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  • Polícia Militar é denunciada por transfobia no caso Laura Vermont

     

    “A transfobia não pode ir para a rua de farda” — Rildo Marques de Oliveira


    Em reunião com a sociedade civil, o Condepe, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, inaugurou nesta quarta-feira (08) uma parceria com o Ministério Público assinada no dia 29 de junho, chamada de “Via Rápida”, que visa apurar violações de direitos humanos, execuções sumárias e violência letal por parte dos agentes de segurança do Estado. O primeiro caso investigado é o da transexual Laura Vermont, de apenas 18 anos, que sofreu atos de violência e veio a falecer, ao que tudo indica, em decorrência dos maus tratos e omissão de socorro por parte dos policiais militares que foram chamados para socorrê-la, no dia 20 de junho.

    Zilda Laurentino, a mãe de Laura, presente na reunião, conta que ela e o marido, informados por um vizinho sobre as condições de sua filha, encontrou-a agonizante, jogada na rua, próximo de sua casa. “Os policiais não sabiam que minha filha estava tão perto de casa, dois quarteirões de casa. Nós chegamos de imediato. Quando socorri a minha filha e passamos por eles eu disse: ‘Vocês a mataram!’”

    Segundo a mãe, os policiais responderam-lhe: “Nós jogamos um frasco de pimenta pra segurar ela”.

    “Porque fazer isso com uma pessoa machucada? Minha filha foi jogada no meio de um monte de lixo, onde não se joga nem um animal”, disse dona Zilda, indignada.

    A família levou Laura ainda viva para o Hospital Municipal Prof. Dr. Waldomiro de Paula, conhecido como Hospital Planalto, onde foram atendidos por um médico muito rude. Eis o relato da mãe: “Parecia um cavalo. Mandou que eu fizesse a ficha e ainda reclamou porque mandaram minha filha para a emergência, quando ele estava descansando. Depois veio e disse: ‘Ele morreu. Já chegou morto’.”

    Denise Pinho, prima de Laura, também presente na reunião, contou que perguntou na delegacia porque os policiais não socorreram sua prima. Responderam que não estavam com luvas protetoras e tiveram medo de serem contaminados pelo vírus da Aids, que eles supunham que Laura tivesse. Um deles falou: “Olha a minha farda. Está respingada de sangue.”

    Laura, de acordo com a Polícia Civil, que está investigando o caso, foi agredida três vezes: a primeira supostamente durante uma briga com uma colega travesti chamada Amanda, que já prestou depoimento. Elas se desentenderam numa parte da avenida Nordestina, na Zona Leste. Depois disso, Laura teria descido a avenida e parado numa padaria de onde foi expulsa. Por fim, teria se desentendido com cinco homens que a agrediram com golpes na cabeça.

    Pelo que já foi apurado, todos os agressores são parentes e três deles foram presos depois de serem identificados por imagens de câmeras de segurança próximas ao local.

    Toda ensanguentada, Laura continuou caminhando no sentido da sua casa, pedindo socorro e não sendo atendida por nenhum transeunte. Um deles, em vez de socorrê-la, preferiu filmar seu desespero e postar nas redes sociais. Um dos frentistas de um posto vizinho chamou a polícia.

    Imagens resgatadas de câmeras de segurança instaladas em prédios da avenida mostram os policiais chegando e abordando Laura. De repente, Laura entrou na viatura pelo lado do carona e saiu dirigindo.

    Um policial se pendurou na janela do veículo, tentando tirar a chave da ignição, mas não conseguiu. A viatura bateu no muro de um condomínio.

    Laura saiu da viatura e os policiais foram atrás dela. A partir desse ponto, não existem mais câmeras de segurança nem imagens.

    Laura foi encontrada em seguida com um tiro no braço, e um buraco na axila perto do pulmão.Segundo Jackson de Araújo, o pai de Laura, também presente na reunião, “jorrava sangue”. Esse buraco não aparece no laudo da perícia do Instituto Médico Legal.

    Segundo os policiais, o que ocorreu foi um “disparo acidental”.

    Mesmo que o laudo pericial aponte que Laura Vermont sofreu “traumatismo craniano”, não se pode afirmar que foi essa a causa mortis, pois, embora muito machucada, Laura estava bem viva e caminhando quando foi abordada pelos policiais militares.

    Com muitas lacunas, que só uma apurada investigação pode esclarecer, a morte de Laura Vermont evidencia uma sequência de agressões e violações de direitos cometidas por representantes do Estado que teriam a função de proteger cidadãos e cidadãs: fraude processual ao mentirem e forjarem uma testemunha para se protegerem do envolvimento no assassinato de Laura, omissão de socorro, tortura e violência letal contra uma pessoa desarmada e fisicamente fragilizada.

