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  • O primeiro efeito colateral da coronaVac

    O primeiro efeito colateral da coronaVac

    O dia 18 de junho de 2020, quando Fabrício Queiroz foi preso, deu início a novo momento na história do governo de Jair Bolsonaro. Queiroz é fio solto no esqueminha de corrupção de baixo clero que enriqueceu o clã Bolsonaro durante mais de 20 anos. É bomba relógio tiquetaqueando no colo do presidente da República.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Acuado, Bolsonaro mudou o comportamento.

    Até então, agia como jogador agressivo disposto sempre a dobrar a aposta. Ameaçava a nação dia sim e outro também com golpe de Estado. Depois da prisão de Queiroz, foi amansando. Aproximou-se do “centrão”, tentando construir base parlamentar capaz de lhe garantir alguma governabilidade. Deixou-se flagrar em fotos de congraçamento com Dias Tofolli, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, sinalizando o interesse em se reconciliar com os outros poderes da República.

    Ventilou-se a possibilidade de que Bolsonaro estava devidamente controlado pelas instituições, que havia sido domado pelo sistema. Em 14 de outubro, a “Revista Veja” publicou editorial com fotografia montada onde o presidente aparece construindo pontes, alegoria daquilo que seria a “drástica mudança de comportamento”. O periódico vaticinou: “O risco de uma ruptura institucional foi superado”.

    A confirmação dessa mudança no comportamento do presidente, aparentemente, veio com a tão esperada indicação do nome para preencher a vaga no STF deixada pela aposentadoria de Celso de Mello. Contrariando sua promessa de que chamaria alguém “terrivelmente evangélico”, Bolsonaro indicou, em 5 de outubro, o desembargador piauiense Kássio Nunes, com histórico garantista.

    Bolsonaro é bruto, homem precariamente letrado, sem verniz intelectual algum, com vocabulário pobre, mas está longe de ser burro.

    É impossível passar tantos anos no Congresso Nacional sem aprender algo sobre política. O presidente sabe muito bem que, em futuro próximo, um garantista no STF pode ser bastante útil. É que depois de passar a faixa presidencial ao seu sucessor, em algum momento, Bolsonaro responderá por seus crimes, sentará no banco dos réus.

    O STF é corte de apelação, é a última corte de apelação do sistema de justiça brasileiro.

    A base orgânica do bolsonarismo protestou, chiou. Alguns chegaram a chamar o presidente de traidor. Bolsonaristas choraram nas redes sociais como maridos mansos traídos.

    Bolsonarismo sem Bolsonaro. Bolsonaro sem Bolsonarismo. Até poucos dias atrás, o cenário era esse, era exatamente esse.

    “Bolsonarismo sem Bolsonaro. Bolsonaro sem Bolsonarismo”. Esse seria, inclusive, o titulo da coluna que eu escreveria nesta semana. A coluna caducou sem sequer ter nascido.

    É que nas crises, o tempo passa rápido, muito rápido.

    Em 21 de outubro, ficou claro que a moderação não significava vitória derradeira das instituições, mas, sim, recuo estratégico feito em momento de fragilidade política e insegurança jurídica.

    Bolsonaro não está domado. Talvez não será domado nem depois de morto.

    O presidente surpreendeu o país desautorizando o ministro da Saúde, que na véspera havia assinado acordo se comprometendo a adquirir 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina desenvolvida pela pareceria firmada entre o governo de São Paulo, por meio do instituto Butantan, e a empresa chinesa Sinovac Biotech.

    Ao que tudo indica, a CoronoVac é a mais auspiciosa entre as vacinas contra covid-19 atualmente em fase de teste clínico.

    Havia possibilidade de se apropriar da paternidade da vacina, frustrando a tentativa de João Dória em colher dividendos eleitorais. No acordo assinado pelo ministro, a CoronaVac não era chamada de “vacina chinesa”, tampouco de “vacina do Dória”, ou mesmo de “vacina paulista”. Era “vacina do Brasil”.

    Talvez essa tenha sido mesmo a intenção original, pois é difícil imaginar que o ministro da Saúde assinaria acordo de tamanha importância sem que o presidente conhecesse o conteúdo da minuta.

    Houve pressão dos EUA?

    O Brasil, um dos países mais afetados pela pandemia em todo mundo, sendo imunizado pela vacina desenvolvida na China seria, sem dúvida alguma, dura derrota diplomática para os EUA.

    Por enquanto não dá para saber.

    Fato mesmo é que Bolsonaro recuou no recuo e se reconectou ao bolsonarismo. Ocupou as redes sociais para jogar suspeição sobre a comunidade científica e sobre a imprensa, agindo como o crítico anti-sistêmico que denuncia conspirações globalistas.

    Esse é o Bolsonaro bolsonarista em sua manifestação mais genuína!

    A crítica anti-sistêmica, a desconfiança, o ceticismo em relação às principais instituições nascidas na modernidade (imprensa de massa, universidade, comunidade científica e organismos internacionais como ONU e OMS) são matéria-prima do bolsonarismo, bebidas diretamente nos textos que Olavo de Carvalho vem escrevendo desde a década de 1990.

