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  • ELISA LUCINDA – “Só de sacanagem, vou explicar: Lula é inocente, limpo”

    ELISA LUCINDA – “Só de sacanagem, vou explicar: Lula é inocente, limpo”

     

    Ao proferir seu voto contra o ex-presidente Lula, o desembargador do TRF4 Leandro Paulsen citou trechos do meu poema que compõe título desse texto. Esclareço e reitero que o poema foi feito contra a corrupção, contra fascistas, contra homofóbicos e contra qualquer abuso de poder ou qualquer uso do dinheiro público em favor de alguns e que vá contra o povo brasileiro. Simples assim. Nunca autorizei o uso desse poema para eleger ou para contribuir para a vitória do novo governo federal que aí está. A imagem da cantora Ana Carolina com o número 17 descaradamente posto sobre sua face, circulou como uma grande fake news fartamente durante a última campanha presidencial nas redes. Quem via e não me conhecia ou não conhecia a Ana poderia pensar que se tratava de uma posição política nossa, alinhada ao pensamento dos que usaram indevidamente a nossa arte. Não confere. Na época, as irregularidades do que ficou conhecido como mensalão, foram punidas e coerentemente, vale ressaltar, o governo petista foi imparcial na investigação das denúncias, tivemos pela primeira vez uma polícia federal independente e autônoma. Este poema quer saber onde está Queiroz, o esquema daquele milhão, o depósito na conta da primeira dama. Este poema interroga se um juiz pode coordenar as peças de uma acusação no caso que vai julgar; meu poema quer saber quem mandou matar Marielle, quem punirá os quebradores da placa. Este poema não elogia torturadores, não quer a volta da ditadura, não avaliza quem pensa em AI-5. O “Só de Sacanagem” é um poema de combate e não quer fechar o congresso. Apoiado na Constituição e confiante na Democracia, a bandeira que esse poema estende não abraça corruptos, milícias, polícia genocida. Não. Digo isso aqui com todas as letras para que não restem dúvidas.

    Hoje, tudo que pode nos salvar é a Constituição. Eu acredito que é ela que vem dando limites à medidas provisórias descabidas e autoritárias, e nos guia dentro do caminho do desenvolvimento de todos baseado na igualdade.

     

    Sergio Camargo é o novo presidente da Fundação Palmares
    Sergio Camargo é o novo presidente da Fundação Palmares

    É inconstitucional, por exemplo, no meu entender, que um cidadão proclame o racismo, ataque seus defensores, sendo essa prática crime. Torna-se portanto duplamente inconstitucional se esse cidadão é nomeado para dirigir uma instituição com fins anti-racistas. Um cargo público não pode ferir o povo. Neste momento em que Marielles se multiplicam pelo Brasil, em que nunca fomos tão ouvidos, é um acinte a presença de um negro alienado dos princípios e das conquistas contemporâneas que combatem a necropolítica de Estado que nos assassina de norte a sul. É hora de nos mobilizarmos nacionalmente. Todas as instituições, todos os movimentos negros, todas as associações e organizações não-governamentais devem se unir e escancarar para o mundo tal escândalo. Não somos poucos. Respeitem os 54% dessa população brasileira. Negra, tal maioria, se avoluma consciente e não vai legitimar a presença desse senhor na Fundação Palmares. A desastrosa nomeação se deu no mesmo dia, em que resolvo me colocar publicamente como uma vítima intelectual de mais uma fake news deste governo e de seus defensores. Sigo indignada, como alguém que tem a sua arte usada em favor do que execra.

    Mas não estou só. Sei que quem me lê, quem consome a minha arte, quem frequenta meu teatro, quem me vê nas telas, nas entrevistas, nos atos públicos, não tem dúvida que estou com o povo brasileiro. No entanto, há os mais ingênuos, os que não se detêm a refletir, os que seguem enganados, achando que o “Governo Bolsonaro vai dar um jeito nesse país”, e é para esses que também escrevo. Pra mim não são maus. Só ainda não entenderam, perdidos entre as versões mais loucas, que incluíram um delírio chamado “mamadeira de piroca”, coisa que até numa ficção teria dificuldade de credibilidade.

