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  • “Haverá muita luta e resistência”, diz José Dirceu sobre governo Bolsonaro

    “Haverá muita luta e resistência”, diz José Dirceu sobre governo Bolsonaro

    José Dirceu dispensa apresentações. Um dos mais conhecidos ativistas da esquerda brasileira desde a década de 1960, passou de líder estudantil secundarista a guerrilheiro, de preso político a exilado, de clandestino no Brasil a fundador do Partido dos Trabalhadores, de Ministro Chefe da Casa Civil a condenado sem provas no chamado “Mensalão”. Nem seus mais de 70 anos, uma virose “braba” que exigiu uma “bomba” de antibiótico, uma viagem de carro de Campo Grande a Cuiabá (“estou evitando viajar de avião”) e uma queda que lhe luxou uma das costelas foram o suficiente para se negar a uma maratona de compromissos na capital mato-grossense acima de 36 graus. Reunião com a Juventude do PT pela manhã, entrevistas à tarde, palestra para cerca de 200 pessoas no início da noite e autógrafos no seu novo livro, Zé Dirceu – Memórias, Volume 1 (Geração Editorial, 2018. De sua infância à cassação do mandato parlamentar), até as 23:00 provam que ele segue sendo uma potência política e uma voz fundamental na conjuntura atual.

    Em meio a tudo isso, pontualmente às 17:00 Dirceu atendeu por mais de 40 minutos os Jornalistas Livres. Veja abaixo, os principais trechos da entrevista (que pode ser ouvida na íntegra aqui). A autógrafos podem ser vistos aqui (o PT e a classe trabalhadora), aqui  (Preparação para a resistência e a necessidade do salto para a agroecologia), Aqui (Lula e a inserção do Brasil no Mundo e na América Latina), aqui (As riquezas do Brasil e as conquistas populares e sociais) e aqui (DIrceu, Guerreiro, do Povo Brasileiro).

    Áudio, fotos e vídeos: www.mediaquatro.com   Edição de Vídeos: Anna Clara Natividade

    Sobre a Ação Penal 470, o chamado “Mensalão”, e o ativismo jurídico:

    “O domínio de fato foi precedido por uma série de medidas que já demonstravam o ativismo político e a submissão à chamada ‘pressão popular’, ou seja, da mídia, no meu caso. Eu não poderia ser cassado porque eu era deputado licenciado e a jurisprudência do Supremo rezava que não podia. Então, por sete a quatro, o Supremo mudou, durante o meu indiciamento na Câmara, o entendimento e reviu a sua jurisprudência. Isso foi em 2005 ainda. Aí construíram a tese de que o parlamentar ‘carrega’ o decoro com ele, ‘carrega’ o mandato com ele. Depois o Supremo me condenou sem provas, mas o Congresso me cassou sem provas, na verdade, dizendo que cassou o Roberto Jefferson porque ele não provou que havia o ‘mensalão’, então ele tinha atacado a honra da Câmara, e me cassaram porque eu era o ‘chefe do mensalão’.

    […] O domínio de fato não tem nenhuma relação com a minha situação, porque o próprio jurista que definiu isso disse à Folha de São Paulo que na verdade essa instituição foi criada na Alemanha para diferenciar os autores de crimes de guerra, os participantes daqueles que tinham o domínio do fato, depois de condenados para diferenciar as sentenças. Não era base para condenação. A base para a condenação eram as provas materiais. O domínio de fato foi criado para diferenciar a pena de morte da prisão perpétua, da pena de 25 anos, de 15 anos, para os demais participantes do crime. […] aqui no Brasil foi usado pra dizer que eu tinha obrigação de saber o que estava acontecendo, porque antes exigia um ‘ato de ofício’. E mais, um ministro dizia que o ônus da prova cabia a mim, o Fux, e a Rosa Weber falou, está nos anais do Supremo, que não tinha prova mas a literatura jurídica permitia. Isso teve consequências graves, abriu caminho para tudo o que assistimos depois na Lava Jato. Infelizmente nós não aprendemos a lição e ainda votamos uma legislação na Câmara que tem sido utilizada de maneira abusiva além do que o texto dos artigos permitisse, como a Lei da Delação, a Lei da Organização Criminosa, Lavagem de Dinheiro, a Lei Antiterrorista… São legislações que têm de ser cercadas de cuidados para que não sejam usada politicamente. Por exemplo, como é que alguém pode ficar preso quatro anos e depois delatar? Como é que alguém pode delatar preso? Os procuradores dizendo na imprensa que iam condenar a 100 anos, prendendo familiares, bloqueando bens, processando familiares… Como é que essa delação pode ser digna, espontânea, à vontade própria? Então houve muita pressão psicológica, na família. […]

    Depois nós assistimos às ilegalidades, algumas que o Supremo já deteve, como é o caso das conduções coercitivas sem a recusa do investigado ou réu de se apresentar em juízo quando é intimado pela autoridade competente. Isso agora está proibido. As prisões preventivas, eu fiquei preso um ano e nove meses sem ser julgado na segunda instância. As antecipações de pena… E a situação está se agravando. Hoje não há sigilo bancário, fiscal, telemático, nenhum. O Ministério Público tem o poder de fazer investigações sigilosas, dizem que são administrativas, mas foi o Supremo que deu aquilo que a Constituinte negou. A Constituinte negou que o Ministério Público Federal, Estadual, fosse a polícia judiciária na União e nos Estados. O Supremo em 2016 deu o poder de investigação ao Ministério Público: quem investiga, acusa. Então nós estamos tendo não só o ativismo judicial”

     

     

    Foto: www.mediaquatro.com

    Sobre a Lei Antiterrorismo e os Movimentos Sociais

    “O mais grave é a tentativa de usar Lei Antiterrorismo contra os Movimentos Sociais como ele (Jair Bolsonaro) ameaçou, de classificar o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto de terroristas. Isso é gravíssimo! […] Os movimentos têm de atuar dentro da lei, defender a lei, recorrer à lei, ao Ministério Público, ao judiciário. Eles que fiquem com o ônus de compactuar (com as ilegalidades). Como foi o caso da cassação da candidatura do Lula. Nós não podíamos retirar a candidatura do Lula, o Lula desistir, indicar outro. O Lula tinha de ser registrado como candidato porque assim a Constituição reza, porque não foi condenado em última instância.

    Evidentemente que, no caso concreto, os movimentos têm todas as condições jurídicas de atuar dentro da lei. E nós temos que lutar para mudar as leis que nós consideramos injustas, faz parte. Lei é produto da sociedade, do movimento da sociedade, das lutas sociais, das lutas políticas, das transformações econômicas e sociais de um país”.

     

     

    Sobre seu papel hoje e o governo Bolsonaro

    “Fazer o que estou fazendo. Andar pelo país, ouvir, aprender, reler o país, que mudou muito nos últimos 15 anos, desde que o Lula foi eleito presidente, nos cinco anos em que eu estive ausente. Falar, contar a minha história, a história da minha geração. Defender o PT, defender o legado de Lula. Defender aquilo que mas propostas que estão sendo apresentadas pelo novo governo com relação a várias questões importantes para o país. Primeiro, a democracia. Realmente a defesa radical da democracia, das liberdades, das garantias individuais, que ele vive ameaçando. Fala em desconstituir os direitos difusos, do consumidor, da mulher, do negro, do índio, do meio-ambiente. Em outros momentos mistura Estado com religião, e isso é gravíssimo, só olhar os conflitos no mundo. Ameaça usar a violência contra os adversários, várias vezes, reiteradas vezes, ou antinacional, apesar de falar de Brasil, Brasil, Brasil. Mas as propostas dele, econômicas, essa submissão dele à política econômica externa do Trump, essa coisa quase inacreditável de colocar o Brasil nessa posição de satélite dos EUA. E principalmente a política econômica, a austeridade, corte de gastos, desconstituição de direitos sociais…

    Economia pelo lado do trabalhador, da saúde, da educação, da previdência, não do lado dos juros e da reforma tributária. Não da propriedade, da riqueza e da renda daqueles 10% de brasileiros que têm a metade da renda nacional. E sim dos 50% de brasileiros, 100 milhões, que só tem 10% (da renda). Muito menos do que aqueles 0,1% que têm quase 30% da renda nacional e que deviam pagar imposto sobre grandes fortunas, heranças, doações. Como aconteceu na Franca, agora, quando o clamor nacional foi taxar as grandes fortunas e não a gasolina”.

