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  • Reitor da UFRJ denuncia catástrofe iminente na educação

    Reitor da UFRJ denuncia catástrofe iminente na educação

    Desde de 2016, quando do Golpe e do anúncio da então Emenda Constitucional 55 (PEC55), os Jornalistas Livres cobrimos as manifestações contra o que já chamávamos de PEC do Fim do Mundo. Dezenas de milhares de professores, estudantes e pesquisadores, com outros profissionais e ativistas, protestaram pacificamente em Brasília durante as votações na Câmara e no Senado da hoje Emenda Constitucional 95. E foram violentamente reprimidos pelas forças de segurança, com centenas de feridos e outros tantos detidos. Passados nem ainda dois anos, o reitor da maior universidade pública brasileira, Roberto Leher, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, em artigo para o Jornal do Brasil, denuncia o desastre que isso já causou na Academia e o iminente colapso do sistema educacional nacional.

    A catástrofe se aproxima das universidades federais e do sistema de ciência e tecnologia

    Roberto Leher* – 14/08 às 00h00

    Em meio à neblina cerrada que recai sobre o futuro dos conhecimentos científico, tecnológico, artístico e cultural, provocada pela emenda dita do Teto (declinante) dos Gastos (EC 95/2016), a rigor, emenda da reforma não consentida do Estado, a ponta do iceberg emerge ameaçadoramente. Como consagrado no dito popular, a parte visível da catástrofe que se aproxima oculta a grande massa submersa, justamente a referida EC 95. Um alerta à comunidade acadêmica: manobras de pequena envergadura não livrarão o país dos problemas advindos da obtusa alteração constitucional.

    Brasília, 29/11/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/cronica-de-um-dia-tragico-em-brasilia/

    As dimensões visíveis dos efeitos da EC 95 são importantes e, por isso, devem ser cuidadosamente examinadas. Em 1º de agosto, a direção da Capes veio a público para alertar que, com os cortes estimados para 2019, as 93 mil bolsas de pós-graduação e as 105 mil de formação docente deixarão de ser pagas em agosto. É sistêmico. Uma semana depois, o presidente do CNPq manifestou a mesma preocupação sobre o futuro do órgão. A previsão é de que o orçamento despenque do irrisório R$ 1,2 bilhão em 2018 para apenas R$ 800 milhões em 2019. Nem sequer as bolsas poderão ser pagas. É necessário lembrar que em 2014 o orçamento foi de R$ 2,8 bilhões. Ademais, em virtude do teto, recursos advindos das empresas para o fomento científico e tecnológico não poderão ser integralizados no orçamento do CNPq em 2019 por inexistência de limite orçamentário. Com isso, as bolsas de pós-graduação e de pesquisa e os investimentos em ciência e tecnologia serão literalmente interrompidos no país.

    Carina Vitral – Presidente da UNE – Brasília, 29/11/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/cronica-de-um-dia-tragico-em-brasilia/

