Jornalistas Livres

Autor: Flávia Martinelli / Jornalistas Livres

  • Tribunal de Contas questiona salários de R$ 12.480 a seguranças de Fábricas de Cultura da Poiesis, dirigida por Clóvis Carvalho, ex ministro de FHC

    Tribunal de Contas questiona salários de R$ 12.480 a seguranças de Fábricas de Cultura da Poiesis, dirigida por Clóvis Carvalho, ex ministro de FHC

    A VOZ DAS PERIFERIAS – UMA SÉRIE DOS JORNALISTAS LIVRES SOBRE AS FÁBRICAS DE CULTURA DE SÃO PAULO

    Por Flávia Martinelli / Jornalistas Livres
    Colaboraram: Adolfo Várzea e Sato do Brasil / Jornalistas Livres

    Artes: Joana Brasileiro  / Jornalistas Livres
    Vídeo: Gustavo Aranda / Jornalistas Livres

    Tudo começou com uma folha de sulfite pregada na porta da biblioteca. Em vez de fechar às 20hs, o local passaria a ser trancado às 17hs. Era corte de gastos e ponto final. A Poiesis, Organização Social (OS) que gerencia cinco Fábricas de Cultura nas periferias de São Paulo – e é dirigida Clóvis de Barros Carvalho, um dos fundadores do PSDB –, não quis conversa.

    De lá para cá, os aprendizes ocuparam a Fábrica do Capão Redondo por 51 dias, houve ocupações na unidade da Brasilândia e no Museu Casa das Rosas, também administradas pela Poiesis. Em vez do diálogo, a OS valeu-se do braço armado do Estado para fazer reintegrações de posse sem mandados de segurança. Mais de 30 aprendizes, entre crianças e adolescentes, foram parar na delegacia, 11 jovens dormiram na prisão e vão responder por dano e corrupção de menores. Além disso, 15 educadores foram demitidos e os que ainda têm emprego decretaram greve. Em comum a todos esses conflitos há uma mesma reivindicação: a falta de transparência da Poiesis sobre o uso do dinheiro público que recebe da Secretaria da Cultura de São Paulo, do governo de Geraldo Alckmin.

    CONTRATO IRREGULAR, INCOMPLETO E SEM DETALHES

    A indignação geral faz sentido. A licitação e o principal contrato de gestão das Fábricas de Cultura administradas pela OS foram considerados irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). O processo já foi julgado em primeira instância e a decisão pode ser vista aqui. No vídeo que acompanha essa reportagem, é possível assistir trechos da sessão do TCE.

    Assinado com dispensa de licitação em dezembro de 2011, pouco antes da inauguração das Fábricas, o acordo entre a Poiesis e a Secretaria de Cultura envolve repasses de R$ 66.277.505,00 destinados ao gerenciamento de apenas duas unidades, a do Jardim São Luís e a da Vila Nova Cachoeirinha, durante quatro anos. Trata-se de um contrato inicial que depois foi ampliado para atender outras três Fábricas (Capão Redondo, Jaçanã e Brasilândia) e chegou ao montante de mais de R$ 145 milhões.

    Os Jornalistas Livres tiveram acesso ao processo que corre no TCE. Num calhamaço de mais de 800 páginas estão documentados três anos de idas e vindas de pareceres de órgãos internos e externos que culminaram nos votos pela irregularidade. A Secretaria da Cultura entrou com recurso para revisão da decisão. A Poiesis também reenviou dados. Novas análises foram feitas e o último parecer do processo, de fevereiro deste ano, foi assinado pela Secretaria-Diretoria Geral (SDG), um órgão técnico do TCE. O documento reafirma as falhas e opina pela não aceitação do recurso. O processo aguarda julgamento.

    Questiona-se o orçamento do primeiro repasse de R$ 16.276.274,18 destinados às duas Fábricas. Os custos apresentados pela Poiesis referem-se aos primeiros 14 ou 15 meses de gestão a partir de 2012 – com índices inflacionários e reajustes estimados. Foram R$ 7.157.182, 29 para a Fábrica do Jardim São Luís e R$ 6.791,662,74 para a de Vila Nova Cachoeirinha.

    Muitos pontos chamaram a atenção dos técnicos do TCE. A começar pelos valores destinados à segurança e limpeza. O contrato da Poiesis (veja reprodução abaixo) declara que na Fábrica do Jardim São Luís seriam necessários R$ 1.032.382,92 para o pagamento de equipes de vigilantes em cinco postos: “2 de 12 em 12 horas e 3 de 24 horas”. São R$ 62.400,00 por mês que foram multiplicados pelos 15 meses de operação e incluem a correção monetária prevista para o período.

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    Planilha da Poiesis apresentada ao Tribunal de Contas do Estado

     

    A Secretaria-Diretoria Geral (SDG) posiciona-se: “Ora, o máximo que depreende da planilha é que o gasto médio mensal é de R$ 12.480,00 por posto. O posto tem 1 vigia? São cinco vigias no total? Mas como foi a formação deste valor?”. As informações divulgadas pela Poiesis não esclarecem. “Enfim, não se sabe ao certo quantos vigias e se cada um corresponde a gasto médio mensal de R$ 12.480,00, o que se mostraria elevado, ainda que em turno noturno”, cita o documento (reprodução do parecer abaixo).

