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  • “Não peçam sororidade de mulheres negras com racista”

    “Não peçam sororidade de mulheres negras com racista”

    Por Flavia Ribeiro*, especial para os Jornalistas Livres

     

    Eu não tenho sororidade com racista. Sou mulher, sou feminista negra afroamazônica, mas não sou do tipo que ensina racista com paixão e empatia…

    Não me digam que preciso arrancar irmandade para dedicar a quem apoiou publicamente o William Waack, após sua demissão por uma fala racista que foi vazada e que veio à público. Não dá para exigir de mim esse sentimento, não para a mulher que minimizou a escravização de pessoas negras no Brasil. Efeito que faz com que o grupo que representa mais da metade da população brasileira não esteja ocupando uma vaga no ensino superior… Daí ela fez chacota das cotas raciais.

    Ela que não tem qualquer sentimento de empatia com o “marginalzinho amarrado no poste” e queria lançar a campanha de “adote um bandido” para “defensores de direitos humanos”. Ela que defende o direito do cidadão de bem andar armado… Ora qual o perfil das pessoas linchadas historicamente? A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. As mulheres negras são maiores vítimas do feminicídio. Há um genocídio ocorrendo neste país!

    Agora, ela se sentiu ofendida com a declaração do Coronel Mourão e vale ressaltar que ele não estava falando dela. Quando ele disse que famílias de “mãe e avó de áreas pobres são fábricas de elementos desajustados”, ele estava falando de um estereótipo. A ofensa foi direcionada ao grupo que é maioria entre os mais pobres do Brasil. Muitas das vítimas das ofensas sequer tiveram acesso a essa declaração.

    Não estou dizendo que a vida dela e das outras mulheres brancas que se sentiram ofendidas não tem valor, não devem ser enaltecidas, só que ele não estava ofendendo essas pessoas.

    Até bem pouco tempo o apoio ao Coiso estava bem declarado e agora ela mudou. Pediu desculpas por todas as declarações que deu? Eu não faço aliança com quem tem esse histórico apenas porque reviu a posição em relação a um aspecto.

    A Rachel é uma mulher, precisa ser respeitada e tem todo o direito de de manifestar.

    Mas não, eu não tenho sororidade com ela!

     

    *Flávia Ribeiro é mãe, feminista negra afroamazônica e jornalista

    Foto de Raoni Arraes

     

  • #EleNao: Mexeu com a Rachel Sheherazade, mexeu com todas!

    #EleNao: Mexeu com a Rachel Sheherazade, mexeu com todas!

     

    Sororidade não é só com a Rosa Luxemburgo, com a Marisa Letícia, com a Maria do Rosário, com a Clara Charf, com a Marielle! Sororidade é com todas as mulheres que são atacadas pelo machismo. Rachel Sheherazade, inclusive.

    A fala do general Hamilton Mourão, vice de Jair Bolsonaro, segundo o qual as casas só com “mãe e avó” em áreas pobres são “fábricas de desajustados” que fornecem mão de obra ao narcotráfico, ensejou de Rachel Sheherazade a seguinte reação, em seu twitter:

    “Sou mulher. Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e minha avó. Não. Não somos criminosas. Somos HEROÍNAS! #elenao”.

    Imediatamente, a jornalista passou a ser atacada por internautas de direita, indignados com sua adesão à campanha #EleNão. Como assim? Afinal, foi Sheherazade uma das defensoras de Bolsonaro no inominável ataque que ele desferiu contra a deputada Maria do Rosário (PT), quando lançou sua infâmia: “Jamais iria estuprar você, porque você não merece.” E este foi apenas um dos tristes episódios em que ela juntou-se ao pior dos mundos.

    Agora, Sheherazade enfrenta o ódio que ajudou a fomentar. Em sua página do Facebook, ela escreveu:

     

    “Não vão me calar. Não vão me intimidar. Aqui, vcs não vomitarão seu ódio. #elenao #elenunca”.

    Nós, mulheres feministas de esquerda, a acolhemos com amor e solidariedade. Porque sabemos que o machismo não é um capricho de uns poucos malucos. Ele é estruturante da dominação capitalista, e se acirra nos períodos de negação da Democracia, como o que estamos vivendo.