    Conforme informou o presidente do Condepe, Rildo Marques de Oliveira, a entidade expressou sua posição de que o assassinato de Laura Vermont não foi decorrente de um crime comum e sim motivado por transfobia e tirou os seguintes encaminhamentos:

    1. realizar uma conversa técnica com o promotor para mapear as lacunas, contradições e definir ações imediatas; o representante do Condepe, com a família e representantes do movimento LGBT atuarão, na prática, no papel de “assistentes de acusação”;

    2. fazer uma reunião com o delegado responsável pelas investigações;

    3. solicitar todo o processo para que tenhamos acesso ao laudo, imagens e demais dados coletados;

    4. sugerir à família que solicite a ficha/registro do atendimento realizado no Hospital Planalto;

    5. reforçar a ação da Ouvidoria da Polícia, presente na reunião, que também acompanhará.

    Ficou também acordada a realização de uma Audiência Pública com a presença da Defensoria Pública, do Ministério Público e da sociedade civil, que vai pautar os casos Verônica Bolina e Laura Vermont. O objetivo é debater formas de prevenção da violência transfóbica contra travestis e transexuais por parte dos agentes de Estado.

    Mãe de Laura Vermont participa de protesto contra a transfobia

    Com muita coragem e determinação, a família de Laura está disposta a transformar todo o sofrimento numa bandeira de luta que possa ajudar a mudar a forma com que a sociedade e o estado tem tratado até hoje pessoas transexuais e travestis. “E vamos continuar lutando pra que não aconteça com outras Lauras o que aconteceu com a minha filha”, declarou dona Zilda.

    “Que este caso tão triste não seja nunca esquecido. E que ele sirva para mudar os procedimentos da polícia, sua formação, para que seja combatida essa violência de Estado contra os direitos das pessoas trans”, disse Julian Rodrigues, do MNDH/SP — Movimento Nacional dos Direitos Humanos.

    Também participaram da reunião Paulo Iotti e Luis Arruda representantes do GADVS — Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Dimitri Sales do Instituto Latino Americano de Direitos Humanos, Iara Matos do Centro de Cidadania LGBT da Coordenação de Políticas LGBT da cidade de São Paulo, a família de Laura Vermont e @s militantes pelos direitos das pessoas Ts : Aline Freitas e Leo Moreira Sá.

     

  • Vivos los queremos!

    Vivos los queremos!

    Caravana de familiares dos 43 estudantes desaparecidos no México percorre América Latina para denunciar o terrorismo de Estado

    A mulher de mãos finas, rosto enrugado, traços indígenas, olhos cansados e tristes falou com uma voz tímida, quase inaudível, em um castelhano embaralhado e rápido, que ecoou pelos alto-falantes na quadra do Sindicato dos Bancários, na noite da última terça-feira, dia 2 de junho, em SP.

    “Vivos se los llevaron! Vivos los queremos!”

    Hilda Legideño Vargas, que segura o microfone e encara quase assustada a plateia de 300 pessoas à sua frente é a mãe de Jorge Antonio Tizapa Legideño, 20 anos, estudante normalista desaparecido há oito meses no México. Ela faz parte da Caravana 43 Ayotzinapa, que tem percorrido diversos países da América Latina para denunciar o massacre promovido pelo Estado do México. As ações violentas levaram a seis mortes e ao desaparecimento de 43 estudantes normalistas. Junto dela estão Mario César González Contreras e Hilda Hernández Rivera, pai e mãe de César Manuel González Hernández, também desaparecido, e o normalista Francisco Sánchez Nava, que além de primo de um desaparecido é também sobrevivente do massacre.

    Os familiares das vítimas foram recebidos pelas Mães de Maio, que também tiveram filhos assassinados pelo Estado, nesse caso, o brasileiro. Tanto a Caravana quanto as Mães de Maio formaram a mesa de debate no ato realizado na terça-feira. Os mexicanos ouviram as histórias das mães brasileiras que tiveram filhos mortos pela Polícia Militar em maio de 2006.

    Com a fala pausada de quem carrega a dor da ausência forçada do próprio filho, Hilda Vargas narrou sua história. “Jorge é um bom menino. O governo não pode praticar este terrorismo de Estado, sumir com nossos filhos e não apresentar quaisquer provas ou indícios de seu paradeiro.”

    Desaparecimento forçado

    Foto: Mídia NINJA

    Os garotos mexicanos são alunos da escola rural Raúl Isidro Burgos, de Ayotzinapa, cidade a cerca de 120 quilômetros de Iguala, uma região rural do país. Eles viajaram até Iguala para protestar por melhorias, verbas para a compra de materiais e investimentos nas escolas. Um ataque da polícia os surpreendeu na noite do dia 26 de setembro de 2014.

