Jornalistas Livres

Autor: Cesar Locatelli

  • É hora da campanha boca a boca

    É hora da campanha boca a boca

    O poder econômico está onde sempre esteve: do lado oposto. Alunos e Professores da Universidade de São Paulo resolveram fazer sua parte naquilo que consideram a mais efetiva ação para conquistar votos: a campanha boca a boca. Para organizarem os trabalhos, reuniram-se no auditório da Faculdade de Educação.

    O professor José Sérgio Carvalho, da Faculdade de Educação da USP, leu o artigo “Lembrai-vos” do professor Flávio Brayner da Universidade Federal de Pernambuco:

     LEMBRAI-VOS! (por Flávio Brayner, 18/10/2018, Jornal do Commercio)

     

    Quando Péricles, o estadista ateniense, pronunciou sua famosa Oração Fúnebre, diante dos mortos do Peloponeso, ele disse que aqueles homens morreram para que a ideia da Polis não sucumbisse: a Polis não era um lugar, mas algo que se levava dentro de si: uma disposição para, através da palavra argumentada, resolver os conflitos humanos.

    Quando Abraham Lincoln fez seu famoso Discurso de Gettysburg (1863), diante dos mortos daquela batalha, disse que aqueles homens morreram para que o “governo do povo, pelo povo e para o povo não desaparecesse da face da Terra!”.

    Na praça principal dos vilarejos franceses há sempre uma coluna de granito com os nomes dos habitantes que deixaram suas vidas nos campos de batalha, ou que foram fuzilados pelas forças nazistas de ocupação.

    Esta lista termina sempre com uma advertência imperativa: SOUVENEZ-VOUS! (LEMBRAI-VOS!). Mas, do que precisamos LEMBRAR? “Passante. Aqui estão registrados em pedra os nomes daqueles que doaram suas vidas para que você pudesse gozar da liberdade das instituições da República Francesa. LEMBRAI-VOS!”.

    É disto que precisamos recordar: que somos herdeiros; que as instituições políticas sob as quais vivemos não foram “doadas”; que só é digno da liberdade aquele que sabe conquistá-la; que a conservação e o avanço de instituições democráticas exigem um estado de alerta social permanente.

    Estamos às vésperas de uma ruptura que vai exigir dos “herdeiros” um enorme esforço de memória. Foi com o sacrifício de nossos antepassados que a sociedade brasileira reconquistou a democracia (1985), esta crença, ao mesmo tempo frágil e vigorosa, de que a política é arte de convencer (uso da palavra), não de vencer (uso das armas). Não dispomos de nenhuma garantia de que, uma vez colocado o pé na civilização moderna – com suas instituições políticas- não correríamos mais o risco de voltar atrás. “As civilizações, sabemos agora, são mortais!”, dizia Paul Valéry.

    Como o Brasil é este estranho país em que a cada 20 anos esquece o que se passou nos últimos 20 anos, é aqui onde o esforço de memória se faz necessário: “Cidadão. Vós que caminhastes para as urnas, saiba que este direito de escolher Vosso destino só foi possível porque muitos brasileiros se sacrificaram para que as instituições democráticas e republicanas não desaparecessem de nosso país. LEMBRAI-VOS!”. Pode parecer estranho, mas é em nome dos caídos do Peloponeso, dos mortos de Gettysburg, dos fuzilados da Resistência francesa, dos desaparecidos da ditadura no Brasil que eu votarei.

    Flávio Brayner é professor titular da UFPE e é um cidadão que tem memória!

     

    “O que eu tenho visto é que, na realidade, há uma espécie deformação da imagem daqueles que militam com direitos humanos, daqueles que trabalham pelo direito à vida. Isso tem aparecido na voz das pessoas e, o que eu tenho feito, é tentado resgatar um pouco essa valorização do humano. E contrapor à ideia de que o humano direito é que merece os direitos humanos”, ressaltou a professora Sandra Nunes, pesquisadora do Diversitas – Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos, que busca através da arte e dos clássicos deslocar as pessoas de suas posições cristalizadas.

    O professor Paulo Endo, do Instituto de Psicologia da USP e membro do grupo Psicanalistas pela Democracia, lembrou da necessidade de retirarmos o horror de dentro de nós e devolvê-lo àquele ou àquilo que de fato é portador desse horror.

     

    O jornalista livre, César Locatelli, buscou inspirar, para o trabalho de base, através de um texto do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra:

    Posição política do MST em relação ao 2° turno das eleições presidenciais no Brasil

     

    O MST manifesta seu apoio à candidatura de Fernando Haddad e Manuela D’ Avila a presidência da República e convoca as famílias assentadas e acampadas, os apoiadores e apoiadoras da luta pela reforma agrária à somarem-se na luta para elegermos um projeto popular para o Brasil neste segundo turno.

    Entendemos que nestas eleições estão em disputas dois projetos. E nos posicionamos a favor do projeto que defende os trabalhadores e trabalhadoras, a democracia e um país mais justo e soberano. Por isso, convocamos a todos e todas para a tarefa do trabalho de base, de debate, conscientização e de construção de um Brasil para todos e todas.