     

     

     

    E a conjuntura nacional em relação à internacional?

    “Vejam o que está acontecendo agora na França, na Argentina, na Hungria. Haverá resistência, haverá oposição, haverá luta. Haverá muita oposição às futuras medidas. Eu espero que o futuro governo se mantenha dentro da democracia e aceite as regras do jogo democrático, como nós aceitamos quando eles ocupavam as ruas do país, paravam o país, protestava, ocupavam Brasília, até chegar ao ponto de derrubar a presidenta através de um impeachment que todos nós sabemos que foi forjado. Uma inverdade de pedaladas, de uso de transferências de recursos complementares sem autorização constitucional, enquanto nós sabemos que nada disso era crime de responsabilidade”.

     

     

     

     

     

     

    A oposição terá poder para propor mudanças nas leis e resistir ao retrocesso político?

    “Nós temos experiência acumulada no Brasil para apresentar propostas de reforma da previdência, tributária, contrapondo a dele (Bolsonaro). Também de sistema bancário e de reforma política. E temos também como enfrentar. Porque o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os procuradores que estão em torno dele, podem apresentar uma série de propostas de reforma do Código de Processo Penal que, na verdade, como a prisão em segunda instância, são outra invasão da atribuição constitucional. Isso só o Congresso pode mudar a Constituição onde diz que alguém só pode ser considerado culpado quando o último recurso tramita julgado no Supremo ou no STJ. Tanto é que os procuradores tinham proposto fazer essas mudanças constitucionais, o Ministro Peluzzo, enquanto Presidente do Supremo, enviou uma proposta de PEC pro Congresso, mas não passou.

    Então acredito que nós temos condições, sim, de por exemplo debatermos mudanças no regime penal. O que quer o presidente eleito? Terminar com as progressões de penais, agravar as penas… Agora, com essa estrutura penitenciária que nós temos no país, enquanto toda a tendência no mundo é cada vez menos regime fechado, cada vez mais multas pecuniárias, perda de direitos e funções, trabalho alternativo, em último caso exigir regime fechado. Se você não dá condições para o preso trabalhar e estudar, se não dá pra ele condições mínimas de vida, lógico que ele não só reincide no crime, como passa a participar das organizações criminosas como o PCC porque eles têm estrutura para dar apoio e cobertura pra família dele e para ele, às vezes pra fugir, inclusive”.

     

     

    Como tem sido o cumprimento das sentenças de cadeia por você e pelo Presidente Lula?

    “Bom, falando sobre o Presidente Lula, muito bem, com altivez, dignidade, trabalhando, lendo, escrevendo, se relacionando com os companheiros e companheiras todos dos partidos, as lideranças, recebendo visitas. E ele está se defendendo através de seus advogados nas instâncias da justiça e denunciando quando há decisões que nós consideramos que atingem as garantias de direitos individuais e do devido processo legal, o contraditório, que o ônus da prova cabe ao acusador e mesmo quando determinados institutos jurídicos são deformados e utilizados contra nós.

    No meu caso, eu fiquei preso um ano e nove meses, já tinha ficado preso sete mesmo no fechado no chamado ‘mensalão’ e quatro meses no semiaberto e dez no aberto. Então eu cumpri a pena e fui indultado, o que é uma verdadeira mancha na história do Supremo Tribunal Federal. […] Eu cumpria pena e transformei um ano e oito meses que eu fiquei preso no Centro Médico Penitenciário de Pinhais no Paraná numa luta. Cuidei de uma biblioteca, reorganizei para atender os presos, sábado e domingo escrevi esse livro que agora estou divulgando pelo Brasil, cuidei da minha família e sou muito grato pela solidariedade e apoio que tive por todo o país.”

     

     

    Sobre as disputas com a Direita:

    “Nós temos que nos acostumar, porque até é um direito, que o MBL, ou as igrejas evangélicas, ou pastores, façam a disputa política conosco, seja pelos bairros das cidades, seja nas universidades e nos sindicatos, porque eles vão acabar trazendo a pluralidade sindical. Nós temos que lutar, porque nós temos do nosso lado os direitos dos trabalhadores e teremos apoio deles. É só olhar a Argentina, a França a Hungria e você vê isso.

    Haverá luta no Brasil, haverá resistência na tentativa de retirar direitos. Tem de tirar privilégios, isso nós vamos apoiar! Fazer Reforma da Previdência começa com militares e judiciário, não pelos trabalhadores rurais e pelos trabalhadores da iniciativa privada, que esses contribuem, empregado e empregado, em meio trilhão de reais na Previdência do INSS. Agora, os militares contribuem com R$ 2 bilhões e custam R$ 34, o funcionalismo público, principalmente o judiciário, não contribui nem com 20% dos benefícios que recebe. Então, haverá luta. A ditadura já tentou criar os Diretórios Acadêmicos pelegos, proibiu a UNE, os DCEs. Mas nós sobrevivemos. Em 1976, 77 a UNE já estava reconstruída. E nós mesmos enfrentamos a ditadura e reabrimos todos os centros acadêmicos ainda na década de 60. Agora, é preciso mudar os métodos de atuação dos partidos, do movimento social, das centrais sindicais, que já estão se reunindo para criar seminários e construir um Congresso das Classes Trabalhadoras para enfrentar as medidas do Bolsonaro”.

     

     

    E quanto às Comunicações?

    “O que nós assistimos na campanha foi que foi feita uma reforma eleitoral que deu direito ao candidato de autofinanciar sua campanha. Isso liberou o poder econômico, porque o Meirelles gasta R$ 40 milhões, mas os candidatos do PT, nenhum tinha mais de um milhão pra gastar e assim mesmo do fundo partidário. Segundo, eles diminuíram o tempo de rádio e televisão, nos dias e horários. Aís as televisões, os jornais e as rádios é que faziam a campanha. Terceiro, e é mais grave ainda, eles não combateram Fake News, não combateram o uso ilegal das redes, entendeu? E mais, não combateram a compra de votos! Porque houve uma compra de votos no país imensa. Nós temos que ter, já podíamos ter tido desde 2008, capacidade de responder nas redes. Porque em 2008, na eleição do Obama, já ficou evidente a importância das redes, e na do Trump nem se diga, dando até numa crise internacional. O problema do Brasil é que se precisa aplicar a Constituição. É isso! Porque agora eles começam a ter concorrência pela primeira vez, a Globo, a Record, SBT, Bandeirantes, a Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, porque o El País tem um jornal na internet e a internet não exige capital nacional, onde só permite 33% de capital estrangeiro, então vão ao Supremo tentar impedir que o El País tenha uma página, um jornal aqui. Mas eles não têm como impedir que as plataformas da Amazon, Netflix, Fox, Warner, Disney, entrem no país. Uma coisa é taxar o Google, taxar os grandes grupos econômicos, grandes monopólios, agora, não tem como impedir que eles disputem publicidade. Então eles (a Grande Mídia nacional) vão ficar cada vez mais dependentes do sistema bancário, da indústria automobilística, farmacêutica, imobiliária e mais dependentes do governo, da publicidade governamental, que é uma grande força principalmente para as oligarquias políticas que dominam rádio e televisão nos estados, onde duas ou três famílias de políticos dominam o cenário. Nós para nos opormos a isso hoje, não precisamos de jornal impresso, nem de televisão, basta utilizar as redes. E o Bolsonaro mostrou isso na campanha. Lógico que isso desequilibra a luta democrática: poder econômico e oligarquias midiáticas fazendo campanha abertamente pra políticos tentando controlar a opinião pública nos estados.

    Hoje não há diversidade e pluralismo na Rede Globo, por exemplo, nem na GloboNews. E não há informação, há ‘formação’. Todo o tempo querendo convencer o país de um determinado rumo. É um direito deles fazer isso no editorial. Mas os debates, entrevistas, têm de ser plurais e diversificados porque a Constituição exige. Então o que nós precisamos fazer e não fizemos é aplicar a Constituição”.