    Quando se tem um governo que não se incomoda com o sofrimento e o homicídio de sua população jovem pobre, que não se comove com seus velhos, que tira direitos, aposentadorias e cidadanias, que ataca os defensores das matas e das populações ribeirinhas, como o “Saúde e Alegria” e vários guardiões, que não se importa com a alta taxa de desemprego, que não reconhece a metástase do racismo apodrecendo o nosso corpo social, que desfaz do nordestino construtor destas metrópoles todas, que faz declarações homofóbicas e desfila atitudes que autorizam tais crimes, não se pode esperar que venha paz dessa gestão. Como viria? Eu pergunto. Como haverá paz com o aprofundamento da desigualdade? Que matemática nos convencerá?

    Nos trabalhos que fazemos, nós da Casa Poema, junto à OIT e aos Ministérios Públicos do país, dentro da sócio-educação, fica tão claro que a condenação só bate no lombo de quem sempre apanhou. Nas cadeias, nos morros, nos hospitais públicos, como se fosse um “blackout”, só se vê a maioria negra. E isso não é coincidência. Nada por acaso. A maioria dos santos católicos é branca e chegaram ao cúmulo de embranquecer as imagens dos orixás. Não há limite? As 7 crianças mortas nas comunidades cariocas dentro de um governo que toda hora fala em nome de Deus e da Família são todas pobres e negras. Seria coincidência? Nenhuma delas tem sobrenome importante e por isso não virou um escândalo seu extermínio. Então os que postulam e aprontam em nome de Deus enfiaram em que parte o “Vinde a mim as criancinhas…” Ninguém percebeu que, com o aumento da desigualdade, não haverá proteção de nenhuma parte? O Deus citado está sabendo disso? Fake news com a palavra de Deus????!

    É surreal que eu esteja escrevendo essas linhas. É absurdo que um desembargador do tribunal regional federal cite meus versos, se arriscando a cometer tamanho equívoco, uma vez que está em todas as minhas redes exposto o meu pensamento comprometido com o bem estar e contra a imensa desigualdade que oprime e maltrata o povo brasileiro. A citação do meu poema é um mico. Sou aquela que puxou a campanha #votecomumlivro no professor Haddad, sou aquela que se sente envergonhada a cada declaração dos representantes desse governo no cenário internacional. Sou aquela que acha Lula inocente e o melhor presidente até agora nesta terra só de elites no poder. Sou aquela que empresta sua voz todo o dia contra o feminicídio, contra o machismo tóxico, contra o racismo, em favor da diversidade. , é verdade, mas também faz uma bagunça na cabeça de quem tem dificuldade de ler esta doida realidade virtual, lugar em que a mentira se mimetiza em verdade e, o faz com tamanha desfaçatez, a ponto de relativizar o fato de haver ou não verdade naquela mentira vestida de verdade. É grave.

    Meu poema “Só de Sacanagem” sempre servirá à liberdade de pensamento, e jamais assinará embaixo qualquer forma de abuso ou de opressão. Mesmo tendo usado sem a minha permissão, sem autorização de imagem e voz de Ana Carolina que o gravou, o poema sobrevive firme e parece até uma sacanagem que seus usurpadores não o tenham compreendido. Parece uma piada. Provocaria risos se não fosse trágico. Talvez não se tenha percebido logo. Talvez os desavisados de plantão, na pressa de embaralhar as narrativas se atropelaram a tal ponto em usá-lo como exemplo que nem se aperceberam, e nem se sentiram atingidos pelas palavras.

    Está explicado então. Meu poema concordar com tais atrocidades não pode parecer o normal.

