Jornalistas Livres

Autor: Bruno Falci

  • O ódio político está a expulsar brasileiros do seu país

    O ódio político está a expulsar brasileiros do seu país

    Por João Ruela Ribeiro, para Publico.pt . Foto de capa de Andreia Gomes Carvalho / PUBLICO

    Elisangela Rocha abre a porta de sua casa, na Ameixoeira, com um sorriso e ostenta orgulhosa uma camisola em que se pode ler “Mulheres contra o fascismo”. No hall de entrada está pendurada uma bandeira com as cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBTI+. Mais tarde irá confidenciar que usa aquela camisola durante a entrevista com o PÚBLICO propositadamente, por ser algo que não poderia fazer no Brasil, país onde vivia até há três meses.

    Há cada vez mais brasileiros a abandonarem o seu país indicando razões políticas. Denunciam a instalação de uma “ditadura” alicerçada num ambiente de medo e insegurança instigado abertamente pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro. Os alvos são activistas de defesa dos direitos humanos, feministas, negros, homossexuais, índios, ou simplesmente quem defenda posições políticas que contrariem o Governo e os seus apoiantes – e isso pode significar apenas sair à rua com uma Tshirt vermelha, a cor do Partido dos Trabalhadores (PT).

    Este tipo de imigração combina as causas tradicionais – como o estado da economia ou o aumento da violência urbana – mas é o ambiente político no Brasil o factor determinante para a decisão de sair do país. Por outro lado, a militância dos brasileiros tem-se intensificado fora de portas. Há pouco mais de um mês, a Mídia Ninja abriu uma casa em Lisboa, onde organiza debates, conferências, concertos e exibições de filmes. Este fimde-semana, Berlim recebe um encontro de organizações políticas de brasileiros no estrangeiro, que conta com a participação de alguns dos primeiros exilados políticos do Brasil de
    Bolsonaro, como o ex-deputado Jean Willys ou a filósofa Márcia Tiburi.

     

    A camisola proibida de Elisangela [A camisa da Marcha Mundial das Mulheres em destaque na foto]

    Elisangela e o marido, Renato, recebem o PÚBLICO na sala de estar, mas cedo nos apercebemos de que este é território da filha de quatro anos, Clarice, que tem montado um pequeno espaço de pintura. Não tem sido fácil a adaptação da criança, que só pode frequentar o infantário a partir de Setembro e, por isso, quase não fez amigos. Mas foi a pensar nela que os pais resolveram deixar a vida que tinham no Paraná por um país onde não conheciam ninguém.

    O Brasil tornou-se um país violento, especialmente para mulheres negras e das classes mais baixas, diz Renato, recordando que esse é o perfil da filha. “A Clarice adulta em Portugal ou noutro país europeu e a Clarice adulta no Brasil são duas pessoas diferentes. Uma vai ter
    oportunidades um pouco melhores, no sentido de poder ser a pessoa que quiser; no Brasil terá muitos mais obstáculos”, explica o pai.

    A família não planeia regressar brevemente. Renato diz que há uma “normalização da violência” no Brasil, depois de anos de intensa polarização política que só parece aumentar com Bolsonaro no poder. “Esse nível de normalização da violência vai demorar mais de uma geração para melhorar. O Brasil ainda vai piorar muito antes de melhorar”, diz o engenheiro informáticode 40 anos.

    O casal esteve bastante reticente quanto a mudar-se para Portugal. Renato recusou duas propostas para vir trabalhar para empresas portuguesas, e só à terceira aceitou fazer uma entrevista, há cerca de um ano, ainda antes da eleição de Bolsonaro. “Sentimos que não dava mais. Eu já sentia que muitas pessoas próximas de nós estavam a ir nesse caminho da intolerância.” Veio sozinho inicialmente, e Elisangela resistiu ao máximo até o acompanhar. No início deste ano preparava-se para iniciar um pós doutoramento na Universidade Estadual do Oeste do Paraná e continuar a sua carreira académica.

    Mas deparou-se com um “clima de pessimismo assustador” entre os colegas da academia. As universidades federais têm sido um dos alvos do Governo de Bolsonaro, que anunciou um corte no início do ano, aludindo a recursos mal gastos em “actividades com viés ideológico”. Elisangela ouvia relatos de bolsas congeladas, projectos recusados por não respeitarem certos critérios ideológicos e um ambiente de perseguição. Conta a história de uma professora que viu uma aula interrompida pela polícia, que a questionou por que razão estava a falar de Marx aos alunos.