    Seis pessoas morreram, 25 ficaram feridas e 43 estudantes desapareceram.

    Testemunhas relataram à imprensa internacional que viram os estudantes normalistas serem conduzidos a força por policiais em suas viaturas para destinos desconhecidos. Depois, os jovens — quase todos com idades entre 18 e 21 anos — teriam sido fuzilados pelos policiais municipais e entregues ao cartel “Guerreros Unidos”. Aí é que começa o drama das famílias.

    Versão oficial

    Segundo o procurador-geral Jesús Murillo, as “provas científicas e periciais confirmam” que os 43 estudantes foram assassinados e incinerados em um depósito de lixo, no município de Cocula, por “membros do crime organizado”. O procurador afirmou à imprensa internacional que, a partir de 487 exames periciais e depoimentos de 99 pessoas detidas, teria ficado provado “de modo contundente”, que os jovens foram sequestrados, assassinados, incinerados e tiveram os restos mortais jogados no rio San Juan.

    Tomás Zerón, diretor-chefe da Agência de Investigações Criminais surgiu quatro meses após os desaparecimentos com uma suposta confissão de um pistoleiro, Felipe Rodríguez, conhecido como “El Cepillo”, que teria declarado autoria da chacina pelos “Guerreros Unidos”. Nessa versão, El Cepillo teria afirmado que os estudantes foram confundidos com membros de “Los Rojos”, bando rival dos Guerreros, e que por isso foram sequestrados e assassinados.

    Para os pais e familiares das vítimas, esta tem sido uma maneira do Estado do México encerrar o caso e deixá-lo cair no esquecimento. É um jeito de apagar a história.

    Em reação às declarações oficiais, a Caravana recorreu a peritos argentinos, que estão no México analisando as provas. Os primeiros resultados parecem ser insuficientes e inconclusivos. O caso tem sido tratado internacionalmente como crime de Estado e desaparecimento forçado.

    As Mães de Maio declararam apoio na busca da verdade contra o terrorismo de Estado. “Os governos globalizaram os crimes”, disse Francisco Sánchez Nava, o estudante normalista que sobreviveu ao massacre e que percorre a América Latina com a Caravana, após ouvir os relatos das Mães de Maio.

    “Nós temos que globalizar a resistência, globalizar a luta”.

    Esperança

    A Caravana 43 Sudamérica começou seu trajeto no dia 16 de maio e passou por sete cidades da Argentina e do Uruguai antes de chegar ao Brasil, onde terá atividades também no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. O ato segue os mesmos moldes de movimentações recentemente organizadas por familiares dos desaparecidos nos Estados Unidos, Canadá e em doze países da Europa.

    Após a morte dos estudantes, milhões de pessoas foram às ruas do México vestidos de preto — Foto: Mídia NINJA

    Os pais Mario César González Contreras e Hilda Hernández Rivera dizem que a esperança de encontrar seu filho com vida são renovadas a cada cidade em chegam. “Apesar de vermos que atos criminosos como esse são praticados pelos governos de todos os países da América Latina, apesar de sabermos que as relações diplomáticas entre os países nos impedem de conseguir apoio das autoridades, atos como os dos movimentos sociais são o que renovam as nossas esperanças”, disse.

    “Como poderíamos perder a esperança de encontrar aqueles a quem amamos? E de lutar por justiça? Há muitos grupos que têm passado pela mesma situação e têm nos dado forças. Estamos aqui para darmos esperanças também”, disse Hilda.

  • Um tiro na Av. Rio Branco

    Um tiro na Av. Rio Branco

     

    Domingo, 3 de maio de 2015. Uma final de campeonato toma conta de boa parte da atenção dos paulistanos.

    Na avenida Rio Branco, precisamente no número 47, não foi diferente. Moradores de uma ocupação da Frente de Luta por Moradia, humanos que são, também tinham seu foco na televisão.

    Um churrasco acontecia em frente ao prédio.

    Por volta das 18h, campeonato encerrado, uma confusão, um tiro. Um morador alvejado pela PM, inúmeras informações desencontradas e uma certeza: já não somos tão humanos assim.

    A reportagem dos Jornalistas Livres chegou ao local por volta das 18h30, ainda em tempo de ver um morador sangrando ser levado de ambulância ao hospital. Não são imagens que precisam ser mostradas. A violência já se impõe de modo suficiente, não é necessário ilustrar.

    Quem conta, brevemente, o que ocorreu é Danilo, um dos coordenadores da ocupação que estava presente no momento dos fatos:

    Teve uma discussão por conta da final do campeonato. Uma viatura que estava passando parou. O PM saiu já com arma em punho, mandou o Sidney deitar no chão. O Sidney disse que não precisava de nada daquilo, que era todo mundo trabalhador. O PM deu um tiro na virilha dele.