    Escrevo porque sei que “se a gente quiser, vai dar pra mudar o final”.

     

    Elisa Lucinda,quase verão, 2019

     

    Leia outras colunas de Elisa Lucinda:

    Elisa Lucinda: Quero a história do meu nome

     

    Elisa Lucinda: Cercadinho de palavras

     

    Elisa Lucinda: Quero minha poesia

  • Lula deu um nó nas forças do golpe neoliberal

    Lula deu um nó nas forças do golpe neoliberal

    Artigo de Rodrigo Perez  Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA, com foto de Francisco Proner

    Que Lula há muito tempo deixou de ser homem e se tornou uma instituição é consenso à direita e à esquerda. O que está em jogo, em disputa, é o significado da instituição, o que ela representa.

    Lula é o maior corrupto da história do Brasil ou a principal liderança popular que esse país já teve?

    A disputa está ai. No atual estado da situação não sobrou muito espaço para meio termo. Ou é uma coisa ou é a outra. Cada um que escolha seu lado.

    Na condição de instituição, todo gesto de Lula tem dimensão simbólica, é lido e interpretado por todos, por detratores e admiradores. Lula pega o microfone e o país paralisa em frente à TV. Os admiradores choram. Os jornalistas a serviço da mídia hegemônica silenciam. Ninguém fica indiferente a uma instituição desse tamanho.

    Lula sabe perfeitamente que está sendo observado, conhece muito bem o tamanho que tem e explora com extrema habilidade sua capacidade de fabricar símbolos.

    Aqui neste ensaio, trato de uma parte muito pequena da biografia de Lula, mas que talvez seja, na perspectiva simbólica, a mais importante. Talvez seja até mais importante que os oito anos de seu governo.

    Falo das 34 horas em que Lula esteve no sindicato dos metalúrgicos, sob os olhares do mundo, construindo a narrativa de seu próprio martírio.

    Não falo em “resistência”, pois desde a condenação no Tribunal da Quarta Região, em 24 de janeiro, que o destino de Lula já estava selado. Os advogados cumpriram sua função, recorrendo a todos as instâncias e tentando um habeas corpus, mas todos já sabiam que Lula seria preso.

    Por isso, seria ingênuo dizer que o que aconteceu em São Bernardo do Campo foi um ato de resistência. Lula é um político experiente demais para resistir em causa perdida.

    Alguns companheiros e companheiras, no auge da emoção, tentaram usar a força. Lula fugiu da custódia dos trabalhadores e se entregou à Polícia Federal, pois sabe que contra o braço armado do Estado ninguém pode. Lula sabe que aqueles que ali estavam eram trabalhadores e trabalhadoras, pais e mães de família. Não eram soldados. Não eram guerrilheiros. A resistência não era possível.

    Lula sabe que seria impossível sustentar aquela mobilização durante muito tempo e por isso não resistiu. Mas daí a se entregar resignado como boi manso para o abate a distância é grande, muito grande.

    Penso mesmo que Lula fez mais que resistir, já que a resistência seria quixotesca, irresponsável. Lula pautou a própria prisão, saiu da posição de simples condenado pela Justiça para se tornar o dono da narrativa. Lula foi sujeito do próprio encarceramento, deu um nó nas forças do golpe neoliberal.

    Muitos achavam que Lula deveria ter fugido para uma embaixada amiga e de lá partido para o exílio no exterior. Confesso que também pensei assim. Mas Lula é muito mais inteligente que todos nós juntos.

    Lula sabe que já viveu muito, sabe que não lhe sobra muito tempo de vida. O que resta agora é a consolidação da biografia, o retorno às origens, seu renascimento como ícone da esquerda brasileira, imagem que ficou um tanto maculada pelos oito anos em que governou o Brasil.

    É que no capitalismo não existem governos de esquerda. Governo de esquerda só com revolução e Lula nunca foi revolucionário, nunca prometeu uma revolução.

