Jornalistas Livres

Autor: Helio Carlos Mello

  • Gunga-muxique

    Gunga-muxique

    Pedaços do mundo ficarão nos muros, fotografias penduradas, 

    saudades daquilo que éramos.

    O meio ambiente migra para as paredes das casas, 

    seus aposentos. 

    .

    As imagens da Terra ocuparão Marte um dia, 

    planeta árido, vazio, os horizontes distantes daqui, 

    o jeito que fomos um dia.

    É o homem guardador de arquivos, antigos rebanhos? 

    Gente a numerar risos perdidos no tempo?

    .

    Desmontam o país e toda legislação para o meio ambiente,

    sufocarão os povos da terra. 

    .

    A fotografia é grande invento,

    descoberta fundamental.

    Os dinossauros não tiveram tal sorte, deixaram pegadas,

    um ovo de pedra aqui, outro ali

    nada mais.

    Chegamos naquele momento em que joga-se

    a moeda para cima:

    ou é cara ou coroa, amor ou pavor.

    .

    O que de fato importa é a linha da costura,

    delicados pontos, furos nos dedos,

    sangue

    e coágulos.

    O que mancha ou faz calos,

    o que se escreve e deixa sua marca, 

    palavra no livro, rumo ou rota.

    .

    Ficam os joanetes.

    A terceira margem é senda

    onde vou com tantos, vento absorto,

    cismarento.

    .

    Não sei se o chefe, o gunga-muxique,

    tal um imperador que crê nos filhos, 

    sabe dos meandros da história e sua cunha,

    fatos de afogamento e sucuri.

     

    .

    Nós, os outros, canhotos,

    morreremos em paz, plenos no nado

    e vacinados.

     

    imagens por helio carlos mello

  • Troca troca

    Troca troca

     

    Quem ainda quer realizar um sonho, tem melhores chances de sobreviver, ouvi numa cena de filme, durante a madrugada. Perdoem, não sei dizer o título do tal, vi a cena e dormi novamente depois da frase.

     

    Acordei com aquilo na cabeça, pensando se sonhara. A tv ainda ligada, oferecendo tagarela informações do cardápio do dia, no início da manhã já dizia o presidente sobre fritar hamburguer, do filho embaixador e tal, coisas de embrulhar o estômago quando se acorda.

     

    Pesadelo.

     

    Enfim, após escovar os dentes e o café de sempre, dei de cara com texto de Mestrando em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, de Heleno Rocha Nazário,  sobre hermenêutica de profundidade, assunto interessante sobre o sentido das palavras, sua interpretação e reinterpretação geradas pelo indivíduo, sendo apenas mais uma interpretação possível.

     

    Jürgen Habermas, filósofo alemão recente,  situa a linguagem como uma de muitas dimensões da vida social, uma dimensão sujeita a deformações provocadas pelo exercício do poder, e assim indica que a análise deve identificar as distorções ideológicas que constrangem a linguagem, ligando esses casos e contrapondo-os com uma comunicação ideal e livre de restrições. 

    Salvador Dalí – construção mole com feijões cozidos

    Gente sonha tanto, coisas bacanas, um cacho de bananas amarelas, coisa doce, boa. A mídia joga imagens, palavras que insistem, renovam a cada dia aquilo que pensamos querer. Há a vontade dos senhores. Sonhos também? 

    Nem sei dizer. Dizia Raul do sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade.

     

  • Mulher e indígena

    Mulher e indígena

    As mulheres indígenas invadirão nossa praia, a capital dos ternos e gravatas. 

     

    Há uma revolução nas aldeias, novos fatores de poder e jeito de caminhar.

     

     

    É clássica a imagem da mulher Kayapó, Tuíra, com seu facão lambendo a face do diretor de empresa, pontuando sua visão do mundo,  exigindo respeito ao índio. 

    Sônia Guajajara ousou ser candidata à vice-presidência da república, Joênia Wapichana tornou-se a primeira deputada federal, voz permanente no parlamento nesses dias difíceis.

     

    A visibilidade da mulher indígena sempre foi estereotipada e reduzida ao imaginário da sexualidade do colonizador. Hoje elas vão unidas, fortes, cantando sempre seus hinos de guerra à frente de todo movimento. Com graça e severidade protestam, com velhos guerreiros vão pra cima do invasor, contestam. 

    Com o tema Território: nosso corpo, nosso espírito, de 9 a 13 de agosto, em Brasília, pretendem reunir milhares de mulheres de várias etnias distintas, de muitas aldeias do país.

     

    A coordenação da Marcha realiza a arrecadação de recursos através da doação voluntária de simpatizantes e organizações parceiras.  O objetivo é dar visibilidade às ações das mulheres indígenas discutindo questões inerentes às diversas realidades, a garantia dos direitos humanos e o cuidado com a terra, o território indígena, com o corpo e o espírito da humanidade.