    A área de especialização de Elisangela é a Literatura Africana e também isso é problemático. “Trabalho com questões que foram escolhidas como foco de combate do Governo Bolsonaro, como a questão racial, ou a história e cultura afro-brasileira”, explica. É então que decide juntar-se ao marido em Portugal, sem saber se poderá continuar a sua carreira.

    Apesar de concordar com Renato que muito dificilmente irá regressar ao seu país, a académica manifesta alguma esperança. “Gostaria muito de poder voltar a ser livre, ser uma professora que possa falar de preconceito, de feminismo, de me vestir nas aulas como quiser”,afirma.

     

    O exílio repetido de Norma

    Norma Marzola e o marido viram-se impedidos de dar aulas em universidades públicas pelo Governo e, por isso, foram obrigados a exilar-se em Portugal. Mas isto aconteceu nos anos 1970, quando o Brasil vivia sob uma ditadura militar que perseguia os seus adversários políticos. Mais de três décadas depois, Norma, hoje com 78 anos, voltou a Lisboa por razões muito idênticas.

    Mora em Belém (Lisboa) com a prima, Lúcia Medeiros, de 66 anos, depois de há cerca de dois anos terem deixado Porto Alegre. Ambas são professoras universitárias reformadas e militantes do PT, e assim que começaram a estalar as investigações judiciais do Mensalão e da Lava-Jato, que tiveram o partido como alvo principal, pensaram em abandonar o país. Defendem que os casos de corrupção que levaram o ex Presidente Lula da Silva são apenas pretextos para tirar o PT do poder, a que juntam destituição (que qualificam como golpe) de Dilma Rousseff. E foi nesse momento que decidiram atravessar o Atlântico.

    Para Norma, a situação era um déjà-vu. Entre 1974 e 1980 viveu em Lisboa, numa época em que centenas de exilados brasileiros convergiram em Portugal, que recentemente saíra de uma ditadura. Norma era militante do Partido Comunista Brasileiro, mas em Lisboa conheceu Leonel Brizola, um destacado líder da oposição à ditadura, e foi uma das subscritoras da “Carta de Lisboa”, o documento fundador do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de cariz social-democrata, e apoiado por Mário Soares. Em 1980, Norma regressa ao Brasil e assiste à redemocratização do país, filia-se no PT e vê a esquerda no poder durante mais de uma década.

    Desta vez, Norma e Lúcia não acreditam que venham a regressar. “O jeito de Bolsonaro deu aval para que as pessoas começassem a dizer o que antes não se permitiam dizer, voltar a pôr isso na caixa preta é muito difícil”, diz Lúcia. Deixaram de conseguir debater política, até mesmo com a família. Norma diz ter uma prima, uma irmã e um sobrinho com quem praticamente não consegue falar. “Eles são absolutamente intoleráveis, só me falam para dizer desaforos.

    ”As duas mantêm uma militância activa em Portugal. Participam nas acções do Coletivo Andorinha e do Núcleo do PT em Lisboa – depois de falarem com o PÚBLICO seguiram para uma manifestação na Praça Luís de Camões contra os cortes na educação no Brasil. Um dos objectivos é mostrar aos companheiros a milhares de quilómetros “que não estão sozinhos”, diz Lúcia. “Queremos chegar aos brasileiros no Brasil, e também aumentar o eco da ajuda internacional nesse momento de crise civilizacional”, explica.

    Contam que já observaram reacções adversas da parte de brasileiros em Lisboa, e dão o exemplo de um homem que atirou cerveja sobre uma bandeira que levavam consigo durante uma manifestação. “É incrível o ódio e o fanatismo”, desabafa Norma.

    Ambas dizem que o Brasil vive uma nova ditadura e não consideram abusivo comparar as duas épocas, embora notem “subtilezas”. “O dispositivo de repressão é fragmentado: os indígenas são destruídos como indígenas, os ‘sem terra’ são destruídos como ‘sem terra’. O Estado já não é aquela coisa monolítica que atravessa tudo”, afirma Lúcia.

    Apesar da falta de esperança, garantem que nunca vão baixar os braços, mesmo tão longe. “Não cansa, mas fica-se triste, tu choras, deprimes”, diz Lúcia, sem esconder a emoção. “Há gente a morrer de fome, sem a menor necessidade, num país riquíssimo. Não dá para ter consciência disso e ficar a vaguear.”

     

    Tales, um encrenqueiro do Whatsapp

    Para Tales Duarte, morar fora do Brasil não é novidade. Já passou temporadas no México, de onde a mulher é natural, e em Itália. Mas nunca saiu do país com intenção de ficar tanto tempo como quando deixou Belo Horizonte em Setembro do ano passado. “O gatilho para sair foi a questão política”, diz o engenheiro informático, por telefone.

