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  • Rudá Ricci: Uma reunião em meio ao caos

    Rudá Ricci: Uma reunião em meio ao caos

    Por: Rudá Ricci

    Vamos decompor o cenário.
    Trata-se de uma reunião ministerial de um governo frágil, sem rigor, sem rumo, absolutamente ideologizado, num momento em que começava a perder musculatura, em meio à maior tempestade perfeita deste século. O que se poderia esperar? Racionalidade? Bons modos? Alguma sacada inteligente?

    O vídeo revela o que já se sabe deste desgoverno: falas muito abaixo da mediocridade que, como sabemos, significa ser mediano ou estar na média do pensamento mundano.

    Acuados, os discursos do chefe e seus chefiados são uma espécie de enredo do Monty Python sem qualquer humor. Nonsense com projeção de um mundo paralelo em que tentam demonstrar alguma força que, dado o teor da fala e as ênfases exageradas da forma, revelam mais que a canela. O que se poderia esperar? É gente frágil, marginal em suas áreas de atuação. Quem é Paulo Guedes no mundo da economia? Damares no mundo dos direitos sociais e até no mundo religioso? Quem é Bolsonaro no mundo militar ou no mundo político? Todos se forjaram nas margens do mundo real.

    Bolsonaro não desejava que este vídeo de filme B viesse à público. Vai saber o que o levou a temer. Afinal, o que aconteceu naquela reunião não foge das escatologias de Araújos, Guedes, Weintraubs e Bolsonaros. O fato é que ele perdeu mais esta queda de braço. Talvez, num relance de vergonha, os atores mambembes decidiram aceitar o truco. Alguns apostaram ainda mais no nonsense e na absoluta falta de respeito à investidura de seu cargo. Jogaram como jogadores de porrinha realizado no bar copo sujo da esquina. Suados, camisas abertas até o peito, uma leve baba no canto da boca, decidiram fazer mais uma bravata. Afinal, de bravata em bravata, não se chega a lugar algum e, assim, se anda em círculos eternamente até que a Divina Providência dê um basta.

    Já o exército de robôs decidiu fazer alguma coisa que prestasse politicamente. Já escrevi muitas vezes que na política contemporânea, a versão vale mais que o fato. A reunião-circo não renderá nota de rodapé nos livros de história.

    Mas, pensou alguém que se acha sagaz: “e se disseminarmos que o vídeo reelegerá Bolsonaro?”. Essa indagação não faria sentido em nenhum lugar normal. Mas, o Brasil, há tempos, deixou de ser normal. A deputada mais-ou-menos, já espinafrada pelo ex-ministro, decide postar no Twitter um agradecimento à Moro pela divulgação do vídeo. Interessante que o chefe mor não queria a divulgação. Mas, quando se trata de versão, isso não interessa. Um ou outro do grupo fanático que representa um traço em termos de total da população brasileira, foi na onda.

    Então, adivinhem quem cai nesta armadilha de gente que faz aquele tipo de reunião? Parte da militância de esquerda. Como patinhos amarelinhos que Gugu e FIESP tanto criam e cultuam, esta parcela da esquerda tupiniquim – que um dia foi intelectualizada – cai rolando na sala e tenta dar saltinho para ficar em pé logo em seguida. Já tinha caído na tal brincadeira infantil de Bolsonaro com a tal Tubaína (que, cá entre nós, acho uma delícia). Tentaram cavar alguma mensagem cifrada para… para… para o que, mesmo? Para se revelarem sem nenhum dom para o jogo político. No passado, se dizia que gafe política desta natureza era “passar recibo”, ou seja, dar um valor ao adversário que ele não merecia.

    Acredito que este infantilismo tem relação com a lógica da esquerda “parlamentarizada”, aquela que fala grosso e age com medo. Até entendo que tem sentido dar volume para o adversário para não ficar tão feio a derrota de 2018. Afinal, o que vão dizer para os netinhos? “Perdemos para um desqualificado que comandava uma reunião ministerial como se estivesse no Country Club num domingo modorrento depois de tomar um engradado de cerveja?”.

    O ideal teria sido a esquerda deixar esta briga entre STF e o fantástico estrategista Jair.

    Mas, vejamos em perspectiva para avaliar a importância deste vídeo.

