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Tag: Tragédia de Mariana

  • Mariana e a Síndrome de Estocolmo

    Mariana e a Síndrome de Estocolmo

    No dia 5 de novembro de 2015 o planeta Terra chorou a ganância do homem quando 60 milhões de metros cúbicos de lama química correram ao longo dos 700 km, entre o local da ruptura da barragem de Fundão e a foz do rio Doce, no Espírito Santo, causando danos ambientais e sociais irreparáveis para o Brasil.

    A jornada é pelo Rio Doce junto com o Eduardo Marinho – artista de rua e Isadora Zardin – fotógrafa, na Kombi chamada Celestina.

     

    Depois de 22 dias entre Maringá – RJ e Mariana – MG, com três paradas no mecânico, pois Celestina resolveu adoecer, três dias dormindo no Graal da Dutra com a Kombi quebrada, começa efetivamente uma jornada que me levará até a foz do Rio Doce, que deixou de ser doce para ser morto, em Linhares, no Espírito Santo. Uma investigação sobre os danos sociais e ambientais causados pela Samarco ao longo dos povoados que margeiam o rio.

    Dia 6 de Março, saio pelas ruas de Mariana, procuro sentir a cidade, entender as histórias e perguntar o que você sente em relação à Samarco. Surpreendo-me com as respostas, coitada da Samarco. Reflito. Como uma empresa pode receber um sentimento relacionado ao ser humano, como uma companhia especializada em mineração pode ser considerada coitada?

    Compreendo que o genocídio financeiro e cultural são as estruturas fundamentais para o processo de dominação de um povo. De acordo com Renato Cidrack, professor de história do Estado de São Paulo, “vivemos um sistema planejado e eficiente para adestrar, amansar, controlar e destruir”. Para chegar a esse trunfo é preciso também realizar a famosa lavagem cerebral. Entendo que em Mariana há uma ordem inversa, estou naquele local onde a culpa é da vítima, onde a síndrome do Estocolmo prevalece.

    Síndrome de Estocolmo é o nome dado para um estado psicológico particular em que uma pessoa, quando submetida à intimidação, passa a ter simpatia por quem a agride. São processos psíquicos inconscientes aliados a pequenos gestos gentis por parte dos agressores que fazem a pessoa não ter uma visão clara das ameaças. Situação típica em Mariana.

    A população local não fala sobre mineração. Quando abordados sobre o assunto Rio Doce, logo explanam sobre as dificuldades financeiras da cidade, a falta de emprego e a queda na economia. Vendas sutilmente colocadas nos olhos do povo local para que o medo prevaleça e os faça clamar, volta Samarco. Deixá-los financeiramente e emocionalmente instáveis são estratégias usadas pela mineradora. A diversificação econômica do município nunca foi levada em consideração pelos políticos locais, convenientes em servir aos interesses das multinacionais.

    Já os atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo não falam muito, tentam passar despercebidos, há um entendimento que eles são os culpados pelas portas fechadas da Samarco, há acusações de que receberam mais do que tinham, como se micro-ondas, computadores ou aluguéis duzentos reais mais caros pudessem reparar as histórias levadas pela lama química.

     

    Uma parte da população culpa os atingidos pela drástica questão econômica que a cidade vive, não há entendimento que isso faz parte da estratégia de sobrevivência das mineradoras nas pequenas cidades. Minar qualquer outro tipo de fonte de renda e criar com o passar dos anos, a dependência econômica do município e a emocional da população, assim se tem um povo rendido à exploração travestida de caridade.

    A questão do silêncio é enorme por aqui, nem a universidade local se dá ao trabalho de envolver os universitários nas questões ligadas a mineração e as compensações ambientais e econômicas que deveriam ser de responsabilidade dessas exploradoras. Estudantes do curso de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP até fizeram uma publicação sobre o Rio Morto, mas não passou de uma edição especial da Revista Curinga, em 2016.

    Mineradoras não dão esmolas à população, elas desenvolvem uma atividade econômica onde se retira muito dinheiro, são mais de 500 anos escoando as riquezas do Brasil para outros países. Gerar emprego não é favor à população. As empresas precisam dos empregados para extraírem e explorarem as minas, mãos de obra são massas necessárias para que o corporativismo continue comprando o Brasil e seus políticos.

    Coincidentemente um levantamento feito pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, em 2015, mostrou que as mineradoras ocuparam o quarto lugar na lista de maiores doadores da penúltima campanha eleitoral, já que na última eleição foram proibidas as doações feitas por empresas.

    As primeiras posições são ocupadas respectivamente por companhias das áreas de alimentação, bancos e construções, juntas elas doaram R$ 32,7 milhões para os 15 partidos que disputaram uma vaga na câmara dos deputados por Minas Gerais, Pará e Bahia, as maiores especulações minerais do país. Vale ressaltar que somente a Samarco, responsável pelo maior dano socioambiental do Brasil, doou 22,6 milhões para políticos. Um jogo fácil de entender. Eu te coloco lá e você não me tira de cá.

