Jornalistas Livres

Tag: sem teto

  • Edifício Caveirão: entre ruínas e violência policial, mulheres lutam para não ir para a rua

    Edifício Caveirão: entre ruínas e violência policial, mulheres lutam para não ir para a rua

    Por Laura Capriglione e Lina Marinelli

    “Aqui tudo parece
    Que era ainda construção
    E já é ruína
    Tudo é menino, menina
    No olho da rua
    O asfalto, a ponte, o viaduto
    Ganindo pra lua
    Nada continua” (Caetano Veloso)

     

    O prédio localizado no número 103 da rua do Carmo, a poucos passos do marco zero da cidade de São Paulo, contém hoje 100 moradores equilibristas. São idosos, portadores de deficiências físicas e mentais, mulheres, algumas grávidas, e crianças, muitas crianças, vivendo em um prédio-símbolo da Arquitetura da Especulação de que a cidade de São Paulo está repleta. Monstro urbano à espera de valorização imobiliária, o edifício recebeu o apelido de “Caveirão” porque é praticamente um esqueleto de prédio: vigas de concreto recheadas de vergalhões de ferro e 23 lajes, imensas lajes, que foram construídas para abrigar automóveis. No projeto, o Caveirão seria um edifício-garagem.

    Dançarinos no vácuo, equilibristas sem rede de proteção, os moradores do Caveirão se situam no último elo da cadeia alimentar que define quem come e quem é comido na cidade. Eles são os comidos. Todo o prédio ecoa a música evangélica que sai aos berros de um dos barracos –sim, dentro do esqueleto, os moradores construíram uma favela com os restos mortais de São Paulo (tapumes de obras, portas descartadas, caibros comidos por cupim). A música evangélica parece que fala com cada um dos equilibristas: “O Deus do Impossível não desistiu de mim. Sua [mão] destra me sustenta e me faz prevalecer…”

    O prédio tem lixo espalhado por todo lado. São toneladas de dejetos, que os moradores tentam agora limpar. E está condenado. Em março de 2012 o engenheiro Merinio C. Salles Jr. atestou que “a estrutura vem sofrendo deterioração com o tempo, podendo vir a ruir, tendo em vista que sua estrutura de concreto armado já apresenta sua armadura exposta e sem condições de reparação, podendo assim vir a entrar em colapso causando grave acidente na região”. Mas o ruim tem ficado pior porque, nos últimos sete meses, o Caveirão está assombrado por 18 homens, soldados da PM, que aparecem todos os dias para esculachar os moradores, ameaçá-los e exigir que saiam do lugar. “Vai, sua puta, vagabunda, encosta na parede!” É pé na porta, humilhação das mulheres, destruição dos barracos, pontapés nas televisões e celulares esmigalhados sob os coturnos (para os moradores não filmarem a violência). Em um dos ataques, uma moradora com um bebê no colo e um cadeirante foram jogados no chão. Sofreram ainda com os efeitos do spray de pimenta. Os militares aparecem fardados, mas sem a identificação colada no uniforme.

    Caveirão: policiais militares ameaçam moradoresl, torturam moradores; moradores denunciam torturas e maus tratos gridem moradores, destroem tudo e
    Caveirão: policiais militares ameaçam moradores

    Há relatos de tortura contra os homens, que são obrigados a deitar no chão, de bruços, mãos nas cabeças. Os soldados chutam os corpos e pisam neles. Uma moradora tomou choques elétricos no pescoço e nos bicos dos seios, a energia vinda dos varais de fios elétricos que percorrem a ocupação. Na terça-feira passada (23), os policiais chegaram pouco antes das 19h. Entraram de novo no prédio, sem mandado nem nada e, usando os métodos de milicianos, disseram que ou os moradores do Caveirão saíam por bem ou haveria mortes. Para reforçar a ameaça, rasgaram um colchão a facada, o talhe em forma de cruz. E deixaram o bilhete: “O prazo é hoje”. O Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos está oferecendo auxílio jurídico para as famílias ameaçadas.

    O incrível em toda essa história do Caveirão da rua do Carmo é que o proprietário atual, Rivaldo Sant’anna, também chamado de “Rico”, que afirma ter comprado o prédio em 2009 por R$ 800 mil (cerca de 1,5 milhão de reais em valores de hoje), nem sequer possui decisão judicial apoiando sua pretensão de despejar as pessoas que lá residem.