    Nada é tão simples, quando se trata de humanos. Danilo, a testemunha cujo sobrenome será preservado, fala de Sidney Ferreira Silva, 32 anos, coordenador da Frente de Luta por Moradia (FLM) e filho de Cármen Silva, uma das dirigentes do mesmo movimento.

    Danilo entrou na FLM por iniciativa da própria Cármen. À época estava preso, prestes a ser liberado e não sabia para onde ir. A FLM, como já fez com tantos outros, o acolheu.

    Danilo conhece bem a violência. Perdeu boa parte da família ainda quando morava no Rio de Janeiro, vítimas de queima de arquivo. Nada é tão simples, quando se trata de humanos.

    Sidney, atingido na virilha por uma bala policial, foi encaminhado à Santa Casa de São Paulo, local próximo da ocupação e que pouco tempo atrás estava com a emergência fechada por conta da má gestão do governador de São Paulo. O mesmo governador que cuida da PM.

    Noite adentro, Cármen conta melhor o que ocorreu. Sidney, seu filho, estava alcoolizado no momento dos acontecimentos. Ela própria fora chamada ali para acalmar uma briga entre ele e outro morador.

    E enquanto Cármen tentava saber como estava seu filho — os médicos não falaram com a mãe da vítima até aquele momento — sou abordado por outro Danilo.

    Danilo Martinelle também estava na Av. Rio Branco quando o tiro foi dado. Ele é responsável pela triagem das famílias que ingressam (ou não) à FLM e estava preocupado se eu havia jantado.

    Danilo contou, enquanto fazia questão de pagar pela minha comida, que já não conseguia dormir tranquilamente de noite. Estava chocado com o massacre do Paraná. Inconformado que os PMs de lá não se recusaram a baixar as armas.


    É tanta coisa acontecendo todos os dias. A gente aqui faz tanto, mas tem hora que parece que não fazemos nada

    De volta ao hospital, Cármen Silva ainda não conseguia informações sobre o estado de saúde de seu filho. Os médicos nada falavam a ela, sequer permitiam a entrada da mãe na “sala” onde seu filho era atendido.

    A PM, ao contrário, não encontrava dificuldade nenhuma em entrar para falar com quem quer que fosse. Mas foi a própria PM quem, voluntariamente, fez questão de dar notícias àquela mãe angustiada. Nada, nada é tão simples quando se trata de humanos.

    Sidney estava com duas facas na mão no momento do tiro, revela a cabo Ferreira, responsável por colher o depoimento de Cármen sobre os ocorridos.

    Ele estava com a faca do churrasco. Eu cheguei e dei uns tapas nele. Não sou mãe de aceitar essas coisas. Mas o policial não precisava atirar. Ele estava com os braços levantados, longe do policial quando levou o tiro.

    Sidney estava com os braços levantados, mas com duas facas na mão. A PM alega que ele foi para cima do policial, ameaçando. Difícil de acreditar, se a própria mãe, ao lado dele, estava dando tapas no rapaz de 32 anos. Mas, se Sidney não é agressivo, por que segurava as duas facas? Se ele é agressivo, por que não tocou na mãe ou nos companheiros de ocupação quando estes tentavam o acalmar ? Não é simples. Não quando se trata de humanos.

    Os moradores que viram toda a cena ainda questionaram o PM “por que não atirou para cima?”, a resposta do Soldado Mota ? “Não existe tiro para cima. Existe tiro certeiro.

    Soldado Mota provavelmente tem mulher, filhos, família. Provavelmente teve medo.

    Mas atirar, com tanta gente por perto ? E as tais armas não letais ? E a calma para lidar com a situação ?

    A delegada que atendeu ao caso, Elizabeth da Silva C. Galvão — que no hospital se recusou a falar com a reportagem, com a Cármen e com o advogado Dito — ao chegar na delegacia e ver as câmeras da Record e do SBT presentes, de súbito tornou-se educada. O ego também é uma característica humana, afinal.

    Elizabeth, agora atenciosa, encaminhou o caso à corregedoria. O boletim de ocorrência consta a mesma versão que as periferias do país estão cansadas de ler: resistência.

    Segundo o Soldado Mota, Sidney teria ido para cima dele por diversas vezes, ele foi obrigado a dar o tiro para se defender. Segundo os moradores ouvidos pela reportagem Sidney foi na direção contrária à viatura. Levantou os braços e teria dito: “você vai me matar? Me mata então”.

    É possível que o preconceito — outra característica intrínseca aos humanos — tenha feito o Soldado Mota pensar que aquilo de fato ocorreria.