    De fato, está caro. O contrato de prestação de serviços terceirizados de um vigilante, em geral, custa cerca de R$ 5.500,00 mensais com todos os encargos, salário e benefícios. É o que estimou uma funcionária da Alça Fort Segurança, a empresa que a Poiesis paga para fazer vigilância na própria Fábrica de Cultura do Jardim São Luís. Para contratar um segurança, o valor desembolsado para a terceirizada hoje está por volta R$ 4.000,00, no máximo R$ 4.500,00. Uma funcionária de limpeza, por sua vez, custa R$ 3.700,00 por mês. Sempre com o pagamento do funcionário, impostos e benefícios incluídos na conta.

    Mas, no orçamento da Poiesis para a limpeza, que discriminou apenas “equipe de 5 pessoas”, depreende-se que cada funcionário custe uma média de R$ 6.240,00 mensais. A afirmação e o cálculo estão no relatório enviado ao TCE. “Este é mesmo o valor correspondente aos salários dos funcionários da limpeza?”, questiona o parecer (abaixo).

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    A GRAZI PODERIA SER A GAROTA-PROPAGANDA

    Dúvidas do órgão técnico do TCE também pairam sobre os valores envolvidos no orçamento de propaganda e divulgação. Para a Fábrica do Jardim São Luís, por exemplo, foram destinados R$ 611.081,63. O que, segundo a planilha, correspondem a R$ 10.400,00 a serem gastos com 55 peças ao longo de 15 meses. A Poiesis definiu o custo como “estimativa por peça de divulgação da Fábrica de Cultura e sua programação cultural (inclusive e principalmente na comunidade e seu entorno)”. O relatório do TCE pergunta: “São cartazes, são panfletos, são propagandas em rádio? Qual o quantitativo? Qual o pessoal alocado?”

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    Nada consta nas planilhas. Mas, só a título de curiosidade, na rádio de maior audiência de São Paulo, a Band FM, o preço “cheio” de cada inserção publicitária de 30 segundos, é de R$ 1.350,00. Projetos do governo, no entanto, têm descontos.

    Se a intenção for divulgar eventos em veículo impresso, por R$ 950,00 ao mês é possível fechar um pacote semestral de anúncios de página inteira no jornal “Leitura de Bairro”, tablóide mensal que circula há 10 anos na periferia da zona Sul, onde fica a Fábrica de Cultura do Jardim São Luís.

    O relatório do TCE, no entanto, foi além. Afinal, essa mesma seara de serviços, diz o parecer, contemplou o gasto de R$ 61.108,16 da Poiesis com gráfica e editoração. “Quantos materiais e a que custo?”, menciona o relatório técnico.

    Para a Fábrica de Vila Nova Cachoeirinha, a Poiesis apresentou custos de R$ 600.399,99 com propaganda e divulgação e R$ 60.040,00 com gráfica e editoração. Somando-se todos esses orçamentos às duas Fábricas, foram R$ 1.332.989,78 para chamar a atenção da periferia. Daria para pagar o cachê da atriz e modelo Grazi Massafera, uma das mais caras garotas-propaganda do mercado, que em junho fechou contrato de R$ 1 milhão para fazer uma campanha de cosméticos por oito meses.

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    CENÁRIO COM CUBOS DE MADEIRA E FIGURINOS COM CAMISETAS POR R$ 167 MIL?

    Dúvidas seguem quando o assunto é atividade cultural em si. O relatório cita o Projeto Espetáculo, evento que no orçamento da Poiesis foi programado para ser apresentado no segundo semestre de 2012. O valor da produção: R$ 167.894,51.

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    “Foi uma produção simplória. Custou, no máximo, R$ 10 mil”, diz educadora

    Uma educadora da Fábrica de Vila Nova Cachoeirinha que trabalhou na época lembra o que ocorreu. “O Projeto Espetáculo não aconteceu! Ele foi formulado para ser resultado de conclusão de ateliês feitos pelos aprendizes ao longo de 12 meses. Mas só nos últimos quatro meses de 2012 que os educadores foram convocados pelos gerentes para fazer um piloto desse programa, que se chamou Ensaio Geral.”

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    Peça na Fábrica do Jardim São Luís foi produzida nos últimos quatro meses de 2012

    Ela conta que o cenário da peça era composto por 10 cubos de madeira no chão. Quanto ao figurino, resumia-se a camisetas e calças de moletom para os cerca de 40 aprendizes do elenco. “Olha, foi uma produção simplória. Custou, no máximo, R$ 10 mil.” Quase tudo foi produzido por educadores que já trabalhavam nos ateliês e cuidaram da cenografia, direção e dramaturgia. “A Poiesis nunca abriu para nós o valor dessa verba para produção.”
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    Na Fábrica de Cultura do Jardim São Luís foi parecido. Foram produzidas duas peças, também experimentais e pertencentes ao programa Ensaio Geral – sequer citado no processo do TCE. “Eu era educadora e vi as peças. Se gastaram R$ 30 mil com tudo, foi muito” diz Ana Sharp, recém-demitida, atriz, bailarina com mais de 10 anos de carreira. Nada consta nas explicações da Poiesis ou da Secretaria da Cultura ao TCE.

    QUANTIDADE DE LANCHES “PARECE DESPROPORCIONAL”

    O documento enviado ao Tribunal também questionou o orçamento dos lanches servidos na Fábrica do Jardim São Luís. Para oito meses de fornecimento, a Poiesis apresentou custo de R$ 160.425,35. Cada lanche, de acordo com a planilha, sai por R$ 5,20 e, num cálculo simples apresentado no próprio relatório, isso representa o consumo de 3.645 lanches por mês. “Não se sabe quantos aprendizes são, quantos lanches por dia. Parece, inclusive, desproporcional”, aponta o parecer (abaixo), sem entrar no mérito da qualidade da refeição.