    A parte visível das consequências sobre a área de ciência e tecnologia é devastadora. Mas é preciso ampliar o olhar para a destruição do sistema de educação superior, ciência, tecnologia e inovação em sua amplitude. As atividades apoiadas pela Capes e pelo CNPq são desenvolvidas, em sua grande maioria, nas universidades públicas federais, e elas estão sobrevivendo por meio de respiração artificial, na iminência de risco de colapso. De modo direto: a crise orçamentária da Capes e do CNPq não pode ser vista de modo desvinculado do apagão orçamentário das universidades federais.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    De nada resolveria alocar mais recursos para a Capes retirando ainda mais recursos das universidades e institutos federais de educação tecnológica. Tampouco dos programas destinados à educação básica. Igualmente, de nada resolveria melhorar os recursos da educação canibalizando as verbas do MCTIC ou do Ministério da Saúde. O problema real é a armadilha produzida pela EC 95/2016. Nenhum país sobrevive sem investimentos públicos.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    Recente estudo de Vilma Pinto e Manoel Pires, do Ibre/FGV, confirma o iminente colapso do funcionamento do Estado Federal. As verbas discricionárias que pagam o custeio e o investimento dos órgãos federais podem ser reduzidas de R$ 126 bilhões, em 2018, para R$ 100 bilhões em 2019, e, em 2020, para R$ 70 bilhões. Isso considerando-se que o salário mínimo e a remuneração dos servidores não serão corrigidos, hipótese socialmente deletéria.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    Contudo, o custo mínimo da máquina pública é de R$ 120 bilhões. Episódios como a suspensão da emissão de passaportes se repetirão em todos os órgãos. Com isso, toda a grande área associada à ciência será desmoronada ao longo de 2019. A pesquisa não é uma linha de montagem em que, desligadas as máquinas, elas podem ser religadas em momento mais favorável. Linhagens de seres vivos precisam ser mantidas. Processos de investigação são cumulativos. Os jovens pesquisadores e estudantes precisam de mensagens positivas sobre o futuro. É fantasioso supor que o mercado irá preencher esse vazio.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    Um exemplo concreto ajuda a dimensionar o problema. Em 2015, na UFRJ, a maior federal do país, as verbas da União autorizadas pela LOA foram de R$ 341 milhões para o seu custeio e investimentos, sendo que  R$ 53 milhões foram contingenciados. Em 2018, o orçamento da União está reduzido para R$ 282 milhões. E novos cortes estão sendo anunciados. Assim, as verbas de investimento despencaram de R$ 51 milhões, em 2016, para R$ 6 milhões em 2018. E com isso prédios estão com a construção interrompida, os prédios prontos estão sem fornecimento de energia, moradias estudantis ficam atrasadas, alimentando a evasão de estudantes. E o estoque da dívida somente não cresce em virtude do forte corte de gastos de custeio empreendido desde 2015, ceifando mais de 1,3 mil postos de trabalho terceirizados. Mas os cortes chegaram ao limite.

    Brasília, 29/11/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/cronica-de-um-dia-tragico-em-brasilia/

    O país necessita de uma concertação democrática e comprometida com o desenvolvimento social, o que requer, obrigatoriamente, recolocar no eixo da política nacional a valorização do trabalho. É preciso uma coalizão que permita um pacto republicano que impeça a desorganização do exitoso sistema de ciência e tecnologia lastreado pelo sistema federal de ensino superior.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    A premissa, lastreada pelas evidências empíricas, é a revogação da EC 95. Frente à necessidade de sustentabilidade do fundo público, outras medidas mais abrangentes e inteligentes terão de ser apresentadas, envolvendo reforma tributária, isenções e renúncias fiscais, melhor abordagem da problemática da dívida, entre outras. Na transição, é preciso impedir que a EC 95 salgue o solo do porvir da educação, da ciência, da tecnologia, da arte e da cultura. Para que as universidades federais não entrem em colapso, a Lei Orçamentária terá de restabelecer, no mínimo, o montante corrigido da média das LOAs do período 2013-2016, anterior à EC 95, e alocar recursos que possibilitem a conclusão das obras interrompidas e a correção do orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil, assegurando, ao mesmo tempo, que o CNPq e a Capes recebam o valor real médio do mesmo período.

    * Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

     

    Fotos: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com

    Artigo original em: http://www.jb.com.br/artigo/noticias/2018/08/14/a-catastrofe-se-aproxima-das-universidades-federais-e-do-sistema-de-ciencia-e-tecnologia/

     

  • Mulheres ativistas assumem ECO-UFRJ

    Mulheres ativistas assumem ECO-UFRJ

    Duas mulheres de fibra passam a dirigir uma das mais tradicionais e reconhecidas escolas de comunicação do país, a ECO – Escola de Comunicação – da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sétima no ranking mundial de universidades e oitava no do Ministério da Educação, a UFRJ forma na ECO jornalistas, publicitários, produtores editoriais e profissionais para rádio e televisão – e possui o primeiro Programa de Pós-graduação a ter a nota máxima para a Comunicação no Brasil. A importância de seus pesquisadores e pesquisas é indiscutível na área.