    Acabamos de ultrapassar 21 mil mortes pela Covid-19. Estamos com 12,5 milhões de desempregados. Queda de renda em 80% das famílias que residem em favelas. Queda de arrecadação entre 25% e 30% até aqui. Queda do PIB. 75% das indústrias do setor automobilístico paradas ou semiparalisadas.

    Esta é a foto do momento. Qual o filme? O filme que entrará em cartaz em novembro ou dezembro tem como personagens queda de 7% do PIB e 20 milhões de desempregados. Mais de 90 mil mortos por Covid19.
    Então, pensemos um pouco.
    Alguns psicólogos sugerem que quando estamos em meio à uma situação muito desagradável, para podermos medir de fato o tamanho deste problema, basta projetarmos alguns anos à frente. Se o problema reaparecer é porque é realmente grave. Caso contrário, é passageiro.

    Pensemos no final deste ano. Esta reunião-circo terá qual importância em meio à catástrofe econômica, social e sanitária? O morador de rua, o trabalhador autônomo, o morador de favela, o microempresário, o vendedor ambulante, estarão preocupados com a reunião-circo ou com a sua falência, a fome, a destruição de seus sonhos e expectativas, a degradação social batendo à porta de sua família?

    A reunião-circo está no mesmo patamar que a postagem do vídeo do Golden Shower no carnaval passado. Uma vergonha. Há, com efeito, elementos que podem gerar a prisão e cassação do cargo de vários presentes naquele teatro de bolso. Mas, é nisso que temos que insistir? Nessa pauta?
    Não. Temos muita coisa mais importante para fazer. Temos que reconstruir este país. Dar um mínimo de segurança para os mais vulneráveis.

    Temos que mostrar porque a extrema-direita sempre se apresenta como um rato que ruge. E como é a esquerda que sempre salva o mundo. Afinal, a extrema-direita não sabe nem organizar uma reunião ministerial que tenha começo, meio e fim, que tenha algum respeito e seriedade. Então, como alguém em sã consciência pode imaginar que sabem governar a 8ª economia mundial construída com seriedade e suor de mais de 200 milhões de habitantes?

  • Vídeo revela que Bolsonaro é prisioneiro das alucinações olavistas

    Vídeo revela que Bolsonaro é prisioneiro das alucinações olavistas

     

    ARTIGO

    Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Mariana*

     

    #Sextou. O decano do STF, ministro Celso de Mello, decidiu, na tarde de hoje, que o vídeo da reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril deveria ser divulgado na íntegra, mantendo sigilo para “determinados Estados estrangeiros”. Provavelmente, a China, já que vemos uma interrupção da fala onde o ministro da Educação afirma que o Partido Comunista [chinês] pretende transformar o Brasil numa colônia.

    O vídeo faz parte do processo de investigação das denúncias feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro sobre as interferências de Bolsonaro na Polícia Federal.  Em meados de maio, Moro pediu para que o vídeo fosse divulgado, pois seu conteúdo confirmaria suas acusações ao presidente. Desde então, só vieram a público alguns trechos de falas do presidente, transcritos pela Advocacia-Geral da União (AGU), que o defende. Um deles é este a seguir: “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f… minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”.

    Vários políticos de oposição ao governo passaram a pedir ao STF que tornasse público o vídeo da reunião, como o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Os meios de comunicação, também, criaram grande expectativa em relação ao vídeo. Seria a bala de prata de Moro, do lava-jatismo versus o bolsonarismo. Como disse um amigo, hoje assistiríamos o fim de uma temporada.

    Em reação às três notícias-crime a decisão de Celso de Mello, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), rapidamente publicou uma “Nota à Nação Brasileira” em seu Twitter, na qual afirma que o pedido de apreensão do celular do presidente é “inconcebível” e “inaceitável” e diz que o GSI “alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os Poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Seria isso uma ameaça ao STF?  Umas das pessoas que melhor resumiu a situação foi a senadora Kátia Abreu: “É muita ousadia e pretensão assistir a um ministro, general do glorioso Exército Brasileiro, ameaçar a DEMOCRACIA. Faça-me o favor, meu senhor.”