    Na ocupação dos aprendizes do Capão Redondo, a comida foi motivo de reclamação. O kit de lanche padrão das Fábricas é um suco de caixinha, um sanduíche de queijo ou presunto. Dependendo da semana, inclui um doce (geralmente paçoca ou pé-de-moleque) ou fruta. Banana é a rotineira. “É tudo muito monótono ou cheio de conservantes”, conta um aprendiz. Durante a gestão na ocupação, uma nutricionista foi chamada e deu uma oficina alimentação saudável, com preparo e aproveitamento de legumes e verduras doadas pela comunidade.

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    Sanduíche, suco de caixinha, doce ou fruta é kit padrão. Planilha apresentou distribuição de 3645 lanches por mês nos primeiros 8 meses de funcionamento da Fábrica

     

     

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    CONTRATO FOI RENOVADO: POIESIS VAI GERENCIAR AS FÁBRICAS ATÉ 2020 POR MAIS R$ 145 MILHÕES

    Por fim, como diz o relatório, “são exemplos para ilustrar a impossibilidade de aferir a formação de valores”. Trocando em miúdos: cadê a transparência nos gastos da Poiesis? É o que perguntam insistentemente os aprendizes que foram parar na cadeia nas desocupações feitas pela Polícia Militar. É a dúvida que acompanha os educadores que perderam seus empregos ou temem a demissão depois da greve.

    Aliás, a hora de trabalho desses profissionais em 2012 era de R$ 74,88, incluídos na conta o salário, encargos sociais e benefícios. Na época, um educador ganhava cerca de R$ 3.500 bruto por mês (veja holerite na abaixo). A Poiesis destinou R$ 1.174.994,04 para o pagamento desses profissionais na Fábrica da Vila Nova Cachoeirinha por 13 meses de trabalho. Com segurança, vigilância e limpeza, somados, orçou R$ 1.470.829, 79 – quase R$ 300 mil a mais, apesar de o contrato constar um mês extra. Ainda assim, a conta não muda: a OS previu mais gastos para vigilância e faxina do que para os educadores.

    Enquanto isso, a verba destinada ao salário do diretor das Fábricas de Cultura, o engenheiro Renzo Dino Sergente Rossa, foi de R$ 33.280 mensais com salário, encargos sociais e benefícios. Dá cerca de R$ 20 mil no contracheque. Só para se ter uma ideia, o governador Alckmin tem salário R$ 21.631,05 por mês.

    E o corte da Poiesis foi justamente na biblioteca.

     

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    Em tempo: há poucas semanas, em 30 de junho, a Secretaria da Cultura renovou o contrato da Poiesis até 2020. O repasse de verbas públicas será de R$ 145.174.613,00. Um item do contrato chama a atenção. Entre as obrigações que a Secretaria da Cultura designou à OS consta “Atender aos usuários com dignidade e respeito.”

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    PLANILHAS DA POIESIS ENVIADAS AO TCE

    Publicamos a seguir as tabelas de custos apresentadas pela Poiesis ao Tribunal em 17 de novembro de 2015

     

     

     

    O JULGAMENTO DO TCE

    O relator do TCE, o conselheiro Renato Martins Costa, apontou diversas falhas no contrato firmado em 20/12/2011 entre a Secretaria da Cultura e a Poiesis. O processo 07/2011 foi julgado em 14 de julho no ano passado e diz respeito ao contrato de gestão de R$ 66.277,505,00 para fomento e operacionalização da gestão e execução das atividades e serviços na área de iniciação, formação e difusão de atividades artístico-culturais desenvolvidas pelas Fábricas de Cultura do Jardim São Luís e Vila Nova Cachoeirinha.

    Seguem alguns trechos:

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    Apesar de orçar mais de R$ 2 milhões em obras, a Poiesis assinou contrato para administrar as Fábricas assim que elas foram construídas, estava tudo novinho em folha. Quanto às chamadas “despesas indiretas”, são referentes a gastos com vigilância, limpeza e manutenção do prédio e equipamentos. Segundo o relator do processo, o dinheiro previsto para pagar a administração das Fábricas de Cultura seriam maiores do que aqueles com projetos culturais.

     

     

    POIESIS NÃO ENVIOU RESPOSTA

    Os Jornalistas Livres solicitaram entrevista ao diretor da Poiesis, Clóvis de Barros Carvalho, por e-mail, na última quarta-feira (20). Sem resposta no dia seguinte, pedimos novamente um posicionamento sobre o processo por escrito. Nada. Então, por telefone, fomos informados que o assessor de imprensa estava de férias. Reenviamos o email à sua substituta. Às 15h48 de sexta-feira (22), a assessora avisou que o caso aguardava resposta da diretoria. Esperamos até agora, segunda-feira (25).

    O QUE DIZ A SECRETARIA DE CULTURA

    O TCE solicitou à Secretaria da Cultura informações sobre providências administrativas e eventual abertura de sindicância para apurar responsabilidades. Ou seja, o tribunal pediu uma investigação ao órgão que contratou os serviços da Poiesis.

