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Tag: sexualidade

  • O peso do falo

    O peso do falo

    Há algo de obtuso no pinto do homem brasileiro, pênis inseguro, falo carente.

    Desenho de Eliseu Visconti – 1889

    Creio até que o cacete levou a certas condutas, de forcas a golpes, entre velhas e novas repúblicas, revoltas, assassinatos, tráficos. Conduz, o pinto, o homem brasileiro entre a política, a economia, as relações internacionais. Até a justiça equilibra o pinto, cega, os monólogos do gênero e pêndulo.

     

    Nesses dias, tenho ouvido amigos dizerem de chacotas sexuais entre os homens de poder, em suas roupas de banho, desafiando qualquer autoridade em questão. Envergonho-me disso, gozos desaforados, pífias vitórias, falsos troféus.

    Recordo o psiquiatra José Angelo Gaiarsa falando do pinto:

     

    Tudo indica que as culturas indígenas têm uma consciência muito maior disso. Na construção do seu pensamento baseado numa lei fundamental das emoções, Gaiarsa (Ibid., p. 17) mostra-nos que o pênis censurado gera frustração, por sua vez, gerando agressão: “eis o carinhoso instrumento da reprodução transformado em arma de ataque – de defesa – ou instrumento de tortura.”

    A total e completa falta de educação sexual agrega ainda outras “maldições”, garantindo o surgimento do “machão” transformado somente em pinto, sempre duro, sempre se afirmando teimosamente – agressivamente. Não podendo mostrá-lo, ele (machão) se fez ele (pinto) – mostrando-se sempre: como se mede o machão? Pelo comprimento do pinto, multiplicado pelo seu diâmetro, multiplicado depois pelo tempo que ele permanece duro, multiplicado, enfim, pelo número de vezes que ele chega ao amargo fim (o orgasmo é a morte do desejo – é um desmancha-prazeres -, você não acha?). (Ibid., p. 19-20).

     

    Marcos Hill, professor adjunto da Escola de Belas Artes/Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)- Onde está o pênis?

    https://www.ufmg.br/revistaufmg/pdf/REVISTA_19_web_112-123.pdf

     

    Dizia também, Oswald  de Andrade, em grande ironia, devia o índio ter despido o português.

     

  • 2019 desejante

    2019 desejante

    por Natasja Garonne

    *ilustrações por helio carlos mello – interversão e mixagem na obra de Caribé e Tom Zé.

     

     

     

    – É que faz oito dias que não durmo na minha casa, por isso eu achei que poderia estar exagerando nos dates. 8 noites, 6 camas diferentes. Passei a tarde em casa para lavar a roupa e tal. Mas logo estou de saída de novo.

    Era um dos meus amigos sendo super sincero. Será que estava exagerando? Será que estava tentando mascarar a fase ruim que vivemos em 2019, passando mais tempo dedicado à felicidade sexual das pessoas? Eu perguntei se ele achava que estava apenas consumindo sexo ou se estava realmente dando algo bom às companheiras. Ficou com a segunda resposta, cada uma com um jeito diferente de dar e receber prazer, boas conversas, pessoas que tem encontrado com frequência nesse último ano. Ótimo. Então, esqueça o socialmente estabelecido e distribua esse prazer, foi meu conselho.

    Por isso fiz um balanço do que aconteceu em 2019 na minha própria vidinha mais ou menos. Foi o segundo melhor ano da minha vida sexual, e faz trinta anos que tenho uma. Não foram só caras diferentes e interessantes que me deram o prazer de ter prazer comigo. Foram as experiências mais radicais de experimentação não convencional de práticas – eu nem posso dizer “na cama” porque realmente não foram.

    Será que estamos transando assim, como se não houvesse amanhã, para esquecer o bolsonarismo por algumas horas? Será que é assim que podemos suportar os dias em tudo está sendo destruído em termos de liberdades civis e direitos sociais? Será que é dando que a gente está conseguindo sobreviver à avalanche obscurantista de 2019?

