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  • Vitória Trans: STF garante efeitos do PL João Nery

    Vitória Trans: STF garante efeitos do PL João Nery

    Uma grande vitória foi comemorada por todo o movimento LGBT, na última quinta-feira, 1. As travestis e transexuais ganharam no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de alterar o nome e o gênero no registro civil mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. Assim, a decisão da Suprema Corte garantiu os efeitos do Projeto de Lei João Nery, de autoria dos  Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Érika kokay (PT-DF), que tramita desde 2013 na Câmara.  

    Todos os ministros da Corte reconheceram o direito, e a maioria entendeu que, para a alteração, não é necessária autorização judicial. Votaram nesse sentido os ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e a presidente da Corte, Cármen Lúcia. Ficaram vencidos, nesse ponto, o ministro Marco Aurélio (relator), que considerou necessário procedimento de jurisdição voluntária (em que não há litígio) e, em menor extensão, os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que exigiam autorização judicial para a alteração. 

    Essa era uma reivindicação urgente, já que muitas pessoas trans não dispõem de recursos para as cirurgias exigidas ou simplesmente não desejam realizá-las. Além disso, juízes conservadores ou que deliberadamente confundiam suas fés particulares com exercício de julgar vinham botando obstáculo para garantir a cidadania das pessoas trans. 

     

    Mesmo com a lentidão já conhecida da Justiça, o STF foi mais rápido do que o Congresso em garantir esse direito da população trans. Desde 2013, tramita na Câmara o projeto de Lei João Nery (5002/2013), que nunca entrou na pauta para ser votado ou debatido, mesmo sendo uma reivindicação ampla do movimento LGBT organizado. O conservadorismo da maioria dos parlamentares na Câmara dos Deputados nunca deixou a proposta de Jean Wyllys e Érika Kokay avançar. 

    Jean Wyllys quer ampliar direitos garantidos pelo STF com Lei. Foto: PSOL na Câmara

    De acordo com um dos autores do PL, o deputado federal Jean Wyllys, a única ressalva que deve ser feita é que o projeto ainda prevê coisas que não foram deliberadas na ação do STF. “O acesso à hormonoterapia, às cirurgias de redesignação através do SUS, verbas para educação e cultura e a criação de um programa nacional que estude e planeje ações para reduzir o preconceito contra as pessoas trans também estão previstas”, observou. 

    A presidente da associação Nacional de Travestis e Transexuais, Keyla Simpson, e suas amigas incendiaram os laudos que tratam suas identidades de gênero como doença, após a decisão do STF. Um gesto simbólico que significa a queima das amarras da patologização e da estigmatização anticientífica contra as pessoas trans. Um grito de liberdade e de visibilidade. Confira o vídeo: 

     

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/1720656314649035/

     

    De acordo com a ativista trans Alessandra Ramos, que comentou a decisão do STF ao vivo para os Jornalistas Livres, mudar o nome é uma das coisas mais importante para as pessoas trans. “Ao fazer isso, o Estado brasileiro reconhece que ser travesti, transexual e transgênero não é algo do outro mundo e reconhece institucionalmente a nossa existência. Isso é o primeiro passo para sermos respeitadas e respeitados e possamos lutar por mais direitos”, destacou.  

  • VISIBILIDADE TRANS

    VISIBILIDADE TRANS

    Reportagem de Marcela Marcos, especial para os Jornalistas Livres

    Evento em São Paulo discute – e ressignifica – o conceito de ‘família’

     

    No último dia 29 de janeiro de 2017,  foi celebrado o Dia da Visibilidade Trans e uma série de eventos aconteceu pelo país, antes e depois da data, para marcar sua importância. Os Jornalistas Livres estiveram em um deles, intitulado “Família Trans”, um debate que ocorreu no centro da capital paulista, articulado pelo organizativo Transidentidades. O ato, marcado para discutir o conceito de “família”, deu voz à vivência de pessoas homossexuais, transgênero e intersexo (termo que abrange condições variadas em que uma pessoa nasce com determinadas características, reprodutivas ou sexuais, que não se encaixam na definição típica de sexo masculino ou feminino).

    A mesa teve a mediação de Amiel Modesto, intersexo, de família evangélica, que nasceu com sexo misto, chegou a ser registrado com identidade masculina, mas, por intenção dos médicos e de seus pais, foi “corrigido” para o sexo feminino. “Durante muitos anos eu tive um questionamento interno por não saber discernir quem eu era. Quando eu falei pra minha família que tinha tendências bissexuais, ouvi: ‘Eu não te criei pra isso. Te criei para casar, ter filhos, constituir família”. Ao decidir assumir a identidade masculina, aos 34 anos, Amiel sofreu com a rejeição dos parentes, precisou sair de casa e só não sucumbiu ao abandono completo porque contou com a ajuda do que considera sua verdadeira família, aquela que ele escolheu: seus amigos. “Aquela casa não me compreendia, eu me sentia oprimido naquele lugar. Era como se estivessem, todo dia, me acusando. Quem me acolheu e me aceitou foram os meus amigos”.