    Se a segurança e a eficiência da CoronaVac forem confirmadas pela Anvisa, a Justiça obrigará o governo federal a oferecer as doses no sistema nacional de imunização. Duvido que o presidente fará grandes esforços para impedir isso. Repito: ele não é burro.

    Ficará berrando no twitter, tumultuando o processo, agitando sua malta de lunáticos, destilando ceticismos e desconfianças, performando o crítico, dizendo-se defensor da liberdade contra a tirania dos governadores de Estado.

    Liberdade x tirania. Bolsonaro, a seu modo, encena a narrativa política que funda a civilização ocidental.

    Seja como for, a imunização nacional contra a covid-19 já está comprometida.

    Vacinação é, antes de tudo, um acordo coletivo baseado na confiança. Bolsonaro enlameou o acordo. Essa é sua vocação: jogar lama nos acordos estabelecidos.

    Não há acordo possível com Bolsonaro. Tolos são os que ainda tentam.

    Bolsonaro jamais será um presidente de direita normal, como outros tantos que já existiram na história da democracia liberal, disposto a governar por dentro das instituições.

    Fato mesmo é que a CoronaVac, vacina, que ainda nem existe, já apresentou seu primeiro efeito colateral: reaproximou Bolsonaro e bolsonarismo.

  • Golpe pra quê?

    Golpe pra quê?

    Um dos principais gestos analíticos para a devida compreensão do atual momento da crise democrática brasileira é a distinção entre a figura pessoal do presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarisimo, entendido como projeto político disruptivo.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Sim, por mais estranho que possa parecer, fica cada vez mais claro que uma coisa não está, necessariamente, vinculada à outra.

    Explico.

    Há Jair Bolsonaro na política brasileira desde a década de 1990. Já bolsonarismo começou a nascer em 2014, quando o até então parlamentar de baixo-clero, inexpressivo, animador de auditório, aumentou seu capital eleitoral em quase 400%, tornando-se o deputado federal mais votado pelo Estado do Rio de Janeiro.

    O bolsonarismo é o resultado de um conjuntura específica de crise, alimentado por uma sociedade que se vê colapsada e impulsionada por outro projeto político disruptivo: o lava-jatismo.

    Durante algum tempo, bolsonarismo e lava-jatismo estiveram na mesma trincheira, mas nunca foram a mesma coisa. Juntos, mas não misturados!

    Bolsonaro soube se aproveitar do clima. Havia concorrentes. Marina Silva era a principal. Jair acabou vencendo a corrida. Venceu, também, porque foi mais esperto.

    Parece que agora, no exato momento em que escrevo este texto, o presidente Jair Bolsonaro começa a fazer o movimento de descolamento do bolsonarismo, abandonando a agenda da ruptura disruptiva e adotando a estratégia do aparelhamento institucional.

    Novamente, vem agindo com astúcia política, e se mostrando ainda mais perigoso para o contrato social inaugurado na redemocratização e instituído pela Carta de 1988.

    Olhando daqui, com certo distanciamento, creio que seja possível localizar na crônica os dois momentos que marcaram a inflexão do Bolsonaro disruptivo, que acreditava estar liderando uma revolução saneadora, para o Bolsonaro sistêmico, manipulador das instituições.

    Foram dois momentos que mostraram ao presidente que se continuasse marchando com os insanos, provavelmente não terminaria o mandato.

    O primeiro foi o dia 22 de maio, quando o presidente Bolsonaro, diante da possibilidade de ter seu aparelho de celular apreendido para perícia por ordem do ministro Celso de Melo, decidiu que, sim, interviria no Supremo Tribunal Federal. Em seus devaneios golpistas, Bolsonaro acreditou mesmo que bastava enviar um destacamento militar ao STF para fechar a corte superior da Justiça brasileira. O mais assustador é que ele não estava sozinho no projeto. Entre os generais palacianos houve quem apoiasse a ideia.

    Ao perceber que generais da ativa, com comando efetivo de tropas, não o acompanhariam na quartelada, o presidente recuou. Os bastidores da conspiração foram revelados na edição de agosto da Revista Piauí, em matéria assinada por Mônica Gugliano.

    O segundo momento foi o dia 18 de junho, quando Fabrício Queiroz, depois de mais de um ano desaparecido, foi preso.

    Queiroz é o fio solto do esqueminha de corrupção de baixo clero que enriqueceu o clã Bolsonaro. O presidente sabia perfeitamente que estava ali o seu ponto fraco e, acuado, se convenceu de que não tinha vara longa o suficiente para bancar o conflito com as outros poderes da República.

    A partir de então, vimos outro Bolsonaro, mais habilidoso no jogo político institucional. Aproximação com o centrão, piscadelas para medidas de transferência de renda, afastamento do núcleo ideológico mais radicalizado e liderado por Olavo de Carvalho, constantes pitos públicos em Paulo Guedes. Tudo isso indica que Bolsonaro está tentando se afastar do bolsonarismo.

    Os pilares do bolsonarismo são o neoliberalismo ortodoxo de Guedes e a guerra ideológica olavista. Ao que parece, Bolsonaro está dando de ombros para ambos. A ver se sustenta.

    Precisamos mencionar ainda o dedo certeiro na escolha do comando do Ministério Público. A dupla Augusto Aras e Lindoura Araújo não está apenas esvaziando a Operação Lava Jato. Está ocupando o território.