    O que não é possível é acostumar-se com tanta violência. Com tão pouca humanidade. Ou melhor, é possível, já disse alguém, certa vez: o insuportável é que tudo é suportável.

    Mas não devia.

    Em tempo: Cármen Silva entrou em contato com a reportagem para avisar que seu filho passa bem e teve alta.

     

     

     

     

  • Professores para quem precisa, professores para quem precisa de educação

    Professores para quem precisa, professores para quem precisa de educação

     

    É inacreditável o que vimos acontecer no Paraná no dia 29 de abril de 2015. Pelo menos uma hora e meia de ataques da polícia contra professores que exerciam o direito democrático à manifestação pública.

    As imagens e vídeos mostram como os manifestantes foram atacados durante mais de uma hora e meia com bombas de gás lacrimogênio, gás de pimenta, jatos d’água, tiros de borracha, com os prédios ocupados por atiradores de elite e cachorros (coitados, nem sabem para o que foram treinados!). A cena de guerra se completou com helicópteros lançando bombas de efeito moral e também foi usada uma nova tecnologia de repressão que consiste em atordoar as pessoas com um aparelho que produz um som insuportável para o ser humano. Todos vimos.

    Para completar nosso estado de estarrecimento, uma gravação de vídeo mostra o governador Beto Richa (PSDB) e assessores, da sacada do Palácio Iguaçu, comemorando o massacre contra os professores.

    As ruas nunca deixaram de ser palco para manifestações e festas populares. Lugar para agregar pessoas e dar visibilidade às causas, espaço público para fortalecer as lutas políticas. As ruas são espaços de celebrações e fortalecimento de laços entre pessoas que comungam de um mesmo ideal, ou causa. As ruas educam. Agregam ideias e posições colorindo a cidade com a diversidade de opiniões. Assim, o uso da força para silenciar uma categoria, é traço de covardia política. O abuso da força rima somente com estados totalitários. O uso da força desproporcional é inadmissível, inaceitável e revela a verdadeira posição do governador. Para completar, policiais que se negaram a participar da ação brutal e injustificável foram presos.

    Como saldo de uma manifestação de docentes temos mais de 150 pessoas feridas entre as quais algumas em estado grave, jornalistas atingidos, impedidos de cumprirem seu papel histórico de registro e divulgação dos fatos.

    Educação não se faz sem um projeto sério, sem investimentos, sem valorizar os profissionais, sem diálogo com as comunidades, sem diversidade, sem cultura e muito menos sem afeto.

    Moral da história: uma pátria educadora se faz com muito respeito e valorização de professores e professoras, se faz com diálogo e com determinação política.

  • Paraná em chamas

    Paraná em chamas

    O massacre a que Curitiba assistiu no 29 de abril

    A série de explosões começou a ser ouvida pouco antes das três da tarde. Quem estava a distâncias que chegavam a seis quilômetros, por exemplo, conseguia ter uma ideia clara de que as coisas no Centro Cívico, a praça dos três poderes do Paraná (mais a Prefeitura de Curitiba), não estavam para brincadeira. Os estrondos eram resultado da ação violenta de policiais militares contra servidores públicos, a maioria professores da rede estadual.

    Há dois dias, eles protestavam contra uma série de medidas de arrocho que a Assembleia Legislativa começava a colocar em segunda e última votação naquele momento. No final da tarde, sabia-se que houve pelo menos 107 feridos — dois policiais e 105 servidores. O placar medonho retrata um verdadeiro massacre.

    Já à noite, sabia-se que os feridos, aumentaram para 150, segundo informações oficiais do SAMU. Oito deles seguiam em estado grave por causa de mordidas de cães policiais e tiros com balas de borracha.

    Na segunda-feira, com o registro de escaramuças entre PMs e servidores, mas em escala menor do que a de hoje, o fatídico e já histórico 29 de abril, os deputados já haviam aprovado em primeira votação, por 31 votos favoráveis contra 21 o tal pacotaço, encaminhado pelo governador Beto Richa (PSDB) para melhorar as finanças do Estado, cujos balanços festejados por ele mesmo durante sua campanha à reeleição, no ano passado, apontavam para uma contabilidade em céu de brigadeiro.

    Por mais de uma hora e meia, as bombas de gás e de efeito moral mostraram do lado de fora do parlamento estadual que eram a verdadeira garantia para a votação definitiva de hoje no interior do prédio, fazendo valer a vontade de Richa e de sua equipe de governo, comandada pelo baiano Mauro Ricardo Costa, importado pelo tucano para seu segundo mandato e já conhecido pelos serviços prestados na área fazendária da Prefeitura de de Salvador (BA), gestão de ACM Neto (DEM), e no governo de São Paulo, na gestão de José Serra (PSDB). A sessão prosseguia, sem final previsto, até a conclusão desta reportagem.

