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  • Marcha Virtual invade Brasília e cientistas pedem socorro

    Marcha Virtual invade Brasília e cientistas pedem socorro

     

     Mateus Pereira e Valdei Araujo, professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Mariana

    O que motiva a marcha pela ciência organizada hoje pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência – SBPC? Presenciamos no dia 7 de maio uma das maiores manifestações virtuais do Brasil organizada por telepresença. Por volta das 13 horas havia mais de 9 mil manifestantes individuais em Brasília, cientistas, professores e estudantes. No mapa acima podemos ver uma fotografia da manifestação.

    A pandemia não congelou a guerra contra a ciência organizada por Bolsonaro. Pelo contrário, deixou mais evidente a dimensão anticientífica do seu projeto. Por isso, a marcha virtual de hoje, organizada pela SBPC, fundada em 1948, defende o apoio à pesquisa como uma forma de enfrentamento da pandemia e como ferramenta essencial para sairmos da crise econômica e social que começamos a viver.

    A marcha é apoiada por diversas outras associações científicas, como a Associação Nacional de História (ANPUH), e acontece através de um site em que cada pessoa pode construir o seu pequeno avatar, associar a ele um cartaz e movê-lo em tempo real para qualquer lugar no planeta. A sociedade adaptou para o Brasil o aplicativo francês manif.app, a partir do serviço colaborativo Open Street Map, que vem sendo utilizado para manifestações em tempo de pandemia.

    Cada avatar representa um único manifestante que só pode estar em um lugar e em um evento por vez, o que dificulta a manipulação dos números por robôs. Em Brasília, as pessoas virtuais marcaram pontos de encontro, em frente ao MEC, em frente ao Congresso ou qualquer outro local no mapa. Usando-se o recurso de zoom, pode-se ver a agregação das pessoas pelos slogans mais usados.

    É importante ressaltar que a chamada PEC do Orçamento da Guerra (PEC 10/2020) não propõe mais recursos para a ciência e a tecnologia, o que é um equívoco enorme. Ela simplifica gastos ao combate a pandemia, mas não garante investimentos na ciência que poderiam oferecer soluções e criar riqueza. Isso em uma conjuntura de cortes e sucateamento que já vinha acontecendo antes da Covid-10 se apresentar.

    Estamos assistindo, ao longo do dia, pelo aplicativo, os slogans que os manifestantes empunham no mapa de Brasília em defesa da ciência, da vida. Slogans que não são apenas meras palavras de ordem: mais ciência, menos bolsonaro; viva a ciência, abaixo o obscurantismo; sem ciência não há soluções; mais SUS, menos Corona; respeito à ciência é respeito à vida; periferia chora; a ciência não pode parar; pacto pela vida, entre outros.

    Alguns manifestantes se identificaram com nome e suas instituições, houve até quem fizesse declaração de amor. O protesto virtual produziu muitos dos efeitos e encontros dos protestos presenciais. Colegas de trabalho posicionaram seus avatares em uma mesma esquina para protestarem juntos. Um grande exemplo de cidadania.

    Um dos grupos lembrados com frequência foram os enfermeiros e as enfermeiras, além de todos os outros profissionais da saúde que estão na frente de combate da Covid-19.

    Também Bolsonaro foi lembrado em diversos cartazes, quase todos pedindo o seu afastamento e condenando sua atuação irresponsável. Assim como Trump, Bolsonaro será lembrado negativamente e para sempre, na história da Covid-19.

    Nos últimos dias foi divulgado estudo da UFMG, coordenado pela professora Fernanda Cimini, sobre as respostas políticas do governo brasileiro, entre 31/12/2019 e 15/4/2020 para o enfrentamento da Covid 19. As conclusões são assustadoras: “(1) Ausência de uma política nacional coordenada para contenção da transmissão do vírus; (2) desalinhamento entre as medidas para o aumento da capacidade de atendimento e as políticas para achatamento da curva; (3) priorização da austeridade econômica, sobre a mitigação social, com atraso e insuficiência nas respostas para a proteção da segurança financeira das famílias e (4) dinâmica de governança marcada não somente por conflitos dentro do Executivo e entre governo federal, autoridades estaduais e municipais, mas, também, pela falta de diálogo com a sociedade civil e o empresariado na tomada de decisão e monitoramento das ações”.

    Ou seja, Bolsonaro representa uma ameaça real à vida dos brasileiros. Isso, após três meses de pandemia e com mais de 1 milhão de infectados em todo o mundo. E sua postura, bem como a do ministro da Educação e vários outros membros de seu governo, é de desprezo pela ciência e pela comunidade científica. Além da negação constante das evidências da pandemia.

    Não se observa, nesse momento, uma convocação das lideranças e dos institutos científicos para auxiliar o governo federal na tomada de boas decisões. E a situação se repete em muitos estados e municípios. Ao que parece, Bolsonaro prefere confiar em seus consultores de marketing e no gabinete do ódio.