    Quando começou o governo, Sérgio Moro parecia muito maior e mais perigoso para as garantias democráticas que o próprio Bolsonaro.

    Moro era o herói laureado pela grande imprensa, o lorde gentil e educado, premiado, capa de revista, maxilar quadrado, terno preto alinhado, com caimento perfeito nos ombros. Já Bolsonaro era o aloprado desajeitado, feioso, o “burro chucro” que prometia tropeçar nas próprias pernas na primeira esquina.

    Nas crises, o tempo corre especialmente rápido.

    Hoje, Moro, sem nenhum poder efetivo de decisão, tenta se manter no jogo, contando com a lealdade de seus aliados na grande mídia e no poder Judiciário. Não é algo irrelevante, mas parece pouco para o homem que, em algum momento, foi o mais poderoso player em atuação no tabuleiro da política nacional.

    Já Bolsonaro demonstra ter aprendido a operar, e manipular, as instituições da República.

    Um dos mais importantes e inesperados acontecimentos nesta “temporada 2020” da crise democrática brasileira é o apequenamento de Moro e o amadurecimento político de Bolsonaro. Como os dados estão rolando, nada garante que até 2022 a situação continuará assim. A fotografia do momento é essa.

    Os dias 28 de agosto e 1º de setembro são outros dois momentos cruciais na recente crônica da crise.

    Em 28 de agosto, Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, foi afastado do mandato por decisão monocrática de Benedito Gonçalves, ministro do Superior Tribunal de Justiça, em episódio inédito na história da moderna democracia brasileira. Witzel foi afasto à revelia da Assembleia Legislativa, sem que seus advogados tenham sequer recebido denúncia formal do Ministério Público. O processo foi manipulado pelo Palácio do Planalto, diretamente pelo gabinete do presidente da República.

    Parte da esquerda comemorou a derrocada de Witzel, como se fosse a redenção da memória de Marielle Franco. A derrocada de Witzel é vitória de Bolsonaro, mais uma. Nada além disso.

    Ao abater Witzel, Bolsonaro matou dois coelhos com única paulada: eliminou um desafeto político e controlou o processo de escolha do próximo procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro, a quem caberá decidir o futuro de Flávio, o 01.

    Em 1º de setembro, dando desculpa esfarrapada, Deltan Dallagnol se desligou da operação Lava Jato. Dallagnol enfrenta dificuldades no STF e no Conselho Nacional do Ministério Público, onde Gilmar Mendes e Augusto Aras afiam a lâmina da guilhotina. Dallagnol não seria o primeiro a perder o pescoço na mesma guilhotina que ajudou a montar.

    Caiu, assim, o último grande símbolo da Lava Jato, deixando o terreno livre para que Bolsonaro se aproprie da força-tarefa, direcionando a artilharia lava-jatista aos seus adversários, à esquerda e à direita.

    Vamos combinar, né? É muito melhor do que, simplesmente, extinguir a operação, que ainda conta com sólido capital político. Mas vale usar a marca e manter a narrativa do combate à corrupção, fazendo do Ministério Público uma política “soft”, sem armas de fogo.

    Nem precisa de arma de fogo não. O monopólio do processo penal é mais mortal que fuzil. Além do mais, essa coisa de canhão na rua e milico fechando tribunal é tão demodê.

    Claro que tudo pode mudar, que Dallagnol e Moro podem se recuperar, que os quadros lava-jatistas ainda leais à República de Curitiba podem virar o jogo, novamente. Mas a fotografia do momento, repito, é essa.

    Fato fato mesmo é que nos últimos dias Jair Bolsonaro está dormindo mais tranquilo, assistindo a recuperação de sua popularidade e se sentindo cada vez mais confortável nos corredores do poder. A cadeira já não queima tanto.

    Talvez esteja perguntando a si mesmo: onde eu estava com a cabeça? Golpe pra quê?

  • Proporcionalidade de financiamento e tempo de TV para candidaturas negras já valem, decide Lewandowski

    Proporcionalidade de financiamento e tempo de TV para candidaturas negras já valem, decide Lewandowski

    O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decidiu hoje que a decisão do TSE sobre a proporcionalidade de financiamento e tempo de TVs e rádio para candidaturas negras já vale para as eleições municipais deste ano. A decisão foi tomada de forma liminar pelo ministro, ou seja, feita em caráter de urgência para garantir um direito, mas é provisória e vai para o plenário.

    No último 25 de agosto o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que o valor do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo para candidatos em rádios e na TVs deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido tiver nas disputas eleitorais.

    Para a advogada Tamires Sampaio, candidata a vereadora pelo PT na cidade de São Paulo, a decisão foi acertada

    “isso sendo aprovado no TSE, não havia motivo para que já nessa eleição não passe a ser utilizado.  A não ser mais uma das estratégias dessas estruturas racistas que fazem de tudo para impedir que a população negra não tenha acesso aos seus direitos. É uma vitória, que precisamos comemorar, mas precisamos fazer com que, de fato, essa decisão passe a valer mesmo. E que nessas eleições as candidaturas negras tenham o direito a ter o fundo  eleitoral de forma proporcional”

    A decisão, que teve o placar de 6×1 favorável às mudanças, começou após a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), em conjunto com a ONG Educafro, provocar o TSE sobre a possibilidade de estender a proporcionalidade, que já é garantida em lei para candidaturas femininas, para as candidaturas negras. Mas os ministros haviam deixado apenas para as eleições de 2022 a obrigatoriedade da decisão. A justificativa foi o princípio da anualidade, que dispõe sobre o tempo em que passam a valer mudanças eleitorais.