    Olha, estou convencida do contrário. Acho até que o bolsonarismo é uma reação bizarra e patética a uma transformação que vem vindo no vento. Os discursos histriônicos pela família convencional, rosa e azul, homem que é homem, mulher recatada, masculinidade violenta é que parecem tentar responder a nossos avanços. A preocupação dos dirigentes do governo brasileiro hoje é que os jovens não “virem gays”. Para que teriam que defender o que está estabilizado? Por que ser arauto de uma verdade que ninguém questiona? Se eles investem tanto em reforçar esses padrões é porque já estão amplamente questionados.

    Enquanto uma parte da população mergulha num backlash obscurantista, repressor e numa caretice sem tamanho, o Brasil está aí fazendo golden shower, e isso o presidente percebeu como poucos. O presidente é o maior fiscal de cu da República no presente século. Mas o seu trabalho não está sendo tão fácil, ele revelou esses dias um enorme cansaço, porque eu acho que cu foi a palavra do ano.

    No meu animado ano, passei a receber pedidos de parceiros hétero para explorar eroticamente o lugar que nunca toma sol. Comecei meio tímida, mas quando me dei conta, tinha virado uma espécie de rainha do pegging. Para quem não sabe, pegging é quando a mina pega o cara por trás, também chamado na nossa língua de “inversão”. Penetração mesmo, do feminino no masculino, por aquele portal sensível erótica e politicamente. Vale de um tudo, a depender do desejo e do consentimento: um dedo, dois dedos, um plug, um brinquedo, maior, maior, maior ainda, vai que eu aguento, sou homem, pô. Até que alguém me pediu um fisting. Alguém não, vários alguns, mais um estava na minha frente, já posicionado. Eu pensei, gente, acho que não vai rolar, imagina, eu? Mas o brasileiro não desiste nunca, e coloquei a mão inteira.

    Sei que agora uma boa parte dos leitores teve uma reação corporal de defesa. Tipo oloko. E uma parte está procurando se tem meu email nos créditos.

    Mas eu queria tentar comunicar que sou totalmente normal vivendo diferente. Tenho profissão exigente, sou casada, faço almoço de domingo, limpo casa, me depilo, organizo ceia de Natal, uso até aliança (estou vendo aquele ali que já se perguntou se estava com ela ou sem no momento do fisting). Não tenho tatuagem e faço luzes no cabelo. Mas no ano passado abrimos o relacionamento. E foi então que, tendo passado um tempo fora do mercado, voltei e o pegging estava na moda. Não só o pegging, mas todo tipo de fetiche. O brasileiro do escritório, da faculdade, do carro engarrafado na marginal. Meus amigos de esquerda. Meus peguetes Faria Limers. Não vou dizer que gente que votou 17 também, mas não duvido, embora a esses eu peça gentilmente, no texto do aplicativo, que não falem comigo. A geral está experimentando com o rabo. Curiosos a respeito de troca de papeis, dominação feminina, mulheres no comando.

    Eu estou falando de gente careta, com identidade sexual hétero cis. Gente que tem filho, namorada. Gente que está nos aplicativos de encontro comuns, gente muito baunilha em quase tudo. Cada vez mais não monogâmicos, cada vez mais “mente aberta”, o que parece ser o código para a prática. Tem os que chegam com “Olha, eu não quero fazer isso todo dia, mas eu te achei uma pessoa bacana, eu queria experimentar”. Tem os “Já pedi para minha namorada, mas ela ficou muito tímida, eu queria experimentar direito. Você tem uma cinta?”. E tem os que já me chamam de Rainha.

    Você nem sabe, mas capaz que encontrou seu colega de escritório ou o pai do coleguinha da escola do seu filho usando um plug anal por aí, no banheiro da firma ou no supermercado, como parte de um jogo de erotização que não pertence mais só a um segmento muito escondido e a comunidades discriminadas.