    O que percebemos é que Heleno tentou pautar o debate, a recepção, e já mobilizou as redes bolsonaristas. Nessa direção, a expressão que mais ouvimos até agora é de que o tiro saiu pela culatra. Se um dos efeitos do Bolsonarismo é a corrosão da democracia e suas instituições, substituindo-a por uma versão simulada e fantasiosa de poder, o que a reunião mostra é que os seus principais personagens vivem a simulação como realidade.

    É certo que figuras como Mourão e outros parecem deslocados do multiverso compartilhado pela ala chamada ideológica. Weintraub, Damares e Ernesto Araújo fazem parte do mesmo arco narrativo e não saem dele. Além dos militares e Moro, que parecem tentar manter alguma distância do circo, figuras como o ministro do Meio Ambiente e Paulo Guedes procuram inserir suas agendas de desmonte do Estado e das proteções sociais tentando não confrontar o delírio coletivo de seus colegas e usando a pandemia como cortina de fumaça para avançar suas agendas.

    A reunião é um belo retrato do que é esse governo.

    A conclusão que chegamos é que o grupo olavista do governo vive em estado permanente as alucinações alimentadas pela própria máquina de fake news que ajudam a alimentar. O que os torna ainda mais perigosos para a democracia e a saúde pública, como tem sido amplamente demonstrado.

    Algo a ser notado é o estado emocional que os gestos e a linguagem do presidente revela, estressado, assustado, agressivo. Se faltassem ainda motivos para o impedimento de Bolsonaro, o vídeo revela que temos boas razões para duvidar de sua saúde mental.

    Além disso, a fala do ministro do Meio Ambiente mostra que o governo está usando a Covid para “passar a boiada”: “Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, do Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente, de Ministério disso, de Ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação, é de regulação que nós precisamos, em todos os aspectos.” Muito grave e sincero. Revela que a catástrofe que estamos vivendo é de alguma medida produzida e estimulada por um projeto genocida.

    A recepção de nosso amigo bolsonarista confirma a alucinação coletiva, mostra que a revelação do vídeo serviu, entre os bolsonarista, para reforçar a confiança na figura do Bolsonaro, pois o mito vai se transformando em ser humano: “Velho, você pode não acreditar, mas o único que pode quebrar essa roda que existe no país. […] O problema dele é que ele tem uns filhos, ele tem uma vida, um monte de coisas. Pra mim, ele é único cara que está tentando mudar. E tá todo mundo puto com  isso. […] Pode ter corrupção do filho dele, ele tá correndo atrás do que é dele. Mas, no geral, ele tá querendo quebrar o sistema. […] E a Globo vai perder. Ele vai derrubar a Globo, coisa que nem o Lula conseguiu. E hoje estamos vendo isso. É o início do fim da Globo. Ela vai se f. […] Sei que ele erra e tem um monte de coisas erradas, mas os fins que estão acontecendo, vão justificar os meios daqui para frente”.

    Enfim, sem oposição efetiva e luta, Bolsonaro não cai. Nem mesmo após milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas por uma ação organizada de seu governo. O atualismo pode criar a ilusão que ele cairá pelos seus próprios erros e pela briga entre o bolsonarismo e os que o apoiaram até ontem. Só que não. Comentários feitos em um chat do Youtube, onde o vídeo da reunião estava sendo transmitido, mostram que muitos bolsonaristas só reforçaram a sua visão ao assistir a reunião, e isto os levava a prever a reeleição de seu “mito” em 2022. Sem ação política e política nada se transforma efetivamente. E isso não é fake! É a mais pura verdade.

    Talvez o tema novo que fique visível na fala de Bolsonaro é sua decisão de fazer e pedir ao ministros – que antes deveriam ser técnicos – que façam política. Era já os efeitos da aproximação com o centrão e o medo real do impeachment.

    Assim, o principal evento da semana não foi a divulgação do vídeo, e sim o movimento Sleeping Giants, que tornou um pouco mais visível a política oculta das grandes empresas na horas de distribuir suas verbas de publicidade. Mas essa novidade vai apenas ser mais uma força a polarizar e politizar todos os aspectos da vida cotidiana. Talvez seja a realidade dessa fragmentação que alimente o desejo paranoico de Bolsonaro e seus discípulos olavistas pela unidade do “povo”, mesmo que isso seja obtido pela destruição dos que são “diferentes”, negros, mulheres, pobres, indígenas, ciganos, os de esquerda. Aliás, um olhar rápido em seu ministério revela o tipo de povo que ele tem em mente: os bons homens brancos. Cidadãos de bem!