     

    Patriotismo, religião e sexo:

    “Essa tentativa do Bolsonaro é a mais perigosa. A manipulação da fé do povo. Na verdade, ele usa o nacionalismo, a pátria, religião e a família, como aliás os militares usavam em 64. Era a Marcha da Família, com Deus pela Liberdade, como se o Brasil estivesse ameaçado pelo comunismo, pela União Soviética. Agora é a Venezuela, o PT, são os vermelhos. Há uma manipulação muito grande. E há uma intenção clara de reprimir a diversidade, o pluralismo, as diferentes orientações sexuais. Há um preconceito muito grande contra o pobre, o negro.

    Mas ele, até porque não foi tratado pela mídia como deveria ter sido tratado, a mídia foi conivente muitas vezes e omissa com as declarações que ele fazia como ‘matar 30 mil’, ‘vamos metralhar os petistas’, deixando claro o preconceito racial, no caso dos quilombolas, deixando claro o machismo dele, exacerbado, com relação às mulheres, quando acha natural que as mulheres ganhem um salário desigual ao dos homens, que a mulher seja do lar, recatada, essa história que a função da mulher é ser mãe, e tudo isso a humanidade, inclusive o país que ele usa como referência, os EUA, já superou. É um direito das pessoas não concordarem com isso, temos de respeitar. Agora, o governo tentar fazer disso uma escola sem partido? Daqui a pouco vai fazer teatro sem partido, música sem partido, literatura sem partido, imprensa sem partido, igreja sem partido, ou seja, uma coisa totalitária e isso nós temo de combater”.

     

    A questão das disputas e talvez conflitos na América Latina e no mundo.

    “Os EUA são um império em decadência e a China em ascensão. Não existe império que entra em decadência sem lutar. O Trump já é a expressão disso: uma tentativa de defender a América em primeiro lugar, de defender a economia e o emprego nos Estados Unidos. Tudo o contrário que o Bolsonaro está pregando no Brasil. O Bolsonaro devia aprender com o Trump a defesa dos interesses nacionais, do emprego brasileiro, da indústria brasileira, da tecnologia brasileira. A China, por outro lado, será a maior potência do mundo nos próximos anos. A questão da guerra comercial, no fundo, é uma cortina de fumaça pra isso. Na verdade, o Trump está esperneando para tentar evitar a decadência dos EUA.

    Com relação à América Latina, o Lopes Obrador acabou de ganhar a eleição no México. O Macri hoje perderia a eleição na Argentina. É verdade que o Piñera voltou ao poder, mas ele já perdeu pra Michele Bachelet e surgiu um partido novo forte agora no Chile. Então, são altos e baixos e luta da política e social. A Frente Farabundo Martí governa duas vezes El Salvador. Daniel Ortega já está há dois mandatos na Nicarágua. No Panamá é bem provável que vença uma frente progressista. Na República Dominicana tem um governo progressista. Em Honduras houve um golpe para interromper o governo Zelada. No Equador o Rafael Correa fez seu sucessor mas foi traído, mas ele continua com o respaldo que num plebiscito completamente manipulado ele teve 36% de votos. E o próprio Peronismo resiste, sobrevive e pode vencer novamente na Argentina.

    Sobre intervenção militar, conflito regional, se os americanos decidem fazer uma intervenção na Venezuela é evidente que haverá um conflito regional porque imediatamente 500 mil venezuelanos irão imigrar para o Brasil e um milhão para a Colômbia. E muitos colombianos irão imigrar para o Equador, como aconteceu em outros momentos. Vai ser uma desagregação da Amazônia e Colômbia, Equador e Brasil se verão envolvidos nesse conflito. Não adianta falar que não acontecerá. Tem de se opor à intervenção nos assuntos internos da Venezuela. […] Os militares brasileiros, a elite brasileira ficam sonhando com o guarda chuva americano, isso é uma ilusão”.

     

    Como está o Brasil hoje?

    “As riquezas que o Brasil tem, o pré-sal que estão entregando, a Amazônia, a água, as terras, o sol… O Brasil é o país mais rico do mundo, porque não tem inverno. Outros são ricos como o Brasil mas têm inverno, como a China, a Rússia, o Canadá. E o Brasil é o sexto país do mundo, quinto território, oitava economia… Industrializado, rico, mas tem desigualdade e pobreza. O principal problema do Brasil é a desigualdade, não é o déficit público, não é o problema do sem-terra ocupar terra, ou o sem-teto ocupar áreas abandonadas nas cidades.

    O problema do Brasil é a profunda desigualdade e o profundo egoísmo das elites e a vocação delas para o autoritarismo. A história do Brasil prova isso. Quando há ascensão social, cultural, política, de amplas massas do povo trabalhador, eles vêm e dão o golpe e colocam um governo de direita, muitas vezes com apoio de parcelas dos trabalhadores. Mas a verdade esse é o ciclo da vida histórica do Brasil”. 

     

     

     

     

     

     

     

     

     

  • Zé Dirceu percorre Brasil para lançar memórias e estratégias de resistência

    Zé Dirceu percorre Brasil para lançar memórias e estratégias de resistência

    Entrevista exclusiva a Nícolas Horácio/EstopimColetivo

    “O povo brasileiro não é como Bolsonaro. Dos 55% de votos que ele teve, seguramente, o núcleo duro dele é de 15 a 20 milhões de votos. Esse é o eleitorado que abraça as teses de violência pra resolver o problema da segurança, de preconceito, de racismo, de desqualificação da mulher, de desprezo pela democracia, pela liberdade de expressão, a visão pró norte-americana e esse abraço de urso ao neoliberalismo de mercado, que é, na verdade, entregar o país ao capital financeiro, na nossa opinião, evidentemente. Acho que nós temos que fazer essa disputa também com o eleitorado dele. O eleitorado não vai ficar com ele” (José Dirceu)

    Ele esteve no centro do poder no governo Lula e foi cogitado para a sucessão presidencial depois de chefiar a Casa Civil, um dos mais estratégicos ministérios do país. Condenado a mais de 30 anos de prisão, teve a trajetória política interrompida e, no estilo Graciliano Ramos, escreveu um livro de memórias no período do cárcere. Fundador do PT, ex-militante do PCB e da luta armada, José Dirceu responde os processos em liberdade como um dos mais polêmicos personagens da política brasileira na atualidade. Por fora do tabuleiro político, continua atuando como um importante intelectual para a militância do PT, através de sua força e influência.

    Em Florianópolis desde o dia 15 de novembro, foi recepcionado pela amiga e ex-ministra Ideli Salvatti, conversou com lideranças de outros partidos da esquerda, como PSOL e PCdoB, com militantes da juventude do PT e dos partidos aliados. Na segunda-feira (19/11), realizou sessão de autógrafos do livro “Zé Dirceu – Memórias Volume 1”, no qual narra momentos importantes da história brasileira e deixa seu ponto de vista sobre a conquista do poder pelo Partido dos Trabalhadores, o legado dos seus dois governos e a análise do processo intervencionista que culminou com a violação da democracia.

    Em entrevista ao Estopim Coletivo, de Florianópolis, Dirceu conta detalhes do livro que será lançado em pelo menos 25 capitais brasileiras e indica como o PT, agora na oposição, deve se comportar nos próximos anos.

    A Entrevista

    No lançamento do seu livro em Brasília, você disse que o PT está em uma defensiva e precisa de estratégia política. Qual deve ser essa estratégia? E qual a sua participação nela?

    Zé Dirceu: Minha participação vai ser como filiado. Eu não pretendo, nem devo voltar para a direção do PT e muito menos participar diretamente do partido.

    Eu quero andar pelo Brasil, lançar meu livro, fazer palestras e participar de seminários. Quero estar com os movimentos, com a CUT, o MST, os partidos aliados. Eu tenho diálogo com PCdoB, com PSB e quero estar com a juventude. Eu tenho priorizado esses três eixos.

    Quando eu digo que estamos em uma defensiva, não é só o PT.

    Essa coalizão que elegeu Bolsonaro não é só uma coalizão religiosa, com os setores militares e partidos. Ela tem uma cabeça que é o capital financeiro internacional e tem uma política que é pró Estados Unidos.

    É uma coalizão que pretende fazer grandes mudanças no Brasil, basta olhar a pauta dele. Começa pela política externa, que ele vai virar totalmente, não só a nossa política externa, como a dos tucanos também. Por isso que pelo menos alguns tucanos estão contra.