    Em nossos 34 anos, sempre defendemos a democracia, os direitos humanos e os direitos sociais. Assim como aprendemos na prática que o discurso da violência do Estado sempre se dirige contra os mais pobres. Portanto, nosso lado sempre foi o da vida, o da luta, o da justiça, o da democracia e a defesa dos direitos.

    Apoiamos Haddad porque acreditamos que a saída para a grave crise social, política e econômica do nosso país só é possível com um projeto popular que garanta geração de emprego e renda sem retirada dos direitos.

    Porque lutamos por vida digna e justiça no campo, com a produção de alimentos saudáveis, com respeito aos bens comuns da natureza, com políticas sociais que desenvolvam as agroindústrias e a agroecologia, a educação do campo e o combate a toda forma de discriminação e preconceito apoiamos Haddad.

    Por isso, convocamos também a sociedade para combater o retrocesso, o autoritarismo e a intolerância expressos na outra candidatura. Para isso é importante o engajamento de todos e todas, em cada espaço, em cada bairro, em cada município, para que o medo e a violência não nos derrotem, nem submetam nosso país a um projeto de retrocesso, de retirada de direitos e de subordinação ao capital e aos interesses internacionais.

    Reafirmamos nosso compromisso em seguir lutando pela liberdade do presidente Lula,  denunciando as violações constitucionais e manipulações do judiciário e da mídia burguesa que interferem e violam a vida democrática do país.

    Os brasileiros e brasileiras derrotarão o medo, a intolerância e a violência.

    Lula Livre!

    Lutar, construir reforma agrária popular!

     

    Direção Nacional do MST

    São Paulo, 11 de Outubro de 2018.

     

    “13 motivos para votar contra Bolsonaro” é um exemplo de folheto que pode ser impresso e distribuído nos trabalhos de base e na campanha boca a boca.

     

     

  • Quem vai criar empregos?

    Quem vai criar empregos?

    Se a questão do emprego não é a mais, certamente é uma das mais importantes para todos nós, trabalhadores. É essencial sabermos os planos que os candidatos têm, como pretendem agir e como entendem o papel do governo na criação de empregos e no combate ao desemprego. Esse foi o objetivo da análise a seguir, em que buscamos todas as menções às palavras “emprego” e “desemprego” nos planos de governo de Haddad e de Bolsonaro.

    A relevância desse tema não vem de hoje. Há mais de 80 anos, Keynes, um dos mais respeitados economistas do século XX, revelava sua preocupação com o desemprego e com a desigualdade. Ele escreveu assim: “Os principais defeitos da sociedade econômica em que vivemos são sua incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e das rendas.”

    Pois bem, vamos ver o que dizem os candidatos à presidência do Brasil. O plano de Bolsonaro cita “emprego” e “desemprego” 15 vezes. O plano Haddad cita “emprego” e “desemprego” 53 vezes. Obviamente que o número de vezes que as palavras aparecem nos permite, apenas, concluir que Haddad se dedica mais a discutir o assunto.

    1 Oferecer empregos a todos que quiserem trabalhar é uma tarefa unicamente das empresas e do mercado ou deve ser uma preocupação também do governo? Essa é uma das principais diferenças entre os dois candidatos.

    Veja o que diz o programa de Bolsonaro: “As economias de mercado são historicamente o maior instrumento de geração de renda, emprego, prosperidade e inclusão social. Graças ao Liberalismo, bilhões de pessoas estão sendo salvas da miséria em todo o mundo.”

    Bolsonaro acredita que o governo não deve se envolver com esse assunto e quanto menos interferir melhor será para a economia e para o emprego. Essa é a principal bandeira desse modo de ver a economia que se chama liberalismo: as forças do mercado resolvem de forma mais eficiente as questões do emprego e do crescimento econômico. O governo não deve se intrometer.

    O plano de Haddad, por outro lado, defende que: “O povo tem pressa de voltar a viver com a certeza do trabalho, do salário e da proteção da lei. Por isso, nos primeiros meses de governo implantaremos o Programa Meu Emprego de Novo, com medidas emergenciais e estruturais, como primeiro passo para devolver a dignidade a milhões de famílias que tanto tem sofrido com o drama do desemprego.”

    A lógica de Haddad é bem diferente: o mercado não resolve todos os problemas, é necessária a ação do Estado funcionando como um motor para impulsionar o crescimento econômica e a criação de empregos. Esse modo de ver a economia, que pode ser chamado de desenvolvimentista, entende que o mercado pode criar distorções, como a desigualdade, o baixo nível de emprego e baixo crescimento quando deixado sozinho. O governo precisa agir como incentivador no jogo econômico.

    2 O que é melhor para a economia brasileira e para os trabalhadores: abrir completamente a economia à concorrência dos países desenvolvidos ou proteger setores que ainda não estão aptos a concorrer com produtos norte-americanos, alemães ou chineses? Aqui notamos uma segunda grande diferença entre os candidatos.

    Bolsonaro, como fez Temer e seus apoiadores, MDB e PSDB, critica a decisão do governo do PT de obrigar que parte dos produtos que a Petrobras compra sejam produzidos no Brasil. Essa determinação era conhecida como regra de conteúdo local, que obrigava que parte dos investimentos em equipamentos para a exploração do pré-sal tinha que ser fabricada aqui.