    “Todos os principais erros cometidos pelo governo Trump, ao lidar com a pandemia, podem ser atribuídos a essa falha em ouvir e confiar em conselhos científicos. Trump demorou a mobilizar o governo federal, porque não atendeu às advertências científicas; em vez disso, escolheu seguir seu “palpite” de que um “milagre” aconteceria e o vírus desapareceria. Sua obsessão com a droga antimalárica cloroquina como um potencial “divisor de águas” no tratamento do Covid-19 causou estragos nos EUA e em todo o mundo, confirmada pelos estudos recentes sugerindo que a droga não tem qualidades benéficas e provoca muitos efeitos colaterais.” Essa afirmação de Ed Pilkington (The Guardian, 3/5/2020), sobre Trump, parece cair perfeitamente para Bolsonaro.

    E ainda: “O ataque à ciência não termina na Casa Branca. O desdém vocal de Trump pelo pensamento baseado em evidências encorajou um exército de charlatões, grupos de pseudociência e teóricos da conspiração que intensificaram seu proselitismo online e em protestos em todo o país”. Pilkington, porém, é otimista, pois acha que o Covid-19 entregou à ciência um presente inesperado, pois muitas pessoas viram os custos em desprezar a verdade e deixar de lado os pesquisadores. 

    Para os mais otimistas, a crise do novo coronavírus pode ser uma possibilidade para que a população em geral reconheça, não apenas o valor da ciência, mas a forma como ela é construída. O filósofo Edgar Morin, em entrevista recente, chamou a atenção para o fato de que a ciência não é feita de dogmas e sim de diálogos, crítica e mudanças de paradigma. Assim como a democracia que também só pode existir se houver a possibilidade de divergência e mudança.

    Assim, nesse momento, um dos desafios é não deixar a crítica à ciência apenas à contestação rasa dos grupos de direita. E sabemos que uma parte da crise certamente se relaciona com uma aliança de setores da comunidade científica com o capital, muitas vezes, em detrimento da vida. É sempre bom lembrar: a ciência é o lugar da dúvida metódica e da controvérsia fundamentada. Afinal, conhecimento e opinião (in)formada são coisas bem diferentes do achismo dogmático. O cientista pode fazer sua parte, mas ele não substitui a cidadania, essas esferas devem funcionar em diálogo permanente. Viva a ciência, viva a cidadania crítica, viva a boa política!

     

  • Na SBPC, lideranças indígenas gritam para não virar estátua e item de museu

    Na SBPC, lideranças indígenas gritam para não virar estátua e item de museu

    por Jones Mário 

    Demarcações de terras indígenas foi tema de mesa-redonda durante a 71ª Reunião Anual, na UFMS

     

    “Não quero ser estátua. Não quero ser peça de museu, como essas cabeças de animais que a gente vê”, falou hoje a guarani-kaiowá Clara Barbosa de Almeida, convidada para mesa-redonda sobre demarcações de terras indígenas na 71ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). O misto de protesto e lamento se deu após a liderança da Terra Indígena Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, caminhar pela Avenida da Ciência e se deparar com exposição de crânios de bichos já extintos.

    Clara Barbosa de Almeida, indígena guarani-kaiowá, durante mesa-redonda na Reunião Anual da SBPC (Foto: Kísie Ainoã)

    “Eu quero que meu povo guarani-kaiowá resista ainda por muitos e muitos anos”, continuou. Graduada em Ciências Sociais pela UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Clara aponta para 78 áreas reivindicadas por povos indígenas em Rio Brilhante, hoje ocupadas por produtores. A tensão no local é preocupação constante da liderança e das pessoas que vivem na comunidade.

    “A morte ronda a gente 24 horas por dia. Eu não posso andar em Rio Brilhante como uma pessoa comum. Não atendo telefone de número desconhecido, porque sei que vem ameaça”, disse.

    A mesa-redonda debateu as consequências do chamado “marco temporal”, cuja tese prevê que os indígenas só teriam direito à demarcação das suas terras se estivessem presentes na região na data da promulgação da Constituição de 1988. A medida está presente no caso que discute a posse da Terra Indígena Xokleng-La Klãnõ, dos Xokleng, em Santa Catarina, que teve repercussão geral reconhecida pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Assim, a decisão no processo servirá de referência aos demais sobre o mesmo tema.

    “O marco temporal é uma bomba para nós. Seria um extermínio”, classificou Clara. Ela apontou que parte dos indígenas guarani-kaiowá foram expulsos de suas terras pelo extinto SPI (Serviço de Proteção ao Índio). “Quando voltamos tinham vários obstáculos. Fazendeiro da Alemanha, do Japão, que diziam ter comprado a terra, que a terra era deles, e que nós éramos os invasores”.