    Nós temos força, mas nós viemos sofrendo derrotas desde 2013.

    Você se refere às grandes manifestações de 2013?

    Zé Dirceu: Sim, porque eram manifestações contra o aumento das tarifas em São Paulo e foram capturadas, com papel muito forte da Rede Globo e dos setores que financiaram aquela mobilização, para um movimento contra o governo da Dilma, o PT e que com a Lava Jato fez uma escalada de criminalização do PT e do próprio Lula, levando ao impeachment da Dilma e a prisão do Lula, que culmina com a eleição do Bolsonaro.

    Nesse sentido, nós temos que reconhecer a derrota, ao mesmo conhecer as nossas forças e a necessidade de repensar o que vamos fazer nos próximos anos.

    Temos algumas tarefas óbvias: a liberdade do Lula; a oposição a pautas como Escola sem Partido que, na verdade, é escola com partido, o deles.

    Por outro lado, o governo vai anunciar uma série de medidas, nós temos que apontar alternativas. Não podemos apenas ficar contra. Se ele vai fazer uma Reforma Tributária, temos que apresentar nossa visão e para a Reforma na Previdência, a mesma coisa.

    Você vem articulando essas conversas nos estados?

    Zé Dirceu: Não. Eu não articulo. Eu Tenho relações, porque desde 1965 eu sou militante político e eu participei dos principais eventos do país a partir de 1979.

    Participei da clandestinidade, da luta armada, participei da geração de 1968, fui do PCB, depois, fui um dos fundadores do PT, então tenho muitas relações.

    Procuro, sou procurado e converso, exponho a minha opinião e tentando ajudar nesse sentido, nessa linha.

    Mas exerce influência, certo?

    Zé Dirceu: É. Influência eu exerço, mas não significa que eu vá participar de direções do PT, disputar mandatos ou participar de governos. Eu nem posso, porque estou inelegível.

    Aqui em Santa Catarina você fez algumas conversas com militantes de outros partidos. Sentiu possibilidade de unificação da esquerda aqui? Há caminhos pra isso?

    Lançamento e palavra de resistência em Florianópolis

    Zé Dirceu: Eu acredito que há sim, na base. Temos que começar pelas lutas concretas em cada cidade, em cada estado, pelas agendas que estão colocadas.

    Acho que a Reforma da Previdência é uma questão fundamental, a Escola sem Partido é outra, a defesa da liberdade de manifestação, esses ataques ao MST, ao MTST, ao João Pedro Stédile e ao Guilherme Boulos, nós não podemos aceitar.

    A agenda da anulação da condenação do Lula é importante e nós devemos construir uma agenda a partir dos sindicatos e da juventude, da luta das mulheres.

    Nós devemos construir uma agenda de oposição, porque temos legitimidade e fomos para oposição por decisão do eleitorado. Nós temos 47 milhões de brasileiros e brasileiras para representar e, no caso do PT, um mínimo de 30 milhões, que foi a votação do Haddad no 1° turno em aliança com PCdoB e com o PROS.

    Então, nós temos obrigação de exercer essa oposição, essa fiscalização, apresentando propostas e alternativas e temos que resolver nossos problemas, como a debilidade na área das redes.

    Quais redes? As redes sociais?

    Zé Dirceu: Isso. Elas são importantes desde 2008, na eleição de Obama, depois na eleição do Trump, que gerou uma crise internacional, e quando chega a eleição aqui nós não estamos preparados?! Alguma coisa tá errada.

    Mesma coisa a nossa presença nos bairros, na luta do dia a dia do povo trabalhador no bairro. Temos que analisar e tomar medidas com relação a isso.

    Você acha que faltou ser mais presente nas redes sociais para ganhar o público?

    Zé Dirceu: Sem dúvida nenhuma. A rede social é um potencializador e quando você tá ausente também lá no bairro, o potencial aumenta, porque você não tem como contraditar e responder. Se você não responde nas redes, não responde nas casas, na igreja, na lotérica, no açougue, no cabeleireiro, no supermercado.

    Depois que nós saímos na rua com o Vira Voto, nós crescemos muito. Porque é sempre importante o contato pessoal, o diálogo, o olho no olho, o debate, a reunião, a experiência de vida em comum. Eu aposto muito também na juventude nesse sentido. Acho que ela pode e dever ter um papel importante.

    Você disse recentemente que o PT perdeu a eleição ideologicamente. O povo brasileiro é como o Bolsonaro?

    Zé Dirceu: O povo, não é como Bolsonaro. Dos 55% de votos que ele teve, seguramente, o núcleo duro dele é 15 a 20 milhões de votos. Esse é o eleitorado que abraça as teses de violência pra resolver o problema da segurança, de preconceito, de racismo, de desqualificação da mulher, de desprezo pela democracia, pela liberdade de expressão, a visão pró norte-americana e esse abraço de urso ao neoliberalismo de mercado, que é, na verdade, entregar o país ao capital financeiro, na nossa opinião, evidentemente.

    Acho que nós temos que fazer essa disputa também com o eleitorado dele. O eleitorado não vai ficar com ele. Essa questão dos médicos cubanos, que é uma coisa totalmente estúpida que ele fez, porque os médicos nunca se envolveram em política no Brasil, nunca participaram de nenhuma atividade que não fosse trabalho médico, ele não pensou nos 30 milhões de brasileiros, brasileiras, as famílias, as mães, os idosos, as crianças que são atendidos por esses médicos.

    Essa história de que os médicos cubanos foram nomeados no lugar dos brasileiros, todo mundo sabe que não é verdade, porque os médicos não querem ir para essas cidades.

    Dois terços [dos recursos] vão para o governo, mas os filhos deles estudam em escolas públicas até o ensino universitário. Eles têm hospitais públicos fantásticos. Em Cuba tem atendimento, o país não tem violência. O país tem segurança e um bem estar básico.

    As dificuldades e a escassez ocorrem em parte por causa do bloqueio e por uma série de questões que os cubanos estão procurando resolver agora.

    Poucos sabem que os cubanos estão fazendo uma Constituinte, agora, que se discute em todos os bairros, fábricas, escritórios, lojas, no campo. Milhões e milhões de cubanos estão discutindo a Constituição do país. Poucos sabem disso.

    O que o Brasil vai descobrir no seu livro? O que há de novo nele, por exemplo, em relação ao seu processo?

    Zé Dirceu: Eu procuro contar a história do Brasil, contando a minha história e da minha geração, que lutou contra a ditadura e foi pra clandestinidade, participou de ações armadas de resistência.

    Depois as vitórias do MDB, o que foram os governos militares, particularmente, o governo Geisel e, depois, o que foi o surgimento da luta contra a carestia, das pastorais, das comunidades eclesiásticas de base, do sindicalismo autêntico, do PT, da CUT.

    O livro passa pelas Diretas, o Collor e o impeachment dele e conta a trajetória das eleições até o Lula ser presidente. Eu procuro sempre mostrar como o Brasil era no cinema, no teatro, na música, como eram os meios de comunicação.

    Existe algum fato na sua biografia que ninguém sabia ainda?

    Zé Dirceu: Tem fatos que eu relato pela primeira vez, como o dia em que eu pedi demissão e eu conto como foi a reunião. Chorei naquele momento e explico o que significava aquilo para mim. Foi uma reunião com Lula feita para concretizar minha demissão.

    O depoimento do Carlos Cachoeira, que mostra toda a operação Valdomiro Diniz, CPI dos correios, mensalão, hotel Naoum, foram tudo escutas telefônicas dirigidas contra o PT negociadas com a direção da Veja, o Policarpo Jr. com o Cachoeira, com os Arapongas, com escutas ilegais para montar fatos políticos negativos pra fazer matérias contra os adversários deles.

    Veja passou impune. A CPI não teve condições de convocar o Roberto Civita. O Policarpo Jr. nunca respondeu perante a justiça sobre isso.

    Contando o que vivi, busco contar a história do Brasil, tentando tirar lições disso. Conto, por exemplo, como foi possível lutar e derrotar uma ditadura e de onde surgiu a luta.