    No entanto, à medida em que as bombas, os cães, as balas de borracha e os cassetetes caíam sobre os manifestantes armados apenas com gritos e palavras de ordem, deputados preocupados com a onda de violência que se desenrolava na praça principal, em frente a Assembleia, batizada de Nossa Senhora da Salete (trágica ironia), chegaram a sair do prédio para pedir calma aos policiais. A exemplo de servidores públicos feridos, com quem ficou lado a lado durante a confusão e barbárie generalizada na praça, o deputado Rasca Rodrigues, do PV, saiu no prejuízo e foi mordido por um dos cães da tropa de choque da PM, além de ter aspirado gás de pimenta e lacrimogênio. Voltou ao prédio com sangue escorrendo pelo braço.

    Proibidos de se aproximar da Assembleia Legislativa por grades e um cordão humano de 1.500 policiais, a maioria deslocados de batalhões do interior e sem garantia de pagamento de suas diárias, restou aos manifestantes fazer o caminho de volta, diante da intensa repressão policial que se iniciou. Eles voltavam correndo em direção à avenida Cândido de Abreu, a principal via de ligação com o Centro Cívico. Não estavam sozinhos.


    Muitos vinham carregando, como feridos da guerra campal, pelos braços e pernas, manifestantes desacordados e feridos.

     


    O prédio mais próximo em que eles poderiam ficar à espera de socorro, foi a Prefeitura, comandada atualmente por Gustavo Fruet (PDT), atual desafeto de Richa, que lhe negou candidatura a prefeito, em 2012 pelo PSDB, vindo a se candidatar e ganhar o poder da capital, como azarão.

    O hall de entrada e salas próximas, onde o IPTU e tributos municipais são cobrados, foram transformados em hospital de campanha. Vídeos de smartphones com os feridos deitados, sangrando e sem camisa passaram a ser veiculados na internet. Mesas de trabalho viraram maca, e as poucas que chegavam, apareciam por meio das escassas equipes do SAMU, que estavam em dificuldades para se aproximar do Centro Cívico, por conta do bloqueio policial de ruas próximas, e à multidão em fuga por calçadas e a avenida principal.

    O expediente em toda a Prefeitura foi interrompido para que se desse cabo do atendimento aos feridos. Só ali foram acolhidos 35, muitos deles machucados no corpo, da cabeça aos pés, pelas balas de borracha das carabinas da tropa de choque e outros com dificuldade de respiração por inalação dos gases de dispersão, além dos atingidos de praxe pela força dos cassetetes. Testemunhas entre os manifestantes relataram ter visto um helicóptero com policiais atirando bombas em voos rasantes, no que seria o primeiro ataque aéreo feito contra seus próprios civis em território nacional.

    Uma creche municipal que fica no Centro Cívico, a poucas quadras da praça onde a guerra prosseguia, testemunhou de dentro de suas paredes todo o terror protagonizado pelos policiais. Se a seis quilômetros, o barulho das bombas se fazia surpreender, como exposto no início deste relato, pode-se ter uma ideia da intensidade dos estrondos e do eco provocado dentro da creche infantil, exposta ao barulho das explosões e dos gritos dos manifestantes, apoiados por potentes carros de som, além do incômodo nauseante da fumaça dos gases de dispersão. O choro tomou conta das crianças, funcionários e professores, que não tinham a quem recorrer, restando torcer para que tudo terminasse o mais breve possível, o que não aconteceu.

    Do ponto de vista militar, a polícia cumpriu, mesmo com o uso de força excessiva, a missão de deixar afastados da Assembleia os manifestantes, o que não havia conseguido em fevereiro, quando Richa tentou colocar o pacotaço em votação pela primeira vez, ocasião em que foi rechaçado pela presença de 20 mil manifestantes e um mês de greve dos professores, a maior categoria de servidores do Estado, com 50 mil profissionais. Naquela ocasião, os deputados da bancada governista tiveram que entrar na Assembleia dentro de um vetusto e gigante camburão policial de cor preta. Tentaram encaminhar a votação do restaurante da assembleia, pois o plenário havia sido ocupado, mas tiveram medo da reação dos manifestantes e adiaram o intento.

    Como se percebe, era questão de tempo para Richa assimilar o recuo, reorganizar a tropa, tanto a da fiel Assembleia, como a das balas, bombas e porretes, para fazer valer seu projeto que tira vários direitos do funcionalismo, como o corte de licenças de parte dos professores, o livre uso de recursos dos fundos estaduais, inclusive o do poder Judiciário, aumento da alíquota do ICMS de mais de 90 mil produtos, e mudanças no setor de previdência dos servidores, que os obrigarão a pagar um índice extra caso queiram manter seus salários integrais acima de R$ 4,6 mil.