    Também tenho visto os nossos filhos. Eu não tenho filhos, mas vocês têm. E eles estão na idade de descobrir, não é? Tentamos entender se nossos filhos são hétero ou LGBT, mas estamos levando um tempo enorme para entender. E a frase do ano, nesse sentido, eu ouvi de uma estudante da faculdade: “Briguei com a minha mãe porque ela quer que eu diga se eu sou lésbica ou não. Para que eu tenho que saber dizer isso?”

    O monitor de uma das minhas turmas na faculdade fez o inventário desejoso da sala. Pegava este, aquele e o outro, e esse aqui já mandou um inbox. Eu disse que era para parar com isso, monitor não pode ficar misturando as coisas. Ele ficou mal ao perceber que eu tinha razão. Aí, para dar uma descontraída, eu comentei “mesmo porque esse aqui eu acho que não é gay”. Ele me olhou com cara de quem está explicando para a tia avó como faz para usar os recursos do celular. “Não tem isso não, adoro pegar hétero”. Então, no mínimo uns dez anos defasada nas minhas concepções de sexualidade, eu estabeleci que só podia pegar depois que acabasse o semestre.

    Ainda nesse ano que termina, soube de alguns casais de amigos que abriram o relacionamento. Coisa que a gente não conta para todo mundo. Mais um campo de experiências intenso, prazeroso e dolorido. Aqueles amigos que fui à festa de casamento e dancei flashback, com óculos amarelo e boá de carnaval. Então, agora os dois filhos já cresceram um pouco e o cachorro está velhinho, estão tentando coisas novas. Descobri que tem grupos no facebook, aplicativos, redes abertas, redes fechadas. Gente indo junto aos encontros de swing, gente mantendo contas ativas nos aplicativos. Duas séries do Netflix fizeram sucesso na classe média branca que está tentando escapar daquela família que já não cola mais: Eu, Tu e Ela e Wanderlust. Foi por comentários meus sobre essas séries que alguns amigos vieram inbox dizer que também estavam nessa.

    Lembrei do livro do Zuenir Ventura sobre 1968, em que abre a narrativa contando de divórcios improváveis se sucedendo como dominó. Algo implodia nos valores repressores da vida privada em termos mundiais, às vésperas de tudo se tornar enormente repressivo na vida pública do país. Parece que as pessoas estavam reagindo a algo, de modo individual, porém simultâneo.

    E eu tive a impressão de ter vivido algo parecido em 2019. Cada um com seu cu, fazendo parte de um movimento de desconstrução mundial da interdição sobre a qual se assentou a masculinidade moderna: homem é o que penetra e nunca é penetrado.

    Eu sei que muita gente vai dizer que isso não significa nada, é só olhar a corte bon vivant de Maria Antonieta às vésperas da Revolução Francesa. O que faz revolução é fome, não é cu de homem. É, está certo. Mas a libertinagem, como valor da aristocracia, foi uma das principais correntes de crítica dos valores privados burgueses, elevados a política de Estado na época vitoriana.

    E a normalização do divórcio como uma prática aceitável foi um dos marcos mais importantes na luta pela conquista de direitos civis pelas mulheres no século XX. Se muita gente abre a relação ao mesmo tempo, estamos deslocando e ampliando o sentido de ser um casal e formar uma família, assim como a concepção de posse do corpo e do desejo do outro envolvida nos valores do casamento.

    Penso hoje que os reacionários também percebem o que estamos fazendo mais ou menos escondido, na esteira de um pequeno orifício aberto pelo feminismo e pela luta LBGT. Estão nervosos e agressivos. Percebem que as coisas estão mudando rápido no plano das relações entre os gêneros e com o gênero. Está mudando a experiência de muitos casais hétero. Enquanto os reacionários interditam, nós liberamos.