    Nós vamos enfrentar esse problema agora. Como lutar? De que forma lutar? Com quem lutar? Eu procuro, na verdade, transmitir para as novas gerações a minha experiência, com erros, acertos e a experiência do PT, da esquerda, inclusive recontando a experiência do Brasil com relação à esquerda, o papel do PCB.

    Os tenentes, qual foi o papel dos tenentes? O que foram as Forças Armadas da República até a Constituição de 1988? Elas sempre foram uma força determinante na disputa política brasileira.

    A revolução de 1930 foi uma revolução militar e civil. Toda a luta dos tenentes, a Coluna Prestes também é, 1935 é, 1932 é, 1937 é, 1946 é.

    Em 1950 e 1955 eles tentam dar o golpe. Em 1961, eles tentam dar o golpe e a resistência popular armada impede e, em 1964 eles dão, governam o país até 1985 e voltam agora a exercer um papel moderador no país.

    Transmissão em Porto Alegre (SC): https://www.facebook.com/blogdozedirceu/videos/335362210574885

    Transmissão da palestra de lançamento do livro em Florianópolis (SC)

    https://www.facebook.com/PTdeSantaCatarina/videos/333184410568854/

  • Zé Dirceu volta para a peleja

    Zé Dirceu volta para a peleja

    por Laura Capriglioni e César Locatelli

     

    Eles venceram? O sinal está fechado para nós?

    O que está acontecendo é uma derrota política para eles, estratégica. É a maior derrota política da história do Brasil. Só a volta do Getúlio em 50 é tão grande como essa que está acontecendo. Com tudo o que fizeram, eles são minoria no país. Nós temos a maioria do país do nosso lado. Numa eleição normal, com o Lula candidato, nós ganhamos a eleição.

    O processo do Lula é sumário, de exceção e político. Todo o resto é secundário. O objetivo é banir o Lula. Eles queriam banir o PT, mas a memória da experiência vivida da imensa maioria dos trabalhadores é que esse é o governo deles: o do Lula.

    Éramos perto de 50 jornalistas de meios independentes de comunicação. O convidado era Zé Dirceu, para falar da conjuntura, das eleições, do futuro e de seu livro “Zé Dirceu: Memórias”. O auditório do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé” foi o cenário.

    Estamos vivendo uma eleição ‘sob controle’. A campanha está proibida.

    A Justiça Eleitoral permitiu que os candidatos financiem campanhas com recursos próprios. Isso significa o retorno do financiamento empresarial. É o poder que vai ditar essa eleição.

    Basta andar pelo país para ver que a compra de votos atingiu um nível avassalador.

    Diminuíram o tempo da propaganda eleitoral e a Globo dobrou o tempo com os candidatos. Os jornais, as revistas, televisões e rádios vão dobrar o horário que elas vão dizer como votar e em quem votar.

    Estamos numa situação-limite, mas podemos ganhar a eleição mesmo assim. Se Lula for candidato, ganha no primeiro turno. Se não for temos chances reais de ir para o segundo turno. Aí será uma nova eleição.

    Zé Dirceu não tem dúvidas de que, se preciso, as classes dominantes entregarão a presidência para Bolsonaro.

    Não subestimem o Bolsonaro. Eles entregaram o poder para Jânio Quadros, sabem o que é eleger o Jânio presidente do Brasil? E para o Fernando Collor. Entregaram o governo para o Michel Temer. Entregam para o Bolsonaro sem tapar o nariz.

    Estamos sob uma ditadura?

    Nós temos uma situação privilegiada do ponto de vista histórico. Quando acabou o golpe de 64, quando ele consolidaram o poder, os sindicatos estavam fechados, havia dezenas de milhares de líderes sindicais desempregados, no exílio, nas prisões. A Contag estava fechada. As ligas camponesas foram reprimidas. Sete mil oficiais foram expulsos das Forças Armadas. A imprensa estava censurada. A repressão foi muito maior do que nos temos pesquisado e documentado nos meses de 64, muito maior. É uma história por ser contada ainda.

    Hoje, não. Eles deram um golpe, mas nós temos um nível de organização política, um nível de consciência, uma base social e eleitoral, organizações, partidos.

    Temos experiência de governo. Porque a classe operária brasileira, a classe trabalhadora brasileira, as camadas populares muitas vezes se alçaram, se constituíram da história do país e eles reprimiram a ferro e a fogo e cortaram. Agora nós conseguimos uma continuidade

    Saímos da passividade. Somos uma força ativa no país.

    Ele conta sobre seu plano pessoal.

    Precisamos ter uma força de massas, a médio prazo. É a isso que quero me dedicar nos 10 ou 15 anos que me restam.

    Nós já conhecemos a nossa elite: não tem pudor nenhum de governar pela força. Não nos iludamos.

    A direção do partido precisa ter programa e teoria.

    Hoje eu me arrependo, porque o Frei Betto queria criar os Conselhos do Fome Zero. Aí começou aquela discussão que a direita e a esquerda adoram “mas e a Câmara Municipal? E o Poder Legislativo? … Podíamos ter hoje 10 ou 20 mil conselhos … Não teria acontecido o que aconteceu.

    Zé Dirceu tem repetido que a carta escrita por Lula para o dia do registro da candidatura é o que deve balizar o discurso petista.

    Precisamos resolver a questão tributária e reformar o sistema bancário.

    A principal arrecadação de impostos não pode continuar a vir do consumo e deixar a alta renda sem tributação.

    As altas taxas de juros permitem uma apropriação absurda da renda nacional pelo sistema bancário e a parcela rentista da população brasileira.

    Como conseguir governar?

    Não há como governar o país se nós não fizermos o que fizeram: milhões de pessoas na rua e força de pressão.

    Nós não vamos apelar para a força. Nós temos que criar um forte, poderoso, grande movimento de massas no Brasil.

    Eles sabotaram o governo, desestruturaram o governo, independentemente dos nossos erros. Botaram milhões de pessoas nas ruas. E falaram para o Congresso e para o Supremo: arruma um jeito aí e diz que é legal e constitucional e tira esse governo.

    Nós não temos poder econômico, não temos poder militar, não temos as instituições. E vamos governar? Só seremos capazes de fazê-lo se tivermos força popular.

    O Brasil está rapidamente entregando sua soberania

    Nem os países árabes, nem as monarquias do Golfo deixam que a renda do petróleo seja apropriada pelas empresas estrangeiras.

    Essa questão do pré-sal era determinante para nós porque era a renda nacional que podíamos fazer uma profunda revolução cultural, educacional, científica no Brasil. E mais, eles cortaram o coração do salto de desenvolvimento, que era a exportação de tecnologia, serviços e capital.

    O Brasil estava ocupando o espaço que antes era do espanhóis, das empresas francesas. Eu visitei a América Latina durante os seis anos entre 2006 e 2012. Em qualquer país de três obras de infraestrutura, duas eram de empresas brasileiras. Metrô, estaleiro, siderúrgica, não era só rodovia e saneamento, hidroelétrica, termoelétrica, aeroportos. Foi cortado isso.

    O Brasil tem um estado de bem-estar social, porque tem o SUS. Vocês pensam que os outros países têm SUS? Aonde? A Previdência nossa como é, o Seguro-Desemprego, a LOAS, além do Bolsa Família, agricultura familiar, a educação pública e gratuita do fundamental ao ensino médio.

    Nós sabemos como é a devastação rápida, que eles fizeram na primeira fase [governo FHC]. Cadê o centro de pesquisas que a Eletrobras tinha? Onde estão os centros de pesquisa que as estatais tinham? O perigo da Petrobras é esse. Não é só a entrega das reservas.

    PT é muito criticado por não ter feito uma reforma política.

    Não é verdade que deixamos de lado a reforma política. Porque todos se lembram quando houve a farsa do Mensalão, o Tarso Genro e Márcio Thomaz Bastos percorreram esse país, conversaram com todas entidade, com todos os partidos o Lula apresentou a proposta de reforma política.

    Essa reforma, o Henrique Fontana fez toda concessões que nós podíamos fazer para tentar aprovar. Eles não queriam aprovar. Quando aconteceram as manifestações de 2013, a nossa presidente apresentou a proposta de uma constituinte exclusiva. Que era correta. Com referendo depois, que é ultrademocrática

    O que vem depois?