    Ele advoga que a indústria brasileira só pode se desenvolver naquilo que já seja competitiva: “Depois da descoberta do pré-sal, a regulação do petróleo foi orientada pelo estatismo, gerando ineficiências. A burocrática exigência de conteúdo local reduz a produtividade e a eficiência, além de ter gerado corrupção. Além disso, não houve impacto positivo para a indústria nacional no longo prazo. Assim será necessário remover gradualmente as exigências de conteúdo local. O emprego na indústria local crescerá nas atividades onde houver vantagens comparativas ou competitividade. Assim, a indústria naval brasileira será compelida a investir e alcançar maiores níveis de produtividade.”

    Haddad reconhece que há uma pressão internacional para que o Brasil volte a ser, simplesmente, um exportador de produtos primários, commodities, como soja, carne e minério de ferro. Para ele é preciso reindustrializar para alcançar o desenvolvimento nacional: “No contexto da chamada 4a Revolução Industrial, o Brasil é desafiado a se reindustrializar e modernizar seu parque produtivo. Há fortes imposições externas e internas no sentido de restringir o Brasil à condição de mero exportador de commodities, que devem continuar a ser valorizadas, mas não podem ser absolutizadas como único trunfo econômico do país. A indústria segue como um setor-chave para o desenvolvimento, para a oferta de melhores empregos, para a inovação tecnológica e, consequentemente, para o aumento da produtividade do trabalho. Impõem-se investimentos elevados em setores como os de bens de capital e da Defesa, a cadeia produtiva do petróleo, gás e biocombustíveis, fármacos e petroquímica, a construção civil e a agropecuária têm rico potencial de alavancar o crescimento econômico, na perspectiva de superação da dependência do setor primário-exportador na balança de pagamentos.”

    3 Quais ações pretendem tomar os candidatos? Que papel têm os gastos do governo no crescimento e no emprego? Há, aqui, outra diferença relevante entre os candidatos.

    Bolsonaro, da mesma forma que Temer e seus apoiadores, MDB e PSDB, vão na linha de que ao cortar os gastos do governo beneficiarão o emprego. Veja o que diz seu plano: “Nossa prioridade é gerar crescimento, oportunidades e emprego, retirando enormes contingentes da população da situação precária na qual se encontram (…) Para alcançar esses grandes objetivos sociais, nós brasileiros devemos afastar o populismo e garantir que o descontrole das contas públicas nunca seja ameaça ao bem-estar da população. O desequilíbrio fiscal gera crises, desemprego, inflação e miséria”. Para eles a causa dos males da economia é o excesso de gastos do governo.

    Haddad entende que o desemprego e o baixo crescimento só serão revertidos com o impulso que só o governo pode dar à economia: “Entre as ações, destacam-se: retomada imediata das 2.800 grandes obras paradas em todo o país, selecionadas por importância estratégica regional, bem como as pequenas iniciativas no plano municipal e estadual; retomada dos investimentos da Petrobras; retomada do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV); reforçar os investimentos no programa Bolsa Família, incluindo aqueles que voltaram à pobreza com o golpe (…)”

    Felizmente temos os exemplos das duas linhas de atuação na economia para avaliarmos qual delas queremos.

    O governo de Fernando Henrique Cardoso privilegiou o mercado, privatizou empresas públicas, abriu o Brasil à forte concorrência internacional. FHC não conseguiu cortar gastos do governo, não conseguiu fazer o país crescer como havia prometido e não baixou o desemprego. O PSDB perdeu as eleições após os dois mandatos de FHC. A linha de atuação que Bolsonaro defende em seu plano é a mesma que FHC defende e que Temer tem seguido há dois anos e meio, sem reduzir o desemprego.

    Bolsonaro expõe sua linha de ação, igual às de FHC e Temer, da seguinte forma: “Daremos especial atenção ao controle dos custos associados à folha de pagamento do Governo Federal. Os cortes de despesas e a redução das renúncias fiscais constituem peças fundamentais ao ajuste das contas públicas. O déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano. Quebraremos o círculo vicioso do crescimento da dívida, substituindo-o pelo círculo virtuoso de menores déficits, dívida decrescente e juros mais baixos. Isso estimulará os investimentos, o crescimento e a consequente geração de empregos. Esse processo de redução de dívida será reforçado com a realização de ativos públicos”.

    A partir de 2003, o PT e Lula trilharam um caminho bem diferente: ao fazerem investimentos públicos e investimentos sociais, geraram maior arrecadação de impostos. O ciclo foi positivo pois impulsionaram a economia rodar mais, geraram mais empregos e maior crescimento e com isso as contas públicas ficaram ajustadas. Essas condições foram completamente revertidas por Temer.