     

    Sofrimento demais

    Caveirão abriga vítimas de violência doméstica, como Elisângela (à esq.), que foi arremessada pelo ex-marido do 1º andar, quando estava grávida de 8 meses
    Caveirão abriga vítimas de violência doméstica, como Elisângela (à esq.), que foi arremessada pelo ex-marido do 1º andar, quando estava grávida de 8 meses

    Miseráveis, os moradores têm um histórico de dor e sofrimento bíblicos. Elisângela Neves David, 37 anos, sempre foi espancada pelo marido. Grávida de oito meses, ele a arremessou da varanda do apartamento em que viviam. Elisângela foi recolhida pelo SAMU. Vergada de dor, ouviu uma agente de saúde lhe perguntar:

    –Você quer fugir?

    Ela nem ouviu. Ela sentiu:

    –Meu filho ainda está comigo? Minha filha está aqui?

    –Sim!

    –Quero!

    “Era tudo o que eu precisava. Dali, eu fui levada para uma Casa-Abrigo, onde fiquei escondida.” Benjamim, o menino que Elisângela carregava no útero quando foi atacada pelo marido, sobreviveu. “Eu desapareci do mundo e, quando vi, estava aqui.”

    Elisângela é auxiliar de enfermagem. Como há três anos não consegue pagar a taxa de anuidade do Conselho Regional de Enfermagem (R$ 172,45 em 2020), não pode exercer sua profissão. Ela vende, então, balas nos semáforos, trufas na porta da escola das filhas, o que der. Agora, em época de pandemia, está impossível trabalhar. As pessoas nem abrem o vidro dos carros, por medo de assalto e do contágio. “Da pobreza eu caí na degradação ”, diz Elisângela.

    Valéria da Silva Nascimento, 43 anos, mãe de cinco, vive para o filho portador de deficiência, João Gabriel Henrique da Silva Dias, de 20 anos. Hoje músico e compositor, o jovem toca violão, guitarra, baixo, ukulele. Paraplégico, isso não o impediu de jogar basquete e tornar-se dançarino de hip hop. Na escola, escutou pela primeira vez Geraldo Vandré: “Pra Não Dizer que não falei das Flores”. Um professor tocava ao violão. “Eu me apaixonei e pedi para o professor me ensinar. Um dia ele me deu um violão. Eu chorei de alegria. Não parei mais de tocar.” Gabriel é um sujeito doce, com uma auto-estima de gigante. A mãe sempre o cumulou de amores, de olhares e cuidados. Para sobreviverem, ela cata reciclagem, compra e vende na feira do rolo, costura, lava roupa para fora, às vezes até para pessoas que moram em albergue.

    Infância no Caveirão: O menino Samuel David, de 3 anos, é autista e sofre com problemas respiratórios. A mãe, Cristiana, já mora no prédio há 18 anos
    Infância no Caveirão: O menino Samuel David, de 3 anos, é autista e sofre com problemas respiratórios. A mãe, Cristiana, já mora no prédio há 18 anos

    Cristiana Alessandra Moreira, de 40 anos, tem dois filhos atualmente: Cauê, de 21 anos, e Samuel Davi, de três anos. Mas Cristiana pariu sete, dos quais cinco morreram logo. Mora no Caveirão há 18 anos, interrompidos quatro vezes por despejos. Voltou sempre. Ela precisa estar todo o tempo com o filho Samuel Davi, que é autista e sofre com problemas respiratórios. Da última vez que foi despejada, a Prefeitura pagou auxílio-aluguel para as famílias que viviam no Caveirão (R$ 400 por mês), mas o benefício foi cortado e Cristiana voltou para o prédio.

    Cristiana sai de seu barraco por volta das 11h, com um vasilhame usado de margarina. Está repleto de urina. Samuel Davi, agitado, não deixou que ela dormisse a noite toda. O menino só se acalmou por volta das 5h, quando ela, enfim, descansou. A urina terá de ser despejada no térreo do prédio, porque o Caveirão não tem banheiros funcionando. Aquele que Cristiana construiu com as próprias mãos foi destruído pelos usuários de crack que ocuparam o prédio depois do despejo dos moradores e pela Polícia Militar.

     

    Moradia de carros

     

    Anúncio publicado na "Folha de S.Paulo", em 1964: A sua garagem automática, por 50.000 cruzeiros
    Anúncio publicado na “Folha”, em 1964: compre sua garagem automática, por 50.000 cruzeiros

    O drama do Caveirão vem de longe. Em 1964, a Folha de S.Paulo publicou anúncio da construção de um edifício-garagem a poucos metros da praça da Sé. Era ele, o espigão da rua do Carmo, ainda em fase de vendas. Nessa época não existia nem o metrô. Mas havia edificações espetaculares e reluzentes de novas. Como a própria Catedral da Sé, inaugurada havia apenas 10 anos (a construção só seria finalizada em 1967). Ou o Fórum João Mendes Júnior, março histórico da cidade de São Paulo e símbolo da Justiça paulista. Pois o Fórum foi inaugurado em 1958, apenas seis anos antes do anúncio da Folha.