    Um último fato: quando Bolsonaro grita que vai interferir nos serviços de informação é mesmo para Sérgio Moro que ele olha. Afinal, o presidente patriarcal vai nos espionar para o nosso próprio bem, como um pai que ouve atrás da porta. Em outro trecho ele revela que mudou a diretoria do IPHAN para beneficiar uma obra de Luciano Hang.

    Enfim, os bolsonaristas estão recebendo o vídeo como uma vitória, ele confirma todas as suas alucinações. Uma análise mais pontual revela que por trás das simulações alucinadas o que predomina é o velho hábito de tratar o Estado como o espaço doméstico em benefício dos amigos. A respeito dos comentários do ministro da Educação sobre prender os juízes do Supremo, cabe à corte reagir ou confirmar a ideia que basta mesmo um cabo e um sargento para fechá-la.

     

    (*) Autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem.

    Esse artigo contou com a colaboração de Mayra Marques, doutoranda em História pela UFOP

     

     

     

     

     

     

  • Mulheres à Frente da Tropa. Uma bela homenagem do Ira!

    Mulheres à Frente da Tropa. Uma bela homenagem do Ira!

    O Ira! escolheu o Dia da Mães, para mostrar seu mais recente clipe, “Mulheres à Frente da Tropa”. Coloca à frente do vídeo, um batalhão de mulheres guerreiras, lutadoras, vencedoras e corajosas. Mais que um sonho, uma vontade de ver um novo pensamento de País, calcado na luta, na empatia e na verdade.

    Após 13 anos sem voltar aos estúdios, o Ira! traz um trabalho de inéditas em 10 faixas no álbum de nome homônimo “IRA”, entre elas, “Mulheres à Frente da Tropa”.

    Mulheres à Frente da Tropa
    Capa do novo disco: IRA

    Deste álbum, o primeiro clipe que estea sendo lançado hoje, é o da canção “Mulheres à Frente da Tropa”, cantada e composta por Edgard Scandurra, com um coro de mulheres, entre elas, a cantora Virginie Boutaud, da saudosa banda Metrô.

    Gravado em boa parte nas dependências da Ocupação 9 de Julho, o vídeo, dirigido por Luciana Sérvulo, conta uma história a partir do sonho de uma senhora que cochila em sua poltrona. Nesse sonho, surgem diversas mulheres que caminham para seus destinos, entre elas, representantes de outros tempos como a sufragista norte americana na luta pelo seu direto ao voto.

    O vídeo mostra ainda, pinturas e figuras marcantes como Marielle Franco, Dandara, Preta Ferreira e conta com a participação de mulheres ativistas, representantes do Movimento dos Trabalhadores Ruais Sem Terra – MST, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST, Movimento dos Sem Teto do Centro – MSTC, estudantes, adolescentes, crianças, artistas e performers, como a bailarina Sandra Miyazawa e lideranças comunitárias como a indígena guarani Sônia Ara Mirim e Carmen Silva, do Movimento dos Sem Teto do Centro – MSTC.

    Ao final, muitos rostos de mulheres observam o ‘voar’ da bailarina sobre suas cabeças e sobre a cidade, num claro símbolo de leveza, amor e liberdade. A senhora acorda e o sonho segue.

    Assista a esse lindo clipe aqui:

    Para seguir a banda Ira!

    Site oficial: http://www.iraoficial.com/

    Instagram: https://www.instagram.com/oficialira/?hl=en

  • A pulsão genocida do vídeo do Governo Bolsonaro

    A pulsão genocida do vídeo do Governo Bolsonaro

    O Brasil amanheceu hoje debatendo o vídeo da nova campanha pública do Governo Federal, que defende a retomada de “normalidade” e o fim do isolamento social frente à pandemia COVID-19. A peça publicitária lançada nesta quinta-feira, dia 26 de março, primeiro na rede social do Senador Flávio Bolsonaro, foi produzida em caráter de emergência pela Isobar, agência de publicidade responsável pela área digital da SECOM (Secretaria de Comunicação da Presidência), potencialmente custando mais de 4 milhões de reais aos cofres públicos. O vídeo, concebido pelo “gabinete do ódio” da Presidência, foi aprovado – na ausência de Secretário Fabio Wajngarten, infectado pelo coronavírus –  pelo Vereador Carlos Bolsonaro, o filho “01”, e utiliza indevidamente fotografias obtidas em banco de imagem.