    Exercendo seu direito de defesa, a Secretaria de Cultura entrou com pedido de recurso e, em 24 páginas, contendo 64 argumentações, disse que o acordo com a Poiesis vem apresentando um “ótimo desempenho”.
    A pasta defendeu que os contratos de gestão não podem ser engessados para não cercear a autonomia e a flexibilidade das OSs. Para justificar o custo de serviços de vigilância, limpeza, manutenção dos prédios de equipamentos, a defesa afirmou que essas não podem ser chamadas de “despesas indiretas” pois são diretamente relacionadas à gestão das Fábricas.

    A Secretaria também ressaltou que não é possível comparar a verba usada para atividades administrativas com as atividades culturais porque ambas fazem parte do projeto. “É tarefa muito difícil separar a atividade meio de atividade fim em toda e qualquer atividade, seja pública ou da iniciativa privada.”

    QUEM É QUEM NO CONTRATO COM A POIESIS

    A Poiesis é dirigida por Clóvis de Barros Carvalho, que foi fundador do PSDB e ex-ministro da Casa Civil no governo FHC. A Organização Social tem contratos ativos de mais de R$ 300 milhões em repasses públicos. Além de administrar cinco Fábricas da Cultura em São Paulo, faz a gestão dos museus Casa das Rosas e Guilherme de Almeida e mais 15 unidades das Oficinas Culturais espalhadas pelo Estado.

    A empresa sem fins lucrativos assinou contrato de gestão das Fábricas de Cultura com o governo do Estado em 2011, no Governo Alckmin (PSDB). Na época, a Secretaria da Cultura estava sob os cuidados de Andrea Matarazzo, outro tucano de alta plumagem, ex-ministro das Comunicações de FHC, ex-secretário das subprefeituras de São Paulo quando Serra (PSDB) era prefeito de São Paulo.

  • Prestes a ser desocupada, Fábrica de Cultura do Capão Redondo recebe um “salve” do Mano Brown

    Prestes a ser desocupada, Fábrica de Cultura do Capão Redondo recebe um “salve” do Mano Brown

     

    Oitavo episódio: O dia em que Mano Brown manda um salve em solidariedade a todos os aprendizes das Fábricas de Cultura. Ele reitera seu apoio aos ocupados na Fábrica do Capão Redondo que estão prestes a serem despejados e faz votos para que a PM aja dentro da lei e sem violência

     

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    A reintegração de posse da Fábrica de Cultura do Capão Redondo pode acontecer a qualquer momento. Os aprendizes, que tomaram conta do espaço e organizam atividades para a comunidade há um mês e 16 dias, sabem que a Polícia Militar já recebeu o mandado de despejo. Os policias do 37o. Batalhão da PM do Capão Redondo estão de prontidão e o clima é tenso entre as crianças e jovens que estão na Fábrica. Mano Brown, morador da área, mandou um vídeo para manifestar seu apoio à rapaziada: “que a PM aja dentro da lei e não aja com violência contra os adolescentes que estão lá exigindo os direitos deles. A Fábrica de Cultura é do povo, eles estão exigindo isso”.

    A ocupação na Fábrica do Capão começou quando a Poiesis, Organização Social responsável pela gestão do local (que é dirigida por um fundador do PSDB), decidiu reduzir em quatro horas o horário da biblioteca da Fábrica. A justificativa era o corte de verbas. Sabe-se, no entanto, que essa era só mais uma das ações da política de sucateamento da cultura e educação promovida pelo governo do Estado. Antes mesmo de os educadores decretarem greve por causa dos rumores de cortes, a Poiesis já havia demitido 20% do quadro, por telegrama.

    A greve dos educadores continua e outras Fábricas de Cultura aderiram ao movimento. Houve uma tentativa de ocupação na unidade do Jardim São Luís, fortemente repreendida pela PM e com denúncia de que policiais obrigaram aprendizes a apagar as fotos e gravações da ação. Um jovem foi preso e terá de responder por um processo de corrupção de menores.

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    Na Fábrica de Cultura da Brasilândia, crianças e jovens foram obrigados a desocupar o espaço sem nenhum mandato judicial em menos de 24 horas de ocupação. A alegação era a de que eles haviam causado dano ao patrimônio público. O dano, no caso, era na porta de um elevador que teve de ser arrombado pelos bombeiros depois de cinco crianças passarem mal por estarem presas no local há horas. O elevador havia parado de funcionar porque faltou luz no local. Um detalhe curioso: naquele dia, só faltou luz na Fábrica de Cultura. O bairro todo estava iluminado.

    O episódio rendeu a detenção de 11 crianças e 11 jovens. As crianças, todas devidamente apoiadas pelos seus pais, foram para a casa no mesmo dia. Os outros 11 jovens, no entanto, passaram 36 horas na cadeia. Sem nenhuma passagem antecedente pela polícia, todos terão de responder a processos sustentados no artigo 163 do código penal – dano qualificado – e por corrupção de menores, artigo 244b do Estatuto da Criança e do Adolescente.

    A posição do juiz que liberou os jovens da cadeia depois da ocupação na Brasilândia revelou o óbvio: “o único pecado [dos jovens], ao quanto consta, seja o de resistir.”

    A luta continua. Toda a atenção é necessária à desocupação da Fábrica de Cultura do Capão Redondo. Mano Brown mandou muito bem: “É era bom que as pessoas se informassem pra saber o porquê da atuação da rapaziada que está ocupando o espaço para não deixar fechar. A intenção é que tudo seja feito na paz e na ordem e que a democracia prevaleça e que o direito do povo seja preservado. Um abraço.”mano1

    Abraço, Brown!