    Saiba mais e colabore em:

    https://www.vakinha.com.br/vaquinha/apoie-o-1-encontro-de-mulheres-indigenas

     

    imagens por Helio Carlos Mello©

  • Presidente dasafinado

    Presidente dasafinado

    Há um minuto de silêncio por João. 

     

    Jair nos trai, nem se importa com notas

    musicais ou luto,

    com saberes e cor da camisa canarinho.

    Seu terno é véu. 

    .

    Brasil que sonha,

    torce, retorce,

    Maracanã, paixão que guarda e chora.

    .

    Nem sabe o presidente que o amor é o tal,

    céu e mar, mato, terra de índio

    chão de preto, caiçara, operário, fugitivo,

     gente que segue.

    .

    João não liga, repousa em paz.

    .

    A insensatez que ele fez,

    ao levantar a taça, sem força,

    desalmado, sem sinceridade, 

    condena, pune. 

    .

    Quem semeia vento

    colhe tempestade, diz a canção.

    Jair homem de mando, 

    desafinado, 

    caco de vidro, estilhaço na estrada.

    .

    Nosso cantinho, nosso violão,

    nossa aldeia, nossa floresta;

    tudo ele ameaça, mancha a taça,

    mancha terra e rumo, sem alma, sem canto,

    perna de pau.

     

    Se esse governo é dos ruralistas, do agronegócio, 

    sei apenas que cada pedaço,

    terras da nação, devolutas, pública, minha, tua, 

    é nossa. 

    Melancolia em que não cabe fugaz

    presidente.

    .

    As coisas mais sérias que tentamos, ele zomba.

    .

    Bobo nem sabe do que a multidão é capaz. 

    Levantou a taça, impróprio, vaias, jogo de cena. 

    .

    Brinca com coisas sérias, besta sem sabor ou senhor.

    .

    Houve eclipse solar, todos viram,

    seguimos na sombra, frio do inverno,

    o sol nos lábios firmes. 

    Gritam

    vá tomar no cu, torcidas em estádio

    encurralam presidentes no mandato,

    é gol, é pânico, penico,

    pena capital.

    .

    Quem nunca amou, não merece ser amado.

  • Para

    Para

    Para te desejo algo sem preço.

     

    Tu é elo, afinco, fundação.

    Serão prendas seus afagos, minha verdade. 

    Um povo caiçara, negro, teu silêncio

    e ausências indígenas  

    sem escritura ou mando.

    Quando as águas dos mares subirem

    tuas andorinhas não terão onde pousar.

     

    Tua lua cheia, tua maré alta que lambe calçadas

    de pedra torta,

    de escravos e índios,

    tudo grana.

     

    Rico é o dono de lancha e escuna, belas ilhas.

    Do caiçara a periferia.

    Ser nomeado Patrimônio Mundial avança, 

    tanto renega,

    tu é linda vila,

    cidade até, capital, patrimônio, mercado, produto. 

     

    Tudo te invade,

    montanha, mar, gente.

    Talvez nem sobre tuas espinhas

    diante da fome dos homens, a fome do

    rei de um olho só.

     

     

    Mas te vejo linda,

    esplendorosa entre letras e fotografias, 

    festivais, cultos milicianos, condomínios,

    agreste cachaça.

     

    Tão histórica em nossos signos

    tu segue.

    Nada zela, tudo cobiça, condena poetas e caiçaras.

    O mar cheio de peixes

    nos dará fome,

    as águas calmas,  cheias de gente, nos darão saudade.

  • Tô fora

    Tô fora

     

    Dizem as más línguas

     

    que ocorreu a interjeição

     

    arrego.

     

    Se assustou com a proposta, questionou.

     

    Como posso eu, presidente, arriscar o pescoço a botoque,

     

    boca tão grande?

     

    Em águas, dessas bem claras,

     

    não devem mesmo se arriscar incautos,

     

    para tal proa vão jovens ou homens bem astutos, valentes.

     

    Por que Bolsonaro não quer encontrar Raoni?

     

    Será que Raoni quer encontrar Bolsonaro?

     

    Tantos querem encontrar Raoni e o cacique já encontrou milhares,

     

    talvez milhões;

     

    sempre querem lhe dar a mão, um toque qualquer

     

    sei bem.

     

     

    O presidente não quer ver o cacique, 

     

    pensa que ele não representa.

     

    Triste presidente, não pensa.

     

    Peito são coisas para mulheres.

     

     

     

     

    Talvez não pouse também, tal borboleta da noite,

     

    perdida entre lampiões, tonta, afoita.

     

     

    Cacicagem é coisa séria, não desvanece,

     

    canto que se sonhara, tal corpo nu

     

    vestido, protegido em tinta preta,

     

    para lá de dramático efeito.

     

    Direito, a gente vai levando, reza de pajé,

     

    canhota gema, natureza pura.