    Todo governo legitimado pelas instituições burguesas será sempre burguês. No máximo, no melhor dos cenários, será um governo de centro sensível às demandas populares. O lulismo foi exatamente isso: uma prática de governo de centro sensível às necessidades dos mais pobres. O lulismo transformou o Brasil pra melhor, com todos os seus limites, com todas as suas contradições.

    Mas para encerrar a vida em grande estilo carece de algo mais. Era necessária a canonização política. E só a esquerda canoniza líderes políticos. A direita é dura, cinza, sem poesia.

    O golpe neoliberal conseguiu reconciliar Lula com as esquerdas, o que há poucos anos parecia algo impossível de acontecer.

    É que pra ser canonizado pelas esquerdas nada melhor que ser perseguido pelo Poder Judiciário, habitat histórico das elites da terra. Basta lançar no Google os sobrenomes da maioria dos nossos juízes, procuradores e desembargadores e veremos os berços de jacarandá que embalaram os primeiros sonhos dos nossos magistrados.

    É claro que Lula não planejou a perseguição. É óbvio que ele não queria ser perseguido. Se pudesse escolher, estaria tendo um final de vida mais tranquilo, talvez afastado da política doméstica e atuando nas Nações Unidas. Mas já que a vida deu o limão, por que não espremer, misturar com açúcar, cachaça, mexer bem e mandar pra dentro?

    Lula fez exatamente isso: uma caipirinha com os limões azedos que seus adversários togados lhe deram.

    Primeiro, ele fez questão de esgotar todos os mecanismos legais. A sentença de Moro, os votos dos desembargadores, os votos dos ministros da Suprema Corte não são palavras ao vento. São “peças”, para falar em bom juridiquês, que ficarão arquivadas e disponíveis para a consulta, para análise.

    Imaginem só, leitor e leitora, os historiadores que no futuro, afastados da histeria e das disputas que hoje turvam nossos sentidos, examinarão a sentença de Sérgio Moro, verão que o juiz não foi capaz de determinar em quais “atos de ofício” Lula teria beneficiado a OAS para fazer por merecer o tal Triplex do Guarujá.

    É como se Moro estivesse falando: “Não sei como fez, mas que fez, ah, fez”.

    E o voto dos desembargadores do TRF-4, atravessados de juízos de valor, quase sem relar no mérito da sentença?

    E o voto de Rosa Weber? Por Deus, o que foi aquele voto de Rosa Weber?

    Sei que estou votando errado, mas vou continuar votando errado só porque a maioria votou errado. Uma maioria que só vai votar porque eu vou votar errado também.”

    Lula, ao se negar a fugir, obrigou cada um desses togados a deixar impressos na história os rastros da própria infâmia.

    Uma vez decretada a prisão, o que fez Lula?

    Deu um tiro no peito? Se entregou em São Paulo? Foi pra Curitiba? Fugiu?

    Não!

    Lula se aquartelou no sindicado mais simbólico da redemocratização brasileira, o sindicado que representa as expectativas que nos anos 1980 apontavam para um Brasil mais justo, mais solidário.

    No apogeu da crise que significa o colapso do regime político fundado na redemocratização, Lula decidiu encenar o seu martírio onde tudo começou.

    Naquele que talvez seja o último grande ato de sua vida pública, Lula voltou às origens.

    Protegido pela massa de trabalhadores, Lula não cumpriu o cronograma estipulado por Sérgio Moro. Cercado por uma multidão, o Presidente operário transformou o sindicato dos metalúrgicos numa embaixada trabalhista.

    A Polícia Federal, o braço armado do governo golpista, disse que não usaria a força. A Polícia Federal sabia que o povo resistiria, que sem negociação não tiraria Lula do sindicado sem deixar uma trilha de sangue.

    Lula negociou e, nos limites dados por sua posição de condenado pela Justiça, venceu e humilhou as instituições ocupadas pelo golpe neoliberal.