    O novo empreendimento representava a crença inabalável daquele período de que as cidades do futuro seriam as cidades dos automóveis. Portanto, era preciso construir apartamentos, escritórios e edifícios-garagem, para armazenar gente e dezenas de milhares de veículos. No anúncio da Folha, lê-se que era possível tornar-se o feliz proprietário de uma vaga de carro a poucos metros da praça da Sé, com uma entrada de 50 mil cruzeiros, hoje equivalentes a 2 mil reais.

    O fato é que as tais garagens jamais foram entregues e, inconclusas, resultaram em um dos retratos mais obscenamente explícitos da cupidez materialista na megalópole.

     

    Casa sem banheiro, sem teto, sem nada

     

    O Caveirão não tem telhado. Quando chove, chove dentro. Instalações sanitárias existem apenas no térreo. Porque carros não precisam delas. A polícia também fez questão de arrancar e destruir escadas e degraus que ligavam as lajes dos andares. Os moradores sobem e descem escalando escadas imaginárias ou banguelas, com degraus quebrados ou simplesmente faltando. Cristiana sobe e desce essas escadas surreais carregando os cilindros de oxigênio de que o filho Samuel Davi precisa para sobreviver.

    Amor de mãe no Caveirão: Valéria e João Gabriel, paraplégico: o jovem está morando no prédio há um mês; para ele, é um "lugar maravilhoso"
    Amor de mãe no Caveirão: Valéria e João Gabriel, paraplégico: o jovem está morando no prédio há um mês; para ele, é um “lugar maravilhoso”

    João Gabriel, o filho paraplégico de Valéria, mudou-se para o Caveirão há um mês, depois que a mãe pavimentou o chão e construiu rampas para o trânsito da cadeira de rodas. “Pra mim, aqui é um lugar maravilhoso. Eu sinto uma alegria, uma união, um prazer. Aqui tenho amigos para conversar. Sei que posso contar com muitas pessoas aqui dentro e elas sabem que podem contar comigo também.”

    “Eu sou muito feliz aqui dentro. E eu sofro por ver que o prédio está se acabando sem cuidado nenhum, o proprietário não o usa para nada, e a gente tem milhares de pessoas vivendo nas ruas”, diz Cristiana.

     

    O drama das famílias do Caveirão é a condição de existência de milhares de pessoas na cidade de São Paulo. A Prefeitura de São Paulo calcula que, em 2019, havia 24.344 pessoas vivendo em situação de rua. Mas o Movimento Pop Rua calcula que o número correto seja superior a 32 mil pessoas. E segue crescendo à medida em que a inadimplência gera despejos por falta de pagamento de aluguel. E a rua é um terror, principalmente para as mulheres, conforme depoimento de Valéria:

    “Eu sou uma ex-moradora de rua. Passei sete anos vivendo na rua. Você não pode fazer sua comida, você não pode trazer os seus filhos para a rua, você fica vulnerável, você é mal vista, você é apontada, as mulheres não têm valor nenhum. Se você arrumar um homem, ele vai te espancar, ele vai te estuprar, ele vai te usar. E se você não tiver força, você vai virar uma usuária de droga ou vai se prostituir. A rua é o último lugar. Não tem mais para onde cair quando você chega na rua. Por outro lado, ninguém quer viver em albergue. Porque no albergue você é maltratada, você é pisada, você é humilhada. Os funcionários dos albergues te tratam como lixo. A casa de parentes também não dá. O parente joga na tua cara, quando você tem filhos, maltrata os seus filhos. Vivendo na rua, a gente tem medo do Conselho Tutelar, a gente tem medo de tocarem fogo na gente, de estuprarem minhas filhas. Minha filha foi estuprada num abrigo. Eu achei que ela estava num lugar seguro e ela não estava. Eu sou costureira, sempre trabalhei. Já aluguei um cantinho, mas dali a pouco você é mandada embora do emprego e é despejada. Ninguém mora numa ocupação porque quer. Você mora ao lado de pessoas que não conhece, tem muito barulho, a luz cai, a polícia invade. Você tem mais medo do que qualquer outra coisa.

    Mas é infinitamente melhor do que a rua.”