    Academicamente, “área” é uma abstração que equivale a “campo”, campos do conhecimento neste caso. São microcosmos sociais com autonomia relativa, leis e regras específicas, que influenciam e sofrem influências de um espaço social mais amplo. É nessa inferência social que, como diriam meus avós, a porca torce o rabo. Não há dúvidas da importância interna ao “campo” da ECO, mas e de sua inferência social em um Rio de Janeiro sob intervenção militar, vitrine, laboratório e experimentação de sórdido golpe político?

    Foto: Bernardo Guerreiro/ Divulgação.

    A escolha dessas duas mulheres por seus professores e reitoria, marca o claro posicionamento político da UFRJ: a academia tem que subir o morro, ir para a baixada, combater desigualdades, integrar o comum, promover o bem social, colocar a cultura e a comunicação como alicerce e agente da sociedade.

    As doutoras Ivana Bentes e Suzy dos Santos assumem a direção e vice-direção da ECO com o também claro desafio de levar a excelência acadêmica à ação social. Ivana diz: “Apostamos no comum e nas universidades públicas como territórios de resistência e invenção”. Ok, resistimos, e os ataques à disciplina sobre o Golpe de 2016 na Ciência Política da UnB evidenciam isso ao fragilizarem a autonomia universitária (campo). Mas como avançamos?

    A escolha destas duas mulheres pode começar a ser resposta. A amazonense  Ivana Bentes, autora, ensaísta, professora, ativista, já dirigiu a ECO de 2006 a 2013, quando “abriu as portas da universidade”, fez chegar quem jamais pensou em ali estar pelo Pontão de Cultura Digital. Aproximou comunidades, grupos, mobilizou, reconheceu e forneceu meios para potencializar ações midiáticas e políticas transformadoras. Assumiu a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, de 2015 a 2016. É influência e influenciadora do movimento Fora do Eixo e da Mídia Ninja, onde possui coluna sobre comunicação e cultura.

    Foto painel “Os Donos da Mídia”, 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, UnB, junho 2017.

    A paranaense-quase-gaúcha Suzy dos Santos atua em Políticas de Comunicação. Conhece como poucas pessoas neste país a questão da convergência de mídias e da necessidade da democratização dos meios de comunicação. Autora e ensaísta, é conhecida na ECO por sua atuação com projetos sociais junto a comunidades.

    Estas mulheres são ativistas sociais, feministas, do norte e do sul, representam pelo que as compõem, por suas trajetórias, histórias de vida e valores a tão temida diversidade. Essas não beijaram mãos ou baixaram cabeças, não aceitaram os famosos pactos de  mediocridades. Essas falam suave e forte, se posicionam, trazem os valores do feminino em seu mais amplo sentido, são livres pensadoras iconoclastas.  São mulheres fortes com valores que nos representam, #merepresenta.

    Conservadores, tremei. Bolsominions, tremei. A diversidade aí está, e irá avançar. Mulheres no poder é transformar. E que sejam possíveis projetos e metodologias como a Universidade das Quebradas de outra mulher fodástica, a Heloísa Buarque de Holanda, que abriu a UFRJ para os produtores culturais da periferia, potencializando saberes e fazeres. Que surjam muitas Universidades das Quebradas para a Comunicação, as Mídias e o Jornalismo. Que a universidade rompa o academicismo e seja povo, quebrada, periferia.

    E em posse de ativista social, a entrada é livre. Elas convidam: dia 12 de março, às 17h na ECO-UFRJ. Av. Pasteur, 250 – Praia Vermelha, Rio de Janeiro, capital. #ColeLá

    Caru Schwingel | Jornalistas Livres | Mestre e Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas

  • A crise do capitalismo brasileiro

    A crise do capitalismo brasileiro

    Para compor esse artigo, foram selecionados trechos do texto para discussão do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro: A Guerra de Todos contra Todos: A Crise Brasileira, que analisa a atual crise brasileira em três dimensões interdependentes: acumulação, cena política e relação entre o bloco no poder e o Estado. Os trechos são apresentados na forma de perguntas e respostas.

    1 Quem está em crise no Brasil: a política, a economia ou o capitalismo?
    O capitalismo brasileiro atravessa uma de suas maiores crises. Uma crise que ocorre simultaneamente em três dimensões:
    i0 acumulação;
    ii) cena política (sistema partidário, partidos e representação); e
    iii) relação entre o bloco no poder e o Estado.