    O preço político a ser pago para os principais atores do episódio, como Richa e seus colaboradores no governo e na Assembleia, ainda é tão nebuloso e maleável quanto a fumaça de cor branca das bombas que tomou conta do Centro Cívico e fartamente captada pelos celulares dos prédios próximos.


    Antes que o leitor estranhe esse direcionamento nessa parte do texto, um pouco de história recente da política local. Em 30 de agosto de 1988, a PM reprimiu no mesmo Centro Cívico, um protesto de professores da rede estadual, no então governo de Álvaro Dias, na época no PMDB, e hoje senador filiado ao PSDB. Muitos decretaram o fim de sua carreira política, marcado pelo pisoteio da cavalaria em professores desarmados, mas Álvaro segue firme na lida. Tirando duas derrotas circunstanciais ao governo paranaense, contra Jaime Lerner, em 1994, a novidade política daquele ano, e Roberto Requião, em 2002, apoiado por nada menos do que o presidente Lula, o bamba da vez, Dias é o senador com mais mandatos eleitos. Ganhou, por exemplo, com ampla folga mais oito anos em 2014. Já havia sido eleito em 2006 e em 1998, portanto, depois da pancadaria de 88.

    Richa tem um destino mais incerto, mas nem por isso menos favorável. Richa encarna o antiesquerdismo visceral de boa parte do eleitorado paranaense atual. Com o tempo, como todo político, pode ser beneficiado pela diluição natural do episódio dantesco, assim como aconteceu com Álvaro Dias. A diferença é que, pelo tamanho do massacre e sua presença constante na internet (ferramente inexistente na época de Álvaro), Richa poderá passar o que resta do seu segundo mandato tentando explicar os “comos” e “por ques” de tanta violência contra profissionais da Educação. E mais: boa parte da população paranaense, assim como a brasileira, ainda marca sua rotina diária em frente à televisão pelo noticiário das emissoras de sinal aberto. Nesta noite, Richa pode ser beneficiado ou não pelos filtros editoriais e critérios supostamente jornalísticos (“não abusar das imagens, tem muita criança assistindo neste momento”, pode ser um deles, sim) lançados à mão por editores e cúpulas das emissoras.

    A administração de Richa enfrenta também profunda investigação sobre supostos pagamentos de propina a servidores da Receita Estadual de Londrina, no Norte do Paraná, sua cidade natal, por empresas pressionadas a se verem livres de qualquer fiscalização e cobrança dos agentes do fisco. Um dos jornalistas mais premiados do Brasil, ao investigar o caso, teve que sair da cidade, pois recebeu a informação que seria morto em falso assalto a uma churrascaria que frequentava. O primo de Richa, Luiz Abi, é suspeito de estar por trás de fraudes de licitação para consertos de carros do governo, assunto que o jornalista ameaçado, James Alberti, da afiliada da Globo, no Paraná, também investigava em Londrina. Abi foi preso, a pedido do Ministério Público, mas atualmente responde ao processo de suspeita de corrupção em liberdade.

    Beto Richa é filho de José Richa (morto em 2003). Richa pai teve papel de destaque na época da redemocratização, quando Tancredo Neves foi eleito presidente da República, no colégio eleitoral de janeiro de 1985. Se os militares da linha dura decidissem impedir a posse ou não reconhecessem o resultado da eleição indireta feita no Congresso Nacional, Richa pai havia se comprometido a participar de um plano para abrigar Tancredo no Paraná e resistir contra uma eventual tentativa de golpe, colocando a sua Polícia Militar, para proteger o novo presidente civil. Hoje, trinta anos depois, a mesma corporação, sob o desígnio de outro Richa, faz o caminho inverso, o da violência desenfreada, sem qualquer ligação com as garantias democráticas tão defendidas pelo próprio pai, como ficou explícito na tarde desse 29 de abril, marcada pelo frio e garoa que caiu no centro do poder da Capital do Paraná.


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  • Ser negro: um motivo a mais para um jovem ser morto

    Ser negro: um motivo a mais para um jovem ser morto

    Para cada jovem branco morto, morrem três negros. Mais de 70 mil jovens negros morrem por ano. Tais dados comprovam que, em pleno século XXI, a cor da pele influência no destino dos jovens no país. Para debater o tema do extermínio da juventude negra no Brasil, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias em da Câmara dos Deputados em parceria com Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa-DF, por requerimento do deputado Paulo Pimenta, realizou nesta quarta feira (22) a audiência pública “Violência contra a juventude negra: a situação no DF e entorno”.