    Veja como isso é explicado no programa de Fernando Haddad: “Após mais de uma década de crescimento econômico com inclusão social nos governos Lula e Dilma, o país voltou a conhecer a fome, a miséria e o desemprego em massa. Os golpistas retiraram do povo condições de cidadania e atacaram nossa soberania, vendendo riquezas e empresas aos estrangeiros. A interrupção arbitrária do governo Dilma pôs fim à estratégia exitosa de combinar o aprofundamento do regime democrático com inserção externa soberana. A expansão econômica, geradora de finanças públicas ordenadas, pleno emprego e massiva inclusão social, também foi interrompida. Com isso, o país passou a regredir consideravelmente, ficando aprisionado em uma armadilha recessiva que excluiu mais de 30 milhões de brasileiros do padrão de produção e consumo”.

    4 Há dois caminhos para se obter equilíbrio nas contas do governo.

    A forma proposta por Bolsonaro: “O déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano.” Medida idêntica à que tentou Meirelles e continua tentando Temer.

    O segundo caminho é voltar a fazer investimentos públicos e aumentar a arrecadação de impostos pelo crescimento e geração de empregos, como proposto por Haddad: “O Brasil vai voltar a gerar empregos no curto prazo, valorizar novamente o salário-mínimo e impulsionar a economia popular, com investimentos públicos, retomada de obras paralisadas, estímulo ao crédito acessível para combater a inadimplência das famílias e empresas, num círculo virtuoso que ative a produção, o consumo e a economia nacional.

    Qual dos dois planos tem maior chance de fazer o emprego voltar aos níveis que tínhamos em 2014?

    Notas

    1 Para ver o plano de governo de Bolsonaro:
    https://drive.google.com/file/d/1U_KjwjysNcW7gNOwcYhCcaKsz4JGXwbD/view

    2 Para ver o plano de governo de Haddad:
    http://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2018/08/plano-de-governo_haddad-13_capas-1.pdf

  • E o PT não acabou!

    E o PT não acabou!

    O Partido dos Trabalhadores, que estava marcado para morrer, terá, a partir de 2019, a maior bancada na Câmara Federal: 56 deputados. Bem verdade que tinha 61 e perdeu cinco cadeiras na Câmara. Contudo seus algozes tiveram um destino bem pior. O que terá acontecido?

    O PSDB perdeu 41% de suas cadeiras: foi de 49 para 29. O MDB encolheu um terço, perdeu 17 cadeiras, de 51 para 34. O DEM, de ACM Neto e do fugaz Ministro da Educação, Mendonça Filho, que não se reelegeu, caiu 14 posições: de 43 para 29 cadeiras. O Partido Progressista, da retrógrada Ana Amélia, candidata a vice de Alckmin, perdeu 13 cadeiras, ficando com 37.

    Por que será que o feitiço virou contra os feiticeiros? Vamos um pouco para trás na história?

    Tudo começou em 2006 com a Ação Penal 470, que ficou conhecida como Mensalão, mas não conseguiu provar nem a existência de algo que justificasse esse apelido. Depois de quebrarem todos os sigilos possíveis de Zé Dirceu, nada conseguiram comprovar, mas o condenaram assim mesmo. Nós nos lembramos das palavras da hoje presidenta do Tribunal Superior Eleitoral, Rosa Weber: “Não tenho prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. As provas de que não houve o desvio de milhões de reais do Banco do Brasil foram escamoteadas pelo STF e pelo Ministério Público. Há até recibos da Globo provando que os recursos da Visanet foram devidamente aplicados em marketing.

    Adiantando rapidamente o relógio para 2018, nos deparamos com a prisão de Lula, condenado somente com base na delação de um sujeito preso e que diria qualquer coisa para se livrar. Da mesma forma que no ensaio do golpe final, feito na Ação Penal 470, Lula foi sacado da disputa eleitoral e encarcerado sem qualquer prova de que fosse dono do apartamento do Guarujá.

    Nem conceder entrevista antes da eleição de ontem,07/10, foi permitido a Lula. Toffoli cassou a ordem de seu par Lewandowski como se houvesse uma hierarquia no Supremo Tribunal Federal na qual os votos do presidente e do vice-presidente da corte valessem mais do que os votos dos ministros. Essa hierarquia não existe e é ilegal.

    Faltando três dias para a eleição, Moro, em mais uma atuação com fins políticos, levantou o sigilo da delação premiada de Palocci, outro que falou e falará o que for preciso para ver-se livre da cadeia.

    Essa perseguição do Judiciário do país ao Partido dos Trabalhadores teve apoio e cumplicidade das empresas de comunicação tradicionais e dos partidos que orquestraram o golpe contra Dilma Rousseff. Inúmeras denúncias com provas ainda esfriam nas gavetas de dona Raquel Dodge e de ministros do STF. Malas de dinheiro e gravações de conversas telefônicas não valem como prova o mesmo que delações de reconhecidos criminosos.

    Lembremos, por fima que, ainda antes do impeachment, foi amplamente divulgada a conversa gravada, em que Romero Jucá diz, a Sérgio Machado, que o “governo Temer” estancará as investigações em um pacto “com o Supremo, com tudo”. Jucá não se reelegeu, ontem, a senador pelo estado de Roraima.

    O bombardeio tirou Lula da disputa e provocou importantes baixas no Senado. Mesmo assim, o Partido dos Trabalhadores será o maior partido da nova Câmara dos Deputados. Ah! E está no segundo turno das eleições presidenciais com Fernando Haddad, que pôde fazer campanha como candidato à presidência por 20 dias.