    Lula não estava foragido. O mundo inteiro sabia onde ele estava e mesmo assim o Estado brasileiro não foi capaz de prendê-lo no prazo determinado pela Justiça golpista. Durante um pouco mais de 30 horas, Lula foi um exilado dentro do Brasil, como se São Bernardo do Campo fosse um República independente, a “República Popular dos Trabalhadores”.

    Lula fez de uma missa em homenagem a Dona Marisa Letícia um ato político e aqui temos mais um lance simbólico do Presidente operário: restabeleceu as pontes entre a esquerda brasileira e a Igreja Católica, aliança que tão importante nos anos 1970, quando sob as bênçãos da Teologia da Libertação foi fundado o Partido dos Trabalhadores.

    No palanque, junto com o padre, estavam Lula e as futuras lideranças da esquerda brasileira. Lula dividiu seu espólio em vida, tomou pra si esse ato mórbido ao abençoar Boulos, Manuela e Fernando Haddad.

    Lula unificou em vida a esquerda brasileira. Não só unificou, mas pautou, apresentou o programa, cantou o caminho das pedras.

    Lula deixou claro que o povo mais pobre precisa comer melhor, precisa consumir, viajar de avião, estudar na universidade. Lula, o operário que durante a vida inteira foi humilhado por não ter diploma de ensino superior, foi o professor de milhões de brasileiros que sonham com um país melhor.

    É como se Lula estivesse dizendo: “Num país como o Brasil, a obrigação mais urgente da esquerda é transformar o Estado burguês em agente provedor de direitos sociais”.

    Lula discursou durante uma hora em rede nacional, se defendeu das acusações. Não foi uma defesa para a Justiça, mas sim para o tribunal moral da nação. Não foi um discurso para o presente. Foi um discurso para a história.

    Não, meus amigos, acuado pelas forças do atraso, Lula não deu um tiro no próprio peito.

    Lula mandou trazer cerveja e carne e fez um churrasco com seus companheiros e companheiras. Foi carregado pelos seus iguais, foi tocado, beijado. Saliva, suor, pele.

    Lula não deu um tiro no próprio peito.

    Getúlio é gigante, sem dúvida, mas também era herdeiro das oligarquias. Lula é o único trabalhador que, vindo da base da sociedade, conseguiu governar e transformar o Brasil. Lula já é maior que Getúlio.

    Diferente de Getúlio, Lula entrou pra história sem precisar sair da vida.

  • “Vou pra Porto Alegre, tchau!”

    “Vou pra Porto Alegre, tchau!”

    Por Lais Vitória Cunha de Aguiar, especial para os Jornalistas Livres

    Três ônibus com cerca de 200 pessoas saíram do ponto de encontro, o Hotel Nacional, para Porto Alegre, em meio a férias de janeiro. Brasília, sendo uma cidade administrativa, torna-se vazia em férias. Que evento poderia reunir 200 pessoas de todo o entorno do Distrito Federal para viajar em pleno janeiro, e, ainda mais para uma viagem com cerca de 36 horas?

    O julgamento de um dos maiores líderes da América Latina é suficiente para tanto: Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente com mais de 33 títulos de doutor honoris causa, e, mais importante do que qualquer título, o homem que retirou milhões de brasileiros da miséria.

    Cada um dos militantes das mais distintas categorias presentes na Caravana sabia o propósito daquele julgamento: retirar o Lula da disputa presidencial de 2018. Por isso, todos gritavam “Eleição sem Lula é Fraude!”

    Todos os ônibus foram pagos pelos próprios militantes: a cada 13 camisetas vendidas, um militante ia a Porto Alegre. Foram tantas vendas que afinal cerca 200 militantes conseguiram ir. Vocês tem ideia de quantas pessoas se mobilizaram para que tal fato ocorresse?

