Jornalistas Livres

Tag: tráfico

  • Uma conversa difícil sobre segurança pública

    Uma conversa difícil sobre segurança pública

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Bagge

     

     

    Superávit primário, déficit fiscal, equilíbrio das contas públicas, reforma da previdência, reforma trabalhista, corrupção.

    Todos esses temas estão presentes no debate eleitoral. Mas nenhum assunto é mais central e mobiliza mais as paixões da sociedade civil do que a segurança pública. É este o coração do debate público no Brasil contemporâneo, sendo ao mesmo tempo a cereja de bolo de uma certa narrativa eleitoral autoritária e uma casca de banana para as narrativas eleitorais progressistas.

    É exatamente a segurança pública que quero discutir neste ensaio. Mas que fique claro que não estou propondo uma discussão técnica. Não conheço suficientemente o tema. O meu objetivo é menos pretensioso: quero propor uma discussão política, sugerindo aquela que, na minha percepção, é a forma ideal de tratar o assunto em tempos de eleição. Sendo ainda mais direto: quero sugerir uma narrativa que me parece mais eficaz na disputa de votos com o bolsonarismo.

    Pra isso, faço uma crítica à forma como o campo progressista vem há anos se debruçando sobre o problema da segurança pública, o que lhe custou a antipatia de segmentos das classes populares.

    Antes, discuto a narrativa eleitoral de Jair Bolsonaro.

    Pouco a pouco, o bolsonarismo vai ganhando contornos mais nítidos e nós, que nos dedicamos diariamente à compreensão da crise brasileira contemporânea, vamos migrando da estupefação para a compreensão.

    Já chamamos os eleitores de Bolsonaro de burros e de fascistas. Talvez seja necessário parar com adjetivação e tomar as veredas do entendimento. Tive um grande mestre que dizia que o adjetivo é sempre inimigo do substantivo.

    Nas grandes cidades brasileiras, as pessoas estão assustadas. Não as culpo. A sensação de insegurança nunca foi tão grande. Esse medo coletivo é o principal combustível da candidatura de Jair Bolsonaro. Não digo que seja o único, pois há outros, como a representação de uma certa ideia de heteronormatividade masculina, o uso do binômio corrupção x honestidade, que fez com que o bolsonarismo tomasse para si o controle do antipetismo, que desde a década de 1990 era capital político monopolizado pelo PSDB.

    Mesmo com esses outros aspectos, acho mesmo que a grande força do bolsonarismo está na solução apresentada para o drama da segurança pública, um fantasma que assusta toda a pirâmide social brasileira.

    O bolsonarismo oferece uma resposta de fácil compreensão, que já está presente no imaginário coletivo há muito tempo e que pode ser sintetizada numa formulação bem simples: “Bandido bom é bandido morto”.

    Quem é do Rio de Janeiro lembra do Newton Cruz, general do Exército e notório torturador nos tempos da ditadura.

    Somente agora, pesquisando para escrever este ensaio, descobri que Newton Cruz ainda está vivo. Eu jurava que o sujeito já era defunto. Impressionante como determinado tipo de vaso custa a quebrar.

    Enfim, retomando o fio. O Newton Cruz, nos anos 1990, era famoso por ser o principal verbalizador da tópica do “Bandido bom é bandido morto”, que já na época tinha grande capilaridade social.

    O bolsonarismo, portanto, está sentado em um repertório de ideias que tem ancestralidade no imaginário político brasileiro. O colapso da Nova República (o regime político que sucedeu a ditadura militar) alimentou uma velha utopia autoritária que apresenta a força e a violência como meios eficientes de resolução dos problemas que atravessam a nossa sociedade.

    O que nós precisamos mostrar para a nossa gente (e não estamos tendo sucesso em fazê-lo) é que a tópica do “Bandido bom é bandido morto” é a inspiração das políticas de segurança pública no Brasil há mais de 30 anos. Nossas polícias são as que mais matam (e morrem) no mundo.

    Ou seja, Bolsonaro não está propondo nenhuma novidade. Ele propõe o que já é feito há muito tempo e que não deu certo. Bolsonaro insiste numa fórmula fracassada.