    2 O que é “centro de poder” e quem o detém hoje no Brasil?
    Os aparelhos, órgãos e instâncias que concentram a capacidade de decidir (“poder efetivo”) são os “centros de poder” do Estado. A operação Lava Jato – aparato institucional que investiga práticas de corrupção na Petrobras e em outros órgãos governamentais – deslocou o “centro de poder” do Estado brasileiro para suas mãos. A megaoperação é conduzida por segmentos da alta classe média – juízes, procuradores e delegados federais [….].

    3 O que a Lava Jato expôs?
    Esta condução expôs as vísceras da relação entre o Estado e sua burocracia e parte do bloco no poder (frações de classe proprietárias de grandes corporações) do capitalismo brasileiro. Tais vínculos têm sido historicamente marcados por relações não republicanas envolvendo financiamento de campanha partidária, obras públicas e mudanças regulatórias em prol dos interesses capitalistas em suas relações com a cena política e o Estado.

    4 Essas relações não republicanas são exclusivas do capitalismo brasileiro?
    É preciso alertar que esse tipo de relação entre o bloco no poder e o Estado não se restringe ao capitalismo brasileiro, pois sempre há uma relação intrínseca entre o bloco no poder, a cena política e o Estado; uma vez que este último (suas políticas e regulamentações) é um elemento intrínseco/endógeno ao processo de acumulação do capital e de dominação de classe por meio do binômio repressão/ideologia.

    5 Como se iniciou a crise de acumulação?
    A acumulação de capital travou em 2015 e continuou travada em 2016.
    […]
    A queda das taxas de rentabilidade, com a elevação dos salários, reascendeu o conflito distributivo entre capital e trabalho, o qual fora amenizado durante o governo Lula, em virtude da conjuntura internacional extremamente favorável (dado o efeito China) que possibilitou um período atípico, marcado por maiores taxas de acumulação (crescimento do PIB e das taxas de rentabilidades) e, ao mesmo tempo, a configuração de um “jogo de ganha-ganha” – materializado pela busca de coalizões de interesses entre as burguesias (industrial, financeira e agrícola) e o movimento sindical e popular.

    6 De que forma se explicita o aumento do conflito distributivo?
    O aumento do conflito distributivo e a dificuldade da gestão petista em controlar os conflitos
    provocaram uma paulatina desconfiança do bloco no poder da forma petista de governar (“jogo de
    ganha-ganha”), que já tinha aparecido, em menor grau, nas eleições de 2014 e, em maior grau, com
    o apoio dos segmentos dominantes ao impedimento da presidenta Dilma no final de 2015.

    7 Como reagem as frações dominantes do bloco do poder?
    […] frações do bloco no poder começaram, em momentos diferentes, a defender a redução do conflito distributivo por meio da redução dos custos da força de trabalho (reforma trabalhista e da terceirização) e da reforma da previdência, abrindo novos espaços de acumulação via previdência privada e a redução dos gastos públicos.

    8 Como o bloco no poder induz à inevitabilidade das reformas?
    […] não surpreende que a partir desse cenário o bloco no poder e suas frações (inclusive
    as vinculadas às atividades de comunicação e jornalismo) tenham passado a patrocinar de forma
    explícita, publicamente, e junto aos seus representantes no Congresso, a tese da inevitabilidade das
    reformas que, na verdade, visa a realização de um enorme ajuste acerca da remuneração do trabalho e dos gastos do Estado (em especial os sociais) argumentando que tais medidas poderiam destravar a acumulação.

    9 Quais foram os acordos entre o bloco no poder e a classe política?
    […] o presidente do Senado, Renan Calheiros, propôs a Agenda Brasil (no final de 2015) fortemente alinhada com o ajuste fiscal e com a ideia de reformas em prol dos empresários. A Agenda Brasil desdobrou-se no documento Uma Ponte para o Futuro, adotado por toda a cúpula do PMDB, como o programa de governo para desbloquear a acumulação.
    […] parar a Lava Jato era a outra parte do acordo (com o bloco no poder e os partidos políticos) do PMDB para alcançar a presidência por meio do impeachment. Pelo lado do bloco no poder (grandes empresários), interromper a Lava Jato significaria restabelecer as relações entre o bloco no poder e o Estado de forma mais tradicional e estável.