    Após o resultado no TSE, o PSOL entrou com uma ação para adiantar a validade já para 2020. E Lewandowski entendeu que era, de fato, “possível constatar que o TSE não promoveu qualquer inovação nas normas relativas ao processo eleitoral, concebido em sua acepção mais estrita, porquanto não modificou a disciplina das convenções partidárias, nem os coeficientes eleitorais e nem tampouco a extensão do sufrágio universal”.

    A decisão de Lewandowski, por ter sido feita de forma liminar, agora vai para o plenário do STF, mas ainda não tem data marcada para ser trabalhada.

    Histórico

    A decisão do TSE foi comemorada, mas também criticada exatamente por não valer já para as eleições municipais de 2020. A PANE (Plataforma Antirracista Nas Eleições) do Instituto Marielle Franco entendeu a decisão do TSE como “uma vitória histórica do movimento negro. O TSE aprovou o financiamento de campanha e tempo de propaganda proporcionais para candidaturas negras, após muita pressão de organizações negras”.

    O professor Douglas Belchior, que em 2018 foi candidato a deputado federal pelo PSOL-SP, em entrevistas para os Jornalistas Livres apontou que

    “a decisão do TSE é uma vitória do movimento negro, uma vitória da luta histórica do movimento, de lideranças negras, que sempre reclamaram condições para conseguir emplacar mandatos de lideranças negros na política. E os partidos sempre foram o impedimento. É preciso lembrar e refletir sobre isso”

    O ministro e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, relator da matéria no tribunal afirmou em seu voto “hoje, afirmamos que estamos [TSE] do lado dos que combatem o racismo”  e reconheceu que a medida veio com “atraso”.

  • Sem ressentimento, sem esquecimento

    Sem ressentimento, sem esquecimento

    Quatro de agosto de 2020. Sérgio Moro sofre sua principal derrota desde que se tornou um dos principais atores na cena política nacional.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    A segunda turma do STF determinou a exclusão da delação de Antonio Palocci do processo movido no âmbito da Operação Lava Jato contra o presidente Lula.

    Ricardo Lewandovski e Gilmar Mendes votaram favoráveis à exclusão. Edson Fachin (o ahá uhú do Dallagnol) votou contra a exclusão, o que significa votar a favor de Sérgio Moro. Fachin é o melhor advogado que Moro poderia ter.

    Não é exatamente a primeira derrota. Houve outras. Mas essa, sem dúvida alguma, foi a maior e sinaliza para a possibilidade de outra derrota, que seria devastadora. A suspeição de Moro no julgamento de Lula deve ser julgada pela plenária da corte ainda neste ano. A derrota na segunda turma não significa, necessariamente, que Moro será derrotado no colegiado ampliado. Mas indica a possibilidade. Definitivamente, o ex-juiz já viveu dias melhores.

    Lewandovski e Mendes falaram o óbvio! Moro politizou o julgamento de Lula com o objetivo claro de interferir nas eleições presidenciais.

    Grande novidade!

    Moro inseriu a delação de Palocci no processo por conta própria, sem ser provocado pela acusação, o que é mais do que atípico. É criminoso. É prova cabal de que o juiz era, na verdade, o chefe da acusação.

    Todos sabiam o que estava acontecendo. Todos calaram, consentiram, incluindo o próprio STF, que em abril de 2018 negou o pedido de habeas corpus, decisão que, na prática, mandou Lula pra cadeia. A mesma segunda turma negou outros dois pedidos de habeas corpus, em junho e agosto de 2019. Lewandowski sempre votou a favor da defesa de Lula, o que significava votar a favor do devido processo legal.

    Por que agora, justo agora, esse revés?

    Simples! O tempo da política é o tempo rápido, da constante mudança, principalmente em tempos de crise.

    A partir de 2014, o establishment jurídico brasileiro se associou aos grupos políticos anti-petistas. O objetivo era colocar um ponto final na hegemonia do Partido dos Trabalhadores, o que em cenário de normalidade democrática seria impossível.

    A aposta era que o PSDB, antagonista do PT desde meados da década de 1990, herdaria o butim. A situação saiu do controle e Bolsonaro foi eleito.

    O establishment jurídico dobrou a aposta: acreditou que seria possível negociar com Bolsonaro, controlar Bolsonaro. Errou novamente.

    A Lava Jato acumulou muito poder, a ponto de não querer mais ser puxadinho de ninguém. Nem do PSDB, nem do bolsonarismo, nem do próprio Ministério Público. Costuma-se dizer que o Ministério Público é o quarto poder, independente até mesmo do Poder Judiciário. A Lava Jato se tornou o quinto poder, independente do próprio Ministério Público.