    Assim como Amiel (que, entre tantas lutas diárias, também enfrenta o desemprego), o pedagogo transexual Lênin Viana encontrou forças nas amizades que construiu para se desconstruir e se reconstruir como homem trans, após ter sido casado e ter dado à luz três filhos (que o apoiam incondicionalmente). Nascido em uma cidade pequena, também em berço religioso, atribui à não-aceitação dos familiares, principalmente da mãe, o fato de permanecer por anos “sem poder estar vivo”. “Eu abomino essa ‘instituição família’. Quando eu falo a palavra ‘família’, eu lembro exatamente desse modelo criado a fim de atender o interesse do capital, no sentido patriarcal mesmo, que começa com o controle do corpo da mulher e que estabelece essa relação de poder. Todos os dias, travestis, lésbicas, gays, negros são mortos por pessoas ditas ‘de bem’. Eu não ouço falar que somos nós que matamos”, disse, acompanhado pelos filhos, o educador.

    De acordo com a agência internacionalTrans Respect Versus Transphobia Worldwide, mais da metade dos homicídios de transexuais no mundo ocorrem no Brasil. Dentro do país, a realidade é igualmente alarmante: entre janeiro e dezembro do ano passado, foram registradas 343 mortes de LGBTs, tornando o ano de 2016 o mais violento desde 1970, segundo dados do GGB (Grupo Gay da Bahia). As estatísticas preocupantes não param por aí. Uma pesquisa da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) revelou que 90% das travestis e pessoas trans estão se prostituindo no Brasil. Se a discriminação por parte dos empregadores formais não for a única razão pela qual isso acontece, é certamente um dos principais motivos.

    Prostituir-se foi a maneira que Anita Silvia, cadeirante, negra e transexual, encontrou para tentar sobreviver.  Abandonada pelos pais assim que decidiu assumir sua identidade feminina, sofreu – e ainda sofre – com a rejeição contínua de uma sociedade que tenta coloca-la, junto a tantas e tantos parceiros de luta, à margem. “Se eu pudesse escolher, eu não teria nascido transexual”.

    Graças às redes de fortalecimento e amizade e a pessoas como Ana Luisa de Abreu, que integra o organizativo Mães Pela Diversidade, não vai ser mais tão fácil invisibilizar pessoas trans e calar sua voz. Ela é mãe de Juliana, jovem transexual que sofreu bullying em vários colégios por onde passou, pelo simples fato de ser diferente. “Se eu não fizer por ela, ninguém vai fazer”, afirma a Mãe, assim, com letra maiúscula, que em momento algum deixou de apoiar a filha. “É um amor tão grande que une a gente, que eu penso, como é que pode uma pessoa não aceitar a outra do jeito que ela é?”.

    É na luta por aceitação, por um questionamento do conceito de “família tradicional brasileira” que, como tantos outros meros conceitos nos é imposto, que o organizativo Transidentidades promete mais reuniões como essa. E, se dessa vez, foi o centro da megalópole que os acolheu, o centro de São Paulo foi o lar dessa rede de fortalecimento, haverá uma expansão. “Uma das coisas que nos cobramos muito é que essas rodas de conversa vão para a periferia. Essas pessoas (das regiões periféricas) precisam escutar, se libertar, saber que nós existimos e que estamos do lado delas e que elas não estão sozinhas”, diz Elvis Justino, do grupo LGBT Família Stronger.

    Nosso desejo é que as mãos estejam dadas, apertadas, porém livres, nessa corrente de família que se escolhe. Como disse Ana Luisa Abreu, a mãe que, apoiando a uma, fortalece a todos e todas a outras, “a sociedade é colorida, mas todo mundo vê cinza”. No centro da selva de pedra e concreto, em meio aos muros cinzentos, um arco-íris se impõe, colorindo as várias nuances: de gente, sexo, gênero, fé. De escolhas, afinal.

  • Primeiro ‘DebateBoca’ entre candidat@s transexuais faz história     

    Primeiro ‘DebateBoca’ entre candidat@s transexuais faz história     

    Por Leo Moreira Sá e fotos de Lina Marinelli, especial para os Jornalistas Livres

    O DebateBoca fez história ao realizar o primeiro debate entre candidat@s trans a vereador@s de São Paulo. Produzido pela Rede Jornalistas Livres e mediado pela jornalista Larissa Gould, o encontro aconteceu no dia 03 de agosto no teatro Heleny Guariba, reunindo fortes candidat@s de linhas políticas antagônicas: a professora de filosofia Luiza Coppieters (Psol) e o ator Thammy Miranda do Partido Progressista (PP). Num momento em que fundamentalistas religiosos e políticos ultraconservadores trabalham para minar direitos adquiridos e barrar o avanço dos movimentos sociais, o protagonismo de travestis e transexuais na arena política se mostra extremamente importante.