    E qual é a narrativa alternativa ao bolsonarismo que o campo progressista desenvolveu para tratar o tema da segurança pública?

    Aqui entramos numa discussão muito difícil, mas que deve ser enfrentada. Então, vamos com calma, pra tentar ao máximo evitar as interpretações distorcidas.

    O campo progressista aborda o tema da segurança pública a partir de algumas ideias centrais, tais como: direitos humanos, extermínio da população negra, criminalização da violência policial, liberação da maconha, desmilitarização das PMs.

    Todas essas ideias são jogadas assim, ao vento, sem a devida tradução didática.

    Teoricamente, sou a favor de todas essas agendas. Estou convencido de que não é possível uma discussão séria sobre segurança pública sem que essas questões sejam analisadas com atenção. Porém, o leitor e a leitora não verão aqui a simples evocação dessas ideias. Não vou cantar os mantras: “A PM ainda não acabou, tem que acabar”; “Parem de nos exterminar”; “Libera a maconha pros meninos ficarem felizes”.

    Se a intenção for apenas ter contato com esse tipo de lugar comum lacrador, mais vale que o leitor e a leitora parem por aqui busquem algum texto ou vídeo produzido pelo Gregório Duvivier. Aqui, quero fazer algo diferente, com mais responsabilidade política.

    Quero dizer, por exemplo, que pessoas armadas, ocupando território, fazendo uma comunidade inteira de refém, precisam ser combatidas. Só quem não conhece a realidade da favela tem uma visão romancizada do tráfico de drogas. Só quem não conhece a favela por dentro acha que o tráfico não violenta a comunidade. Só quem nunca viveu em favela acha que existe no tráfico uma ética de respeito aos moradores.

    Morei em favela durante 20 anos e vi famílias inteiras fugindo da comunidade porque o traficante, homem jovem, pobre e preto, cismou que queria namorar a filha mais nova.

    Já vi mais de uma vez o trabalhador financiar carro popular em 60 prestações, ficar sem grana pra pagar o seguro e ser roubado por um homem jovem e negro, muitas vezes menor de idade. O cabra, então, senta no meio-fio e chora. Isso mesmo, homem barbado chorando de soluçar porque perdeu o carrinho que ainda tava alienado no banco.

    A família que fugiu da favela e o trabalhador que foi roubado, o morador que pra não levar bala tem que piscar o farol quando chega em casa depois das oito da noite, também são pobres e pretos.

    O Estado não pode permitir que essas pessoas sejam violentadas. O Estado tem uma função civilizatória a cumprir e isso envolve, também, o uso da força institucional que é prerrogativa do poder público.

    Essa força deve, sim, ser utilizada, mas dentro da legislação vigente, que fique claro. Tortura e execução não estão previstas na legislação vigente.

    Formulando em outras palavras: todos sabemos que o coração da segurança pública é a inteligência somada à inclusao social. Armas e drogas não são produzidas na favela. Não são os traficantes varejistas, usando bermuda e chinelos de dedo, que vão às fronteiras pra importar pistola, fuzil, maconha e cocaína.

    Têm senador e deputado envolvido nisso. Tem funcionário da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária envolvido nisso. Tem oficial do Exército envolvido nisso.

    Todos sabemos que esses homens jovens e pretos que se envolveram com o tráfico armado foram negligenciados a vida inteira, que são produtos da exclusão social. Eles não tiveram acesso a políticas públicas básicas, como educação de qualidade.

    Porém, uma vez que essas pessoas estão armadas e sitiando uma comunidade, recebendo as forças do Estado na bala, elas se tornaram, sim, inimigas do bem comum e como tal devem ser tratadas.

    Tem uma dimensão da segurança pública que é urgente, de curtíssimo prazo. O campo progressista ignora esse aspecto. É um erro político/eleitoral gravíssimo.

    Pra ser ainda mais claro:

    Por um lado, não é possível discutir segurança pública sem levar em conta o extermínio da população negra, a elaboração de uma nova legislação antidrogas e mudanças no organograma institucional das forças de segurança, combatendo os excessos praticados pelos agentes públicos.