    Talvez, tão importante quanto multidões gritarem para Bolsonaro ir tomar lá como forma de expressar desaprovação à sua política repressiva e retrógrada, seja começar a destruir na prática os fundamentos dessa masculinidade agressiva fascista. De todo modo, transar diferente ou gritar na rua, sozinhos, não serão suficientes para sustentar as transformações que queremos no mundo. Vai ser preciso lutar em todas as frentes. E também atrás. Eu quis registrar que começamos de vários lados.

      

    Natasja Garonne, blogueira e Domme, escreve no blog Rapport de Dra. Natasja

     

     

  • HABEMUS CLITORIS!

    HABEMUS CLITORIS!

    No mês da mulher, queremos homenagear todas elas com muito gozo e prazer.

    Na segunda parte da nossa série sobre o prazer feminino, vamos explicar um pouco da história do clitóris. Algumas pessoas mal sabem o que é, outras acham ele se resume àquela pequena bolinha rosa acima da vulva. Nada disso! O clitóris mede cerca de 10 centímetros e é o único órgão humano exclusivamente dedicado ao prazer. O mais assustador é que nós levamos anos para descobrir a sua real forma, popularizada em 2016 quando o primeiro projeto de impressão 3D do clitóris foi criado em arquivo aberto para que todxs possam ter o seu, mas o clitóris é conhecido desde o século XVI. Depois de 500 anos de negação e mentiras a respeito do prazer feminino, é hora de falar sobre a nova revolução sexual que essa descoberta pode propiciar a nós, mulheres.

    Ei, eu sou o Clitóris 🙂

     

     

     

    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

    A primeira pessoa a descobrir o clitóris, em 1559, foi um homem, Matteo Realdo Colombo, professor de anatomia italiano. Nessa época, ele já tinha identificado que o clitóris era o despertador do prazer feminino, e o bichinho também já era bem conhecido e os desenhos científicos e médicos da época o mostravam quase por completo.

    Cinco séculos depois, em 1998, foi a vez de uma equipe de pesquisadores australianos coordenada pela doutora Helen O’Connell, da Universidade de Melbourne, revelar a anatomia exata do clitóris com seus bulbos e  propriedades.  Além da glande, que debaixo do prepúcio é a parte mais visível e sensível (a tal de bolinha), ele também é composto por um corpo, dois pilares e dois bulbos, que formam um duplo arco na entrada da vagina, na altura dos dois lábios externos. Totalmente formado de corpo cavernoso, o mesmo tecido erétil do pênis, ele se enche de sangue quando excitado para produzir a ereção. O clitóris também é um órgão móvel que acompanha os movimentos do pênis durante a penetração. De todos os órgãos, ele é o mais sensível e, como diz a diz a jornalista do New York Times Natalie Angier “há mais terminações nervosas na sua extremidade de que em todos os outros órgãos, inclusive a língua ou o pênis”.

    Para ela, enquanto o pênis é uma simples espingarda, o clitóris é uma verdadeira metralhadora!

    Anatomia do Clitoris

    Fazem mais de vinte anos que o tema voltou a tona, com o protagonismo militante dessas pesquisadoras. Mas como podemos constatar, ainda está longe de ser amplamente conhecido na opinião pública. Hoje qualquer adolescente sabe desenhar um pênis com seus testículos, mas sequer as mulheres sabem como seu próprio clitóris é feito. Entre dogmas e superstições a historia do clitóris é uma verdadeira epopeia. “1998 é exatamente a data de comercialização do Viagra. Ou seja, quando sequer se sabia como era feito um clitóris, os homens já tinham um remédio pronto para tratar seus distúrbios de ereção”, nota Odile Buisson, ginecologista membro da equipe francesa que fez o primeiro ultrassom in vivo do clitóris em 2007. A palestra completa feita na na Universidade Paris-Diderot em 2011 você pode conferir aqui.