    Pelas ruas de Mariana se vê a supremacia da exploração da Samarco marcada por um silêncio constrangedor.

  • Água contaminada é distribuída a população na bacia do rio doce

    Água contaminada é distribuída a população na bacia do rio doce

    Reportagem especial da cobertura da Marcha realizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens, um ano após a tragédia de Mariana (MG), que refaz o trajeto da lama de Regência (ES) até a barragem em Minas Gerais.

    Foto: Lidyane Ponciano/ CUT Minas
    Foto: Lidyane Ponciano/ CUT Minas

    A pequena comunidade do Vale do Aço mineiro é uma das 11 cidades que continuam sendo abastecidas pela água do Rio Doce depois do rompimento da Barragem de Fundão em Novembro do ano passado. Situado as margens do rio, o vilarejo possuí uma estação de tratamento de água que supostamente a tornaria própria para consumo humano. No entanto, a população permanece receosa em relação a qualidade do que saí de suas torneiras.

    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA

    “Olha minha mão!” exclama Sueli, mostrando as palmas descamadas pelo rejeito. Ela diz que só molha as mãos com a água do rio ao lavar suas roupas, mesmo assim isto já bastou para manchá-las. “Eu até já liguei há pouco tempo para a Samarco e o cara falou que a água aqui é potável. Eu disse para ele vir aqui e beber da minha torneira que eu quero ver.”

    Todos da comunidade se recusam a beber a água ou usá-la no preparo de alimentos. E não é por menos, em Agosto deste ano, um laudo técnico do Ministério Público de Minas Gerais e Federal afirmou que a água distribuida em Governador Valadares – que utiliza o mesmo tratamento de Belo Oriente – é imprópria para o consumo devido a alta concentração de alumínio.

    Adenilson, socorrista do Samu, de Governador Valadares, 40 anos, diz que mesmo depois de um ano a população que ele atende ainda sofre com os problemas de saude causados pela lama contaminada, principalmente os moradores perto do rio, que bebem a agua e tem diarreia. Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
    Adenilson, socorrista do Samu, de Governador Valadares, 40 anos, diz que mesmo depois de um ano a população que ele atende ainda sofre com os problemas de saude causados pela lama contaminada, principalmente os moradores perto do rio, que bebem a agua e tem diarreia. Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

    “Considerando que os rejeitos das barragens apresentam em sua composição elevadas concentrações deste metal, é bem possível que o alumínio tenha sido transportado ao longo do rio Doce, ocasionando alterações na composição química em diversos trechos deste curso d’água, conforme a direção dos ventos, os índices pluviométricos e a vazão do rio”, explica o documento.

    A investigação acrescenta que o consumo desta água pode levar a sérios problemas de saúde: “Inúmeros estudos demonstram que a presença do alumínio na água, em concentrações superiores ao padrão de potabilidade, pode contribuir para o aparecimento de algumas doenças no organismo humano, tais como a osteoporose e doenças neurológicas e alterações neurocomportamentais, incluindo a encefalopatia, esclerose lateral amiotrófica, doença de Parkinson, demência dialítica e mal de Alzheimer”.

     

    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

    O governo dos municípios e de Minas, em conjunto da Samarco, argumentam que os rejeitos da Barragem de Fundão é inerte, não sendo tóxica. Segundo a mineradora, a lama derramada é constituída apenas de água, silica e minérios de ferro e manganês, que realmente não são danosos para a saúde humana. O tratamento de água, feito tanto em grandes cidades como Governador Valadares, com quase 300 mil habitantes, quanto pequenas comunidades como Cachoeira Escura, busca separar a água do barro, utilizando de agentes floculantes que combatem a turbidez do rio. De fato, o processo consegue dar uma aparência de pureza à água, que saí dos canos limpa e transparente.

    Porém, este processo desconsidera a contaminação da água por lixo, esgoto e outros materiais que foram carregados pela corrente de lama. Substâncias que, apesar de não estarem inicialmente dentro da barragem, são altamente tóxicas ao ambiente e às pessoas. Mesmo cientes disto, o serviço público e a mineradora insiste em distribuir essa água contaminada a população.

    Foto: Guiga Guimarães
    Foto: Guiga Guimarães

    Sem acreditar ingenuamente nas corporações, a população local improvisa para conseguir água potável.  A alternativa encontrada por Evangelista Luis é gastar suas reservas para construir um poço artesiano. Outra moradora da cidade, Dona Maria José Carvalho fez uma Mina D’água nos fundos de sua casa. Porém, os mais pobres, sem recursos para reformar o estoque de água de seus domicílios, ainda dependem de algumas bicas espalhadas pela cidade. Estas fontes funcionam por bombas manuais, sendo que a vazão também varia muito conforme as chuvas. Uma pessoa pode ficar horas enchendo garrafas pet ou baldes para conseguir prover sua família.