    Mas, por outro lado, nenhuma proposta será politicamente viável e eleitoralmente aceitável se não levar em conta também a necessidade do enfrentamento direto, o que naturalmente (e infelizmente) custa vidas. Vidas, geralmente, de homens pobres e pretos, tanto do lado do tráfico, como do lado das forças de segurança.

    Não é possível vir ao debate público em época de eleição e, simplesmente, criminalizar a atuação das polícias militares.

    Como que vamos convencer o trabalhador que foi assaltado, a família que precisou fugir da favela, que os seus algozes não devem ser combatidos?

    Repito: só quem não conhece a vida na periferia, na favela e nos entornos da comunidade, acha que essa narrativa tem alguma viabilidade eleitoral.

    É aqui que o bolsonarismo vence e as forças progressistas perdem. Na periferia, na favela, existem pessoas pobres e pretas que não estão assaltando, que não estão matando e que querem ter sua vida e propriedade protegidas.

    A vida é sempre valiosa. A propriedade, quando é pouca, é ainda mais valiosa e inspira ainda mais cuidados.

    Hoje, o bolsonarismo, com a tópica do “Bandido bom é bandido morto”, está vencendo a disputa pelo imaginário dessas pessoas. Não estamos sendo capazes de reagir.

     

  • A intervenção militar no Rio: dos juízes aos generais

    A intervenção militar no Rio: dos juízes aos generais

    Artigo de Luiz Eduardo Soares*

    A situação da segurança pública no Rio é gravíssima e, portanto, não há mais lugar para discursos oficiais defensivos e auto-indulgentes. O crime organizado se espalhou como por metástase, mas note bem: só há crime organizado quando estão envolvidos agentes do Estado. Segmentos numerosos e importantes das instituições policiais não apenas se associaram ao crime, mas o promoveram – e aqui se fala sobretudo no mais relevante: tráfico de armas, crime federal. O que fez a Polícia Federal ? O que fez o Exército, responsável com a PF pelo controle das armas? O que fez a Marinha para bloquear o tráfico de armas na Baía de Guanabara? O Estado do Rio está falido, suas instituições profundamente atingidas, mas o que dizer do governo federal e dos organismos federais? De que modo uma ocupação militar resolveria questões cujo enfrentamento exige investigação profunda e atuação nas fronteiras do estado, além de reformas institucionais radicais e grandes investimentos sociais?

    Os próprios militares sabem que não podem nem lhes cabe resolver o problema da insegurança pública. Sua presença transmitirá uma sensação temporária de que o Rio se acalmou, porque os sintomas estarão abafados, mas nada será solucionado e a solução sequer será encaminhada. Basta analisar o que se passou na Maré: o Exército ocupou as favelas por um ano, desgastou-se na relação com as comunidades, a um custo de R$ 600 milhões, e tão logo as tropas se retiraram, os problemas retornaram com mais força.
    Já que não se trata de enfrentar os verdadeiros e permanentes desafios da segurança pública, muito menos resolvê-los, a que serve a intervenção: são três, a meu ver, suas funções, todas de natureza eminentemente política – é lamentável que os militares se prestem a esse papel, deixando-se manipular, politicamente, como peões em um jogo de cartas marcadas.

    1 – Muda-se a narrativa sobre a realidade do Rio, investindo-se na expectativa sebastianista da redenção, que se realizaria, nesse caso, pelas Forças Armadas, em especial o Exército, e pelo governo federal. Um projeto dessa magnitude não seria implantado sem um acordo com a grande mídia, porque sua descrição dos fatos e sua escolha de focos serão decisivas para o êxito político da operação. Ela consistirá essencialmente no deslocamento de Bolsonaro, abrindo-se um espaço para que uma candidatura de centro-direita, em nome da lei e da ordem, mas legalista, capture o eleitorado de direita: ter-se-ia, assim, uma espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro. Sai o capitão aventureiro e desorienatdo e entram generais formalmente legalistas, embora “duros”. Abre-se novo espaço para candidaturas no Rio e no país, e para a emergência de lideranças “de fora da política” e “impolutas”. Parece que está em curso uma transição: aos poucos, deixamos de ser o país dos juízes para nos tornarmos a nação dos generais – de novo, ainda que, dessa vez, com cobertura legal, uma vez que, depois do impeachment, qualquer atropelo às leis poderá ser tolerado desde que os fins justifiquem, para seus operadores, os meios.