    Era uma vez, o clitóris…

    “Mas então como podemos ter passado de uma época na qual sabia-se tanto sobre o botãozinho rosa para um tal nível zero de informação? O papel da ciência não é de progredir sempre? Não senhora! Quando falamos de prazer feminino tudo se complica sempre”. Esses são os comentários da jornalista Clarence Edgard-Rosa, da revista francesa Causette que publicou em janeiro desse ano um especial integralmente dedicado ao clitóris e da qual tiramos grande parte das nossas fontes.

    O ponto central que captou a atenção dos cientistas nos séculos XVI e XVII era a crença de que o clitóris tinha um papel central na procriação. O sexólogo Jean-Claude Piquard (autor do livro ainda não traduzido em português, a Fabulosa historia do clitóris) explica que na época “a estimulação do clitóris é considerada como uma prática importante na cama do casal. Até a Igreja o recomenda aos maridos. Alguns médicos vão até dizer que o orgasmo simultâneo é condição necessária para reprodução”.
    Mudança total de cenário no século XVIII. A masturbação feminina passa a ser chamada de “conspiração natalista” ainda segundo Piquard. O prazer feminino, quando ocorre sem penetração vem sendo considerado com forma de contracepção. Casos de excisão terapêutica começam a ser praticados pelos médicos na França e na Alemanha, com a ilusão de conter o que pensava-se podia causar o fim da humanidade.

    Na mesma época, o clitóris encontra-se no centro dos tratamentos psicanalistas para curar as pacientes consideradas histéricas. Após ter queimado milhares de bruxas nos séculos anteriores, a histeria se tornou a doença do século para controlar mulheres inconformadas e com supostos comportamentos desviantes. Enquanto alguns psicanalistas preconizavam a ablação do clitóris, outros indicavam cessões de … masturbação!  A chegada do orgasmo contribuía a parar as crises e acalmar as pulsões. Piquard conta que essa atividade constituía cerca de 30% do lucro dos psicanalistas, extremamente rentável. A comédia romântica Hysteria da britânica Tanya Wexler (2011) descreve esse contexto histórico que contribuiu para invenção do vibrador por … um médico cansado de masturbar suas pacientes!

    Imagem do filme Hysteria de Tanya Wexler (2011)

    Por fim, o que devia acontecer aconteceu: os psicanalistas entenderam que o clitóris não tinha nada a ver com procriação, e o querido clitóris caiu no esquecimento. Segundo a historiadora Aude Fauvel, especialista em sexualidade feminina no instituto universitário de Lausanne, “surgem na época teorias darwinistas especulando que o clitóris era um órgão em desaparecimento na evolução da espécie. Algumas até chegaram a dizer que tratava-se de um vestígio da pré-história”. Tais especulações deram assim embasamento para teorias racistas estipulando que as mulheres negras teriam o clitóris mais desenvolvido porque mais primitivas.

    Confira o videoclip de Dorian Electra, “Our music Ode to the clitóris” que relata a historia da opressão masculina sobre o prazer feminino.

    Imagem do videoclipe Dorian Electra, “Our music Ode to the clitóris” .

    Orgasmo clitoridiano versus orgasmo vaginal

    No século XX, o clitóris cai em desuso e a única fonte considerada normal de prazer feminino se torna a penetração graça ao célebre psicanalista Sygmund Freud. O pai da psicanalise dizia desde 1905 que o prazer clitoridiano era infantil e que a penetração vaginal era a única forma de se praticar a sexualidade adulta. “Para ele as meninas tinha inveja dos meninos por não ter pênis”, diz a doutora O’Connell. Ele escrevia que “a eliminação da sexualidade clitoridiana é a única condição para desenvolvimento da feminidade adulta”, reporta a revista Causette.

    Sendo assim, as mulheres que se masturbam não seriam verdadeiras mulheres, afirmação muito diferente da visão de outras culturas, como a de Ruanda, da África. Tais teorias espalharam universalmente e são à base da frustração de milhões de mulheres que até hoje sentem vergonha ao não “conseguir” chegar ao tão desejado orgasmo vaginal. A ideia que o orgasmo clitoridiano seja algo secundário, menos gostoso ainda prevalece nas mentes femininas e vem sendo veiculado em muitas revistas contemporâneas.