    Por Flávia Martinelli, Adolfo Várzea e Sato do Brasil/Jornalistas Livres

    Fotos e vídeo: Aprendizes de Olho – https://www.facebook.com/aprendizesdeolho

    A série A VOZ DAS PERIFERIAS é uma reportagem especial dos Jornalistas Livres sobre as Fábricas de Cultura de São Paulo. Confira aqui os episódios anteriores

    Primeiro episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/374805742643309

    Segundo episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/375040505953166

    Terceiro episódio:
    https://jornalistaslivres.org/2016/06/voz-da-periferia-mais-uma-fabrica-de-cultura-e-ocupada/

    Quarto episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/376608255796391

    Quinto episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/377211349069415

    Sexto episódio:
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/378582975598919

    Sétimo episódio:
    https://jornalistaslivres.org/2016/07/voz-das-periferias-uma-serie-dos-jornalistas-livres-sobre-as-fabricas-de-cultura-de-sao-paulo/

  • O bagulho é louco

    O bagulho é louco

    SARAU DA PEDRA MOSTRA QUE A CRACOLÂNDIA NÃO É SÓ CRACK. TEM ARTE, RESISTÊNCIA E RENASCIMENTO

    Por Flávia Martinelli, Sato do Brasil e Adolfo Várzea/Jornalistas Livres
    Fotos: Sato do Brasil/Jornalistas Livres

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    Se no meio do caminho tinha uma pedra, nada impede que no meio de uma pedra exista um caminho. E nele, um sarau. Ali, no coração da Cracolândia, ponto excluído até dos moradores mais excluídos de São Paulo, música, dança, arte e poesia abriram um clarão na noite desta quarta-feira (25). Foi o Sarau da Pedra, nome perfeito para a linda iniciativa do projeto Casa Rodante/ Cidadania Rodante, que faz parte do “De Braços Abertos”, projeto de redução de danos da Prefeitura, parceria do coletivo casadalapa, Associação Sabiá e Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo.

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    Com um carro de som (curiosamente criado em forma de carroça) e um projetor de vídeo na rua, o que se viu foi alegria e até leveza no quarteirão entre o largo Coração de Jesus e a rua Dino Bueno, no mal iluminado bairro da Luz. Os microfones estavam abertos para quem quisesse se apresentar e havia público para prestigiar. Para um desavisado, aquele poderia ser só mais um sarau de rua como outro qualquer: com risadas, abraços, poses para fotografias, bate-papo sobre causos e histórias de vida, espaço para mostrar aos parceiros que se sabe cantar, dançar ou até fazer performance caprichada para a vizinhança.

    803718980_11244343301597820595Mas o Sarau da Pedra aconteceu em meio ao vai e vem do fluxo – o emaranhado de gente na busca ou no delírio da pedra. Isso, no entanto, não impediu que muitos interrompessem a marcha da fissura para prestigiar uma transsexual cantando Cássia Eller e Maria Rita ou aplaudir a dupla Chineladaaa, por exemplo. O show de do DJ Will Robson e do performer e escritor Pedro Guimarães misturou eletrofunk com imagens da pornochanchada brasileira, desenhos japoneses dos anos 80 e 90 e poesia social urbana. “O bagulho aqui foi louco”, descreveu uma espectadora. “Foi uma noite especial, a Cracolândia tá mudando e vai mostrar para a sociedade que aqui tem cultura. Eu hoje ocupei o meu tempo. Precisamos de quem faz algo diferente pra cair na mente e deixar o crack de lado.”

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    É, o bagulho é louco…

     

    Júlio Dojcsar, cenógrafo, grafiteiro, artista plástico que faz parte da organização do sarau e há dois anos trabalha na Cracolândia dá sua definição lugar: “aqui não é só crack. A Cracolândia é um quilombo urbano, é negra. É também uma área de resistência contra a especulação imobiliária e de resistência contra uma política de drogas super militarizada. É um tapa na cara da sociedade”.

    Júlio fala de problemas que vão muito além da pedra e acredita que o local precisa ser entendido como uma zona de exceção. “Só assim seremos capazes de enxergar a Cracolândia a partir das leis e valores dela. E não a partir dos olhos de uma sociedade hipócrita que tem uma classe média que compra Rivotril por R$ 6,50 e coloca o dedo na cara de um usuário para dizer o que ele pode e não pode fazer”.

    “Aqui não é só crack. A Cracolândia é um quilombo urbano, é negra”

    Júlio lembra que quem vive na Cracolândia está à margem até dos mais marginalizados. “A sociedade trata a todos aqui como um bando de almas nuas, sem valor. Consideram os usuários menos que um morador de rua, menos que um bicho. Mas a gente que está aqui dentro olha tudo de um outro jeito. Quando vejo esse sarau, acho que sociedade pode mudar. E rápido. Como? Com menos revólver na cara e mais respeito e amor. Com o bairro sendo um espaço de quem vive nele. E com a rua sendo de todos. Sendo nossa.”