    TFales está acostumado a viv oto er fora do Brasil, mas pela primeira vez está decidido a ficar mais tempo. Foto: Nuno Ferreira Santos

    Saiu do país um pouco antes das eleições, quando já se desenhava a vantagem de Bolsonaro, mas disse a si próprio que se o candidato do PT, Fernando Haddad, vencesse, iria regressar. Não foi o que aconteceu, e desde então Tales vive em Lisboa, onde a mulher e o filho de quatro anos chegaram quatro meses depois.

    O seu principal receio era vir a “sofrer alguma retaliação” por causa da sua actividade política nas redes sociais, onde partilha frequentemente publicações de esquerda e contra Bolsonaro. Para além disso, antecipou que o ambiente social se iria tornar ainda mais tóxico após as eleições.

    Na sua nova vida, Tales está a começar a envolver-se com organizações com a Mídia Ninja e nota que Lisboa se está a tornar “num núcleo de resistência”. “Se as pessoas no Brasil virem que há um grupo questionando com uma visão mais limpa, tendo outras experiências, conhecendo outro país, e mostrando que o Brasil está a passar por um regime ditatorial, isso irá inspirar muita gente a tomar atitudes lá”, espera o informático de 42 anos.

    Tales diz que é conhecido por “criar problemas” nos grupos de Whatsapp onde está inserido. O meio corporativo onde se move é composto maioritariamente por “coxinhas”, a classe alta e conservadora que sempre olhou com desconfiança para o PT. Na empresa onde trabalha, Tales diz que existem outros 15 brasileiros e praticamente todos são apoiantes de Bolsonaro. Acabou por ser excluído do grupo de Whatsapp que os reunia. O brasileiro admite que existe algum conflito entre os colegas de trabalho, mostrando que as ondas de choque da polarização que domina o Brasil se fazem sentir bem longe. “Se eu sei que ele apoia o Bolsonaro, não vou marcar uma cerveja à noite. Eu deixo bem claro para evitar que eles se confundam”, explica.

     

    A angústia de Samara

    Muitas vezes, os encontros entre brasileiros que partilham a mesma visão sobre a política são encarados como uma espécie de terapia. Ao stress do eterno confronto, por vezes violento, em que a política brasileira se transformou, juntase a angústia de estar num país diferente, muitas vezes sem conhecer mais ninguém. Foi o que aconteceu a Samara Azevedo, de 32 anos, que há dois anos ajudou a fundar o Coletivo Andorinha, um grupo que tem organizado várias acções de rua que marcam acontecimentos relevantes no Brasil.

    Os primeiros actos serviram para defender o Governo de Dilma Rousseff, numa altura em que as movimentações para a sua destituição já estavam a todo o vapor. Samara não gostava da ideia generalizada de que Dilma estava sem apoio popular e, por isso, quis apresentar uma “contra narrativa”. “Surgiu a necessidade de dizer aos portugueses que os media não eram um desses apoios e, por isso, não contavam essa parte da história”.

    A natureza do grupo foi evoluindo conforme os desenvolvimentos políticos no Brasil e se inicialmente era composto quase apenas por estudantes, hoje já tem um segmento importante de trabalhadores. Para além de marcar a agenda contestatária brasileira, como as grandes manifestações do “Ele Não” durante a campanha, o Coletivo Andorinha também começou a servir para que se discutam temas como as condições da imigração brasileira em Portugal e o discurso colonialista português, “que ainda é muito antiquado”, observa Samara, actualmente a tirar um doutoramento na Faculdade de Belas Artes.

    Samara está a tirar um doutoramento na Faculdade de Belas Artes, em Lisboa. Foto: Nuno Ferreira

    Angústia é a palavra que escolhe para definir o sentimento que dominava os primeiros tempos do Coletivo Andorinha. “Depois de algum tempo, conseguimos trabalhar essa angústia e transformá-la em acção efectiva”, conta.

    Uma forma mais tradicional de militância é feita pelo Núcleo do PT em Lisboa – a única representação de um partido brasileiro em Portugal – fundado em 1993. Actualmente tem 70 militantes inscritos, embora apenas entre 15 a 20 sejam activos, diz Evonês Santos.

    A coordenadora diz conhecer vários casos de “petistas” que chegam a Portugal por serem perseguidos no Brasil, mas acabam por não integrar de imediato o núcleo. “Penso que já vêm com um cansaço tão grande da perseguição, de não ter liberdade, que preferem ter um tempo de férias de militância”, observa.