    A eleição não vai resolver o problema do país. O problema do país é um problema de raiz, estrutural. É um embate histórico e conjuntural, estrutural. Histórico porque eles querem quebrar o fio da história de um país soberano, independente e com um projeto de desenvolvimento. É disso que se trata.

    Estou propondo que a gente tenha força de massa, política, consciência política capaz de confrontar isso.

    Os reveses não o conformaram. Sua disposição para a peleja política parece a mesma de outros tempos, como na campanha de 1990 quando seria eleito deputado federal pela primeira vez.

    Veja a íntegra:

     

  • Toffoli cassa decisões abusivas de Moro contra José Dirceu

    Toffoli cassa decisões abusivas de Moro contra José Dirceu

    Na última terça feira, dia 26 de junho, a Segunda Turma do Supremo revogou a prisão do ex-ministro petista José Dirceu, com os votos dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli contra a posição de Fachin e permitiu ao ex-ministro o direito de recorrer em liberdade da pena injustamente imposta. A deliberação da Segunda Turma é soberana e não cabe intervenção de instâncias inferiores.

    Sérgio Moro, juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), em descumprimento da decisão da Suprema Corte, usurpação de poder e mais uma arbitrariedade, intimou José Dirceu a ir de Brasília a Curitiba, até terça-feira, 3 de junho, para lhe impor tornozeleira eletrônica, além de medidas cautelares e uma série de constrangimentos que lhe proibiam de sair do país e se comunicar com outros acusados ou testemunhas.

    A decisão de Moro irritou os ministros do Supremo, que se sentiram confrontados pelo juiz da Lava Jato. Nessa segunda feira, 2 de junho, o ministro Dias Toffoli cassou a ordem de Sérgio Moro. A decisão partiu de Toffoli, sem que a defesa tenha pedido. Segundo o ministro, a Segunda Turma do STF assegurou “a liberdade plena” do petista até que o julgamento do caso seja concluído, em agosto.

    Segundo Toffoli, “considerando que a decisão proferida pela Segunda Turma, por maioria de três votos a um, em nenhum momento restabeleceu a prisão provisória do reclamante, tratando-se, no caso, de prisão-pena, a qual foi suspensa para assegurar a liberdade plena do ora reclamante, em razão da plausibilidade jurídica dos recursos interpostos e, mais ainda, por não subsistir nenhuma esfera de competência do Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba – que sequer foi comunicado da decisão desta Corte –, casso, até posterior deliberação da Segunda Turma, a decisão”, escreveu.

    O ministro afirmou ainda que Moro “extravasou” sua competência: “o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, em decisão com extravasamento de suas competências, restabeleceu medidas cautelares diversas da prisão, outrora determinadas em desfavor do paciente, à míngua de qualquer autorização deste Supremo Tribunal Federal, que, em decisão colegiada da Segunda Turma, deferiu medida cautelar em habeas corpus de ofício, para assegurar a liberdade plena ao ora reclamante até a conclusão de julgamento da ação”.

    A medida significa mais uma derrota para Sérgio Moro, que sabia estar cometendo mais uma ilegalidade, deixando explícito no despacho que os constrangimentos valiam “até decisão em contrário”. Em resposta à decisão do Supremo, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no Paraná, criticou Toffoli, insinuando que ele beneficiava seu “ex-chefe”, se referindo ao fato de o ministro ter sido indicado ao STF pelo ex-presidente Lula, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e ter pertencido a AGU durante os governos petistas, antes de assumir o cargo.

    *publicado originalmente em https://fpabramo.org.br/2018/07/03/toffoli-cassa-decisoes-abusivas-de-moro-contra-dirceu/

  • Zé Dirceu e o desejo improvável

    Zé Dirceu e o desejo improvável

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA, com ilustração de Humberto

    Sei bem que o foco está em Lula, como não poderia deixar de ser, mas peço licença ao leitor para falar um cadinho sobre Zé Dirceu, mais especificamente sobre sua última entrevista, publicada em 28 de abril na “Folha de São Paulo”.

    É que tenho a sensação que falamos pouco sobre Zé Dirceu, aquele que talvez seja o melhor quadro da história da esquerda brasileira.

    Falar pouco sobre Zé Dirceu é um erro gravíssimo, pois foi exatamente por isso que não demos a devida atenção ao que aconteceu na Ação Penal 470, no julgamento do “Mensalão”.

    Tudo começou ali: a criminalização da esquerda, a condenação seletiva de lideranças populares com base em indícios, o concubinato entre o Sistema de Justiça e a mídia hegemônica. O mensalão foi o ensaio geral do golpe. Mas não é disso que quero falar. Quero falar mesmo é da entrevista, pois temos ali uma aula de política.

    Mas como assim, “política”? O que é “política”?

    A definição mais antiga de política que sobreviveu ao tempo e chegou a nós foi desenvolvida por Aristóteles em algum momento no IV século a.c.

    O grego nos apresenta uma definição de “política” que me parece ser a chave ideal para a compreensão da trajetória pública de José Dirceu, algo que fica muito claro na entrevista que o ex-ministro concedeu à “Folha de São Paulo”.

    “EU NÃO POSSO BRIGAR COM A CADEIA.”

    Esse é o título, em letras garrafais, da entrevista.

    Sei que à primeira vista parece conformismo.

    Parece que Zé Dirceu é um velho fraco, entregue, passivo. Mas tão logo passamos pelo título essa sensação se dilui no ar. Não é fraqueza, não é fragilidade. É inteligência política. É inteligência política no sentido aristotélico.

    Vejamos como é possível esse salto da antiguidade grega ao Brasil contemporâneo, de Aristóteles a Zé Dirceu.

    No tratado “Ética a Nicômaco”, Aristóteles faz uma crítica à ética política platônica. Para Platão, a ética na política deveria ser fundada na ideia de “bem comum”. Ou seja, o político deveria agir conduzido por ideias universais, gerais, a respeito do bem e do mal.

    Aristóteles, antecipando em séculos o que seria formulado de maneira mais clara por autores como Tomás de Aquino e Maquiavel, diz que não é bem assim. Aristóteles diz que na política a ética precisa ser específica, que não pode deixar se levar por generalidades, pois cada evento político é único.

    Nas palavras do próprio Aristóteles:

    “Uma vez que a presente investigação não visa ao conhecimento teórico como as outras – porque não investigamos para saber o que é a virtude, mas a fim de nos tornarmos bons, do contrário o nosso estudo seria inútil -, devemos examinar agora a natureza dos atos, isto é, como devemos praticá-los; pois que, como dissemos, eles determinam a natureza dos estados de caráter que daí surgem. (ARISTÓTELES, 1991, p. 30)”.

    Sei que texto é meio truncado, confuso, mas o sentido é fácil, fácil de entender. O Grego tá falando que o objetivo do estudo político não é viajar em teorias, mas, sim, se debruçar sobre as especificidades dos fatos. Aristóteles chamou de “phronesis” essa ética circunstanciada, adequada aos eventos políticos.

    Caberia, então, ao homem político a atuação sempre contextualizada, levando em conta os limites das circunstâncias. Quando a realidade se apresenta na sua dimensão mais opressora, restaria ao político entendê-la, sabendo que somente é possível modificá-la parcialmente, dentro dos limites que já estão postos. O político seria, nesse sentido, o especialista nas possibilidades e não herói quixotesco que luta contra moinhos de vento como quem se debate com poderosos gigantes.

    Mas o que isso tudo tem a ver com Zé Dirceu?

    Para responder, voltamos ao título da entrevista.

    “EU NÃO POSSO BRIGAR COM A CADEIA”.

    Zé Dirceu sabe muito bem que o Estado é o objeto das disputas políticas. Na prática, o que as forças políticas fazem é disputar o Estado.

    Sempre que se envolvem em campanha eleitoral, sempre que fomentam um golpe ou sempre que trocam chumbo e pólvora em guerra civil, é o controle do Estado o objetivo dos grupos organizados politicamente.

    E o Estado é um latifúndio enorme, muito grande mesmo.

    Dificilmente, um grupo consegue ocupar sozinho todo o latifúndio do Estado. Por isso, as disputas pelo controle do Estado não se dão apenas fora dele, onde os grupos excluídos do poder tentam entrar. As disputas também acontecem dentro do próprio Estado, onde os grupos já estabelecidos disputam território, tentam aumentar o espaço do seu quinhão de poder e, por consequência, diminuir o tamanho do quinhão do grupo rival.