    803717905_2050651722057916131 Falar dessa apropriação num bairro como a Luz ganha ainda mais relevância. O que se chama de Cracolândia é na verdade um depositório de usuários que muda de lugar conforme as pressões do mercado imobiliário do centro de São Paulo. Em 2005, o tudo piorou por causa do projeto Nova Luz, da gestão do prefeito Gilberto Kassab, que desfigurou completamente o bairro em planos de desapropriação para a construção de edifícios comerciais. Assim, não espanta o fato de a Cracolândia ter mudado de endereço conforme avançava a compra de imóveis por um conglomerado de empresas, hoje capitaneadas pela seguradora Porto Seguro que instalou sua sede na região.

    “Aprendi a viver a vida contando que não vai dar tempo. Mas agora eu acho que vai dar, sim”

    Várias casas dos arredores onde o Sarau da Pedra foi realizado já estão vendidas ou em vias de serem arrematadas. A preço de banana, claro. “Quando tudo estiver comprado e os novos imóveis começarem a ser construídos, facilmente vão empurrar os moradores do fluxo para outro lugar e teremos outras Cracolândias”, explica Julio, dessa vez interrompido por um morador que quis participar da conversa.
    É Carlos Badarós que fez questão de dizer que sua família foi cigana e que ele aprendeu a “viver a vida contando que não vai dar tempo”. Badarós diz isso enquanto enumera balas alojadas e vários remendos que fez pelo corpo. “Já pensou se você vivesse a minha vida? Você ia achar que não ia dar tempo. Mas agora eu acho que vai dar, sim. Já cheguei aos 61 anos, até que deu tempo de viver muita coisa.” Júlio concorda. Afinal, se no meio do caminho tinha uma pedra, nada impediu que no meio de uma pedra existisse um caminho para Badarós. E, no caminho, um sarau onde Badarós disse que ainda dá tempo. Há de dar.

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  • Festa-mico do MBL: nem a quadrilha apareceu!

    Festa-mico do MBL: nem a quadrilha apareceu!

    Por Flávia Martinelli e Adolfo Várzea para os Jornalistas Livres

    Kim Kataguiri até parecia animadinho no vídeo em que convocava sua galera para o Arraial do MBL, o auto-denominado Movimento Brasil Livre, um dos grupelhos que organizou atos pró-impeachment com a conversa fiada de que era apartidário e apolítico.

     “Vai ser no domingão, dia em que você não vai fazer absolutamente nada além ficar vendo Faustão!”, convidava o garoto-propaganda de 19 anos. Famoso pelo mullet no cabelo e por usar o repertório da série infanto-juvenil Power Rangers para convocar militantes pró-impeachment em sua coluna no jornal “Folha de S.Paulo”, Kim anunciava as celebridades do evento: “Vai ter Ronaldo Caiado! Vai ter Danilo Gentilli! Vai ter o Pauderney, o líder do DEM na Câmara dos Deputados!”. Kim contava que também haveria comida e bebida. “Mas não alcóolica!”, ressaltava.

    Ao seu lado, no vídeo, aparecia Fernando Silva, de 19 anos, que escolheu Holiday como sobrenome. Silva ficou famoso por vociferar impropérios contra negros. Diz que “por ter mais melanina”, não precisa “roubar vagas dos outros na universidade”. O rapaz já comparou os negros que lutam pela política de cotas a “vermes”, “porcos no chiqueiro fuçando a lama do resto do Estado” e “parasitas atrás do Estado querendo corroer cada vez mais e mais, com esse discurso de merda, com esse discurso lixo”.

    Numa sessão solene da Câmara dos Deputados, Silva rasgou o “Hino à Negritude”. Era o Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial. O deputado Vicentinho (PT-SP), presente na ocasião, apenas lamentou ver “um jovem negro sendo usado pela direita branca desse país.” No vídeo em que convidava para a festa junina do MBL, Silva sorria, simpaticão, e dizia que a quermesse seria um momento para “bater um papo bem legal e, claro, curtir a fogueira de São João”

    Da fogueira à promessa de animação, tudo era falso no arraial do grupelho que se dizia apartidário e hoje tem candidatos pelo DEM e PMDB

    Endinheirados no palco dos estupradores

    O evento foi aberto a todos que se dispusessem a pagar R$ 25 pelo convite comprado pela internet ou no local do evento que, por sinal, merece destaque. A festinha do MBL aconteceu na Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (AAAOC), a Atlética da Medicina da USP, o curso mais concorrido da universidade mais prestigiosa do Brasil.

    Na piscina da AAAOC, um calouro de 22 anos foi morto durante a festa de recepção dos bichos em 1999. De lá para cá, o local também apareceu no noticiário como cenário de inúmeras denúncias de casos graves de abusos sexuais, incluindo estupros (alguns coletivos), castigos físicos, humilhações, machismo, racismo e discriminação social que ganharam investigação do Ministério Público (MP-SP) e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo.

    Sobrou vaga pra estacionar… Na ciclofaixa.

    O MBL pagou R$ 6.625 pelo aluguel do distinto local – num acordo em que depois do centésimo ingresso vendido o valor dos bilhetes era repartido entre a Atlética e os promotores da festa. Compareceram 170 pessoas, metade dos convivas estimados para o evento ou 25% dos que haviam manifestado interesse em participar no Facebook, o que representa menos de 5% dos 4 mil convidados. A bilheteria arrecadou módicos R$ 2500.

    Foi prejuízo pra todo mundo. Até para os prestadores de serviços das quatro ou cinco barraquinhas de comida. “Perdi a chance de faturar numa festa grande, em pleno Dia de São João, porque eles falaram que ia ter gente de grana nesse evento”, contou um dos fornecedores que não sabia o que é MBL.