    Será que o povo percebeu a injustiça perpetrada por quem deveria zelar pela justiça? Parece que sim. Parece que o povo puniu o golpismo, puniu alguns corruptos que o Judiciário insiste em deixar soltos, puniu vários daqueles que retiraram seus direitos trabalhistas e que entregaram bens que nos pertencem a preços de banana.

    Certamente o povo punirá também o ódio e o desrespeito aos direitos humanos e à democracia.

  • Valores humanos em risco

    Valores humanos em risco

    Essa conversa, entre três amigos, Turco, Zé e Terto, é absolutamente imaginária. É ao mesmo tempo real por conter trechos que, de fato, aconteceram.

    “Ele nunca!” Não precisou dizer Terto, pois há muito tempo deixa bem clara sua posição política.

    O Turco manda um parágrafo em que Milan Kundera, ao admirar a fotografia do poeta da resistência francesa, René Char, com o filósofo nazista Heidegger, disse que não há nada mais estúpido do que sacrificar uma amizade por razões políticas.

    O próprio Turco que, ao ler Ricardo Semler afirmar que estremece a cada vez que ouve que qualquer coisa é melhor que o PT, diz: “Faz pensar. Oscilo todos os dias!!!”

    Zé complementa: “Faz pensar sim! Não vou fugir de votar, mas tendo a não dar nova chance a PT e associados com seus líderes atuais.”

    Terto, o terceiro amigo, escandalizado com a dúvida de Turco e Zé, pensa em não se manifestar. Não adiantará nada, pensa. Mas não se contém e exclama bem alto:

    O cara ofereceu o voto, favorável ao impeachment de Dilma na Câmara, a um torturador facínora, disse que vai liberar armas e autorizar a PM a atirar para matar. Se os caras já matam sem essa ordem explícita, imaginem quando liberar geral. Acho um absurdo completo vocês terem dúvidas.
    Apontem um “dos erros”, que vocês julgam que o PT cometeu, que se equipare a essas ideias fascistas?
    Vocês também não olharam o desemprego, o salário-mínimo e quantos saíram da miséria durante os governo Lula e Dilma, né?
    Se os partidos, nos quais vocês votaram, não tivessem apoiado o golpe contra Dilma, ela estaria no final de seu mandato e, muito provavelmente, não sobraria um fascista de um lado e um petista do outro.

    A revista The Economist, conforme matéria dos Jornalistas Livres, opinou que “as reformas necessárias para o Brasil tornar saudável sua democracia não são fáceis nem rápidas”. E conclui: “O sr. Bolsonaro não é o homem para promover isso”.

    A revista sublinha o risco de se eleger um candidato que: “i) disse que não estupraria uma deputada porque ela era ‘muito feia’, ii) disse que preferiria um filho morto a um filho gay, iii) sugeriu que aqueles que vivem em uma comunidade fundada por escravos que escaparam são gordos e preguiçosos e iv) dedicou seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao comandante de uma unidade responsável por 500 casos de tortura e 40 mortes durante a ditadura militar.”

    Voltando ao Kundera e à amizade. O poeta, René Char, que resistiu firmemente ao nazismo revelou:

     

    Compreenda bem isto: Heidegger era para mim um amigo. Ele tinha errado, tinha sido nazista durante dez meses, não mais. Ele queria redimir-se. Na França, Beaufret e eu o ajudamos, por razões justas. Não se pode traçar linhas entre os Resistentes e os outros: alguns resistentes cometeram o crime água acima.

    Compreendem que ele julgava que o filósofo havia errado e se corrigido? Ele não relevou que o amigo era fascista, mas sim que o amigo tinha sido fascista e queria se redimir. Bem, a história ainda tomou outro curso, muito tempo depois, quando foi provado que a participação de Heidegger no nazismo não se restringiu a um curto espaço de tempo e vieram à tona muitos indícios de seu antissemitismo.

    Em que pese contrariar a opinião de Kundera, há certos conflitos de valores que impossibilitam a amizade. Não estamos diante de opções ou gostos partidários. A história do nazismo e do fascismo na Europa está aí para quem não quiser arriscar repeti-la.

  • Porta-voz do liberalismo mundial gonga Bolsonaro

    Porta-voz do liberalismo mundial gonga Bolsonaro

    The Economist, a revista inglesa que completou 175 anos neste mês, tem a enorme qualidade de expor sua ideologia liberal sem meias palavras e sem tentar fingir isenção ou neutralidade como faz a maior parte dos meios comunicação. Mesmo discordando é preciso reconhecer.

     

    Em um longo ensaio, na edição de aniversário, seus editores reconhecem as falhas e as promessas não cumpridas pela política que advogam. Vão além, temendo a escalada autoritária mundial, para propor a “reinvenção do liberalismo para o século XXI”.

     

    A falta de regulação no mercado financeiro e a falta de atenção às pessoas e às localidades prejudicadas pelo comércio globalizado, aliadas à promessa não cumprida de progresso para todos, aos mercados manipulados pela concentração de poder de algumas empresas e às mudanças climáticas são alguns dos componentes do pano de fundo que conforma o desencanto dos eleitores que se deixam levar pelo canto dos candidatos autoritários.