    10 Existia uma coordenação entre as forças sociais (grandes empresários, imprensa, políticos, burocracia e Lava Jato) que se uniram pelo impedimento?
    É evidente que, por conveniências próprias, essas forças sociais se uniram pela remoção do PT e de Dilma, mas cada uma delas mirando demandas específicas buscando reforçar seus poderes particulares, a saber:
    i) O bloco no poder procura implementar as reformas para destravar a acumulação, enquadrando o trabalho e os mais pobres, e restabelecer a relação entre o bloco no poder e o Estado com a suposta desaceleração da Lava Jato prometida pelo PMDB;
    ii) A grande mídia tem por finalidade defender as reformas e, principalmente, aumentar seu poder econômico e político, diante das outras forças sociais do bloco no poder e do Estado, por meio do vazamento das informações da Operação Lava Jato;
    iii) Os políticos, especialmente os do PSDB, visam eliminar, ou reduzir, o PT da cena política e, sobretudo, interromper a Lava Jato através do governo Temer.
    iv) A Lava Jato ambiciona aumentar seu poder e legitimidade – por meio dos vazamentos para diversos órgãos da grande imprensa e da consequente deslegitimação do sistema político – junto à opinião pública em busca da continuação de sua empreitada messiânica contra a corrupção.

    11 Qual é a estratégia da Lava Jato? Ela foi modificada após o impedimento de Dilma?
    O governo Temer viveu a sua primeira crise política que, inclusive, implicou a saída do Senador Romero Jucá do cargo de ministro do Planejamento. A Lava Jato continuava com sua estratégia: vazamento/publicidade → instabilidade → deslegitimação política → legitimidade da operação junto à opinião pública e, sob pressão, às instâncias superiores do judiciário, em especial o STF.
    A partir dessa crise ficava claro que não havia uma coordenação entre os segmentos dominantes, grande imprensa, os políticos, parte da burocracia, judiciário e a Lava Jato.

    12 Qual é a avaliação que podemos fazer desse primeiro semestre de 2017?
    Os interesses imediatos do bloco do poder (poder de classe) estão desvinculados temporariamente do centro de poder do Estado brasileiro (poder de Estado) que hoje se encontra na Lava Jato (lócus institucional) e que representa interesses e identidades próprias da classe média alta brasileira. Com isso, a dinâmica política e econômica atual é fortemente influenciada, por um lado, pelo avanço dessa operação sobre os políticos e os empresários de diversos ramos, e, por outro, pelas reações do sistema político, empresarial e de parte do STF na tentativa de conter o poder da Lava Jato. Esse “jogo” de ataques e contra ataques é retroalimentado pelos vazamentos seletivos que os agentes da Lava Jato divulgam com o propósito de obstaculizar os que tentam refreá-los.

    13 A Lava Jato Vem dificultando as reformas?
    Considerando que inicialmente os interesses da Lava Jato convergiam para os desses segmentos dominantes (impulsionamento do impedimento da presidenta Dilma), agora a Lava Jato dificulta em muitos momentos as reformas em virtude da instabilidade política criada pelos vazamentos. Ademais, também desfruta do poder de encarcerar boa parte dos políticos e empresários do capitalismo brasileiro – os quais sempre utilizaram o expediente do caixa dois no financiamento de campanhas.

    14 De onde surge a guerra em curso?
    Cabe enfatizar que a gênese desse processo descoordenado e semelhante a uma guerra fratricida antecede o governo interino de Temer. Na verdade, decorre do consórcio de poder que se formou entre, por um lado, a PGR/República do Paraná e, por outro, os grandes meios de comunicação, num cenário de crise de acumulação e de ruptura das relações entre o bloco no poder e o Estado. Com base em princípios supostamente éticos, empreende-se a completa criminalização dessa relação, que ocupa um lugar central dentro da “normalidade” da reprodução do capital, supondo-se que seria necessária e possível uma completa separação entre interesses privados e públicos.
    […]
    Refundar o capitalismo brasileiro patrimonialista seria a missão.