    “O papel de uma vereadora que tem um gabinete na Câmara Municipal, que tem quase o mesmo poder de um deputado federal, é se colocar como interface das pessoas, de movimentos sociais, que tem demandas políticas, demandas no campo do trabalho, saúde, educação e da renda, para que aí sim a gente se fortaleça. “disse em seu discurso de apresentação a professora de filosofia Luiza Coppieters. Muito bem articulada, defendeu com maestria sua posição política baseada na ideia de que uma candidatura para ser legítima deve ser reconhecida pela comunidade para a qual se deseja fazer representar.

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    Ativista transfeminista lésbica, Luiza mantém um diálogo intenso não só com a comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans mas também com a comunidade de mulheres lésbicas e bissexuais . Seu partido abriga Jean Wyllys, o único deputado federal assumidamente gay do Brasil e atualmente conta com cerca de 9 candidat@s e pré-candidat@s travestis e transexuais a vereador@s em todo país.

    Em contraposição, o PP abriga figuras deploráveis do cenário político brasileiro, como Paulo Maluf, e já foi ninho de Jair Bolsonaro, agora membro do PSC, o pior inimigo da comunidade LGBT. O PP também foi parte da base de apoio à ditadura militar, quando se chamava ARENA.

    “Não sou político e nunca fui, e se eu entrar (como vereador) também não serei. Deixei de fazer uma novela, para fazer algo pelo povo.”
    Com essas palavras, apoiado em seu capital de celebridade midiática, o ator carioca Thammy se lança candidato a vereador de São Paulo depois de recusar um papel oferecido pela dramaturga Glória Perez em sua nova novela que será lançada em 2017. Ele justificou sua decisão dizendo que se fizesse a novela estaria beneficiando a si próprio e se lançando candidato teria a possibilidade de “fazer algo pelo povo”.

    Indagado pela candidata do Psol sobre como ele faria para construir suas plataformas dentro de um partido que tem uma posição de direita conservadora, com um histórico de alianças com fundamentalistas religiosos e políticos interessados em barrar o avanço das conquistas de direitos humanos das ‘minorias’ em especial da comunidade LGBT, ele respondeu que “pra mim não tem partido, tem o que eu penso.”

    Alexandre Peixe, membro do IBRAT – Instituto Brasileiro de Transmasculinidade e da ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, disse que nenhuma das entidades que representam a comunidade T foi procurada pelo candidato do Partido Progressista.

    “Pra mim pessoalmente e como membro do IBRAT ele não representa os homens trans. Ele não está preparado e não sabe nem o que está fazendo aí. Ele não sabe o que é ser político, porque não dá para dizer que você vai entrar na política sem ser político. Ele será engolido e será massa de manobra do partido para conseguir votos para a legenda”,  declarou Alexandre Peixe

    Captura de Tela 2016-08-11 às 13.02.57Érick, um dos gêmeos criadores da página “Moça, você é machista”, compartilha da mesma opinião:

    “Eu acredito que o Thammy Gretchen não representa os homens trans porque ele não entende a demanda, não dialoga com a militância. Ele tem uma outra visão de vida porque ele veio de uma outra realidade. Achei que ele foi péssimo (no debate) e a priori me parece uma pessoa muito despolitizada”

    Em seu discurso politicamente bastante limitado, Thammy Miranda utiliza sempre o “eu” e em nenhum momento fala em “nós”: “eu não vou mudar meu jeito pra agradar ninguém, meu jeito é assim mesmo”. Quando fala da comunidade que deseja representar ele diz “os transexuais”, “os homens trans”. Quer impor uma candidatura que não se legitimou porque não se aproximou do movimento social e não ouviu seus pares políticos. Está num partido que tem um histórico ultraconservador e que tem se aliado aos fundamentalistas religiosos em várias situações. Se vale de uma espécie de “culto à personalidade” – dispositivo bastante usado em ações políticas autoritárias, e infelizmente tem grande possibilidade de arrecadar muitos votos para o seu partido.

    O coordenador nacional do IBRAT, Lam Matos também se mostrou muito preocupado depois do debate. Disse que o Thammy está despreparado, que não tentou se atualizar com o movimento social e apenas ouviu alguns homens trans que não são da militância. Pontuou que é uma pena ele não não ter se aproximado para ouvir a comunidade trans porque com sua visibilidade e espaço na mídia ele poderia ajudar muito.

    “Ele está na beira de causar um desastre com isso tudo. Ele não representa os homens trans, ele não tem uma articulação com a gente e é muito inexperiente, Essa inexperiência pode atrapalhar muito o movimento de homens trans nacional e dentro de São Paulo. Eu estou muito preocupado com o que pode acontecer depois desse debate.” desabafou Lam Matos.