    As denúncias relativas ao auxílio moradia contra Moro e Bretas, poucos dias depois da condenação de Lula em segunda instância, deixa claro que, para a mídia e as elites que mandam no país, em particular o capital financeiro e seus sócios internacionais, o papel dos magistrados já foi cumprido e agora é tempo de “cortar suas asinhas” para evitar que acreditem no próprio personagem e avancem sobre o PSDB, os bancos e as corporações midiáticas. Como se vê, a intervenção militar no Rio complementa a exclusão de Lula da disputa eleitoral, uma vez que não seria suficiente exclui-lo e prosseguir na sistemática marginalização da candidatura Ciro Gomes, se a direita e o centro não se entendessem e criassem uma alternativa viável.

    2 – Atuando-se reativamente na emergência, impede-se mais uma vez que alcancem a agenda pública temas fundamentais: (a) a política de drogas; (b) a reforma do modelo policial e a refundação das polícias, com a mudança do artigo 144 da Constituição (por exemplo, com a aprovação da PEC-51 que o senador Lindbergh Faria apresentou em 2013); (c) a repactuação entre o Estado e as comunidades que vivem em territórios vulneráveis, em especial a juventude, de modo a que as instituições policiais deixem de ser parte do problema e se transformem em parte da solução. Hoje, as execuções extra-judiciais são a regra, o que leva analistas a declarar que essas áreas estão sob a regência de um Estado de exceção. Infelizmente, isso ocorre com a anuência, por cumplicidade ou omissão, do Ministério Público e as bençãos do poder Judiciário; (d) o investimento em infraestrutura, educação e cultura, e a abertura de novas oportunidades para a juventude mais vulnerável, respeitando-se as camadas populares e, assim, bloqueando o aprofundamento do racismo estrutural. Os recursos, aos bilhões, viriam do corte no pagamento de juros aos rentistas.

    3 – Um efeito lateral nada desprezível seria a suspensão das votações no Congresso da reforma da previdência, salvando o governo de uma derrota, no item que supostamente justificaria sua ascensão ao poder. Por mais que, hoje, o governo negue essa possibilidade, está aberta a temporada de caça a brechas judiciais para obstar o processo de votação.

    Não posso concluir sem chamar atenção para os riscos que a intervenção militar representa para os moradores das comunidades e para os próprios militares, que são jovens e não foram treinados senão para o enfrentamento de tipo bélico. A primeira morte provocada por um militar, em decorrência da nova legislação, será julgada pela Justiça militar, o que poderá transferir para a arena jurídico-política internacional a problemática da ocupação do Exército, tornando a operação política um desastre, a médio prazo, a despeito do provável apoio ufanista da grande mídia. Por outro lado, se um militar for atingido mortalmente, as consequências serão imprevisíveis, fazendo girar mais rápida e intensamente o círculo, ou a espiral da violência.
    Além de tudo, não nos esqueçamos do exemplo mexicano: quando as Forças Armadas se envolvem na segurança pública, abrem-se as portas para sua degradação institucional.

     (*) Antropólogo, cientista político e escritor, é um dos maiores especialistas em segurança pública do país. Foi secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro durante o governo Anthony  Garotinho e ocupou a Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo Lula, tendo sido afastado dos dois cargos por pressões políticas. Na carreira de escritor, Soares foi co-autor dos best-sellers Elite da Tropa e Elite da Tropa 2.
  • O que acontece na Rocinha?

    O que acontece na Rocinha?

    O repórter fotográfico Francisco Proner fez o registro em imagens da principal ação repressiva do Exército Brasileiro desde o fim da Ditadura Militar, em 1985.

    Trata-se da mega-operação no Morro da Rocinha, no Rio de Janeiro, iniciada na sexta-feira (22/09) em que mais de 1.000 militares estão envolvidos por ordem do ministério da Defesa. O objetivo tático da operação é conseguir um cessar-fogo entre dois grupos de traficantes: o de Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, e o de Antônio Bonfim Lopes, o Nem, que está preso desde 2011.