     

    O artigo de capa e o editorial, da edição desta semana, revelam a ameaça representada por Jair Bolsonaro e vocalizam o temor de que o caminho brasileiro possa desembocar em um regime autoritário de tipo fascista, contrário ao ideário liberal de seus fundadores de ontem e editores de hoje,

     

    Importa ressaltar que, mesmo tendo aconselhamento econômico de um cria da Universidade de Chicago, bastião das ideias de livre mercado, a revista não hesita em apontar o risco de se eleger um candidato que:

    • 1) “disse que não estupraria uma deputada porque ela era ‘muito feia’”
    • 2) “disse que preferiria um filho morto a um filho gay”;
    • 3) “sugeriu que aqueles que vivem em uma comunidade fundada por escravos que escaparam são gordos e preguiçosos”; e que
    • 4) “dedicou seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao comandante de uma unidade responsável por 500 casos de tortura e 40 mortes durante a ditadura militar”.

    “Todos os presidentes brasileiros precisam de uma coalizão no Congresso para aprovar leis. Bolsonaro tem poucos amigos políticos. Para governar é possível que ele degrade ainda mais a política pavimentando o caminho para alguém ainda pior”, diz o editorial da revista.

    As reformas necessárias para o Brasil tornar saudável sua democracia não são fáceis nem rápidas, opina a revista e conclui: “O sr. Bolsonaro não é o homem para promover isso”.

    Veja o editorial original em https://www.economist.com/leaders/2018/09/20/jair-bolsonaro-latin-americas-latest-menace

     

  • Economia para Trabalhadores – Aula 2

    Economia para Trabalhadores – Aula 2

    Aula 02 – Como circula nosso dinheiro e o do governo

    Já ouvimos muitas vezes, em filmes, a expressão “siga o dinheiro”. A indicação que a expressão nos dá é que seguindo o dinheiro descobriremos a trama. Como no famoso caso Watergate, em que o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, perdeu o cargo quando dois jornalistas, que “seguiram o dinheiro”, encontraram provas de que uma invasão ao escritório dos democratas, adversários de Nixon, tinha sido financiada por um comitê de sua campanha à reeleição.

    Igualmente em economia, seguir o dinheiro muitas vezes nos revela o que está oculto nas aparências. Esse será o tema desta aula.

    Em primeiro lugar, para simplificar, vamos imaginar como seriam os fluxos de dinheiro se não existissem nem governo e nem outros países. Nesse caso a circulação se daria somente entre as empresas e as pessoas.

    Os trabalhadores “vendem” sua capacidade de trabalho para as empresas e recebem salários. As empresas, por outro lado, recebem das pessoas, em geral, e recebem de outras empresas pelos produtos que vendem.

    Pensando no conjunto de empresas e no conjunto de trabalhadores, eliminaremos as transações entre empresas e entre trabalhadores. Ficaremos com o fluxo que sai do conjunto de empresas em direção aos trabalhadores, os salários, e o fluxo que sai do conjunto dos trabalhadores em direção ao conjunto de empresas, o consumo dos trabalhadores.

    Esses fluxos juntos formam o que os economistas chamam de fluxo circular da renda porque os recursos que saem das empresas para as pessoas voltam para as empresas quando as pessoas consomem e vão circulando desse modo “para sempre”.

    Esse raciocínio é importante para perceber que são as pessoas que, no final, compram os produtos de consumo que a empresa produz. Se as pessoas não tiverem recursos para consumir, as empresas não sobreviverão. O capitalismo precisa transformar os trabalhadores em assalariados e, também, em consumidores.

    Os trabalhadores, geralmente, têm pouca chance de guardar parte do dinheiro que ganham porque o valor que recebem é, muitas vezes, insuficiente até para as necessidades do dia a dia de suas famílias. Assim, podemos imaginar que tudo que o trabalhador recebe tende a voltar para as empresas.

    Por outro lado, o sócio da empresa, ou quem tem dinheiro para emprestar para ela, gasta uma parte do que recebe, mas guarda outra parte. Porque geralmente o que recebe é mais do que aquilo que precisa para viver. A decisão de investir o lucro em novos equipamentos, novas máquinas, novas fábricas etc. cabe aos empresários.

    Vejamos a explicação do economista Michal Kalecki (1899-1970) sobre como as decisões dos empresários determinam seus lucros:

    “Podemos considerar em primeiro lugar os determinantes dos lucros em um modelo fechado, no qual tanto os gastos do setor público como a tributação sejam desprezíveis.

    O produto nacional bruto, portanto, será igual à soma do investimento bruto (em capital fixo e estoques) e o consumo.