     

    “A minha luta só termina quando eu tiver a minha moradia. Porque para a rua eu e meus filhos não vamos. A PM tem a arma, mas eu tenho o direito legítimo. Eu ofereço o meu peito para a a bala. E, se me matarem, meus filhos lutarão por mim” (Elisângela)

    Veja o vídeo gravado na ocupação:

     

     

     

     

  • Comitê popular enfrenta o coronavírus distribuindo cestas básicas

    Comitê popular enfrenta o coronavírus distribuindo cestas básicas

    Solidariedade: 3.000 cestas para distribuição entre comunidades vulneráveis; à direita, Carmen Silva, no planejamento rigoroso da açãoSolidariedade: 3.000 cestas para distribuição entre comunidades vulneráveis; à direita, Carmen Silva, no planejamento rigoroso da ação

     

     

    Começou nesta sexta-feira (3 de abril) a distribuição de 3.000 cestas básicas para famílias de baixa renda. A ação de solidariedade está sendo coordenada por Carmen Silva Ferreira, ativista pelo direito à cidade, dirigente do MSTC (Movimento Sem-teto do Centro) e impulsionadora da Casa Verbo, organização que constrói e dissemina meios para efetivação do direito à moradia e à vida digna.

     

     

    A gente sabe que manter a quarentena é difícil pra todos. Mas é muito mais difícil para as populações de baixa renda ou sem renda, que além de sofrerem com as demissões em massa, também estão impedidas de fazer os seus corres como ambulantes ou no mercado informal. Sem renda, sem reservas econômicas, sem auxílio do governo Bolsonaro, que não libera a ajuda de R$ 600 a R$ 1.200 reais que já foi aprovada no Congresso Nacional, essas famílias começam a passar fome.

    Sob a liderança de Carmen, foram identificadas 15 áreas com demandas imediatas por alimentos e materiais básicos de limpeza, como ocupações, cortiços, favelas, a região conhecida como Cracolândia, áreas que concentram população em situação de rua e catadores de recicláveis.

    Os recursos para a compra das cestas resultam da parceria com a Plataforma Covid-19, integrada por BEĨ Editora, Por quê?- economês em bom português, Instituto BEĨ e núcleo de Mulheres e Território do Laboratório de Cidades do Insper/ Arq. Futuro, com o apoio da Fundação da Tide Setúbal e do Instituto Galo do Amanhã.

    Entretanto, sabemos que as demandas das famílias em situação de vulnerabilidade serão ampliadas, na proporção direta da ampliação do período de quarentena, o que permite prever que essas famílias também necessitarão de apoio para aquisição de gás de cozinha e de produtos destinados à higiene pessoal e à limpeza doméstica, além da cesta básica. Para tanto, o Comitê Popular de Combate ao Covid-19 captará recursos e doações financeiras e estabelecerá novas parcerias com o poder público e diferentes atores da sociedade civil.

    Como funciona e distribuição das cestas:

    Com ajuda das lideranças dos 15 núcleos, foi realizado um censo para levantar o perfil das populações em situação de vulnerabilidade social. Por meio de formulário, foram identificadas as pessoas que residem na mesma casa, quantas são crianças, os idosos, os desempregados e os autônomos. Levantou-se também a situação de saúde física e mental dos moradores, para identificar os portadores de doenças crônicas e cardiopulmonares, diabetes, hipertensão, tuberculose, insuficiência cardíaca ou renal, doenças respiratórias crônicas, doenças oncológicas, portadores de HIV, pessoas em uso de corticóides ou imunossupressores e portadores de necessidades especiais.

    Além da equipe profissional – pessoal de saúde, assistência social e de pesquisa para a aplicação e avaliação dos questionários –, o projeto está aberto à participação de voluntários. O comitê está adotando todas as providências para evitar a contaminação e a retransmissão do vírus, mediante o uso de EPIs (equipamentos de proteção individual) e a orientação sobre segurança biológica.

    A entrega das doações aos cadastrados está sendo documentada por Elton Santana em vídeo, visando à prestação de contas aos que colaboraram com o projeto.

    As doações são muito importantes. Os interessados em colaborar devem entrar em contato com a Casa Verbo:
    Rua São Domingos, 211, Bela Vista | Tel: (11) 3107-3448 | contatocasaverbo@gmail.com

    Acompanhe notícias do Comitê Popular de Combate ao Covid-19

    no Instagram:
    @casaverbo
    @carmensilvamstc_
    @movimentomstc_
    no Facebook:
    @casaverbocasa
    @carmensilvamstc
    @movimentosemtetodocentro

  • Que povo é esse? Documentário sobre os sem-teto pede apoio para finalização

    Que povo é esse? Documentário sobre os sem-teto pede apoio para finalização

    “Uma história dos movimentos populares e do povo que luta pelo direito à moradia”. É assim que os produtores do documentário Que povo é esse? abrem sua página na plataforma de financiamento Catarse para pedir apoio para a finalização e lançamento da obra.