    Tais injustiças continuaram vigentes enquanto só os homens tinham legitimidade para falar e teorizar sobre o corpo da mulher. Com a entrada na profissão das primeiras mulheres começa um novo discurso sobre a sexualidade não reprodutiva. Entrada que como se sabe, acompanha-se de muitos preconceitos.

    A virada de protagonismo do nosso sininho 

    Uma das primeiras vozes femininas a ressoar contra a moral masculina foi a da princesa Maria Bonaparte, descendente de Napoleon, que em 1924, após uma pesquisa empírica junto a 200 mulheres contesta o dogma teórico imposto por Freud e recoloca o clitóris no centro do debate em torno do prazer da mulher. Segundo ela a frigidez seria a consequência do extenso afastamento entre o clitóris e vagina (ver o livro ainda não traduzido em português deAlix Lemel, “es 200 clitoris de Marie Bonaparte”(2010)).

    A grande revolução chega em 1976 com a cientista social norte americana, Shere Hite que pública seu famoso “relatório Hite: um profundo estudo sobre sexualidade feminina”, que causou grande polêmica na sociedade da época ao ponto de obrigar a pesquisadora a se exilar fora do país. De fato Hite ousou fazer o mais evidente: perguntar às mulheres o que elas sentem durante a penetração. E foi assim que ao mandar questionários para uma amostra de 3000 americanas, através de associações, anúncios em revistas e até paroquias, ela demostra que só 30% das mulheres afirmam ter orgasmos frequentes durante a penetração. Portanto, a maioria delas conhecem o orgasmo clitoridiano. Um cataclismo que revela que falo não seria mais o principal objeto do prazer feminino.

    Outra peça chave dessa revolução dos paradigmas, o casal norte americano Virginia Johnson e William Masters, ambos sexólogos que desde os anos 50 deram maior divulgação na sociedade sobre a importância do clitóris na sexualidade feminina. A série “Master of Sex” relata essa historia.

    Imagem do vídeo realizado por Marie Docher sobre a impressão 3D do clitóris. Vídeo legendado aqui pela TV Folha.

    Muita luta está ainda por vir até que o clitóris chegue ao mesmo patamar que o pênis. Mas grandes ações já foram realizadas. A última foi o trabalho da pesquisadora francesa Odile Fillod que divulga desde 2016 uma modelização 3D do clitóris podendo ser baixada e impressa por qualquer pessoa. O link com arquivo e modus operandi (em francês) está aqui. Com isso ela espera alcançar escolas e projetos educativos e assim, sair do mundo acadêmico.

    Segundo a historiadora francesa Stéphanie Wyler , a etimologia do clitóris vem do grego “kleitor”, literalmente “o fechador/lacrador”, nome de um rei de Tessalia, pelo fato dele precisar conter fatos, segredos e poderes.   Nada de mais claro: está na hora de rebentar de vez essas correntes!  Porém no meio dessa confusão outro pesquisador alemão em 1848, o Dr Georg Ludwig Kobelt, ao pesquisar sobre prazer masculino e feminino, faz um paralelo entre as glandes do clitóris e do pênis e chega à conclusão que o prazer feminino seria mais intenso.

    Depois de tanta informação, que tal entrar no clima do nosso prazer? Indicamos o filme  “Clitoris, prazer proibido” de Michèle Dominici (2003). Disfrute-se!

     

     

     

     

    Agradecimentos Especiais:

    Edwaldo Queiroz, do coletivo Mola, pela gentileza e a dedicação para impressão 3D;
    Carlos Cox Costa, pela tradução do vídeoclipe “Ode ao Clitoris”;
    Thaina Nogueira e Verilucy Cristine pela contribuição no vídeo “Prazer, Clito!”.