    Foto: Guiga Guimarães
    Foto: Guiga Guimarães
  • “O problema é que muito pescador só sabe pescar. Todo dia vivia no rio e agora não pode ir para o rio mais”

    “O problema é que muito pescador só sabe pescar. Todo dia vivia no rio e agora não pode ir para o rio mais”

    Reportagem especial da cobertura da Marcha realizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens, um ano após a tragédia de Mariana (MG), que refaz o trajeto da lama de Regência (ES) até a barragem em Minas Gerais.

    Foto: Maxwell Vilela/Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela/Jornalistas Livres

    Chegando no cais de Regência, seja de manhã, tarde ou noite, se vê vários barcos de pesca, entre canoas e pequenas embarcações, algumas ancoradas e outras já estacionadas no leito do rio. Um pequeno grupo de pescadores se reúne no cais e conversam sobre o vilarejo, família e trabalho, se divertindo da contação de causos. Quando me aproximei, eles riam das travessuras do saci que, sem explicação, conseguia bagunçar suas redes na água e jogar areia nas suas camas. “E caboclo d’água? Alguém já viu?”, perguntei brincando. “Nunca vi e nem quero ver”, diz um mais jovem, temendo a criatura, seguido pela resposta do ancião do grupo: “Agora que a gente nunca vai ver mesmo”.

    Foto: Maxwell Vilela/Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela/Jornalistas Livres

    O episódio resume o sentimento da população ribeirinha do Rio Doce, que se encontra na trágica contradição de estar próxima às águas, mas se mantém distante pelo bom senso. O Ministério Público Federal (MPF) proibiu a pesca na foz desde fevereiro deste ano, formalizando a sina determinada pelo crime de novembro de 2015. As comunidades locais se recusam a beber ou se banhar no rio, muito menos pescar. “Rapaz… eles falam que o peixe vai dar câncer na gente, que vai matar as pessoas com doença e não sei o que…” conta Antônio, apelidado de “Costinha”, pescador em Mascarenhas, distrito no interior de Baixo Guandu (ES). A pesca no interior do Rio ainda é permitida, porém não há comprador por receio dos efeitos de seu consumo.

    Antonio Gomes, "Preto", pescador em Mascarenhas, ES, mostra com orgulho carteira de pescador. Foto: Danilo Candombe
    Antonio Gomes, “Preto”, pescador em Mascarenhas, ES, mostra com orgulho carteira de pescador. Foto: Danilo Candombe

    O medo não é infundado.  Em Março, análises feitas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apontam alta concentração de metais pesados nos pescados do Rio Doce. “Os dados são preocupantes. A contaminação de peixes e camarões por metais está acima dos limites permitidos pela Anvisa. Nestas condições, o consumo de pescados representa riscos para a saúde humana e para a ecologia”, explica o presidente do ICMBio, Cláudio Maretti.

    “Hoje eu vivo de bico, trabalhos que a gente não sabe fazer. Faz um serviço de pedreiro ali, de eletricista lá… Tem que ir se virando porque se não não dá para sobreviver” conta Clavelanio Soares Peçanha, conhecido como Preto, pescador em Regência, distrito de Linhares (ES).

    “O problema é que muito pescador só sabe pescar. Um cara desses está passando aperto. Todo dia vivia no rio e agora não pode ir para o rio mais”.

    Foto: Maxwell Vilela/Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela/Jornalistas Livres

    Alguns pescadores recebem um benefício emergencial da Samarco que, de acordo com a Mineradora, no Espírito Santo e em Minas Gerais, é de um salário mínimo, mais 20% o valor do salário por membro da família e o valor em dinheiro de uma cesta básica. No entanto, para os pescadores este valor é muito baixo, considerando o que recebiam antes. “Quando a pesca estava fraca, a gente conseguia mais de R$1.500 por mês e quando estava forte, dava entre R$6000 e R$8000”, explica Glaucimar Soares, 41 anos. Segundo o pescador, sua filha teve que sair da Universidade, onde estudava Biologia em Linhaes porque o pai não consegue mais sustentá-la.

    Segundo a Samarco, no Espírito Santo e em Minas Gerais, quase 5 mil pessoas recebem o auxílio, porém muitos ribeirinhos reclamam que não são contemplados. É o caso de Joelmir Sampanho, de 27 anos, colega e vizinho de Glaucimar. Apesar de trabalharem juntos e viverem na mesma condição, Joelmir afirma que a mineradora se recusa a explicar por quê de não ser contemplado.

    Foto: Maxwell Vilela/Jornalistas Livres
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