    Que povo é esse? existe para ouvir e mostrar as falas do cotidiano de brasileiras e brasileiros que vivem em diferentes formas de ocupação de moradia na Região Metropolitana de São Paulo. Pessoas obrigadas a escolher entre o aluguel, o transporte ou a alimentação, sua e da família.

    Foto: Ennio Brauns

    O filme fala da história de um povo de luta disperso, também, em tantas outras cidades do Brasil. Olha a trajetória do país a partir do ponto de vista de quem não aceita como natural a ordem que obriga milhões de famílias brasileiras a uma vida de condições sub-humanas, sem um teto adequado sob o qual descansar, sem água potável e sem energia elétrica, no final da segunda década do século 21 – aliás, todos direitos previstos na Constituição Federal de 1988.

    Que povo é esse? dialoga com os atuais movimentos urbanos que organizam as lutas dos trabalhadores por moradia digna e serviços públicos de qualidade, buscando compreender sua história, suas práticas e sua visão de sociedade.

    O filme expõe a visão crítica de urbanistas e lideranças populares ao modelo de organização de nossas cidades, submetidas à lógica da especulação financeira do território urbano que impõem à classe trabalhadora uma condição de vida visivelmente degradante.

    Foto: Ennio Brauns

    Na metrópole contemporânea, ao menos 25% da população mora em situação irregular, seja pela localização ou ausência de documentação de propriedade. É dessa forma, a partir de casas construídas por conta própria, em locais distantes ou de risco, que surgiram e se expandiram boa parte dos bairros periféricos mais antigos.

    https://www.facebook.com/watch/?v=1491298824368186

    Com direção e roteiro de Ennio Brauns e Jonathan Constantino, o filme conta com direção de arte de Thiago Siqueira e trilha sonora de Rudá Brauns. As imagens, tanto em vídeo como fotográficas, coletadas ao longo de quase três anos, são de Ennio Brauns, Jesus Carlos, Jeomark Roberto e Filipe Perez.

    Acesse o Catarse e contribua: https://www.catarse.me/que_povo_e_esse

     

  • PInheirinho – Oitos anos do crime de estado para favorecer bandido especulador

    PInheirinho – Oitos anos do crime de estado para favorecer bandido especulador

    Antes da fundação dos Jornalistas Livres, muitos de nós já fazíamos jornalismo com foco nos direitos humanos e contra os crimes praticados pelo estado. Em 2012, por exemplo, o então governador Geraldo Alckmin, do PSDB de São Paulo, patrocinou, em conluio com o desembargador que já havia inocentado os assassinos do Massacre do Carandiru, uma das maiores violações em massa de direitos humanos desse século no país: a violenta desocupação do bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos.

    Na época, e um ano depois, a MediaQuatro, cujos jornalistas também são co-fundadores dos Jornalistas Livres, realizou seis reportagens sobre o caso para a mídia alternativa independente. A primeira, Pinheirinho: Justiça pra quem? foi publicada na Ideias em Revista, do Sisejufe RJ, e no site Ciranda.Net. Depois, outras quatro reportagens foram publicadas na Rede Brasil Atual (Rede Brasil Atual – 04/2012 – Ações apuram danos coletivos, atos de exceção e morte no Pinheirinho , Rede Brasil Atual – 04/2012 – Violência no Pinheirinho foi movida por resistência e vingança,  Rede Brasil Atual – 04/2012 – Sem destino, ex-moradores do Pinheirinho enfrentam especulação e privilégios e Rede Brasil Atual – 04/2012 – Defensor Público do Pinheirinho denuncia prefeitura por mentiras e ‘terrorismo’ contra desabrigados ) . Um ano depois, voltamos a São José dos Campos para uma nova matéria sobre o que havia ocorrido dos ex-moradores: A Pública.Org – 02/2013 – Famílias do Pinheirinho sofrem com abandono e sequelas da operação policial .