    O general Mourão ofende as famílias chefiadas heroicamente (como disse Sheherazade) por mulheres, a maioria dos lares brasileiros, já que às mulheres é vetado o direito ao aborto seguro e, aos homens, que cultivam a poligamia sucessiva, premia-se com o elogio de “pegador”.

    O cuidado com a prole, portanto, recai quase que exclusivamente sobre as mulheres, já apequenadas no mercado de trabalho por salários em média 30% menores do que o dos homens que desempenham a mesma função. Aliás, é sempre bom lembrar que Bolsonaro defende o direito de as empresas discriminarem as mulheres, pagando-lhes salários aviltados.

    Foram os governos de esquerda de Lula e Dilma que começaram a reverter essa injustiça atroz, ao destinar primeiramente às mulheres chefes de família o benefício do bolsa-família, ou a titularidade do Minha Casa, Minha Vida.

    Se Sheherazade, a partir de sua vivência, insurgiu-se contra as declarações machistas da chapa Bolsonaro-Mourão, e agora é vilmente atacada pelos seguidores do fascismo, cumpre a todas e todos os democratas e defensores dos direitos humanos o dever solidarizarem-se com ela.

    Pouco importa em quem ela votará.

    “Mexeu com uma, mexeu com todas” é o nosso lema.

  • Menos Dilma, mais Sheherazade! #SQN

    Menos Dilma, mais Sheherazade! #SQN

    Rachel Sheherazade, auto-intitulada cristã, jornalista e, agora, escritora percorre o País divulgando seu primeiro livro “O Brasil tem cura”. No último sábado (5) foi a vez de Manaus receber a tarde de autógrafos promovida pela editora Mundo Cristão, que publicou a obra.

    Quarenta minutos antes da chegada da jornalista, uma fila de pessoas visivelmente ansiosas pelo momento já se formava, enquanto outros transeuntes curiosos perguntavam o que haveria ali: “Sheherazade? Não sei quem é, mas deve ser famosa pelo tanto de gente, né?!”. Com alguns minutos de atraso, Rachel entra de mãos dadas com o marido e filhos, correspondendo a imagem de defensora da moral, dos bons costumes e da família tradicional brasileira. A recepção dos fãs é entusiasmada e juntos entoam gritos que pediam “menos Dilma, mais Rachel”.

    Sheherazade virou assunto nacional quando defendeu os “justiceiros” do Rio de Janeiro, em fevereiro do ano passado. Na ocasião — que a jornalista classificou como “legítima defesa coletiva”-, um garoto negro, suspeito de roubo, foi preso num poste e agredido pelo suposto crime. Sheherazade fez comentário opinativo, após a veiculação da notícia, discursando sobre a ineficiência do Estado em proteger seus “cidadãos de bem” como justificativa para a violência como solução.

    A repercussão do comentário da âncora do telejornal SBT Brasil rendeu, em setembro do mesmo ano, uma ação civil pública contra o SBT, ajuizado pelo Ministério Público Federal em São Paulo, por danos morais coletivos e exigia uma retratação da jornalista para esclarecer ao seu público que tal postura de violência não encontra legitimidade no ordenamento jurídico e constitui atividade criminosa ainda mais grave do que os crimes de furto imputados ao adolescente agredido. O caso foi visto por muitos jornalistas como um ataque ao Código de Ética do Jornalista. Alguns chegaram a afirmar que Rachel Sheherazade não é jornalista, pois “é dever do jornalista opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, justificou Leonardo Araújo em artigo no “Observatório da Imprensa”. Ainda assim, havia na grande fila da livraria estudantes de Jornalismo que a tomam como exemplo na profissão.

    Não por acaso, entre os simpatizantes presentes na tarde de autógrafos, estavam militantes do Partido Militar Brasileiro (PMBr), como o estudante de marketing, Eduardo Pimentel, 32, que acredita que as opiniões da jornalista incomodam a muitos pelo seu teor de ‘verdade’. “Rachel é uma jornalista comprometida com a verdade, honesta e representa os brasileiros que querem um país melhor. Por isso que ela é perseguida e buscam sempre calar sua voz”, disse.