     

    Contando com militantes de diversos movimentos sociais, foi uma caravana repleta de diversidade, mas que no conjunto formava um panorama bem conhecido: a sociedade brasileira, bem ao contrário daqueles que julgaram Lula, em sua maioria homens brancos de classe média alta.

    O começo da viagem não apresentou grandes dificuldades ou diferenças em relação a qualquer outra viagem de ônibus. Teve gente que leu, dormiu, cantou. Eu diria, porém, que a ansiedade para chegar a Porto Alegre no dia 23 e acompanhar o julgamento permitiu que uma aura de tensão se instalasse por toda ida.

    Para piorar a tensão, o nosso ônibus quebrou no meio da estrada, na divisa entre São Paulo e Paraná. Como sempre é possível agravar a situação, não havia sinal de celular. Estávamos incomunicáveis, totalmente sem serviço.

    Um dos outros ônibus foi muito solidário ao nosso infortúnio. Parou também e nos fez companhia, enquanto iam buscar o necessário para consertar a corrente, ou seja, durante as três horas em que permanecemos conversando, estendendo faixas contra a condenação do Lula.

    As reações dos muitos caminhoneiros que passaram por nós foram interessantes. Como disse um colega, “se dependesse dos caminhoneiros o Lula já estava eleito”, o que  me deixou surpresa, afinal foram os caminhoneiros que fizeram uma grande greve contra a Dilma pouco tempo antes do golpe do impeachment. Na maioria das vezes em que passava um caminhoneiro, ele buzinava para nós.

    Os xingamentos foram bem escassos, ainda mais que os militantes ali presentes eram em parte do NDD, Núcleo Pela Democracia que se reúne todas segundas feiras na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em frente ao Palácio do Planalto, para denunciar o golpe. Na Praça dos Três Poderes sim, recebemos muitos xingamentos e poucas buzinadas simpáticas. Por isso mesmo, a cada buzinada o povo vibrava.

    A nossa água estava acabando, não havia comida, não havia um posto próximo, havia somente mato ao nosso redor: mesmo assim as faixas de apoio ao Lula permaneceram estendidas, seguradas por militantes, durante as três horas que permanecemos esperando pelo conserto do ônibus.

    Por coincidência a equipe dos Jornalistas Livres passou por nós, filmando em parte a alegria dos militantes que puderam ir a Porto Alegre, defender o Lula com sua presença e energia, a maior arma de quem não encontra sua voz representada nas instâncias do poder. Abaixo o vídeo dos Jornalistas Livres:

    Depois da imprevista parada de três horas, ainda tivemos que enfrentar uma chuva bem forte, o que fez com que fôssemos a uma velocidade bem menor. Ao chegarmos a Porto Alegre fomos tomar banho no clube da Caixa,  depois passamos pelo acampamento formado pelos movimentos sociais especialmente para o evento do dia, com Lula, e um dia depois, no julgamento.

    Assim que chegamos fomos para o evento com Lula,  lá encontramos uma senhora, vendedora de água e guarda-sol, que nos contou que não perdia um evento para defender Lula ou Dilma.

    Nós chegamos cedo, conseguimos acompanhar a marcha da Juventude Revolução até a Esquina Pela Democracia, no centro de Porto Alegre, um local simbólico da luta gaúcha pela Legalidade, durante a tentativa de golpe contra João Goulart, em 1961. Horas antes do discurso de Lula, o local já estava bem cheio. Algumas horas depois, não teria nem como se mover. Nós não conseguimos voltar para onde estávamos antes, por causa da incrível quantidade de pessoas (a Brigada Militar calculou em 70 mil manifestantes e os organizadores do ato, em 100.000. Era gente demais, então ficamos ouvindo todos os discursos na lateral, que também estava cheia, já que o evento não tomou apenas uma rua, mas todas as ruas próximas ao Mercado Municipal de Porto Alegre. Era muita gente.