    O valor do produto nacional bruto será dividido entre trabalhadores e capitalistas e nada, praticamente, será pago como impostos. (…)

    Temos assim o seguinte balanço do produto nacional bruto, no qual fazemos a distinção entre o consumo dos capitalistas e o consumo dos trabalhadores:

    Lucros brutos + Salários e Ordenados = Produto Nacional Bruto

    Investimento bruto + Consumo dos Capitalistas + Consumo dos Trabalhadores = Produto Nacional Bruto

    Se supusermos ainda que os trabalhadores não fazem poupança, o consumo dos trabalhadores será então igual à sua renda. Daí se conclui diretamente então que:

    Lucros brutos = Investimento bruto + consumo dos capitalistas

    O que significa essa equação? Quer dizer que os lucros em um dado período determinam o consumo e o investimento dos capitalistas? Ou o contrário? A resposta depende de qual dos itens estiver diretamente sujeito às decisões dos capitalistas. Ora, é claro que os capitalistas podem decidir consumir e investir mais num dado período que no procedente, mas não podem decidir ganhar mais. Portanto, são suas decisões quanto a investimento e consumo que determinam os lucros e não vice-versa.” (1)

    Começamos excluindo o governo e agora vamos voltar com ele para nosso quadro. Quando eu uso o termo governo, estou sempre pensando nas três esferas: municipal, estadual e federal.

    Percebemos que o governo participa dos fluxos dos recursos de modo semelhante às famílias e empresas, recebendo impostos e pagando por seus gastos com funcionários públicos, com consumo e com investimento. Em outras palavras, o governo é uma mistura de “trabalhador”, quando gasta em consumo, com “empregador” quando paga salários e faz investimentos.

    Uma coisa, no entanto é certa, o governo recebe os impostos e redistribui praticamente tudo o que arrecadou. O governo não costuma guardar dinheiro e, geralmente, gasta mais do que recebe. Aqui está uma grande briga: quem paga impostos sempre quer pagar menos, quem recebe do governo sempre quer receber mais, seja o funcionário que vende sua força de trabalho, seja o empresário que vende produtos de consumo ou de investimento, seja quem empresta dinheiro para o governo e quer receber mais juros, sejam os que recebem aposentadorias, pensões ou transferências assistenciais e querem receber mais.

    Como se resolve essa distribuição? Politicamente. Quem tem mais poder político é quem ganha.

    Vamos incluir o comércio exterior no nosso fluxo de renda. Como seria o pensamento dos exportadores? Temos que concordar que para eles, quanto menores forem os salários melhor, não é? Eles não dependem do consumo das famílias brasileiras para fazerem seus lucros. De todo modo injetam parte dos recursos que vendem para outros países na economia interna do Brasil ao pagarem pelos salários e pelos produtos que precisam para sua produção. Empresas nacionais ou estrangeiras que querem produzir aqui para exportar preferem que os trabalhadores recebam o mínimo e tenham o mínimo de direitos.

    Sabendo disso, vamos tentar responder a seguinte questão: um aumento de salários favorece o aumento do consumo e pode ajudar empresas a fazerem mais lucros? É verdade que salários mais altos fazem as empresas gastarem mais com seus funcionários, mas, por outro lado, como a maioria das empresas vende para o mercado interno, elas têm chance de vender mais porque os trabalhadores terão mais dinheiro para gastar. Concorda?

    Bem, aqui temos a segunda grande diferença entre ortodoxos e heterodoxos. Os ortodoxos argumentam que um aumento nos salários é prejudicial para a economia: sobem os custos da empresa, os recursos para investimento diminuem e, no final das contas, haverá menos crescimento e menos oferta de empregos.

    Os heterodoxos caminham em direção oposta: melhores salários produzem mais procura para os produtos das empresas que, ao venderem mais, terão mais lucro e tenderão a investir e criar mais empregos. Para Keynes, que era crítico feroz da ortodoxia, o empresário produzirá a quantidade que acha que vai conseguir vender e que lhe dê lucro. A decisão de investir ou não é responsável por aumentar ou diminuir o emprego.

    Qual das duas lógicas faz mais sentido para você?

    Um exemplo disso foi a decisão do governo de investir na realização da Copa do Mundo de 2014. Foram muito discutidos os gastos com estádios. Foi dinheiro jogado fora? Vamos pensar no fluxo do dinheiro.

    No caso da Arena Corinthians, os recursos para a construção vieram do clube, da construtora e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES.

    O BNDES recebe dinheiro emprestado do governo para financiar principalmente investimento de longo prazo das empresas. Então, teve dinheiro do governo na Arena Corinthians? Sim, teve. O governo emprestou para o BNDES que repassou para o clube. Mas você percebeu que esse dinheiro não foi doado, foi emprestado? Se o Corinthians não pagar, perderá o estádio.

    Além disso, o dinheiro foi jogado fora? Vamos pensar para onde foram os recursos colocados na construção? É certo que não se fez uma fogueira com o dinheiro: parte importante dos recursos foi paga em salários de todos os trabalhadores da obra, desde engenheiros até os peões da obra. Quase todo esse dinheiro virou consumo e ajudou a economia a funcionar em anos de uma enorme crise econômica internacional, como 2013 e 2014.

    Outra parte importante do investimento virou lucro das empresas que atuaram na obra. Essa grana vai para as famílias donas das empresas e salários dos funcionários dessas empresas. Parte virou consumo e parte virou poupança. Aqui também não foi feita uma fogueira com os recursos, embora uma parte pequena, o lucro, não tenha voltado para a circulação.