    Gabriela faz as malas

    Gabriela Moreno, de 36 anos, está prestes a engrossar as fileiras destes auto exilados do Brasil contemporâneo. Deverá aterrar em Portugal no próximo mês de Setembro para frequentar o doutoramento em Políticas Públicas na Universidade de Aveiro. Foi a forma que encontrou para se manter próxima da sua área profissional, depois de ter trabalhado vários anos para a autarquia do Rio de Janeiro.

    Recentemente viu as portas da sua área serem fechadas. Diz ter algumas “suspeitas” em relação ao processo do seu afastamento da Câmara Municipal do Rio, uma vez que nunca lhe deram explicações. Diz que até este ano continuou a receber propostas de
    trabalho para órgãos públicos, incluindo em Brasília num dos ministérios do Governo de Michel Temer. Este ano ficou a saber de outro lugar num ministério para o qual o seu perfil era adequado, mas disseram-lhe que não valia a pena candidatar-se, já que “não passaria na peneira ideológica”, conta.

    Sob pretexto de estar a acabar com o “aparelhamento” do Estado feito pelo PT, o Governo de Bolsonaro tem afastado quadros técnicos em vários organismos e ministérios, quase sem olhar a critérios como a competência ou a experiência. No caso de Gabriela, a sua militância no movimento negro e feminista terão prejudicado a continuação da sua carreira.

    A consultora também refere a intensificação do clima de insegurança no Rio de Janeiro, que atribui à onda conservadora que pôs Bolsonaro em Brasília e Wilson Witzel, um juiz que defende execuções extrajudiciais para combater o crime, como governador do estado. “Existe um discurso de exaltação à violência e, principalmente, do uso de armas hoje no Brasil. Qualquer briga de trânsito hoje vem acompanhada da ameaça de que um dos envolvidos poderá estar armado”, explica Gabriela.

  • Lindbergh: “Nada é tão importante quanto costurar uma frente de esquerda para as eleições municipais”

    Lindbergh: “Nada é tão importante quanto costurar uma frente de esquerda para as eleições municipais”

         Uma declaração do presidente estadual do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, Washington Quaquá, ao jornal O Globo desta quinta-feira (1), gerou polêmica após o dirigente afirmar que não vai mais apoiar Marcelo Freixo (PSOL) para a prefeitura da capital em 2020 e o PT terá candidatura própria. Membros do partido, no entanto, destacam que a fala é fruto de um mal-entendido e não deve ser vista como uma posição da legenda, que articula uma aliança nacional com o PSOL e outros partidos de esquerda para as eleições municipais do ano que vem.

    Para Lindbergh Farias, ex-senador pelo PT do Rio, qualquer que seja a motivação de Quaquá, ela não pode fragilizar a aliança entre partidos de esquerda. “Eu não estava no Rio de Janeiro, não sei exatamente o que aconteceu, mas nada é tão importante quanto costurar uma frente de esquerda para as eleições municipais de 2020”, declarou à Fórum.

    O ex-líder estudantil ainda destacou que a aliança no Rio está sendo construída entre PT, PCdoB e PSOL em torno de Freixo, que é para Lindbergh o nome mais forte da esquerda carioca. Ele ainda disse que há um diálogo com PSB e PDT para essa chapa e deu exemplos de outras capitais que também devem estar em uma frente unificada: “Em Porto Alegre, se a Manuela D’Ávila quiser vir, vamos apoiar o PCdoB, já em São Paulo, por exemplo, eu acho que tem que ser um nome do PT”.

    Lindbergh acredita que a conjuntura obriga uma unidade para o enfrentamento com as forças de direita e o governo Bolsonaro. “Tem que ser uma estratégia nacional, em tudo que é lugar do país. Se houver divisão das esquerdas nós estamos errando feio, esse episódio não pode fragilizar a aliança que estamos construindo”, disse. O petista ainda considera que a declaração de Quaquá é “mais uma confusão interna do que externa”.

    Mal-entendido

     

    No início da tarde, o chefe de gabinete da presidência do PT, Gilberto Carvalho, assumiu a responsabilidade do mal-entendido e disse que, por erro seu, apenas o ex-deputado federal Wadih Damous foi designado oficialmente como representante do PT no ato em apoio ao jornalista Glenn Greenwald, na ABI, deixando a deputada federal Benedita da Silva apenas como oradora. Essa foi a razão da indignação de Quaquá, que pensou que tivesse havido algum tipo de boicote por parte do PSOL.