    Por meio de pesquisa reversa de imagens na internet, foi possível identificar a origem de 11 das 18 fotografias utilizadas no vídeo. Todas elas estão disponíveis no banco de imagens Shutter Stock. Segundo os termos de licenciamento dessa empresa, a licença de uso padrão está sujeita a uma série de limitações, dentre elas: não ser veiculada em vídeos com alcance superior a 500 mil pessoas e custo maior que 10 mil dólares. Também está expressamente vedado o uso em materiais com qualquer conexão com política ou ponto de vista político.

    Foram contatados dez fotógrafos autores dessas imagens, e um deles expressou desconforto em ver sua obra sendo usada no vídeo. Mesmo protegendo sua identidade, segue abaixo o seu relato:

    “Realmente eu não tenho controle do material, as fotos estão hospedadas no site e o site vende aos clientes deles e não sei como é feita essa negociação. Há sim um descontrole e um uso indevido da imagem, digamos assim. Ela não foi propícia pra isso. É uma foto de arquivo, o propósito dessa imagem é pra ser usada em campanhas ou direcionamentos ou reportagens que, enfim, reflitam uma certa realidade. Não a invenção desse maluco que a gente diz que é presidente da gente. Mas eu não posso dizer ao site que não venda a foto, que não comercialize a foto. Eu não tenho controle da imagem, mas enfim, fico dividido. Estou vendo que há um mau uso do material que eu produzi.”

     

    O uso indevido de fotografias de bancos de imagens pelo clã Bolsonaro tem precedente. Durante a campanha eleitoral de 2018, Eduardo Bolsonaro, o filho “03”, divulgou um vídeo, supostamente feito por um apoiador, no qual aparece a fotografia de uma mulher negra, depois identificada como uma enfermeira canadense que se manifestou a respeito. O que espanta, para além de ver uma campanha oficial do Governo Federal potencialmente infringir os termos de licenciamento de imagens, é o discurso frio, calculista e irresponsável da família Bolsonaro aplicado sobre os rostos e corpos de pessoas negras, cujas opiniões não foram ouvidas, cujos direitos de personalidade talvez tenham sido desrespeitados e cujas identidades não podem sequer ser creditadas.

    Reprodução

    Do ponto de vista semiótico e discursivo, são essas as pessoas que o Governo Federal quer ver retomarem o trabalho, furando o isolamento social: brasileiros negros e pobres, trabalhadores informais e subalternizados. Brasileiros esses que, caso infectados, justamente encontrarão as maiores dificuldades em obter atendimento médico, sobretudo se a curva do contágio não for achatada, conforme explicam inúmeras pesquisas científicas já publicadas. Razão pela qual esta campanha ganha aspectos “genocidários”, tal como bem observou Ciro Gomes, devendo ter sua veiculação em televisão imediatamente suspensa pela Justiça. O Ex-ministro, em suas redes sociais, disse: “Bolsonaro está preparando uma campanha publicitária para chamar o povo para voltar às ruas! É genocídio!”. E vamos explicar o porquê de Ciro estar certo.

    Peça central da campanha pública governamental, este vídeo, divulgado no perfil de Flávio Bolsonaro, o filho “02”, vem acompanhado de logomarca do Governo Federal e de uma hashtag criada,  dois dias antes, pelo próprio Senador, como resposta à repercussão negativa do pronunciamento do Presidente, seu pai. A hashtag #obrasilnãopodeparar é instrumental na estratégia de comunicação digital oficial da SECOM – apesar de ter desaparecido o post do instagram do Governo Federal – e se provou eficaz na disseminação do vídeo, que rapidamente ganhou as manchetes dos principais veículos de comunicação e as redes sociais, furando a bolha bolsonarista, como também adentrou os grupos de whatsapp, já tendo potencialmente circulado entre milhões de brasileiros.