    15 A Lava Jato está vinculada aos interesses dos segmentos dominantes?
    […] a Operação Lava Jato – o atual centro de poder do estado brasileiro – encontra-se desvinculada diretamente dos interesses imediatos do bloco do poder em sua busca pela recuperação da acumulação de capital vias reformas neoliberais.

    16 Os membros da Lava Jato têm um projeto de país?
    Pelo contrário, à medida que avança, ele retroalimenta a instabilidade, inclusive de forma premeditada, e trava ainda mais a acumulação em virtude da manutenção da ruptura da relação entre o bloco no poder e o Estado.

    17 Há participação estrangeira nesse processo? Há interesses estrangeiros?
    Para muitos analistas internacionais (BANDEIRA, 2016; METRI, 2016; ROCHA, 2016), as primeiras informações sobre a corrupção na Petrobras e suas conexões com as empresas líderes da construção civil nacional, obtidas pelo juiz Sérgio Moro, teriam sido, provavelmente, repassadas pela Agência Nacional de Segurança (NSA) – que monitorou/espionou de forma sistemática as comunicações da Petrobras, interessados na exploração em águas profundas da camada pré-sal – via Departamento de Justiça americano.

    18 Quais seriam os interesses dos agentes externos?
    Essa desestruturação das bases produtivas e institucionais brasileiras interessa sim aos agentes externos, especialmente os norte-americanos, pois isso (i) possibilita a abertura da exploração do pré-sal para as empresas estrangeiras; (ii) retarda/paralisa o projeto nuclear brasileiro; (iii) desestabiliza o engajamento do Brasil aos arranjos configurados pelos BRICS; e (iv) desestabiliza a presença das empresas de construção civil nacional na América Latina e África, abrindo mercados para novos entrantes (BANDEIRA, 2016; METRI, 2016; ROCHA, 2016).

    19 Quais os efeitos da combinação da criminalização do capitalismo brasileiro com as reformas neoliberais?
    O rastro de degradação produtiva e institucional em curso, vinculado à criminalização completa da maneira como funciona o capitalismo brasileiro, ganha ainda mais força – tornando-se um verdadeiro rastilho de pólvora – com o consenso da insensatez que se formou entre o bloco no poder, o sistema político e o governo atual em torno do ajuste recessivo e das reformas neoliberais como o caminho para a recuperação do crescimento.
    Um claro caminho de irracionalidade, dado que até mesmo o FMI, em documentos recentes, admitiu a necessidade de realização de políticas anticíclicas em momento de recessão. Não há nenhum “motor do crescimento” funcionando hoje no Brasil.
    […]
    Vivemos uma luta de todos contra todos, em que pedaços da Constituição são rasgados a cada dia ao sabor dos vários eventos […].

    20 O capitalismo brasileiro está sendo refundado?
    A criação da instabilidade e a total criminalização da forma brasileira de acumular (relação
    entre o bloco no poder e o Estado) não necessariamente significará refundar o capitalismo brasileiro
    como quer o consórcio PRG/República do Paraná e a grande mídia. Os efeitos colaterais da
    manutenção da “caixa de pandora”, aberta por tanto tempo, são imprevisíveis. Por enquanto,
    provavelmente, apenas os interesses externos saíram beneficiados nesse atual processo insano.

    Nota
    A íntegra do texto para discussão A Guerra de Todos contra Todos: A Crise Brasileira, fevereiro, 2017, está disponível em http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2017/tdie0062017pinto-et-al.pdf . Esse texto também foi discutido no XXII Encontro Nacional de Economia Política (XXII ENEP).
    Os autores são: 1 Eduardo Costa Pinto – Professor(a) do Instituto de Economia da UFRJ; 2 José Paulo Guedes Pinto – Professor do Bacharelado de Relações Internacionais UFABC; 3 Alexis Saludjian – Professor do IE da UFRJ; 4 Isabela Nogueira – Professora do IE da UFRJ; 5 Paulo Balanco – Professor da Faculdade de Economia da UFBA; 6 Carlos Schonerwald – Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS; 7 Grasiela Baruco – Professora da UFRRJ.