    Os confrontos entre facções pelo controle do tráfico de drogas na Rocinha começaram a se intensificar no dia 17 deste mês.

    De dentro do presídio federal onde está preso em Rondônia, Nem ordenou a invasão da Rocinha por “soldados” da ADA (facção Amigos dos Amigos), que é a segunda maior do Rio. O motivo seria a insatisfação com a atuação de Rogério , que ordenou o aumento dos preços de produtos e serviços controlados pelos traficantes, como água e mototáxi. Rogério teve o reforço de criminosos do Comando Vermelho (CV).

    A Rocinha é a maior favela do país, com seus 70.000 habitantes. Tornou-se um ponto de disputa ferrenha entre os líderes do tráfico de drogas porque se localiza entre os bairros endinheirados da Gávea e São Conrado (os dois detentores do metro quadrado mais valorizado da cidade). Os ricos moradores da Gávea e de São Conrado garantem o mercado consumidor das drogas que o tráfico provê.

    Vítima da violência policial de um lado, e da cobiça dos traficantes de outro, a população da Rocinha, entretanto, é muito pobre. Seu índice de desenvolvimento humano (IDH) no ano 2000 era de 0,732, o 120º colocado entre 126 regiões analisadas no Rio de Janeiro.

    O fotógrafo Francisco Proner chegou à Rocinha às 10h de sexta-feira e lá permaneceu até as 19h. Ele assistiu à chegada de 950 soldados, nove blindados, vários jipes, dois ou três helicópteros. Viu quando fecharam o espaço aéreo sobre a favela. Na verdade, o Exército chegou atrasado. Era para ter entrado às 10h, mas só subiu as ladeiras da comunidade a partir das 17h30 –comenta-se que a demora foi para tentar convencer Rogério 157 a se entregar, o que acabou não acontecendo.

    “Na noite de sexta para sábado, houve vários tiroteios. No sábado já estava tudo mais calmo. Eu tive acesso à rua 2, onde se vêem paredes, carros e motocicletas crivados de balas de longo alcance. Muitos moradores dizem que foram os traficantes que fizeram isso, para mostrar autoridade”, explica Francisco Proner.

    Rogério 157 sucedeu Nem no comando do tráfico na Rocinha, depois da prisão deste. Os moradores dizem que o sucessor “tem alma de miliciano”. Para quem não sabe, as comunidades pobres do Rio de Janeiro são oprimidas por traficantes, policiais e milicianos, que são policiais da ativa ou da reserva que, depois de prender ou matar um líder local do tráfico, resolvem assumir, com mão de ferro, os negócios do traficante eliminado). Na linguagem das favelas, ter “alma de miliciano” equivale a ser autoritário, controlador, controlador de preços.

    Na Rocinha, o botijão de gás de 13 kg custa R$ 100, o dobro do que custa a mercadoria entregue nos bairros de classe média. Rogério aumentou todos os preços da favela. O pão está mais caro, o leite idem, a água também. “Está tudo mais caro para mostrar a autoridade que ele tem, que os tempos são outros. Que não é mais o tempo de Nem. É tempo de Rogério 157.”

    Na sexta-feira, o contingente de militares fazendo ronda na favela era impressionante e assustador. Em cada beco era um blindado cercado por 10 a 15 homens armados com fuzis e metralhadoras. Eles subiam e desciam as escadarias da favela, apontando suas armas para todos os lados. Neste domingo, o contingente militar diminuiu bastante. Os guardas são encontrados a cada 100 metros… Mas ainda assim são poucas pessoas nas ruas.

    Em tempo: Acaba de chegar a informação de que vem mais uma tropa com vários carros e um blindado. Eles estão chegando agora na Rocinha. Guerra que segue. Triste Rocinha.

    Imagens: Francisco Proner
    Texto: Laura Capriglione

  • Alerta Rio

    Alerta Rio

    A favela da Rocinha, assim como tantas outras do Rio de Janeiro, hoje é a comunidade que mais sofre com a política do jeitinho, que durante anos fez o poder público conciliar com o tráfico para garantir a “tranquilidade” da Cidade Maravilhosa. O prazo de validade dos acordos venceu e o caos se instaurou. Pior que isso, está sendo usado por aqueles que defendem a militarização como solução para a crise de segurança.