    Os carros estacionados ilegalmente na ciclofaixa, que fica na rua do clube, tornavam evidente que os convidados (alguns endinheirados) desprezam a lei e as coisas públicas. “Eles não gastaram muito, não. Vendi pouco. Isso aqui tá muito ruim”, completou o vendedor.

     

    Caneca Moro Caneca Moro

    Vinho clandestino na caneca “Somos todos Moro”

    Numa tentativa de se infiltrar no rolezinho da direita, dois Jornalistas Livres foram conferir a quermesse. A expectativa era de, ao menos, participar das rodinhas de conversa para saber como comemoram os que se dizem arautos do golpe. Mas nem isso deu.

    Depois de horas entediantes no evento, a conclusão foi uma só: assim como o próprio MBL, quase tudo o que se viu naquela festa junina foi de mentira. Da promessa vazia de uma evento animado ao papinho furado de que não teria bebida alcoólica no convescote, passando pela decoração gourmetizada de espantalhos limpinhos e estilizados. Até a fogueira do MBL era fake, feita de panos esvoaçantes iluminados com luzes fluorescentes…

    Teve álcool na festinha, sim, senhor! Vinho quente adocicado de garrafão. Circulou no bar por R$ 6. Uma diminuta fila de espera, de não mais do que 10 pessoas, aguardava ansiosa para ser servida. Cada um tinha sua própria caneca com os dizeres “Somos todos Moro”. Essa, por sua vez, era vendida por R$ 40 na barraquinha do MBL – “no site custa R$ 50, viu? Leva a sua já”, propagandeou a militante que já tem como certa a candidatura do juiz à presidência.

                Arraial MBL   Arraial MBL

    Mas, ah, por que diabos até o vinho tinha que ser escondido, clandestino, na festa junina do MBL? “Houve um suposto estupro aqui nesse clube e por isso o pessoal da faculdade não deixa vender bebida no bar”, contou outra militante que, com perspicácia, fez questão de dar ênfase, muita ênfase, no suposto do estupro. Ela também fez o gesto de aspas no ar com dois dedos das mãos. E logo completou: “Mas a gente está comprando vinho e o clube tá fazendo vista grossa”, revelou.

    Cada um no seu quadrado

    O local é capaz de recepcionar 500 pessoas. Sendo otimista, contava com no máximo 50 visitantes às 19 horas, horário de pico de qualquer quermesse de condomínio. Até o fim do evento, às 22 horas, nenhum sorriso foi retribuído e ninguém bateu nenhum “papo legal” com os repórteres que se dispuseram a fazer amigos e conhecer pessoas num verdadeiro esforço de reportagem. O máximo que ganhamos foram olhares ressabiados.

    Arraial MBL Arraial MBL

    Um rapaz grandão de jaqueta com os dizeres “POLI USP” em letras garrafais deu uma boa encarada quando passamos a tirar fotos. Foi um vacilo. Aquele cenário, nem de longe, merecia registro. Também sentimos desconfiança quando nos aproximamos das pessoas. Pudera. As rodinhas de conversa, em geral, estavam separadas por gênero: de homens ou mulheres. Quanto aos casais, todos héteros, era cada um no seu quadrado. Apenas uma dupla desajeitada prestigiou o sanfoneiro Ismar. Ele ficou feliz, até caprichou no forró e o DJ aumentou o som. Mas a estratégia não atraiu mais ninguém para o arrasta-pé.

    Para piorar o clima, o sanfoneiro foi embora antes do fim da festa e a caneca Somos Todos Moro custava R$ 40

    Nem a quadrilha completa apareceu

    Pra piorar, pobre Kim, nem a quadrilha completa de “celebridades” apareceu no seu arraial. Não teve Danilo Gentilli, o humorista que chamou a senadora Regina Souza, mulher negra do Piauí, de tia do café e já humilhou uma seguidora do Twitter por ser gorda. O senador ruralista Ronaldo Caiado (DEM), que responde a denúncias de campanhas financiadas pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira em Goiás, também deu o cano.

    Das estrelas alardeadas por Kim, o único que deu as caras foi padrinho político do MBL, o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) que apoia o jovem Fernando Silva, ops, Holiday, em sua pré-candidatura a vereador pelo DEM. Puxa… Ele chegou cedo e saiu rapidinho. Os Jornalistas Livres perderam!

    Arraial MBL Arraial MBL

     O congressista é velho conhecido das listas de escândalos políticos e corrupção. Em março, foi condenado a devolver cerca de R$ 4,6 milhões desviados em contratos ilegais e superfaturados de aluguéis de imóveis para escolas quando foi secretário de Educação de Manaus. Pauderney ainda foi denunciado pela revista Veja, aquela considerada pelo MBL como excelente fonte de informações, como beneficiário do recebimento de R$ 250 mil de empresas citadas na Lava Jato para sua campanha de 2014.

    Apesar de menos prestigiado – por nem sequer ser citado como destaque do dia no vídeo do MBL ­–, outro político que deu o ar da graça foi o deputado federal Darcisio Perondi do PMDB-RS. Se ficha suja era requisito, ele cumpriu o protocolo. Perondi teve as contas de sua eleição de 2002 rejeitadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Médico, ficou conhecido em todo o Brasil por ter cobrado consultas de pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) quando era presidente de um hospital em Ijuí (RS). Em parceria com outros 13 indiciados, foi acusado de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, atentado contra os princípios da administração pública, estelionato e formação de quadrilha. O arraial adorou.