    Carvalho se colocou aberto às críticas, mas pediu para ser dada “prioridade ao que realmente é prioritário, gastando o melhor das energias para combater o inimigo real que dizima o povo pobre deste país e destrói seu futuro”.

  • Resposta da OAB ao Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz

    Resposta da OAB ao Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz

    A Ordem dos Advogados do Brasil, através da sua Diretoria, do seu Conselho Pleno e do Colégio de Presidentes de Seccionais, tendo em vista manifestação do Senhor Presidente da República, na data de hoje, 29 de julho de 2019, vem a público, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 44, da Lei nº 8.906/1994, dirigir-se à advocacia e à sociedade brasileira para afirmar que segue:
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    1. Todas as autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos.
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    2. O cargo de mandatário da Chefia do Poder Executivo exige que seja exercido com equilíbrio e respeito aos valores constitucionais, sendo-lhe vedado atentar contra os direitos humanos, entre os quais os direitos políticos, individuais e sociais, bem assim contra o cumprimento das leis.
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    3. Apresentamos nossa solidariedade a todas as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República.
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    4. A Ordem dos Advogados do Brasil, órgão supremo da advocacia brasileira, vai se manter firme no compromisso supremo de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, e os direitos humanos, bem assim a defesa da advocacia, especialmente, de seus direitos e prerrogativas, violados por autoridades que não conhecem as regras que garantem a existência de advogados e advogadas livres e independentes.

    5. A diretoria, o Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes das 27 Seccionais da OAB repudiam as declarações do Senhor Presidente da República e permanecerão se posicionando contra qualquer tipo de retrocesso, na luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e contra a violação das prerrogativas profissionais.
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    Brasília, 29 de julho de 2019
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    Diretoria do Conselho Federal da OAB
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    Colégio de Presidentes da OAB

    Conselho Pleno da OAB Nacional

  • Renata Souza: “A política de  segurança pública no Brasil tem uma lógica de guerra”

    Renata Souza: “A política de segurança pública no Brasil tem uma lógica de guerra”

              Bruno Falci, correspondente dos Jornalistas Livres, em Lisboa

     

    A deputada estadual do Rio de Janeiro Renata Souza esteve em Lisboa e  concedeu entrevista na Casa do Brasil, onde proferiu uma palestra sobre os defensores e defensoras dos direitos humanos no Brasil no dia 16/07.  Ela veio à Europa com o objetivo de  cumprir diversas agendas internacionais, com instituições oficiais e movimentos sociais. Em Lisboa cumpriu agendas politicas com partidos de esquerda e movimentos sociais. Participou também de um debate na Casa Ninja Lisboa, com outras mulheres negras, lideranças politicas em Portugal.

    Arte do evento com a deputada Renata Souza na Casa do Brasil de Lisboa
    Debate com a deputada Renata Souza e outras mulheres negras, lideranças politicas em Portugal. Na Casa Ninja Lisboa

    A deputada esteve na no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos da ONU, em Genebra, sendo recebida por Agnès Callamard, que atua como relatora sobre execuções extraoficiais, direitos das mulheres e movimentos de refugiados, e onde fez um informe sobre a situação da política pública de segurança no Brasil. Esteve também nos parlamentos francês e espanhol, onde manteve contatos com deputados progressistas que manifestaram preocupação com os rumos políticos do Brasil.

    Renata Souza iniciou sua trajetória política como assessora da vereadora Marielle Franco. É jornalista, feminista, negra, militante dos direitos humanos e foi eleita em 2018,  Doutora em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ, é a  primeira mulher negra presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Nesta entrevista, ela menciona também sua experiência no ativismo político iniciado no campo da comunicação comunitária.

    Inicialmente, a deputada comenta sua participação como assessora de Marielle Franco:

    “Foi uma atuação que já vem de longa data. Eu e Marielle crescemos juntas na Maré. Fizemos ali uma articulação e um ativismo em defesa dos direitos humanos da população negra e da juventude negra. Começamos a trabalhar juntas há doze anos com a Comissão de Direitos Humanos presidida naquela época pelo deputado Marcelo Freixo. Conseguimos construir uma metodologia de trabalho que foi o atendimento de pessoas que têm seus direitos violados. Nós nem éramos filiados ao PSOL e já fazíamos um debate sobre a importância das pessoas da favela, da periferia estarem em um partido. Fizemos também um trabalho com as mulheres negras que pudessem despertá-las para entrar na linha de frente da política e optamos pela candidatura de Marielle Franco. Eu coordenaria a campanha dela e pensando em estratégias de comunicação, pois essa é a minha área. Quando a elegemos, ela me convidou para ser chefe de gabinete diferente por ser mais participativo, muito compartilhado. Meu trabalho foi de coordenar a área de juventude e favela, que foi essencial no mandato de Marielle”.