    Nessa situação de desencanto, onde bolsonarismo e lava-jatismo se tornam ameaças ao próprio sistema, Lula volta a ter grande relevância. Primeiro, porque quando presidente sempre foi conciliador. Ninguém defendeu melhor o capitalismo brasileiro que Lula. Segundo, porque Lula é “o outro” tanto do bolsonarismo como do lava-jatismo.

    O sistema político que foi construído na redemocratização encontrou em Lula o seu melhor gestor. É uma virtude. Tenho saudade não apenas do tempo em que Lula era presidente. Tenho saudade do Lula como presidente. O Lula presidente foi muito melhor que o Lula metalúrgico. O Lula presidente é muito melhor que esse Lula líder esquerdizado pós-cárcere.

    Reabilitar os direitos políticos e a reputação de Lula seria a única forma possível de confrontar, ao mesmo tempo, o lava-jatismo e o bolsonarismo, os dois filhos rebeldes daqueles que apostaram na desestabilização da democracia como tática de retomada do poder.

    Que seja assim. Que se reposicionem. Que assumam, mesmo que silenciosamente, sua responsabilidade nessa nossa tragédia geracional. Sem ressentimento. Mas também sem esquecimento. Esquecer jamais. Nomes e sobrenomes serão sempre lembrados.

    Fotos de Lula Marques

  • Bolsonaro e cúmplices tucanos fazem do Brasil a terra do vale tudo

    Bolsonaro e cúmplices tucanos fazem do Brasil a terra do vale tudo

    Os exemplos são inúmeros. O país não está mais sob o império de leis, mas daqueles que acham que podem mais por causa da farda, da toga, do cargo ou de um revólver no coldre. Principalmente, por causa do dinheiro que roubaram do povo. O facínora Jair Bolsonaro faz a festa. Nem sei se o vírus o aceitou de fato como hospedeiro, tal o volume de mentiras que ele produz. Seja como for, ele insiste em fazer troça de quem procura alertar para os efeitos da pandemia. Mais de mil mortes por dia! Tido como curado, a primeira coisa que Bolsonaro fez foi desafiar normas que impedem pessoas de circular sem proteção. Foi ao Piauí desfilar sem máscara e distribuir abraços em aglomerações, algo proibido no estado. O governador do PT finge que não viu. Em vez de multá-lo, acoelha-se. Essa é a “oposição” oferecida ao povo.

    Por Ricardo Melo*

    Ainda outro dia, um dito desembargador humilhou fiscais no litoral de São Paulo. É reincidente. Em vez de ser afastado imediatamente, conta com a complacência da justiça apodrecida.

    Aí vem a briga da Lava-Jato. O procurador Aras não é flor que se cheire –recomendo distância se o seu olfato ainda não foi fulminado pela covid-19. Mas brigas entre os de cima são sempre assim. Bandido que luta contra bandido não economiza segredos. E a verdade vem à tona.

    Na disputa contra Sergio Moro, Aras revela que a Lava-Jato virou um poder paralelo. Tem um dossiê com mais de 38 mil nomes –o seu pode estar entre eles— guardados a sete chaves. Uma SS aos moldes nazistas montada com dinheiro do povo. E o conselho nacional de justiça ou do ministério público ainda hesita em afastar Dallagnol dessa operação cujo objetivo sempre foi claro: tirar Lula das eleições.

    Chega? Nada disso. O Supremo Tribunal Federal virou a casa da mãe Joana –com todas as desculpas devidas a ela. Dependendo do juiz, a sentença varia. José Serra, um ladrão conhecido –embora muy amigo de juízes e jornalistas de quem foi fonte em priscas eras–, conta com a blindagem deste pessoal e de ministros do Supremo para descansar em paz. O presidente do STF encabeça a fila.

    Os tucanos vêm saqueando o país há décadas. A semelhança não é acidental: assim como os Bolsonaros, usam a família para surrupiar dinheiro público. Serra elegeu a filha como laranja de estimação. Já Alckmin pinçou um cunhado para praticar as malfeitorias agora escancaradas. Tudo encoberto pela imprensa servil durante anos, a mesma que agora tenta abafar o caso e dedica ao assunto espaço menor do que às seções de horóscopos e meteorologia em suas páginas e telejornais. Vale a pena lembrar: um barco de alumínio da família Lula, que não custa mais de R$ 3 mil, foi manchete de jornal como “prova” de roubalheira. Já os milhões roubados pelos tucanos desaparecem do noticiário. Precisa falar mais?

    Os advogados dos larápios nem sequer tentam provar a inocência de seus clientes cheirosos regados a vinhos de safras celebradas. As bancas milionárias contratadas pela quadrilha emplumada se calam diante dos crimes cometidos. Agarram-se a “prescrição dos crimes”, seja pelo tempo decorrido, seja pela idade dos acusados. Ou se apegam ao “foro privilegiado” para impedir investigações. Na verdade, uma confissão de culpa.

    O povo assiste a tudo isto estarrecido. Aparentemente indefeso, mas só aparentemente. As iniciativas em lugares como Paraisópolis, Heliópolis, movimentos de ocupações e de outras comunidades pelo Brasil afora mostram que a defesa da vida suplanta o descaso cruel das elites endinheiradas. Germinam aquilo que deve ser o futuro de um mundo melhor.