    Em 2003, quando Lula subiu a rampa, o campo popular ocupou um pedaço do Estado. um quinhão relevante e importante, mas apenas um lote. Os outros lotes, os pedações, sempre estiveram sob o controle das forças do atraso. Quem pensou diferente, quem achou que tendo apenas a Presidência da República seria possível revolucionar a sociedade brasileira foi ingênuo, muito ingênuo. Em política, a ingenuidade é o pior dos vícios.

    Zé Dirceu, que de ingênuo nunca teve nada, sabe muito bem que o Estado brasileiro está completamente ocupado pelas forças do atraso. Esse foi o resultado político mais nefasto do golpe. As forças do atraso, que já ocupavam o Legislativo e o Sistema de Justiça, agora estão também com o controle do Poder Executivo. Numa situação dessas, não sobra muito espaço para devaneios e esperanças tolas.

    “O país vive uma situação de insegurança e instabilidade, de violação dos direitos e garantias individuais. O aparato judicial policial se transformou em polícia política”.

    Zé Dirceu sabe que para sua própria saúde mental é importante não brigar com a cadeia. Ele sabe que precisa conviver amigavelmente com Eduardo Cunha, com Palocci e outros que estão por lá. Pouco importa se Cunha foi um dos principais artífices do golpe. Pouco importa se Palocci é o antigo companheiro desonrado. Dentro da cadeia são todos presos, dividem os mesmos metros quadrados. É bom que o convívio seja cordial.

    Não adianta brigar com uma realidade tão difícil, tão opressora. Não adianta evocar uma ideia abstrata de “justiça” segundo a qual inocentes não são presos e todos são iguais perante a lei. Não é isso que está acontecendo no Brasil, e já há algum tempo.

    Mas não confundam a agudeza de percepção com conformismo. Mesmo com todas as dificuldades, há algo a ser feito, e é disso que Zé Dirceu fala na entrevista. A entrevista tem, justamente, essa função. Zé Dirceu está falando para seus correligionários que a ação precisa ser calculada dentro das possibilidades abertas pela realidade.

    O campo popular não ocupou as Forças Armadas, não ocupou os aparelhos policiais do Estado. Não adianta acalentar o desejo de resistência pela força. Zé Dirceu já viveu muito, já passou por muita coisa, para saber que somente devemos usar a força quando temos alguma chance de vencer, quando temos algum poder de fogo. Não é esse o caso, não temos nenhum poder de fogo.

    Fazemos o que, então?

    Zé Dirceu explica, com didática de professor: “Como minha vida é o PT e o projeto que Lula lidera, eu tenho que me preparar para continuar fazendo política. Eu não posso me render ao fato de que vou ser preso.”

    O melhor a fazer, então, é se adaptar às circunstâncias continuar fazendo política. A agenda de José Dirceu está focada menos na sua liberdade pessoal e mais no seu direito de continuar fazendo política, mesmo que preso, ainda que de dentro da cadeia.

    Trata-se de Franciscanismo? De um sentimento nobre de abnegação? Zé Dirceu não deseja ser solto, ter o corpo livre, poder ir e vir sem constrangimentos?

    É claro que ele quer ser solto. Porém, ao olhar pra realidade, o cabra percebe que no atual estado das coisas, o desejo é improvável.

    Desejo improvável deve ser evitado.

    Desejo improvável inviabiliza a capacidade de desejar, pois quando desejamos o improvável, deixamos de desejar o possível.

    O possível, para José Dirceu, hoje, é continuar fazendo política, é continuar disputando o Estado, agora fora dele, completamente fora dele. Continuar fazendo política e esperando um momento político melhor, onde seja possível voltar a ocupar um quinhão do Estado.

    Pra isso, tem que investir na campanha eleitoral, tem que eleger senadores, deputados. Pra isso, é importante eleger um presidente que seja disputável. Zé Dirceu sabe que a candidatura de Lula é improvável, quase impossível.

    Zé Dirceu sabe que não existe um herdeiro claro e que já começarão as lutas fratricidas pelo legado de Lula. Por isso, o fundamental é evitar a eleição de um tucano puro sangue, de um candidato explicitamente vinculado aos interesses do mercado. A todo custo, o campo popular deve impedir a vitória de Geraldo Alckmin, que na prática significaria a lavagem eleitoral do golpe.

    Pra isso, diz Zé Dirceu, até mesmo a candidatura de Joaquim Barbosa pode ser importante, útil.

    Não custa lembrar que Joaquim Barbosa foi o principal algoz de José Dirceu.

    Dirceu, preso, cumprindo a pena que lhe foi imposta por Barbosa, afirma que a candidatura do seu carrasco pode ser cooptada pela esquerda. Na ausência de Lula, na ausência de um herdeiro viável, se só sobrar Joaquim Barbosa como adversário do candidato do golpe, o campo popular não deve hesitar em escolher um lado.

    Se o voto em Barbosa significar o veto a Alckmin, o campo popular não pode hesitar. O mesmo vale para Ciro Gomes, para Boulos ou para qualquer outra candidatura que seja minimamente disputável pela esquerda.

    Encerro com uma confissão pessoal.

    Aprendo sobre política sempre que leio Aristóteles. Aprendo sobre política sempre que leio e ouço Zé Dirceu. É que os dois estão dizendo algo muito parecido.

    Estão dizendo que, no limite, o homem político deve agir como Sancho, como o leal escudeiro que com alguma impaciência e com agudo senso de realidade diz a Quixote: “Moinhos de vento não são gigantes. Lide com isso e pare com os devaneios”.

     

  • Zé Dirceu: “Vocês estão fazendo o que o PT deveria estar fazendo!”

    Zé Dirceu: “Vocês estão fazendo o que o PT deveria estar fazendo!”

    Por Santiago Gómez*, de Florianópolis

    O ex-Chefe da Casa Civil do governo Luiz Inácio Lula da Silva, José Zé Dirceu, respondeu numa folha de caderno escolar, uma carta que o grupo de militantes Unidos Contra o Golpe (UCG) enviou para ele na prisão. Dirceu afirma que é preciso organizar as bases, reconhece que o UCG está fazendo o que PT deveria estar fazendo. Compartilha o risco de se centrar na campanha eleitoral, lembrando que deram o golpe na Dilma enquanto o partido tinha a atenção nas campanhas municipais. Pergunta: “Por que não estamos nas ruas com abaixo-assinados pela constituinte e Eleições já, ou contra os juros escorchantes?”. Salienta que o tema central é avaliar a força real.

    Sem força real, social e política não vamos a lugar nenhum, repito. O PT realmente é forte, tem base social e eleitoral, Lula é Lula, mas a derrota somada à perda de apoio foi e é grande, agravada pela paralisia, em termos, natural, afinal”. Dirceu afirma que o PT tem que voltar ao governo: “para fazer reformas não só política e de renda, mas da riqueza, herança, fortuna, propriedade!”.

    Em agosto de 2015 privaram, preventivamente, Dirceu da sua liberdade no marco da operação Lava Jato. É a sua terceira detenção prolongada. A primeira foi durante a anterior ditadura, a civil-militar, quando ele era um dirigente estudantil universitário; trocaram a liberdade dele e de outros companheiros pela do embaixador dos Estados Unidos do momento, Charles Elbrick. Em 2012, o condenaram a passar quase onze anos na cadeia, tirando a possibilidade dele fazer política. Concederam a prisão domiciliar em 2014 e em agosto de 2015, aqueles que não gostam das provas, mas sim das convicções, mandaram tirá-lo mais uma vez da arena política.

    Dirceu respondeu uma carta enviada ao grupo Unidos Contra o Golpe, na sua maioria profissionais liberais, de esquerda, alguns do PT, outros do PCdoB, o PSOL e outros, que estão se organizando para articular força de base contra as forças golpistas, que pediram ao Dirceu uma avaliação e direção sobre o momento político do país e o plano de ação para o futuro. “Resistir e agir, denunciar e defender nosso legado, apresentar alternativas. Os exemplos citados são o caminho, as ocupações das escolas e o apoio real, concreto, dado por vocês! A ação da “Tocha Olímpica”. Essa é a luta que precisamos travar. Sem ela não vamos a lugar nenhum. (…) Temos apoio, vocês mesmos são testemunhas, 100 mil na Paulista, 40 mil no Recife, as pesquisas; agora é aprofundar as lutas, passar da resistência à ação direta, como no senado, nas vigílias, organizar o povo, seguir o exemplo dos secundaristas”.