    Caravana de Brasília no acampamento do MST, em Porto Alegre

    No dia 24, dia do fatídico julgamento, às sete da manhã, já estávamos no acampamento acompanhando as atividades. Sendo manhã bem cedo, pudemos ver gente do Nordeste e do Sul se juntando para cantar suas músicas típicas. Vimos um senhor tocando músicas que compôs na época da ditadura e explicando o significado para uma roda de jovens a sua volta.

    Depois houve uma reunião da juventude Mudança, que me deixou esperançosa e triste ao mesmo tempo: é muito bom ver  uma juventude de esquerda unida, de várias partes do Brasil, pensando em como transformar realidade da política.

    O mais interessante dessa reunião foi, sem dúvida, a fala do Patrick, de Minas, que apontou um problema específico, mas que se apresenta plural:  a política em geral não consegue chamar hoje o jovem da periferia, seja de esquerda ou direita. Esse é um papel que acabou sendo em boa parte assumido pelo crime organizado, que concede ao jovem a esperança de uma vida melhor por meio da venda de drogas. O crime organizado vende uma ideologia de individualismo, a qual o jovem compra com facilidade. Como ele pontuou: ‘A CUT não consegue parar o Brasil hoje, mas o PCC consegue.’

    Nessa reunião, após a fala de todos, como encaminhamento ficou decidido que iríamos fazer uma mesa sobre o assunto no Fórum Social Mundial, que nesse ano ocorrerá em Salvador do dia 13 a 17 de março.

    Apesar da tristeza com relação ao resultado do julgamento, era óbvio que o judiciário iria julgar Lula de forma injusta. Quantos Lulas não são presos todos os dias por roubar um pão, por fome? Imagine o que esses homens que prendem pessoas com fome não iriam fazer com um que defende as pessoas que eles prendem? Aqueles que os ditadores de toga não prendem são justamente os que se identificam com eles: a classe alta com contas na Suíça, os políticos com aviões de droga…

    Ao voltarmos para Brasília, ao menos o ônibus não quebrou. Nós pudemos, todavia, ouvir ao rap de alguns companheiros –Sander, Victor e Emerson– sobre a viagem. Termino aqui com o relato deles, que demonstra que ainda existe uma juventude de esquerda pronta para lutar pelo que acredita:

     

  • O TAMANHO DO GOLPE

    O TAMANHO DO GOLPE

    Por Leandro Pedrosa, especial para os Jornalistas Livres

    Inconformados com a farsa indecente do tribunal de Porto Alegre, representantes da oposição têm pregado a desobediência civil como arma de resistência. Em outras palavras, não dá para aceitar que as instituições ditas democráticas atuem contra o povo de forma tão descarada. E é fato: confrontadas com qualquer pesquisa de opinião, as medidas da quadrilha de Michel Temer, do Judiciário desacreditado e do Congresso movido a dinheiro grosso vão em sentido completamente oposto ao que o Brasil deseja. Por que então respeitá-las?

    O raciocínio está certo na essência, mas as ideias só se tornam uma força de mudança ou expressão material quando ganham as grandes massas. Sem isso, viram gritos parados no ar, teses de academia ou expedientes para ilustrar biografias timoratas.

    Cabe reconhecer que a gangue golpista vem impondo derrotas institucionais ao povo, uma atrás da outra. Derrubou uma presidenta eleita, impôs uma reforma patronal apelidada de trabalhista, trama o fim da aposentadoria, vem entregando a principal riqueza nacional aos tubarões das finanças internacionais, blinda nos tribunais a direita –principalmente de plumagem tucana — e espera guilhotinar a maior liderança popular da história do país diante do espanto mundial.