    *Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

    Leia mais Ricardo Melo em:

    HTTPS://JORNALISTASLIVRES.ORG/QUEM-CONFIA-EM-MILTON-RIBEIRO-O-MINISTRO-DA-EDUCACAO-ESCOLHIDO-POR-BOLSONARO/

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  • O MELANCÓLICO FIM DA LAVA JATO

    O MELANCÓLICO FIM DA LAVA JATO

     

    ARTIGO

    Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

    Depois de embalar o sonho das “pessoas de bem”, que vestiram verde e amarelo e foram às ruas apoiar o pretenso combate à corrupção, o fim da Operação Lava Jato está próximo e não poderia ser dos mais melancólicos.
    Tudo indica que ela será substituída pela criação da Unidade Nacional Anticorrupção (Unac) por parte do Ministério Público Federal. A Unac, se realmente prosperar, terá sede em Brasília e concentrará ações atualmente dispersas entre as unidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. A proposta é do próprio procurador-geral da República, Augusto Aras que, diferentemente dos seus antecessores, foi escolhido pelo presidente Bolsonaro sem levar em conta a lista tríplice elaborada pela categoria.
    A decisão de Aras é uma das consequências práticas da guerra que passou a ser travada entre bolsonaristas e lava-jatistas, após a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Moro, que foi conivente com parte dos abusos cometidos pelo governo enquanto esteve no poder, saiu atirando e acusando Bolsonaro de “tentar interferir politicamente na Polícia Federal”.
    Um dos principais beneficiados pela Lava Jato, Bolsonaro, que dificilmente teria sido eleito se não fosse a criminalização e o ódio ao PT que ela disseminou, viu na atitude de Moro uma forma de atingir seu governo, mas, principalmente, de se cacifar para a disputa presidencial em 2022. É importante lembrar que o apoio de Moro junto à opinião pública, no momento em que deixou o governo, era significativamente superior ao do próprio Bolsonaro.
    Os partidos de oposição, por sua vez, há muito denunciam os desmandos da Lava Jato
    e como ela, em seis anos de existência, tem cometido todo tipo de ilegalidade. Além de grampear os telefones dos advogados que defendem o ex-presidente Lula nos processo do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, os advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins lembram que o próprio Lula foi condenado sem provas e por “atos indeterminados”.

    Vale dizer: depois de anos revirando a vida e quebrando todos os sigilos bancários, fiscal e telefônico do ex-presidente Lula, de sua família e amigos, não foi encontrado nada que pudesse incriminá-lo.
    Às denúncias dos advogados de Lula vieram se somar, em meados do ano passado, a série de vazamentos publicados pelo site The Intercept BR. Eles mostraram conversas dos procuradores que atuam na Lava Jato, em Curitiba, trazendo à tona muito do seu modus operandi. A série, que ficou conhecida como #VazaJato, mostrou, por exemplo, que Moro não atuou apenas como juiz, mas como auxiliar da própria acusação.
    Caía por terra o discurso de “juiz imparcial” sob o qual Moro sempre tentou se acobertar. Os vazamentos deixaram visível também a perigosa proximidade entre os lava-jatistas e integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Quem se lembra de um exultante procurador chefe em Curitiba, Deltan Dallagnol em conversa com Moro, assegurando “In Fux we trust”? Fux, no caso, é o ministro Luiz Fux.
    As denúncias da #VazaJato correram mundo e foram destaque nos principais jornais da Europa e dos Estados Unidos, contrastando com o silêncio que sobre elas reinou na mídia brasileira. Silêncio explicado pelo fato da mídia local ter se valido das cinematográficas operações da Lava Jato para disseminar o ódio ao PT, patrocinar o golpe contra a presidente Dilma Rousseff (impeachment sem crime de responsabilidade é o que?), prender e impedir Lula de disputar as eleições de 2018, abrindo espaço para a vitória de Bolsonaro e suas políticas antipopulares, antinacionais e de submissão aos interesses dos Estados Unidos.
    Na semana passada (1/7), nova reportagem do The Intercept BR, em parceria com a agência de jornalismo investigativo Pública, mostrou algo ainda mais grave e que veio confirmar denúncias que pairavam sobre a Lava Jato: a interferência de agentes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do próprio FBI, polícia e serviço de inteligência daquele país, em suas ações.
    Quem se lembra que um dos policiais que escoltou Lula, quando ele saiu da prisão para ir ao enterro do seu neto, usava adesivo que não era da Polícia Federal?