    Chovem avaliações imediatistas e inconsequentes que, se consideradas, farão a violência aparentemente dar uma amenizada para piorar muito ali na frente. É um ciclo que nunca acaba, só piora. O agravante é que vivemos justamente um momento em que os saudosistas da ditadura como forma de restabelecer a dita ordem saíram do armário e bradam por mais armas, por mais intolerância e, consequentemente, por mais violência. Mas uma violência de classe, que oprime ainda mais quem é pobre, negro e morador de favela para garantir a “paz” para que os chamados “cidadãos de bem” desfrutem dos seus privilégios.

    Muita atenção ao que está acontecendo no Rio de Janeiro nesse instante! Muita mesmo!
    Daqui estão transbordando ações e reações que dizem respeito ao País todo. E que são perigosíssimas para a sociedade.
    E toda solidariedade à população da Rocinha e das demais favelas. Esse povo não pode pagar a conta da ação negligente e criminosa do Estado. O povo das favelas merece respeito, segurança e direitos.

    Bruno Monteiro é jornalista e ativista de Direitos Humanos

  • Presidente Temer e o tráfico de PCC, CV e a terra de Pablo Escobar

    Presidente Temer e o tráfico de PCC, CV e a terra de Pablo Escobar

    O governo do presidente Michel Temer (PMDB) ou não tem a confiança dos serviços de inteligência do Brasil – Forças Armadas, Polícia Federal (PF) e polícias militares – e, portanto, não está recebendo as informações corretas sobre a lógica que move a guerra das facções nas penitenciárias, ou não tem gente especializada para entender os dados que está recebendo.

    Esta é a leitura que se faz das declarações feitas por Temer de que teria sido um “acidente pavoroso” o enfrentamento entre o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e a facção Família do Norte (FDN), braço do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, que resultou no massacre de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) de Manaus (AM).

    Também esta é a impressão que se tem da declaração feita, dias depois do massacre de Manaus, pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, referindo-se à morte de 33 presos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC), em Boa Vista (RR):

    – Não é aparentemente uma retaliação do PCC em relação à Família do Norte.

    Os serviços de inteligência brasileiros sabem o que está acontecendo. Eles têm tradição e perfilam-se entre os melhores do mundo. Os dois últimos eventos que aconteceram no país – Copa do Mundo e as Olímpíadas – beneficiaram-nos com equipamentos, treinamentos e alianças com serviços de inteligência do mundo inteiro. O volume de informações que recebem diariamente sobre o que ocorre dentro dos presídios é enorme.

    Em cada Estado da União existe um sistema de coleta de informes dos servidores penitenciários que abastecem com informações preciosas todo o sistema de inteligência brasileiro. Mais ainda: a maioria dos telefones celulares que estão nas mãos dos presos é grampeada pela polícia.

    Há um fato que Temer e o ministro Moraes conhecem: o momento do sistema de segurança do Brasil é inédito devido ao atraso, ou parcelamento, dos salários de policiais e agentes penitenciários em vários Estados, como por exemplo no Rio de Janeiro, terra do CV e um dos maiores mercados consumidores de cocaína e maconha do país.

    As drogas entram pelas fronteiras do Paraguai, da Bolívia e da Colômbia – o maior e mais bem estruturado fornecedor de cocaína do mundo.

    A principal rota de entrada da droga colombiana no Brasil, o segundo mercado consumidor do mundo, é através de Boa Vista e Manaus, cidades estratégicas na geografia do tráfico.

    O que está acontecendo atualmente na Colômbia foi o combustível para as matanças em Manaus e Boa Vista envolvendo o PCC, o CV e seu aliado FDN. É o que indicam fontes nos serviços de inteligência e também informações obtidas com pessoas que moram nas fronteiras, por onde, nas últimas três décadas, pelo menos de dois em dois anos circulo fazendo reportagens e escrevendo livros.

    Os confrontos de Manaus e Boa Vista aconteceram porque o PCC e o CV estão envolvidos em uma corrida para ocupar o lugar no tráfico de cocaína das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que será desmantelada por conta da evolução do acordo de paz com governo colombiano. Hoje, todo produtor de cocaína e todo atacadista – aquele que vende a droga em grande quantidade – pagam pedágio para as Farc.

