas e sociopolíticas. Na prática, isso se manifesta em políticas que se “abrem” à diversidade cultural, manifestam um relativismo cultural, ao mesmo tempo em que reforçam os mecanismos de controle e domínio do poder do Estado nacional e os interesses do capitalismo global sobre os territórios e os recursos naturais.  (…) Ao final deste texto com a sensação de que estamos frente a um grande desafio. Será necessária muita criatividade, muita vontade de inovação e disposição para enfrentar os entraves administrativos, políticos e culturais que freqüentemente se interpõem ao avanço da democracia participativa no Brasil, principalmente quando se refere aos povos indígenas. Neste momento, em que se retoma no âmbito do Congresso Nacional a discussão sobre a necessidade de uma legislação específica, em substituição ao já, há muito, obsoleto Estatuto do Índio de 1973; em que se tenta conceber fórmulas alternativas ao instituto da tutela; quando o movimento indígena brasileiro busca se fortalecer e articular alianças com outros movimentos sociais, visando à transição para uma sociedade onde a plurietnicidade e a interculturalidade estejam na raiz das suas instituições.” (Ricardo Verdum INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2009). 

     

    Entre as mulheres na aldeia, antigas senhoras seguem o rumo da vida em velhos preceitos atentas ao leme.  Persistem porque ser livre é preciso e entre a aldeia e a cidade muitos povos somos, por mais que neguem, por mais que sufoquem.

    Resistem e lamentam, gritando na avenida a sina que insiste e parta: é índio.