  • Poema para Preta Ferreira

    Poema para Preta Ferreira

     

    • Poema pra Preta –

    Preta na cor
    Preta na raça
    Preta no coração
    Preta luz na noite escura
    Preta gente
    Preta pura
    Preta doce
    Preta dura
    Preta Preta
    Quem te atura
    Tá criando confusão
    Tá fazendo ocupação
    Conquistando o chão pra vida
    Ser vida mesmo de vez

    Cala boca sua Preta!
    Já tá falando demais!
    Fala do pobre que é nobre
    Fala do rico que é cão
    Denuncia a injustiça
    Preta sem educação
    Pega o pobre da cidade
    Triste, velho, sem piedade
    Organiza faz a luta!
    Que Preta filha da puta
    Taca ela na prisão!
    Desbocada a Preta nova
    Que a Preta velha criou

    E lá vai a Preta Pobre
    Que orgulho insolente
    A Preta pensa que é gente
    Com esse condomínio aberto
    Desafiando a cidade
    Plantando fé e unidade
    Estancando a humilhação
    Faz a festa
    Faz piquete
    Luta por nosso interesse
    Diz que viver não é vão
    Que ser molenga e atoa
    Ter cara e não ter coroa
    Ter corpo e não ter um chão
    Isso é vida de barata
    Nós não é barata não!

    Vai Preta
    Ninguém te para
    Nem na cela
    Dos branquelas
    Nem no grito
    Nem na bala
    Tua fé na força pobre
    No direito à esse chão
    Pois que Deus não põe no mundo
    Nenhum infeliz que seja
    Pra viver nessa refrega
    De não ter um canto seu
    Essa luta é toda a luta
    Olhos de fogo no céu
    Resiste Preta bendita
    Que a Vitória virá
    Revivida renovada
    Cada semente jogada
    Preta cumpre a tua jornada
    Grande Preta
    Saravá.

     

    – Fernando Borgomoni –

     

     

    Ontem o movimento de luta por moradia obteve uma grande vitória com a concessão do HC preventivo de Carmen Silva, liderança histórica e símbolo do MSTC, no entanto essa semana completaram 100 dias da arbitrária detenção de sua filha Preta Ferreira. Esse absurdo não pode continuar. O direito constitucional à moradia e a utilização dos mecanismos legais de ocupação precisam ser respeitados, a luta dos movimentos da população sem-teto é uma luta de todos nós.

     

    Arte; Bacellar/Jornalistas Livres

  • Fake news alimentadas por sites bolsonaristas estão na origem da perseguição a líderes sem-teto

    Fake news alimentadas por sites bolsonaristas estão na origem da perseguição a líderes sem-teto

    Colaborou Lina Marinelli, dos Jornalistas Livres

     

    Um post vigarista, calunioso, falso, 171 e mentiroso, que circulou pelas redes de discípulos de Olavo de Carvalho foi o alicerce com que se construiu o mais novo monumento à infâmia: a perseguição aos movimentos trabalhadores sem-teto, levada a cabo pela Polícia Civil paulista e pelo promotor de justiça criminal Cassio Roberto Conserino, do Ministério Público do Estado de São Paulo.

    No dia 11 de julho, o promotor Conserino denunciou à Justiça 19 diferentes lideranças ou membros de movimentos de luta por moradia, entre os quais Carmen Silva Ferreira e Preta Ferreira, do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC). Segundo o promotor, todas essas pessoas fazem parte de uma suposta “organização criminosa”. No português claudicante que lhe é peculiar, Conserino diz que os membros das diversas ocupações da cidade “associaram-se entre si”, ainda que informalmente, “com o objetivo de obter direta e indiretamente vantagens de cunho econômico, mediante a prática de incontáveis extorsões”.

    O que se lerá a seguir é o modo como uma Fake News foi usada pela polícia civil de São Paulo e pelo promotor Cassio Conserino para arrancar pessoas inocentes de suas vidas, privando-as violentamente de liberdade e tentando lançá-las no umbral da desonra.

    O promotor Cassio Conserino “contextualizou” assim, a denúncia que apresentou no dia 11 de julho à Justiça:

    “Apurou-se que, após o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, ocorrido no dia 1º de maio de 2018, localizado no Largo do Paissandu com a rua Antonio de Godoy, centro de São Paulo, com várias mortes, aportou, primeiramente, na Delegacia Geral de Polícia –DGP que, posteriormente, encaminhou ao núcleo de Divisão de Investigações Gerais –DIC—do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado –DEIC–, uma missiva que recebeu o número de protocolo 261/18 na DIG dando conta que naquele edifício várias famílias pagavam aluguel de R$ 150,00 a R$ 400 aos coordenadores do Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e quem atrasava o aluguel era expulso do prédio, quer através de violência, quer através de ameaça, entre outras irregularidades. Enuncia-se que em pese (sic) a denúncia estar digitada, em manuscrito constou o nome Ixxx Rxxxx, CPF 5.xxx.xxx-x e, provavelmente, o seu telefone, o de número 9xxxx-xxxx, com a seguinte  advertência: ISSO OCORRE EM TODOS OS PRÉDIOS INVADIDOS – FLS 16/17.”