    Aqui é preciso acrescentar a corrupção. Primeiro, para dizer que acho que a punição a corruptos e corruptores precisa ser muito mais rigorosa do que é hoje. A Justiça precisa mostrar para nós que não protege poderosos políticos de nenhum partido e de nenhuma empresa. Entretanto, do ponto de vista econômico, até o recurso da corrupção, se existiu, entrou no “sangue” da economia como consumo e parte virou poupança.

    Mas, então, por que as televisões, rádios, revistas e jornais criticaram tanto os investimentos da Copa? Essas críticas têm um nome: luta política para enfraquecer os adversários na eleição presidencial que viria em 2014. A imprensa não tem os mesmos interesses dos trabalhadores e, na maioria das vezes, coloca-se em defesa dos interesses dos grandes empresários e do poder econômico.

    Você concluiu que foi errado investir nas obras da Copa?

    Claro que podemos concluir que a prioridade poderia ser outra, mas não se pode dizer que o dinheiro foi jogado fora. Também não se pode negar que as obras injetaram sangue na economia num momento difícil da economia mundial.

    Vamos pensar juntos para onde vão os gastos do governo? Uma parte importante da grana que o governo recebe através dos impostos é gasta com salários dos funcionários públicos, com manutenção dos serviços e com investimentos. Os governos, municipais, estaduais e federal, são responsáveis pela saúde, educação, assistência social, cultura; por políticas públicas de garantia de infraestrutura urbana como transporte, iluminação pública, asfalto, água, esgoto; pelos investimentos na infraestrutura e na construção de equipamentos sociais (hospitais, escolas, praças públicas etc.).

    Os gastos do governo englobam também tudo que vai para a assistência social, como o Bolsa Família e os benefícios para quem não pode trabalhar. Voltaremos aos gastos do governo. Mas, por enquanto, é importante saber que podemos, e devemos, discutir sempre se o uso que o governo faz dos recursos é o mais adequado, mas não podemos qualificar todo gasto do governo como ruim.

    Vou propor outro ponto: Quando o Banco Central aumenta os juros todas as pessoas que devem dinheiro pagam mais, está certo? Um dos que mais devem dinheiro é o governo. Então, um aumento de juros faz o governo gastar mais.

    No ano de 2014, os juros nominais, pagos pelo governo, federal, estaduais e municipais, atingiram R$311,4 bilhões (6,07% do PIB), comparativamente a R$248,9 bilhões (5,14% do PIB) em 2013. Para termos uma ideia de comparação, ressalto que gastamos perto de R$ 25 bilhões com o Bolsa Família em 2014. Ou seja, em 2014 gastamos com juros cerca de 12 vezes o gasto com o Bolsa Família.

    Nos 12 meses, entre agosto de 2017 e julho de 2018, a conta de juros do setor público consolidado alcançou R$ 395 bilhões. (2)

    Os governos emitem títulos para financiar suas dívidas. Esses títulos são vendidos para bancos, para fundos de investimentos e para pessoas físicas e jurídicas. Os compradores recebem o valor que aplicaram mais os juros. Então, quem recebe os juros pagos pelo governo (311 bilhões em 2014) é quem tem dinheiro aplicado no mercado financeiro. É possível dizer, assim, quem os juros concentram a renda, ou seja, canalizam uma parcela enorme dos gastos do governo para quem já tem muito dinheiro. E juros mais altos concentram mais ainda.

    Você já viu algum economista nos meios de comunicação reclamando que a taxa de juros está muito alta? Concentrar dinheiro nas mãos de quem já tem é parte do receituário ortodoxo. A lógica deles é que os ricos e os empresários podem investir e gerar empregos e fazer o país crescer. Mas a realidade é que parte muito grande desses juros é reaplicada em títulos do governo e gera mais juros ainda e nenhum emprego.

    *  César Locatelli é economista e mestre em economia

    Notas

    1 KALECKI, Michal. Teoria da Dinâmica Econômica, São Paulo, Editora Nova Cultural, 1977. (p. 65/66). Para baixar o livro Teoria da Dinâmica Econômica de Michal Kalecki: http://www.projetos.unijui.edu.br/economia/files/Kaleki.pdf

    2 Para ver o resultado fiscal do governo de julho de 2018: https://jornalistaslivres.org/sem-estabilidade-politica-nao-ha-crescimento/

    Índice

    Introdução

    Aula 01 – A economia é política

    Aula 02 – Como circula nosso dinheiro e o do governo

    Aula 03 – A cara e a coroa da inflação

    Aula 04 – Ninguém come PIB

    Aula 05 – O governo não é como sua casa

    Aula 06 – O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil?

    Aula 07 – Compro à vista ou compro a prazo?

    Aula 08 – Nossa moeda é fraca, nossa moeda é forte

    Aula 09 – A Bolsa de Valores

    Aula 10 – Quem nasceu primeiro a poupança ou o investimento?

    Aula 11 – A culpa da corrupção não é da Petrobras

    Aula 12 – A corrupção, a sonegação e o financiamento das campanhas eleitorais

    Aula 13 – Onde buscar dados e informações

    Aula 14 – Seu voto baseado na política econômica

    Considerações finais