    Reprodução/ Instagram, perfil do Governo do Brasil

    Diferentemente da campanha publicitária do Banco do Brasil, vetada pelo Presidente em 2019, as pessoas negras protagonistas do vídeo não estão no bar, na piscina, ou dançando, bem-vestidas, nas coberturas dos prédios ou nas boates chiques, exibindo subjetividade, personalidade e poder aquisitivo, afirmando, dentre outras coisas, pertencimento de classe e igualdade racial.

    As pessoas negras, protagonistas da campanha da SECOM, são retratadas em situação de pobreza e vulnerabilidade: sendo atendidas por enfermeiras, deitadas em leitos de maca, ou apinhadas na sala de espera de hospitais. O vídeo também escolhe muito criteriosamente quais trabalhos são ocupados por negros: há um ambulante da praia, uma feirante, um professor da rede publica de ensino, funcionários de fábricas e garis da COMLURB, Companhia Municipal de Lixo Urbano do Rio de Janeiro.

    Contrariando a recorrente falta de representatividade negra na publicidade, nesta peça de propaganda governamental em questão, afrodescendentes são maioria absoluta: das 18 fotografias usadas no vídeo, apenas 2 são de pessoas brancas. Uma senhora loira, cientista, manuseando um microscópio, e o homem, de costas, na imagem final, de cabelo liso e bandeira do brasil nas costas. Poderíamos até achar que essa última fotografia é uma referência ao próprio Bolsonaro, ou alguém à sua imagem e semelhança. Nada disso é mera coincidência.

    Reprodução

    O subliminar do discurso semiótico desse vídeo, cuja pulsão é genocida, opera nos referentes ausentes. Enquanto o vídeo trata de, em nome de um espírito patriótico, retomar a “normalidade” do trabalho, ele oculta quem diretamente se beneficia com essa retomada: empresários ricos, em geral brancos, que vêm fazendo pressão para a reabertura de seus comércios e indústrias. O vídeo também oculta quem, ao retomar o trabalho, assume maior risco de morte: as pessoas pobres, em geral negras neste país. Porém, esses referentes implícitos, genocidas, estão acessíveis por inferência. Ou seja, o vídeo não diz, expressa e explicitamente, para brasileiros negros voltarem às ruas porque este Governo quer que eles morram aos milhões. Mas esse texto está lá, no vídeo.

    Isso se deve justamente ao acúmulo de discursos do clã Bolsonaro, principalmente do Presidente, que nutre no imaginário da população, especialmente do séquito bolsonarista, um discurso racista. Jair Messias Bolsonaro, quem em campanha eleitoral disse que quilombola, medido em arroba, “não serve nem pra procriar”, também disse, nesta semana, que pessoas vão morrer e que o brasileiro precisa ser estudado, “porque mergulha em esgoto e não pega nada”.

    Esse senhor, ocupante do cargo máximo da nação, se dizendo preocupado com a economia do país e apostando, sem nenhum fundamento científico, que o impacto da pandemia COVID-19 será maior se o trabalhador informal não puder se alimentar, em vez de mover as estruturas do Estado para garantir renda básica para a população mais vulnerável e para a massa de trabalhadores autônomos e micro-empresários individuais – tal como aprovado na Câmara dos Deputados ontem – opta por descumprir as medidas sanitárias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde e adotadas por praticamente todas as nações.

    Portanto, considerando esse acúmulo de referentes contidos nos discursos pregressos de Bolsonaro, consegue-se ler o discurso subliminar do vídeo: “Morrerão, em quantidade, os negros e pobres. Os brancos, estarão protegidos e ungidos pela radiante e iluminada Pátria Amada”. Tratando-se de uma propaganda de governo, o impulso genocida do Presidente migra para uma política de Estado. Aí mora o perigo de se ver adotada uma política pública de extermínio de negros e pobres no Brasil.

    Reprodução TV

    Muitos pensarão que essa preocupação é histeria. Infelizmente, o genocídio enquanto política de Estado não se anuncia, nem se comprova.  O historiador armênio Marc Nichanian é categórico ao afirmar, em seu livro “A Perversão Historiográfica” (2009), que o genocídio não é um fato, porque é a própria destruição de toda a factualidade desse acontecimento. Os perpetradores de um genocídio se ocupam de mascarar, velar e apagar todos os vestígios que indicam e apontam para a existência mesma do fato. E a consequente ausência de prova documental faz emergirem narrativas, inclusive historiográficas, de cunho negacionista. Razão pela qual muitas pessoas, inclusive ditos historiadores, até os dias de hoje negam os crimes contra a Humanidade cometidos pela Ditadura Civil-Militar brasileira.