    Em um primeiro momento, o desmantelamento das Farc trará o caos, porque seus soldados perderão a proteção da organização. Hoje, no mundo do crime, ninguém ataca alguém protegido pelas Farc porque sabe que o poder de resposta é imediato e arrasador. Se a organização deixar de existir, será cada um por si. É neste momento que os brasileiros entram em cena, ocupando o vazio deixado pela Farc. Isso será feito recrutando ex-combatentes ou simplesmente substituindo-os por outros.

    As chances de as facções brasileiras serem aceitas pelos cartéis da Colômbia são boas porque elas representam o segundo maior mercado consumidor de cocaína do mundo. Isso diminuiria sensivelmente um dos maiores riscos do tráfico, que é o transporte da droga.

    A aliança do CV com a FDN lhe dá certa vantagem sobre o PCC nesta corrida. A FDN nasceu nos final dos anos 90 nas gangues de rua de Manaus e se consolidou nos presídios. Em 2015, a PF realizou a Operação Muralha contra a facção e apreendeu um software onde havia lista de participantes, manuais de normas de conduta e como havia sido feita aliança com o CV. Antes da aliança, a FDN tinha nas mãos as rotas da cocaína da Colômbia. Agora tem acesso a um dos grandes mercados de drogas, que é o Rio de Janeiro, casa da CV. Ao seu lado, o PCC tem a vantagem de ser mais organizado que o CV e deter o maior mercado consumidor de drogas da América do Sul: São Paulo.

    Se houver confronto com os colombianos pelo espólio das Farc, tanto o PCC quanto o CV têm estrutura e experiência de combate nas fronteiras, para onde, nos anos 90, levaram a guerra aos grupos de traficantes regionais. Uma das batalhas que ganhou notoriedade foi travada por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, contra o seu protetor João Morel, líder de uma bem estruturada quadrilha em Capitán Bado, cidade paraguaia dividida por uma rua empoeirada de Coronel Sapucaia, pequeno município no Oeste do Mato Grosso do Sul.

    Nos anos 60, Morel se instalou na região e começou com o contrabando de café e depois estruturou o tráfico de maconha, cocaína e armas. Fugindo da polícia no Rio de Janeiro, Beira-Mar foi acolhido e protegido por Morel. Beira-Mar fez uma aliança com as Farc – trocando cocaína por remédios, munição e armas – e começou a fazer sombra para seu antigo protetor. Em janeiro de 2001, os dois se desentenderam e Beira-Mar mandou executar os dois filhos de Morel, Ramón e Mauro. Uma semana depois, mandou matar o próprio Morel. Três meses depois, Beira-Mar foi preso pelo Exército da Colômbia, aliado à Agência Anti-Drogas dos Estados Unidos (DEA), na selva colombiana. Atualmente, cumpre pena de 120 anos no Brasil.

    Nas fronteiras, o PCC e o CV não lutam por território o tempo todo. Eles também fazem alianças estratégias para defender interesses comuns. Um ruidoso caso que aconteceu no ano passado é apontado como exemplo: a execução do Rei da Fronteira, o brasileiro Jorge Rafaat, condenado por tráfico de drogas no Brasil, que vivia em Juan Pedro Caballero, cidade paraguaia separada por uma avenida da brasileira Ponta Porã, no oeste do Mato Grosso do Sul. A morte foi cinematográfica e o motivo da execução teria sido porque Rafaat decidiu aumentar o preço da maconha e da cocaína que vendia ao PCC e ao CV. Portanto, não é descartada uma aliança entre as duas facções para entrar na Colômbia, a terra de Pablo Escobar, poderoso traficante morto nos anos 90. Se acontecer a aliança, o CV massacra o FDN como Beira-Mar fez com Morel.

    * Carlos Wagner, 66 anos, formado pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul é autor de 17 livros, entre eles “País Bandido”. Foi repórter especial do jornal “Zero Hora” de 1983 a 2014. Atualmente, mantém o blog “Histórias Mal Contadas”, (carloswagner.jor.br)