    As novas revelações do The Intercept BR/Pública mostram uma parceria “informal” entre Lava Jato e autoridades estadunidenses que, exatamente por ter se dado de maneira  informal, é ilegal. Se o compromisso da Lava Jato fosse realmente combater a corrupção e não atender aos interesses de setores dos Estados Unidos (deep State?), bastaria ter se pautado pelos canais legais. Desde 2001, com o decreto 3.810, Brasil e Estados Unidos firmaram acordo prevendo procedimento escrito e formal, intermediado por órgãos específicos de lado a lado.
    Em outras palavras, mais do que uma operação anticorrupção, como sempre tentou se mostrar, a Lava Jato começa a ter sua verdadeira face desenhada. Ela é parte do kit da “guerra híbrida” adotado pelos Estados Unidos para intervir na política e na vida de países. No caso brasileiro, as razões são muitas. Desde o início dos anos 2000, estudos apontavam que o Brasil tinha tudo para, em menos de duas décadas, se transformar em potência mundial.
    Esses estudos, claro, incomodaram a grande potência mundial e potência maior do hemisfério, mas acabaram sendo deixados de lado em função dos ataques terroristas às torres gêmeas, em 2001. Nesse meio tempo, assumiu o poder no Brasil e também na maioria dos países da América do Sul, governos populares que buscaram o desenvolvimento de suas economias e parcerias no cenário internacional.
    O Mercosul foi fortalecido, a Unasul foi criada e o Brasil esteve à frente do surgimento do BRICS e passou a integrá-lo, juntamente com Rússia, Índia, China e África do Sul.
    Como se isso não bastasse, o Brasil anunciou em 2007 a descoberta do pré-sal e em 2014, apesar da pesada campanha da mídia para derrotar o PT, Dilma Rousseff consegue se reeleger, com a agremiação dando início ao seu quarto mandato à frente da presidência da República.
    Para alguns, tudo isso não passa de “teoria da conspiração”, mas se os fatos forem observados, coincidentemente as ações da Lava Jato apontam para a desorganização e estabelecimento do caos na economia brasileira e para a criminalização de governos que possibilitaram inúmeros avanços ao país.

    Outro efeito prático da Lava Jato foi, sob o argumento de “combate à corrupção”, levar empresas brasileira como a construtora Odebrecht praticamente à falência, obrigada a demitir mais de 230 mil funcionários. Já a Petrobras, além da campanha de desmoralização a que foi submetida, teve que pagar multas milionárias para acionistas
    nos Estados Unidos.
    Em 2014, os serviços de inteligência dos Estados Unidos já tinham sido pegos com a boca na botija, espionando a então presidente Dilma e os contratos para exploração do pré-sal que estavam sendo preparados pela Petrobras. O então presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, nunca negou as espionagens e, até onde se sabe, não pediu desculpas pela ação dos serviços de inteligência. Essa história, em detalhes, está registrada no documentário do diretor estadunidense Oliver Stone, intitulado Snowden. O documentário está disponível na Netflix.
    Vale observar ainda que operações semelhantes à Lava Jato (ou mesmo seus desdobramentos) tiveram lugar na América do Sul, redundando em desorganização da economia desses países, criminalização de governantes populares, eleição de governos neoliberais ou mesmo em golpes de Estado, sempre sob o argumento do “combate à
    corrupção”.
    Voltando a Moro e Dallagnol, nesses seis anos de Operação Lava Jato, eles passaram de figuras inexpressivas a estrelas do noticiário da mídia brasileira (TV Globo à frente). Só que agora estão às voltas para explicar o inexplicável.
    Como se aliaram a integrantes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a agentes do FBI contra empresas brasileiras? Como incriminaram e condenaram, sem provas, o ex-presidente Lula? Como agiram de maneira nitidamente partidária, uma vez que as condenações recaíram quase que exclusivamente sobre o PT e aliados, deixando de fora notórios corruptos do PSDB?
    Apesar dessas questões já serem levantadas pelos advogados de Lula antes mesmo dele passar 580 dias na prisão, só agora ganharam ressonância.
    Por mais de seis anos – março de 2014 é considerado o seu começo – a Operação Lava Jato mandou e desmandou no Brasil. Além do “combate à  corrupção” ter sido transformado pela direita e pela mídia corporativa em problema número 1 do país, em nenhum dos Poderes houve quem se dispusesse a enfrentá-la.
    A presidente Dilma Rousseff, com sua postura republicana, jamais interferiu ou tentou interferir nessas ações. No Congresso Nacional, a maioria dos integrantes, mais preocupada com as eleições que aconteceriam em poucos meses, não deu atenção ao
    assunto e, pelo lado do Judiciário, tudo parecia certo.
    Só que não.
    As operações que tiveram início com a prisão, pela Polícia Federal, de um dono de posto de gasolina em Brasília (daí o nome Lava Jato) onde havia uma casa de câmbio utilizada para evadir divisas do país, rapidamente levou o Ministério Público Federal em Curitiba a criar uma equipe de procuradores para atuar no caso, sob o argumento de que já investigava um dos doleiros (Albert Youssef) envolvidos em transações com o dono do posto de gasolina.
    Numa história que ainda precisa ser devidamente esclarecida, uma investigação que deveria ter ficado em Brasília foi parar na capital do Paraná. Mais ainda: a descoberta de que Yousseff havia dado de presente uma Land Rover para um ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, jogou a empresa no olho do furacão.
    Num passe de mágica, os procuradores em Curitiba, chefiados por Dallagnol, começaram a buscar, de todas as formas, um elo entre a corrupção de diretores da Petrobras e o ex-presidente Lula. Nenhum outro presidente lhes pareceu suspeito. Moro, aliás, foi contra investigar Fernando Henrique Cardoso, para não “melindrar apoio importante”.
    Um mês e pouco depois, a operação já contava 30 pessoas presas e 46 indiciadas pelos crimes de formação de organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro nacional, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Nas 71 operações acontecidas desde então, mais de 100 pessoas foram presas e quase o mesmo número condenadas.
    Os processos contra os acusados, o tempo em que ficavam presos sem julgamento, as
    condições em que eram mantidos encarcerados, nada disso parecia importar para a Justiça brasileira e muito menos para a mídia. Enquanto isso, vazamentos, cujo timing
    político era nitidamente calculado, foram fundamentais para impedir, em março de 2016, que Lula se tornasse chefe da Casa Civil de Dilma, e, em 2018, contribuíram para torpedear a candidatura do petista Fernando Haddad à presidência da República.
    Ninguém, obviamente, é contra o combate à corrupção. Mas o que chama atenção é que a Lava Jato não combateu a corrupção. O que ela combateu foi o PT, a democracia, as principais empresas brasileiras e a soberania do país. Uma das primeiras medidas econômicas aprovadas pelo Congresso Nacional, depois do golpe contra Dilma e da posse do ilegítimo Michel Temer, foi um projeto do senador tucano José Serra (SP), alterando a legislação sobre o pré-sal brasileiro, a fim de beneficiar as empresas multinacionais.
    Para complicar ainda mais essa história, que em muitos aspectos se assemelha a um triller de cinema, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, morre, em janeiro de 2017, num acidente de avião. Teori era o relator da Lava Jato na Suprema Corte e estava às vésperas de retirar o sigilo de cerca de 900 depoimentos e homologar as 77 delações da Odebrecht. Ele vinha publicamente fazendo censuras à atuação do juiz Moro e da própria Lava Lato.
    Sua família nunca acreditou no resultado da perícia sobre o acidente.
    Depois da morte de Teori, opera-se uma curiosa coincidência. Todas as pessoas chave na Lava Jato, sejam seus integrantes, sejam aqueles, em instâncias superiores, que vão julgar os atos de seus integrantes, passam a ser de Curitiba ou vinculados a Curitiba: Moro, o desembargador do TRF-4, João Pedro Gebran Neto, o ministro do STJ, Félix Fischer, e o ministro que ocupa a relatoria da Lava Jato no STF após a morte de Teori, Edson Fachin.
    Fazendo um corte para os dias atuais, o destino da Lava Jato, mesmo com todas as suas ilegalidades, poderia ter sido outro se não fosse a ambição de Moro. Ao querer incluir em seu currículo além do cargo de ministro da Justiça (negociado com Bolsonaro ainda na campanha eleitoral) uma vaga no STF ou mesmo a presidência da República, entrou em rota de colisão com Bolsonaro.