    Ao estimular o povo a quebrar o isolamento social, aumentando o risco de contaminação e os efeitos nocivos da pandemia, o Governo Federal implanta uma nem tão invisível estratégia de extermínio de negros e pobres. O discurso semiótico desta propaganda do Governo Federal deixa rastros e vestígios que conservam subliminarmente esse texto de pulsão genocida, que não existe enquanto prova documental, nem como fato. Mas existe, ainda assim. E tem poder de matar, mesmo assim.

    Esse discurso genocida, só não enxerga quem não quer.

    . . .

    Artigo de Raquel Valadares, documentarista e pesquisadora de cinema, especial para os Jornalistas Livres

  • Alvim e Goebbels: Foi traçado um limite para o absurdo

    Alvim e Goebbels: Foi traçado um limite para o absurdo

    A rápida demissão de Roberto Alvim do cargo de Secretário Especial de Cultura não isenta o governo Bolsonaro de ser acusado de associação com idéias totalitárias. Muito provavelmente o Prêmio Nacional das Artes seguirá com suas diretrizes e deverá fomentar produções artísticas com os valores anacrônicos já amplamente defendidos por qualquer outro membro do plantel bolsonarista.

    Apesar disto, a reação imediata da sociedade brasileira em todos os âmbitos – imprensa, política institucional, redes sociais, sociedade civil – nos traz algo a comemorar: foi traçado um limite para o absurdo.

    Há pouco mais de um ano temos suportado os atos e declarações mais absurdas do presidente, do alto escalão do governo e de sua corte, de seu arremedo de família real. A implosão das instituições democráticas, das políticas públicas de serviços básicos, de direitos civis, é acompanhada por mais um doloroso componente: a corrosão da nossa sanidade.

    Cada vez que denunciamos uma dessas emissões, por ser racista, machista, LGBTQ-fóbica, por reproduzir discurso de ódio, por escancarar o desprezo aos necessitados, por revelar uma propensão genocida, cada vez que isso aconteceu e fomos tachados de loucos, petralhas, esquerdopatas, e tudo seguiu acontecendo normalmente, e nós fomos desacreditados, e fomos obrigados a engolir seco e quadrado a pizza em que tudo acabou, que a capacidade de se chocar estava se perdendo, cada vez que isso aconteceu nós sofremos um amargo golpe no nosso ânimo, na nossa esperança e a nossa concepção do que é real, do que é possível.

    A operação do autoritarismo é sempre a mesma: o ato precede a sua normatização. Primeiro se pratica o impensável e em seguida ele torna-se pensável, praticável, possível. É o inverso do que acontece no Estado de Direito, em que a gestão se submete ao pacto, à Constituição. No Brasil do último ano não foi assim. Os limites do concreto foram forçados e expandidos. Como um rolo compressor, o governo Bolsonaro foi passando por cima de tudo.

    Todo ultraje foi normalizado. Até ontem.

    O vídeo protagonizado por um Roberto Alvim engomado, foto oficial do Presidente Bolsonaro acima, uma cruz ao lado esquerdo e a bandeira do Brasil do lado direito, com seu discurso bizarro de uma nova arte e, finalmente, a citação explícita e inegável ao infame Ministro da Propaganda Nazista Joseph Goebbels, foram demais.

    Dizer que a arte brasileira será o que este governo quer, uma arte pautada em valores eurocêntricos e cristãos, “ou então não será nada”, como disse Alvim e como disse Goebbels, foi demais.

    Aí o Brasil disse, finalmente, que basta. Que isso não pode. Este governo não pode decidir que arte as pessoas vão fazer. Este governo não pode fazer tudo que quer.

    Pode ser pouco, mas já é motivo para um grande suspiro de alívio. Temos agora uma trincheira clara, fixa, onde podemos fincar o pé e daí avançar na direção de recuperar a cidadania no Brasil.