    Lider “abafado” do MBL na foto com padrinho político

    Na única foto do arraial do MBL que foi divulgada no facebook, Kim e Silva, ops, Holiday, aparecem com Pauderney e um outro integrante do grupelho, Renan Antônio Ferreira dos Santos. O rapaz de 33 anos andava sumido. Apresentado como o terceiro tripé de liderança o MBL, a imagem de Renan não é mais usada em fotos, vídeos e em materiais de divulgação desde que ele foi flagrado em áudio que assume o recebimento de dinheiro do PSDB, PMDB, DEM e Solidariedade para organizar manifestações contra Dilma.

    Postagem na página de Facebook do MBL

    Seu nome também foi apontado em problemas na Justiça. Nome, aliás, que ele tentou escamotear. Diretor nacional do MBL, já assinou um artigo na “Folha de S.Paulo” (sempre ela) como Renan Henrique Ferreira dos Santos. No facebook, era Renan Haas e num pedido de impeachment da presidenta Dilma – entregue a Eduardo Cunha – rubricou como Renan Antônio. O despiste não deu certo. Mas tinha motivo.

    Réu em pelo menos 60 processos, Renan é acusado em ações que incluem fechamento fraudulento de empresas, dívidas fiscais, fraude contra credores, calote em pagamento de dívidas e fornecedores, ações de danos morais e trabalhistas, etc. São processos que envolvem R$ 4,9 milhões. Suas empresas e de sua família têm negócios tão variados como os relacionados à venda de lâmpadas, distribuição e logística, esquadrias e materiais metálicos, estamparia, filmagens, panificação, engenharia e viagens e turismo.

    Uma dessas empresas, investigada numa reportagem da revista “Carta Capital”, cuida de negócios vultosos em comércio de produtos de siderurgia, mas possui sede numa portinhola em Jundiaí (SP) com correspondência entregue num modesto bazar onde ninguém nunca ouviu falar de Renan e família. É tudo bem estranho.

    Mas passa a fazer sentido quando se sabe que Renan é de Vinhedo (SP), cidade dos condomínios fechados que fica na região de Campinas, onde o MBL nasceu em meio a grupos políticos dominados por investigados em corrupção. Só para se ter uma ideia, foi lá que o ex-prefeito Milton Serafim (PTB) renunciou para não ser cassado depois da sentença de 32 anos de cadeia por receber propina em troca de facilitação de licenças de loteamentos imobiliários. Antes de suas quatro gestões, Vinhedo tinha três condomínios de luxo. Depois de Serafim, quarenta.

    Renan, do MBL, já ganhou até homenagem na Câmara de Vinhedo. Recebeu as honrarias do presidente da casa, Rubens Nunes, pai de outro aguerrido militante do MBL, Rubinho Nunes, que é o responsável pelos assuntos jurídicos do MBL. Rubinho virou pré-candidato a prefeito de Vinhedo pelo PMDB e é bem próximo de… Aécio Neves. Literalmente. Rubinho fez escolta para o senador que é campeão nas citações da Lava Jato em uma das manifestações golpistas. Eita, mundo pequeno!

    Vendedor de pamonha teve prejuízo e ainda pagou R$42 ao MBL

    Mas nem toda essa ascendência, todas essas teias de relações envoltas em poder e tráfico de influências mudou o destino melancólico do arraial do MBL. Por volta das 21hs, uma hora antes do fim da festa, o pipoqueiro já tinha ido embora. O vinho clandestino, acabado. O churrasqueiro nem se deu ao trabalho de reacender a brasa úmida. Pizza? Só se fosse um pedaço daquela que estava pronta, ainda nem na metade, de mozzarella. Dava para reaquecer na beira do forno.

    Tristeza maior, no entanto, veio do carrinho de milho e de pamonha. Pelo acordo com os organizadores da festa, de cada produto vendido a R$ 5, R$ 1 iria para o MBL. Uma moça alta, então, passou na carrocinha para recolher a parte que lhe cabia. Colocou no bolso R$ 42. “É… não vendi nem 50 pamonhas”, disse o micro empresário que chegou a levar um ajudante na expectativa de bom faturamento. “Não sei dessa crise aqui, não. Mas se eu tivesse ido na quermesse do meu bairro ia faturar no mínimo umas 200 vendas. Qualquer festa dá isso… E o pior é que pamonha estraga, vai pro lixo”, contou, inconsolável, pouco antes do sanfoneiro Ismar parar de tocar e botar sua sanfona no saco. Um DJ visivelmente entediado, então, colocou um forrozinho na esperança de protelar o derradeiro fim.

    Arraial MBL

    Foi então que os Jornalistas Livres observaram uma cena curiosa: uma garota chamou Kim Kataguiri para dançar. Foi olho no olho. Ele disse que não sabia nada de forró. “Eu também, não, mas vem cá”, disse ela, rindo, já conduzindo as mãos do rapaz em sua cintura. “Eu sei que precisa dar uns pulinhos e requebrar a bundinha, Kim, vamos!” O líder supremo do MBL não gostou da brincadeira. Soltou a mão da menina, deu um passo pra trás e falou: “Ah, não, sem essa de requebrar bundinha!” E ela ficou ali, de mãos abanando, meio rindo, meio nervosa. Depois dessa, só mesmo indo embora.