    Ante a falta de direção do PT, que Lula já cobrou no plenário de organização do próximo Congresso em junho desse ano, Dirceu destacou a burocracia do partido que não conseguiu se encontrar após o golpe. “Concordo plenamente sobre os riscos, de novo, de nos iludirmos com as eleições. É um processo difícil, por um lado é um direito e um espaço político fundamental. Lula tem chances reais. Mas, por outro lado, é um risco maior e o impeachment de Dilma diz tudo”. É preciso lembrar, que o impeachment de Dilma aconteceu enquanto a direção do PT tinha a sua atenção voltada para a possibilidade de assegurar cargos, travando, vez por outra, lutas internas.

    É preciso cobrar do PT, encontrar no PT, por baixo, via horizontal, aliados, fugir da luta interna, concentrar-se na luta contra os golpistas e na mobilização, na ação, construir um programa alternativo. Ser uma força de oposição real e de pressão real entre nós, dentro de nós, “guerra aos castelos, paz nas choupanas”, salientou o dirigente, uma das pessoas que mais conhece sobre as facções do partido e as consequências das disputas internas.

    Guerra aos golpistas e paz entre nós, unidade na ação, na luta, sem ilusões, mas dispostos a retomar não só o governo com luta, mas o poder, para isso, acumular forças de baixo para cima, na luta, na rua, na organização de conselhos, assembleias, reuniões, que devemos organizar para reivindicar, cobrar, dirigir e administrar, começar já organizar o poder popular!” Escreveu ele.

    É bom lembrar que no último Plenário preparatório do Congresso do PT, Lula se diferenciou dos economistas do partido que consideram que o desenvolvimento é uma consequência do investimento privado e não o resultado das transferências de recursos desde o Estado aos setores populares para aumentar a demanda e movimentar o desenvolvimento.

    Qual empresário vai investir onde a população não tem para comprar?”, perguntou Lula. “Para financiar o Estado de Bem Estar é preciso tributar e por fim à transferência brutal de renda social para o capital financeiro bancário via dívida interna e juros reais de 32% as empresas e consumidores”, afirmou Dirceu, mais uma vez na mesma linha que Lula.

    Dirceu, fazendo uma comparação entre o golpe civil-militar e o golpe parlamentar-financeiro que estamos vivendo, afirmou: “Em 73-74, as greves recomeçaram e o MDB elegeu 16 senadores e uma bancada enorme de deputados, nem os líderes da oposição esperavam essa vitória, o povo simplesmente votou contra, como agora nas pesquisas, rejeitam Temer, querem eleições e a maioria que vota – quer Lula na Presidência”.

    A carta completa

    24/02/17

    Consuêlo, Nina, Lenin y Mário

    Minha gratidão pela presença solidária e companheira. Boas novas, saudações revolucionárias ao UCG, eu não poderia receber melhor notícia! Um grupo plural, de reflexão e ação, é tudo que necessitamos.

    Resistir e agir, denunciar e defender nosso legado, apresentar alternativas. Os exemplos citados são o caminho, as ocupações das escolas e o apoio real, concreto, dado por vocês! A ação da “Tocha Olímpica”. Essa é a luta que precisamos travar. Sem ela não vamos a lugar nenhum (sic). (Desculpe a separação errada).

    Não há nada a acrescentar, vocês estão fazendo o que o PT deveria estar fazendo!

    Por que não estamos nas ruas com abaixo-assinados pela constituinte e Eleições Já, ou contra os juros escorchantes?

    Concordo plenamente sobre os riscos, de novo, de nos iludirmos com as eleições. É um processo difícil, por um lado é um direito e um espaço político fundamental. Lula tem chances reais. Mas por outro lado é um risco maior e o impeachment de Dilma diz tudo. E vocês tocam no ponto principal sem “força real, social e política”…não vamos a lugar nenhum, repito. O PT realmente é forte, tem base social e eleitoral, Lula é Lula, mas a derrota e a perda de apoio foi, e, é grande, agravada pela paralisia, em termos, natural, afinal.

    Um ano sem conseguir fazer seu congresso e eleger uma nova direção. Fazer um balanço e definir a política para o novo período histórico que se abriu com o golpe e a regressão pós-neoliberal, e austeridade tardia, o desmonte do Estado e do bem-estar social.

    Assim, 18 é uma oportunidade e um risco; agora nosso centro, nossa luta é contra o golpe, por eleições já e constituinte. E a denúncia das contra reformas e da justiça de exceção, sumária e política.

    A cumplicidade, omissão, anuência do STF com o golpe e as ilegalidades do aparelho policial-judicial, são gritantes. A mídia retoma seu papel, articula, faz a narrativa, mobiliza e pressiona! Serve ao poder real, aos ricos, à propriedade!

    O golpe, por outro lado, tirou a legitimidade do discurso moralista dos MBL, VEM PRA RUA e associados, todos estão já nos “cargos” do governo Temer. A classe média que foi para as ruas, agora é apoiadora de Geddel, Padilha, Jucá, Moreira e cia. De Temer!

    Fica evidente a operação contenção da Lava Jato, um “basta” às ilegalidades para salvar o tucanato.

    O caráter golpista e anti-PT-Lula da operação não resiste à luz do dia, à verdade.

    As pesquisas e Raduan Nassar expressam o momento que vivemos, são extremos que precisam se unir, viver uma catarse!

    Isso mesmo. Em 73-74, as greves recomeçaram e o MDB elegeu 16 senadores e uma bancada enorme de deputados, nem os líderes da oposição esperavam essa vitória, o povo simplesmente votou contra, como agora nas pesquisas, rejeitam Temer, querem eleições e a maioria que vota – quer Lula na Presidência.

    Isso explica o ódio e o rancor dos procuradores e delegados, as contradições no STF, a postura da mídia: o medo da volta de Lula e da revolta popular.

    Mas voltar para o governo para quê, para além de fazer justiça, restabelecer a legalidade, a democracia? Aqui entra a força real, social e política, para fazer reformas não só política e de renda, mas da riqueza, herança, fortuna, propriedade! A tributária, urbana, bancária. No modo de produzir e viver. Na energia, nos transportes, na agricultura, para sobreviver ao risco ambiental da Humanidade. Um programa democrático revolucionário, de democracia política, participativa, comunitária, direta. Colocando sob controle social os serviços públicos, as Empresas públicas, democracia social e econômica, não só com uma tributação progressiva, mas com uma economia Estatal, mista, solidária, cooperativa e com a participação nas Empresas privadas.

    Para financiar o Estado de Bem Estar é preciso tributar e pôr fim à transferência brutal de renda social para o capital financeiro bancário via dívida interna e juros reais de 32% as empresas e consumidores.

    Já me alonguei demasiado e minha letra piora!

    Vocês estão no caminho certo, é preciso articular com outros grupos, vou ajudar!

    Tenho escrito análises e textos, vou fazer chegar a vocês.

    É preciso cobrar do PT, encontrar no PT, por baixo, via horizontal, aliados, fugir da luta interna, concentrar-se na luta contra os golpistas e na mobilização, na ação, construir um programa alternativo.

    Ser uma força de oposição real e de pressão real entre nós, dentro de nós, “guerra aos castelos, paz nas choupanas”.

    Guerra aos golpistas e paz entre nós, unidade na ação, na luta, sem ilusões, mas dispostos a retomar não só o governo com luta, mas o poder, para isso acumular forças de baixo para cima, na luta, na rua, na organização de conselhos, assembleias, reuniões, que devemos organizar para reivindicar, cobrar, dirigir e administrar, começar já organizar o poder popular!

    Temos apoio, vocês mesmos são testemunhas, 100 mil na Paulista, 40 mil no Recife, as pesquisas; agora é aprofundar as lutas, passar da resistência à ação direta, como no senado, nas vigílias, organizar o povo, seguir o exemplo dos secundaristas.

    Abraços Zé

    * Correspondente Agência Paco Urondo no Brasil