    Indagada sobre o assassinato de Marielle e a prisão dos executores, mas sem solução do crime, visto que os mandantes não foram revelados, Renata Souza diz:

    “É estranho haver uma investigação da investigação, o que quer dizer que, em algum momento, alguém foi protegido, não nos fornecendo informações exatas para se chegar ao mandante do crime. Enquanto não soubermos quem mandou matar Marielle, o estado democrático de direito está em risco e não vejo vontade de quem está no poder hoje de dar solução ao caso”.

    Na condição de especialista em segurança pública no Rio de Janeiro, Renata Souza  afirma que a  segurança pública no Brasil é um desafio há algum tempo:

    “Temos números alarmantes. Em 2018, 65 mil pessoas foram mortas e nesse dado é muito simbólico que a cada dez assassinatos, sete são negros, pobres da favela ou periferia. Por outro lado, está colocada uma política pública de segurança que tem como principal instrumento uma lógica de guerra, nos termos de uma guerra contra as drogas, que devem ser tratadas como uma questão de política de saúde e não de segurança. O que  mata hoje no Rio de Janeiro e no Brasil não são as drogas, mas mas as armas  e os fuzis. É gritante que não temos ainda uma política pública de prevenção que utilize da inteligência para a policia chegar a quem deve chegar. Quem são os grandes traficantes no Brasil?  Um dos assassinos de Marielle tinha uma arsenal em casa, 117 fuzis. Trata-se de uma política que investe numa lógica de guerra, de enfrentamento, que prejudica sempre os mesmos, os pobres, os negros que estão nas favelas e nas periferias, que o Estado olha como a grande mazela da sociedade”.

    A deputada conclui:

    “Existe no Brasil de hoje uma grande polarização em relação aqueles que defendem  intransigentemente o direito à vida e aqueles que menosprezam a vida do outro, isso porque esse outro não está colocado numa mesma classe social ou numa mesma lógica meritocrática. Marielle é uma vitima concreta dessa relação, desse Estado que é muito perseguidor daqueles que defendem a vida de maneira muito intransigente”.

    Entrevista na íntegra a seguir:

    Agradecimentos a colaboração de Caroline Cicarello na filmagem e Adja Marcela Barros na fotografia.

     

  • Aragão: “ Quando a coisa ficar insustentável, eles terão que liberar o  Lula”

    Aragão: “ Quando a coisa ficar insustentável, eles terão que liberar o Lula”

    Por Bruno Falci, de Lisboa, especial para o Jornalistas Livres

     

    Encontramos o jurista Eugênio Aragão em uma pequena e bucólica praça de Carcavelos, cidade situada a poucos quilômetros de Lisboa. Trata-se de um cenário muito especial em sua vida. Por isso, ele sempre retorna ao lugar. Antes da entrevista, em uma rápida conversa, Aragão disse que, quando era jovem, viveu três anos em Carcavelos. Sendo filho de pai diplomata, sempre viajou muito e, foi nessa época, que morou em Portugal, sendo perceptíveis seus laços afetivos com o país.

    Ele fala de um imenso galpão, que pode ser visto, no vídeo abaixo, ao fundo da praça verdejante, em pleno verão europeu, e faz  um paralelo com a narrativa nostálgica do filme Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore, Esse galpão, diz Aragão, era um cinema típico de bairro, que ele frequentava assiduamente e que hoje não existe mais, sendo transformado em um centro cultural. Neste espaço tranquilo, tendo ao fundo o “Cinema Paradiso” dos seus tempos juvenis, sentados em um banco da praça, realizamos nossa entrevista que é dedicada às turbulências políticas do Brasil atual.

                Eugênio Aragão, professor titular de Direito Internacional da Universidade de Brasília e doutor em Direito pela Universidade de Ruhr de Bochum (Alemanha), foi  membro do Ministério Público Federal, de 1987 a 2017, e Ministro da Justiça da Presidenta Dilma Rousseff, em 2016. No momento, a atuação de Aragão, que está em Portugal para participar de diversas atividades em seu campo de conhecimento, tem se destacado pela firme defesa dos valores democráticos e dos direitos jurídicos e coinstitucionais, diante dos discursos de intolerância que caracterizam o governo brasileiro. Inicialmente, ele destaca “a importância da entrevista para explicar esse momento insólito, tão extraordinariamente degradante do país, que necessita de uma explicação, pois as pessoas não entendem o que está se passando”. Hoje, Aragão esteve também em um debate na Casa Ninja de Lisboa, organizado em Conjunto com o Dialogo e Ação Petista de Lisboa.