     

     

     

    Jornalistas Livres ocultam o nome do “denunciante”, o número do seu documento e o telefone dele, porque, como se verá, Ixxx Rxxxx é apenas um “laranja” da esgotosfera de extrema direita.

     

    O texto é claríssimo: a investigação iniciou-se após o recebimento de uma missiva digitada, na qual constava o nome “Ixxx Rxxxx”.

    Aqui está a tal missiva, que foi anexada à denúncia apresentada pelo promotor Cassio Conserino.

     

     

    Tão importante é a tal missiva de Ixxx Rxxxx que, à página 38, o promotor Cassio Conserino requer à autoridade policial:

     

    “Deverão (sic) localizar, qualificar e apresentar o endereço do suposto autor da denúncia de fls. 16, Ixxx Rxxxx para fins de possível oitiva”.

     

    Jornalistas Livres fizeram o trabalho que o promotor pediu para a polícia e localizaram Ixxx Rxxxx, que mantinha um escritório de certificação de pedras preciosas no centro de São Paulo.

    Ocorre que uma simples busca pelo texto, na internet, mostra que a tal missiva de Ixxx Rxxxx não passa de um print de post publicado na chamada deepweb, compartilhado por várias páginas de extrema direita:

     

     

    https://anselmoheidrich.wordpress.com/2018/05/02/2168/

     

    https://emribeirao.com/policial/jornalista-revela-como-funciona-a-mafia-das-invasoes-de-predios-23198/

    Ou este:

     

    https://twitter.com/GABRIELPINHEIRO/status/991465830759256069?s=09

     

    Como se vê, trata-se do mesmo texto enviado para a polícia, que ora surge como sendo de autoria de Victor Grinbaum, ora de uma pessoa que se identifica como “M.”

    De todo modo, trata-se de “missiva” sem qualquer laivo de credibilidade, porque mero print de publicação oportunista, surgida no rastro da tragédia com o edifício Wilton Paes de Almeira, que visava unicamente criminalizar os movimentos de moradia honestos, colocando a todos no mesmo balaio imoral dos exploradores da miséria humana.

     

    Victor Grinbaum se apresenta como jornalista e representante Comercial, atuando no Rio de Janeiro, Brasil. Ele  já foi banido do facebook por publicar baixarias, palavrões e fakenews.

     

    https://www.facebook.com/AlexandreBorrges/posts/meu-grande-amigo-victor-grinbaum-foi-banido-por-30-dias-desta-rede-por-uso-de-um/2204952332895899/

    Trata-se de discípulo de Olavo de Carvalho, auto-denominado filósofo, também um boquirroto xingador, de ultra-direita, capaz de se referir ao ex-titular da Secretaria de Governo de Jair Bolsonaro, o ministro Santos Cruz, general de divisão da reserva do Exército Brasileiro, ex-comandante das forças da ONU no Haiti e no Congo, ex-secretário Nacional de Segurança Pública e ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência do Brasil como “politiqueiro de merda”, “um nada” que quer “controlar a internet”.

     

    https://www.facebook.com/carvalho.olavo/posts/947957925356282/

     

    Victor Grinbaum é o sujeito que escreve pérolas como esta: “Arte Contemporânea é o meu Cocô”

     

     

    E o promotor Conserino leva a sério essas besteiras! Não é à toa.

    Cassio Roberto Conserino, autor da denúncia, foi um dos promotores que apresentaram a denúncia criminal sobre o tríplex do Guarujá, atribuído ao ex-presidente Lula, transformando-o em réu. Anticomunista militante, em março desse ano, Conserino foi condenado a pagar indenização de R$ 60 mil por danos morais a Lula por causa de um post no Facebook em que se referia ao ex-presidente como “encantador de burros”, expressão que o juiz Anderson Fabrício da Cruz, da 3ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, em São Paulo, disse tratar-se “de conteúdo ofensivo, pejorativo e injuriante”, conforme “deveria ser do conhecimento de um experiente integrante do sistema de Justiça”.

    No caso dos movimentos de moradia, o promotor Conserino baseou a denúncia no inquérito policial que tinha como propósito investigar responsabilidades pelo incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, ocupado por pessoas sem casa, no dia 1º de maio de 2018. Na tragédia, sete pessoas perderam a vida. O Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), dirigido por Ananias Pereira dos Santos, era quem coordenava aquela ocupação.

    O problema é que o inquérito e depois a denúncia do promotor Conserino, em vez de apurar as irregularidades que por ventura existissem no prédio sinistrado, resolveram mover uma cruzada contra todos os movimentos de moradia que atuam no centro da cidade de São Paulo.