    A audiência foi realizada em conjunto com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal e reuniu mais de 30 pessoas no plenário. Abrindo as falas, Hamilton Pereira, Secretário da Comissão de Direitos Humanos da Câmara do Distrito Federal, resgatou o histórico da relação de raças e gêneros no Brasil e a das forma do estado na condução das políticas públicas voltadas aos negros, herdeiros de uma herança escravocrata.

    O secretário defendeu que a violência atualmente é institucionalizada, da mesma forma que na como a tradição do latinfúndio, onde o latifundiário ainda tem o poder de mobilizar a força policial para controlar e permear a desigualdade. “Esse quadro de violência ao qual que nós não conseguimos fazer frente, não apenas as políticas econôomicas e sociais de inclusão que farão o enfrentamento, mas sim o debate sobre a cultura e a batalha de valores que vão guiar o estado”, afirma o secretário.

    “Algumas pessoas são mais matáveis que outras, há vidas que importam menos” afirma Larissa Borges.

    Diretora do programa da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Larissa Borges levantou dados em uma apresentação esclarecedora sobre as mortes de jovens negros na capital federal.

    No DF, em um total de 2,7 milhões de habitantes, 1,4 milhões são negros (contradizendo a tese de negros como a minoria no país), sendo 433,4 mil jovens negros. 85% do total de homicídios no Estado são de negros e apenas os outros 15% são brancos. São números como esses que comprovam a existência de um genocídio da juventude negra no país. Um dado alarmente, apresentado durante a audiência, mostrou a ineficiencia do modelo de sistema de segurança pública adotado pelo governo, em que polícia brasileira, em apenas 5 anos, matou o equivalente ao que a polícia norte-americana matou em há 30 anos de ações da polícia norte-americana.

    MAIORIDADE PENAL

    Além de dados e informações deixam comprovado que ser negro é um ponto a mais para ser alvo de violência, as experiências e as histórias, apresentadas na audiência, trouxeram a realidade de quem viveu e vive na exclusão social.

    Neemias MC, rapper do movimento negro que foi abandonado quando criança e viveu a maior parte da sua vida nas ruas e abrigos, esteve presente. “A gente não tinha condições e o governo não dava condições de ter um estudo, um caderno, não tinha roupa adequada e eu tinha que pular a cerca e cometer pequenos delitos. A gente vê um estado omisso, era pra ter uma assistência e não tinha.”

    “Quando formos falar da maioridade penal, bora falar primeiro da mídia e da educação básica que existem no país.”

    Em sua fala o rapper abordou sobre a redução da maioridade penal. “Falam muito sobre maioriade penal, onde ja sabemos que não é a solução para que o extermíno acabe, querem reduzir a maioridade penal, acabar com a luta que foi pra ter o ECA, e que hoje querer exterminar nosso povo dessa forma também”.

    Confira a fala realizada pelo rapper após a audiência pública:

    VIOLÊNCIA RELIGIOSA

    Um caso abordado na plenária chamou a atenção de todos ali presentes: Tatá Luangomina, sacerdote afro da comunidade de Caxutê, colocou em público a denúncia de uma violência ocorrida no Fórum Odilon, em Santo Amaro (BA). Na ocasião, ele foi retirado à força por policiais militares do Fórum por usar um adereço religioso nada cabeça, chamado de eketé, utilizado pelos homens que seguem as religiões afrobrasileiras de matriz africana.

    “Se fosse uma freira que estivesse com hábito, se fosse os judeus com o kipá, se fosse o papa com o mitra que entrassem no fórum, aqueles profissionais fariam a mesma coisa?” questiona Tata.

    Para finalizar a sessão, Jean Willys e Érika Kokai, deputados federais que participam da comissão de direitos humanos na câmara, realizaram falas a respeito do tema. Integrando atualmente a CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, que tem levantado casos de violência pelo Brasil, os deputados afirmaram que apesar da criação da CPI ser um ganho na luta pelo extermíinio da juventude negra, há muita gente que ainda não vê o racismo como uma violação dos direitos humanos, para eles, esses precisam de anos de luta para se conscientizar. “Isso é uma disputa política, por leis, por políticas públicas, pelo poder executivo, mas antes disso tudo isso é uma disputa pelo imaginário. Precisamos transformar no imaginário das pessoas.” Afirmou Jean.

    Já Erika Kokai questiona “Nós estamos discutindo nos autos de resistência, investigar as mortes por policiais, na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos queremos somente investigar e isso não nos está sendo permitido, tá cheirando a inquisição, por isso a importância de fazer esse discurso.”

    Esse debate, aparentemente bastante abordado e muito conscientizado dentro e fora da câmara legislativa ainda precisa dar um grande passo, não há avanço se ainda não há a compreensão de boa parte da população que racismo é crime e viola os direitos humanos. E o congresso nacional ainda será o ringue de muitas dessas batalhas.