    “A Lava Jato é liderada por um pessoal de baixa qualificação”

    Nesse contexto, Aragão analisa o papel do The Intercept, que tem divulgado a colaboração ilegal entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato:

    “ Tudo isso divulgado hoje, de alguma forma já intuíamos, para  nós não chegou a ser uma novidade. O novo é que pela primeira vez nós temos esses fatos provados, essa combinação entre o juiz e o Ministério Público acusador, que prejudicou a defesa. Isso não tem nem nome porque o processo penal hoje é visto por si só como uma atividade de grande risco do Estado. O processo penal manipula  aquilo que chamamos monopólio da violência do Estado. Então o Estado tem que se conter. O Direito Penal não é uma arma contra o cidadão, ele é para proteger determinados bens jurídicos que são caros para aquilo que se denomina sociedade e para proteger aquele que é acusado em ataque ou investida injusta contra ele. Não é transformar uma persecução em um show, como eles têm feito. Isso degrada o Direito Penal e vai contra a presunção de inocência. Isso é um  dos valores mais caros do Direito Penal.

    Aragão esclarece:

    “Todo mundo é presumido inocente até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. No caso do Lula, a sentença sobre o triplex nem transitou em julgado. Nós temos uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça bastante criticada porque não adentrou nenhuma das questões levantadas pela defesa e apenas se limitou a  discutir a dosimetria, ou seja, só reduzir a pena do Lula. Vê-se claramente uma má vontade do STF em relação ao Lula. Isso, de certa forma, é o que acompanhou esse processo desde o início. Uma profunda má vontade de ouvir e levar a sério a versão da defesa. É como se tudo estivesse previamente liquidado. Lula seria condenado de qualquer jeito e seria excluído do processo eleitoral. O mais importante foi não permitir ao PT voltar a governar o país. E isso que estava em jogo”.

    Segundo Aragão, vê-se isso claramente graças aos vazamentos do The  Intercept:

    “Os procuradores dizendo sem nenhum tipo de pejo que o importante é o Lula não voltar e o Haddad não ser eleito. Aquilo que nós já desconfiávamos agora está provado, mas provado de uma maneira tão sórdida – essa conversinha do juiz debochando da defesa, chamando de showzinho da defesa é algo realmente chocante. As provas ilícitas (do The Intercept) servem para a defesa, mas não servem para acusar. Elas servem para  provar que o processo contra Lula foi um engodo”.

    Indagado sobre a possibilidade da Lava Jato ser não ser somente um ataque ao PT e às esquerdas no Brasil, mas também contra as esquerdas latino-americanas, Aragão afirma:

    “Se ela é isso, não sei. A Lava Jato é liderada por um pessoal de baixa qualificação. Nem Moro, nem Dallagnol são pessoas que têm um vasto conhecimento jurídico do processo penal. Não acredito que eles tenham capacidade de montar uma operação para acabar com as esquerdas latino-americanas. Não está na capacidade deles isso. Agora, eles abriram um flanco enorme com a PTfobia deles e que foi aproveitada por outros. Num momento em que o corpo está doente, as bactérias oportunistas tomam conta e as bactérias oportunistas, neste caso, são os  interesses americanos. Já há muito tempo,, desde 2004, 2005, venho percebendo essa aproximação muito pouca republicana entre setores do Ministério Público brasileiro e o Ministério Público americano, de Nova York e Miami. Quando trabalhei na Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República já observava que essas ligações não me agradavam, essas intimidades com seus equivalentes americanos”.

    Agenda anti-corrupção sempre foi do PT”.             

    Descrevendo a trajetória do golpe, Aragão aponta que a corrupção foi um discurso que pegou na sociedade brasileira, graças à mídia que queria atingir o governo do PT:

    “Desde 2013 o combate a corrupção passou a ser uma agenda de acusações para atingir o PT, com muito mais ênfase que antes. Desde a época do mensalão que tentavam atingir o partido, mas 2013 foi o auge, quando o STF começou seus julgamentos em sessões extremamente estrondosas presididas por Joaquim Barbosa, e isso junto com as manifestações de rua. A Rede Globo rapidamente junta a agenda do STF contra a corrupção com a agenda das ruas. Aquilo que era um movimento seu rumo, no início, rapidamente tomou o significado da luta contra a corrupção. Com a PEC 37 o Ministério Público selou seu acordo com a mídia para um grande projeto de derrubada do governo, através da chamada agenda anticorrupção”