    O problema para Bolsonaro é que Moro acabou se transformando em “queridinho” de parte da direita brasileira (Globo à frente) e, segundo o sociólogo português, Boaventura de Souza Santos, em candidato dos Estados Unidos à presidência do Brasil, a pessoa ideal para manter o país atrelado aos interesses do Tio Sam. Bolsonaro e Moro estão, assim, disputando num mesmo campo.
    É importante lembrar também que figuras como o ex-advogado da Odebrecht, Rodrigo Tacha Duran, que, há mais de três anos, vem tentando fazer delação premiada contra Moro, parece que finalmente conseguirá. Entre outras coisas, Duran tem dito dispor de provas da existência de vendas de sentenças por parte da “República de Curitiba” e de propina ligando essas sentenças, as delações premiadas e advogados amigos de Moro.
    Os integrantes da Lava Jato, obviamente, não estão dispostos a aceitar seu fim
    passivamente. Na última quinta-feira (2/7), numa tentativa de mostrar serviço, a Lava Jato, que andava meio sumida, reapareceu fazendo uma operação de busca e apreensão na casa do tucano José Serra. Há pelo menos dez anos que as denúncias contra Serra são conhecidas e não deixa de ser esquisito só agora a turma de Curitiba, através do braço de São Paulo, ter resolvido agir.
    A explicação mais plausível parece ser a de que a Lava Jato, a fim de tirar o foco das denúncias de que vem sendo alvo, usou essa operação como manobra diversionista. Diante da ameaça de extinção, nada melhor do que uma ação em cima de um notório
    corrupto que sempre esteve acima da lei, para tentar se mostrar imparcial.
    Outra prova de que a turma da Lava Jato está se sentindo acuada foi o adiamento do
    julgamento de Dallagnol no Conselho do Ministério Público, pelo Power Point contra Lula. Marcado para amanhã (7/7), última sessão antes das férias do meio de ano, o adiamento surpreendeu alguns conselheiros e foi interpretado como medo de derrota,
    especialmente diante das recentes revelações da #Vazajato.
    Se as previsões do ministro do STF, Gilmar Mendes, estiverem corretas, em setembro os dois processos impetrados pela defesa de Lula arguindo a suspeição de Moro para julgá-lo serão analisados. Some-se a isso que a Comissão de Direitos Humanos da ONU já tem em seu poder a documentação envolvendo o julgamento e as condenações, sem provas, de Lula.
    Pelo “conjunto da obra” e por razões diferentes, o fim da Lava Jato está próximo e aqueles que se orgulharam de ter vestido verde e amarelo e ido às ruas apoiar seus “heróis” vão começar a ter vergonha.
    Fizeram papel de bobos.