    Estariam a serviço da especulação imobiliária? Dos proprietários de imóveis vazios que ficam anos e anos sem pagar IPTU, cheios de lixo, focos da criminalidade, de ratos e doenças?

    Conserino denuncia várias lideranças, entre as quais, como dito acima, as lideranças do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro), por supostamente extorquir, mediante violência, moradores pobres das ocupações. Se pelo menos tivesse se dado ao trabalho de andar alguns quarteirões entre o Fórum e a Ocupação 9 de Julho, dirigida por Carmen Silva Ferreira, o promotor anticomunista militante teria se surpreendido com a organização, a limpeza, a habitabilidade de um prédio que até três anos atrás era apenas um depósito de lixo, doenças e ratos (fora os dependentes químicos que utilizavam o local para consumir drogas).

    O prédio já foi inspecionado pela Prefeitura e até premiado internacionalmente por sua atuação na solução do problema de moradia em São Paulo. Mas, para o promotor anticomunista militante, todos os gestores e movimentos seriam, como diz o povo, “farinha do mesmo saco”.

    Ocorre que os movimentos populares por moradia são diversos. O próprio secretário de habitação de São Paulo, Fernando Chucre, sabe disso. À época do incêndio do Wilton Paes de Almeida, por exemplo, declarou que aquele grupo que o coordenava “não participa da política habitacional, como os demais movimentos que, inclusive, são parte da solução desse problema”. E na semana passada, em depoimento aos Jornalistas Livres, Chucre afirmou sobre Carmen Silva:

    “Ela é uma mulher extremamente segura e envolvida com o movimento que administra. Eu tenho muito respeito por ela.” E não só.

    Chucre apontou que “o movimento de Carmen conseguiu o retrofit [reforma de imóvel antigo] para o Hotel Cambridge”. De fato, agora renomeado como Residencial Cambridge, o imóvel ganhou edital para financiamento da Caixa Econômica Federal, dentro do programa Minha Casa Minha Vida-Entidades. A obra segue sob severas e constantes fiscalizações do poder público. Importante dizer: ao contrário do que imaginam os críticos dos movimentos sociais por moradia, nada vem de graça. Todos os futuros moradores vão pagar pelo financiamento que, por sinal, já colabora com os impostos da cidade ao arcar com custos de IPTU, o Imposto Predial e Territorial Urbano.

    DEPOIMENTOS ANÔNIMOS

    A denúncia do MP ancora-se em mais inconsistências, além da fake news apontada. É um tal de depoimentos anônimos e interceptações telefônicas que, coisa gravíssima, provam que havia discussões entre vizinhos! É isso o que o promotor cita à guisa de provar que todos os dirigentes dos movimentos de moradia extorquem dinheiro dos moradores “mediante grave ameaça e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica”. Carmen já foi acusada desse mesmo crime e foi inocentada em 2018, porque ficou comprovado que as pequenas contribuições pagas pelos moradores das ocupações que ela dirige (R$ 200 por mês de cada família) são revertidas em melhorias nos imóveis ocupados.

    Além disso, a denúncia do promotor é incompetente e inventiva. Por exemplo, diz que as ocupações são habitadas por “estrangeiros em sua maioria”, um erro crasso, sanável com meia hora de trabalho sério. Acusa o movimento de Carmen Silva Ferreira, o MSTC, de estar por detrás da ocupação do Cine Marrocos, fechada em 2016 depois de se terem encontrado armas e drogas no poço do elevador. Ali quem atuava era o Movimento Sem Teto de São Paulo (MSTS), mas a letrinha dissonante não incomodou o promotor anticomunista militante. Carmen nunca nem sequer pôs os pés no Cine Marrocos. Se tivesse conversado com o delegado de polícia, Conserino teria evitado o vexame de confundir movimentos tão diferentes (ou será que esse é mesmo o propósito?). E há várias mentiras como essa na acusação, revelando, mais uma vez, o caráter persecutório das denúncias do promotor anticomunista militante Cassio Conserino.

    Entre as 19 prisões pedidas pelo promotor, quatro já estão sendo cumpridas: a da  cantora, atriz e produtora cultural Preta Ferreira, formada em publicidade, do educador Sidney Ferreira, ambos do MSTC, e de Ednalva Silva Franco Pereira e Angélica dos Santos Lima, do Movimento de Moradia para Todos (MMMT). Todos negros e pobres.

     

    Leia mais:

     

    Quem tem medo de Carmen Silva Ferreira?

    Trinta dias da prisão política de Preta Ferreira, Ednalva, Sidney e Angélica

    Quem é Carmen Silva, a líder dos sem-teto que a (in)Justiça quer prender