    Aragão acentua que a agenda anticorrupção sempre foi do PT:

    “Criamos todos os instrumentos legislativos que hoje existem para combater a corrupção, começando pela delação premiada e a ficha limpa. O partido nunca fugiu dessa discussão e nunca a utilizou como arma política. Dilma, quando assumiu em 2011, entrou limpando tudo o que ela pode. Colocou a Graça Foster na Petrobras porque não confiava em ninguém para desmontar os esquemas de corrupção. Na hora em que começou a fechar as portas, Dilma começou a se fragilizar e a preparar com isso a sua derrocada”.

    “Moro jamais  poderia ser sido juiz de Lula”

    A prisão do Presidente Lula é, para Aragão, a síntese do processo da Java Jato. A propósito das denúncias publicadas pelo The Intercept e difundidas pela Folha de S. Paulo e a  revista Veja, o jurista é cético quando analisa o comportamento do judiciário:

    “O judiciário, o STF não são instâncias de garantias fundamentais do indivíduo. O STF foi o grande omisso em todas essas barbaridades cometidas pela operação Lava Jato. Eu não acredito que eles queiram dar a mão à palmatória. Sou muito cético em relação a isso. É claro que, em algum momento, eles vão soltar o Lula, mas não se sabe quando. A coisa vai ficar insustentável. Aí eles terão que liberar o Lula”.

    Aragão conclui:

    “Vamos precisar, na 2ª Turma, pelo menos do Ministro Celso de Mello para assumir claramente esse papel de defender o devido processo legal e reconhecer que Moro jamais poderia ser sido juiz de Lula. Se ele fizer isso, estaremos bem e Lula poderá ser solto e o processo anulado. Se ele não fizer, a luta continua. Nós vamos demonstrar que tudo isso foi um grande engodo. Vai chegar uma hora que vai ficar insustentável”.

     

     

    Veja entrevista na íntegra:

    Agradecimentos pela colaboração de Caroline Cicarello e Rayra Fortunato no auxilio técnico da entrevista

     

  • Em Bruxelas, Caravana Lula Livre denuncia prisão do ex-presidente

    Em Bruxelas, Caravana Lula Livre denuncia prisão do ex-presidente

    Foto de capa: Deputados do Parlamento Europeu participaram de ato pela liberdade de Lula com a Caravana Lula Livre Europa, em Bruxelas. imagem de Bruno Falci / Jornalistas Livres

    28/06/2019 19h37

     

    Em Bruxelas, na Bélgica, a Caravana Lula Livre entregou um documento jurídico ao Parlamento Europeu nesta sexta-feira (28). O texto denuncia a arbitrariedade da prisão a qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está submetido desde o dia 07 de abril de 2018.

    Presente no ato, o jornalista Bruno Falci, do Coletivo Andorinha e do núcleo PT Lisboa, ressaltou que o caráter político da prisão fica ainda mais evidente com as denúncias que têm sido feitas pelo site The Intercept Brasil. A divulgação de conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol mostram que ambos atuaram em conluio na operação Lava Jato para condenar Lula, mesmo quando não tinham provas.

    “Estamos denunciando o processo totalmente ilegal e ilegítimo, liderado por um juiz que hoje é ministro do governo que ajudou a eleger” critica o jornalista lembrando que, após as eleições de 2018, Moro foi nomeado Ministro da Justiça por Jair Bolsonaro (PSL). Este último, só conseguiu vencer as eleições porque Lula, que liderava todas as pesquisas, foi preso injustamente e impedido de participar do processo.

    Depois das denuncias do Glenn Greenwald [editor do The Intercept], fica claro que a Lava Jato é um instrumento politico para derrubar os processos democráticos progressistas

    Bruno Falci contextualiza que, o golpe contra Dilma Rousseff e a prisão de Lula, resultaram em uma série de retrocessos que vão de privatizações, a retirada de direitos trabalhistas e entrega do pré-sal.

    “O pré-sal que foi entregue era o nosso passaporte para o futuro, como Luiz Inácio falou. Era uma verba garantida que ia para a educação e para a saúde do povo brasileiro. Hoje, está entregue ao capital estrangeiro. Sérgio Moro é um lacaio do capital estrangeiro, um juiz que tem lado e se alinhou à extrema direita internacional”, ressalta o jornalista.

    Da Redação da Agência PT de Notícias