    Curioso é que a claque de Sheherazade desconhece, ignora ou distorce deliberadamente a história da presidente e do País. Entre 1967 e 1970, Dilma lutou contra a ditadura enquanto militava no setor estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina). Ela foi presa e torturada nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e até no Rio de Janeiro. Em 2001, prestou depoimento ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), relatando a violência que sofrera durante o governo militar: apanhou de palmatória, levou choques e socos que resultaram em problemas na sua arcada dentária, além de ter sido colocada no pau de arara, símbolo da violência praticada nas torturas. Esses eram os métodos utilizados para calar a voz naquela época.

    Entre os admiradores de Sheherazade presentes, alguns conversavam sobre a mobilização do dia 13 de dezembro e sobre de que forma Rachel poderia ajudar a “causa”. A manifestação é convocada por organizações responsáveis pelos protestos pró-impeachment, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua (VPR), e ocorre na mesma data em que foi decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suspendeu garantias e direitos constitucionais e inaugurou a fase mais dolorosa da Ditadura Militar.

    A trajetória da jornalista paraibana Sheherazade é marcada por um discurso que contempla parte significativa da sociedade brasileira que está indignada com as crises econômica e política e que, por isso, rechaça o atual governo. Um dos admiradores de Sheherazade é o jardineiro Ilmar de Moraes, 25, que se considera de extrema-direita. Ilmar acredita que a jornalista é uma representante do povo brasileiro e afirma que votou no ex-presidente Lula, mas hoje está decepcionado com o Governo do PT por conta dos escândalos ao qual os integrantes do partido vem sendo associados. “Votei no Lula. Depois que eu terminei meu Ensino Médio, eu pude ter um melhor raciocínio e entendo que quanto mais pobre você é, melhor pra esquerda”, contou, a despeito das informações sobre a redução da miséria no País a partir dos programas sociais implementados na última década.

    Em setembro desse ano, a jornalista estreou como colunista do site Fato Online para escrever (e gravar em áudios) suas opiniões sobre política, semanalmente. O primeiro texto versa sobre o pacote de medidas apresentado pela presidente Dilma Rousseff para “sanar o rombo no orçamento”, já a postagem mais recente fala sobre corrupção (um resumo involuntário do conteúdo do seu livro) e sentencia que “dos males do País, é o pior”. Defensora dos “valores morais”, cita um ícone da política neoliberal: “Dama de um caráter irretocável, a conservadora inglesa Margareth Thatcher acreditava que as práticas geram os valores, os valores formam o caráter e o caráter sela o destino de uma nação”. Thatcher, conhecida como “Dama de Ferro”, recuperou a Inglaterra após a crise dos anos 70, mas suas medidas também abriram caminho para um colapso social com desemprego massivo, o aumento da desigualdade e a triplicação da pobreza infantil entre 1979 e 1995.

    Depois de tantos processos, discussões e polêmicas, é possível percebermos uma Rachel Sherazade exageradamente simpática e doce. Quando perguntada sobre uma Rachel mais descontraída, como no vídeo sobre uva passa, diz que “o jornalista deve ser sério, mas não sisudo o tempo todo”. Talvez esse seja o motivo pelo qual a maior parte do público era composta por adolescentes e jovens naquela tarde de sábado. Enquanto faziam selfies e aguardavam a “diva”, alguns confessaram: “A gente nem gosta de política”.

    A passagem de Rachel por Manaus antecede a polêmica visita do deputado Jair Bolsonaro (PP) para receber a Comenda Ordem do Mérito Legislativo do Amazonas, por indicação do vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM) e membro titular da Comissão de Direitos Humanos, deputado Platiny Soares (PV). Diferente do que pensam os admiradores está o professor de geografia Marcílio Colares, 36, que vê de forma preocupante o crescimento dos fãs de Rachel Sheherazade e até de Jair Bolsonaro em todo país. Enquanto olha os títulos disponíveis na seção de história da livraria, Marcílio desabafa: “Sheherazade e Bolsonaro têm um discurso fascista, eles são os representantes da direita brasileira, difundem o discurso de ódio. Isso é uma característica do fascismo e é preocupante, porque quanto mais o fascismo cresce, menos democracia existe no país”.

    Fazendo um resumo sobre a trajetória da jornalista até o sábado em que esteve em Manaus, trazemos a fala do professor universitário David Borges, quando, em fevereiro de 2014, analisou o discurso da jornalista em defesa dos “justiceiros” cariocas: “No final das contas, quando você concorda com Rachel Sheherazade isso diz muito mais a seu respeito do que a respeito dela”.