    Lula é condenado por ter um imóvel que não é seu, por lavar um dinheiro que não apareceu, por atos que são desconhecidos (“indeterminados” na palavra dos algozes) e é tratado como um fugitivo sem nunca ter fugido. Ninguém se engane: o plano, o desejo dos títeres que tomaram de assalto as três esferas de poder, sob comando do capital internacional e tendo como porta-voz a mídia tropical –o plano e desejo deles é encarcerar o líder disparado nas enquetes sobre as eleições de 2018 para sufocar na masmorra o sonho de qualquer um que imagine um país próspero, menos desigual e soberano nas suas decisões.

    A ofensiva dos meios de comunicação apodrecidos não deixa dúvidas. Após o julgamento, os donos dos ditos grandes jornais e das redes de TV riem às gargalhadas. Surrupiando um espaço de concessão pública, alimentados por isenção de tributos e empanturrados com o dinheiro da publicidade paga com impostos de todo o povo, esses abutres de ofício fazem troça das vozes que se insurgem contra o estado de exceção. A máfia dos Marinhos, a irmandade Frias, os Mesquitas falidos, os Civita de aluguel, os Saad “terratenientes” e colunistas a seu serviço oferecem como prêmio de consolação ao povo uma “democracia” em que eles escolhem quem pode ou não participar.

    A resposta a isso, porém, não pode ser apenas a verborragia radicalizada, sob pena de se cair no jogo do adversário. É preciso ganhar a adesão MILITANTE dos milhões de desempregadas e desempregados, dos jovens privados do futuro, dos trabalhadores lançados à condição de boias-frias “legalizados”. Cumpre organizar a resistência, e para isso não basta discurso.

    Os responsáveis por transformar em “força material” a insatisfação generalizada têm que tomar consciência da sua responsabilidade. De nada adianta anunciar “greve geral” a cada duas semanas, como se as lideranças sindicais brasileiras fossem capazes, como as argentinas, por exemplo, de colocar do dia para a noite trezentas mil pessoas nas ruas em manifestações. Essa prática ufanista só faz desmoralizar as forças progressistas.

    Um metalúrgico, bancário, comerciário precisa ser conquistado no seu lugar de trabalho; um jovem, no seu local de estudo; os desempregados, nos bairros em que vivem. Pergunta: quanto comitês em defesa de Lula, de adesão ao abaixo-assinado por eleições sem fraude, de rejeição à reforma patronal e contra o fim da aposentadoria foram criados pelos burocratas especializados em bradar greve geral e desobediência civil? A resposta todos sabem e já diz tudo sobre o momento atual.

    As mudanças são feitas por cidadãos de carne e osso, que têm compromissos com a família, medo de perder o emprego, de deixar de prover seus filhos e, isto mesmo, de sair em campo colocando em risco a própria vida diante do monopólio das armas nas mãos dos golpistas. Cada um destes brasileiros precisa estar convencido de que é possível ganhar porque, além de a causa ser justa, não está sozinho. Um empregado numa fábrica precisa saber que seus companheiros de trabalho estão juntos com ele neste combate. Isso só se faz com organização cotidiana.

    Os golpistas sabem disso, tanto que operam incessantemente para desmoralizar a resistência. Além da lavagem cerebral diária praticada pela mídia calhorda, trataram de cortar os fundos da imprensa independente, asfixiar financeiramente os sindicatos e humilhar, pelo desemprego seletivo, as correntes de oposição.

    Os dirigentes progressistas devem demonstrar nos atos que percebem o tamanho da batalha. A vitória não está garantida automaticamente porque o “povo é contra”. Menos conversa e mais trabalho. Na base, no chão de fábrica, não nas saletas refrigeradas de lideranças sindicais e parlamentares que já têm a vida ganha no fim do mês. Lula é um exemplo a ser seguido. Poderia muito bem refestelar-se no conforto à base de palestras e convites dignos de quem deixou o governo com quase 90% de popularidade. Mas não. Viaja pelo país de ônibus, sem benesses materiais ou qualquer outro conforto, sempre para se manter ligado ao povo.

    Cara a cara. Olho no olho. Lado a Lado. Este é o caminho; o resto é derrota garantida.