    Terena Lindomar Ferreira também participou de debate sobre demarcação de terras indígenas na UFMS (Foto: Kísie Ainoã)
    Terena Lindomar Ferreira também participou de debate sobre demarcação de terras indígenas na UFMS (Foto: Kísie Ainoã)

    O terena Lindomar Ferreira também participou das discussões. “As lideranças estão aqui para dizer que a luta vale à pena. Estamos aqui para dizer quem somos, de onde viemos, o que queremos e porque devemos lutar”, pontuou.

    A SBPC reservou um segmento de sua programação apenas para debates e encontros com temáticas afro e indígenas. As conferências protagonizadas por estes grupos continuam nesta sexta-feira (veja aqui os eventos).

    Maior evento científico da América Latina, a 71ª edição da Reunião Anual da SBPC é realizada pela primeira vez em Campo Grande, na UFMS, e segue com portões abertos até sábado (27). Serão pelo menos 250 conferências, palestras, rodas de conversa, oficinas e minicursos. As atrações são gratuitas. 

     

     

  • MULHERES E SOCIEDADE: A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA CIÊNCIA E FORA DELA

    MULHERES E SOCIEDADE: A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA CIÊNCIA E FORA DELA

    “É o tal do empoderamento: criar condições de acesso a oportunidades que transformem as mulheres em cidadãs, cidadãs de direito”, disse a ex-Ministra Chefe da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do Brasil, professora e socióloga Eleonora Menicucci de Oliveira

    Foto: Isabela Abalen / Jornalistas Livres

    Mesmo sendo a maioria nas escolas e universidades – em todos os níveis -, é comprovado que a partir do mestrado e o mercado de trabalho há uma queda brusca na presença feminina. Essa queda não depende, na grande maioria das vezes, do interesse e esforço delas – segundo levantamentos de She Figures e SAGA (STEM and Gender Advancement), UNESCO -, mas sim de processos de seleção que as excluem, da dificuldade de conciliar trabalho fora e doméstico, do machismo que as enxuta diariamente e da falta de estrutura e preparo institucional para receber a mulher. Além disso, de acordo com pesquisa do Datafolha divulgada em 2017, 503 mulheres brasileiras são vítimas de violência a cada hora.

    Tendo em vista esses problemas e muitos outros, as professoras, pesquisadoras e militantes do feminismo Alice Rangel de Paiva Abreu (UFRJ), Márcia Cristina Bernardes Barbosa (UFRGS) e Eleonora Menicucci de Oliveira (UNIFESP) discutiram, na última quarta feira, os diários desafios das mulheres e suas recentes conquistas em uma mesa de debate na 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte.

    Alice Rangel. Foto: Isabela Abalen / Jornalistas Livres

    Alice Rangel iniciou a conversa apresentando um panorama da participação da mulher na ciência, avaliando os estudos de gênero como importantes para a primeira percepção concreta da desigualdade no setor e para a implantação de mudanças na área. Já são duas décadas pensando gênero e ciência que, segundo a professora, querem fazer jus aos direitos e à justiça social, que prometem igualdade de oportunidades. “Quem tem que se reformar são as instituições, globalmente” disse ela com relação aos moldes institucionais de promoção de cargos e possibilidades.

    Se analisadas as bolsas de pesquisa do CNPq nacionais, as mulheres só aparecem com maior frequência quando se tratam das bolsas institucionais que são escolhidas internamente por cada grupo de estudo. Quando se tratando de cargos maiores, a escolha da vaga é concebida ao Comitê Nacional Centralizado no Órgão, de enorme presença masculina.

    Sendo assim, as mulheres são raríssimas. Mulheres negras,  mais ainda.

    De toda forma, o Brasil é – segundo o levantamento do Gender in the Global Research Landscape -, junto à Portugal, o país com maior número de publicações femininas, com 49% do total. O reconhecimento, porém, é menosprezado. Alice Rangel convida a usarmos de uma “lente de gênero que busque a equidade”, reivindicando processos de seleção mais equânimes, horários adequados de trabalho e atendimento melhor às necessidades das grávidas. Alice participa do projeto GenderInSite e promove a inserção das mulheres e seus direitos na ciência.

    Márcia Cristina. Foto: Isabela Abalen / Jornalistas Livres

    Depois dela, Márcia Cristina – premiada internacionalmente pelo Prêmio L’Oréal-UNESCO para mulheres em ciência – tomou a palavra já com uma inquietação: uma foto do seu grupo de trabalho. Pelo menos treze homens e ela. “Tem algo errado nessa imagem”, iniciou. “Uma ciência com participação efetiva da mulher é uma melhor ciência”; as maiores empresas do mundo são justamente as com mais mulheres; há mais elas que eles se educando, profissionalizando e idealizando projetos. Então por que os números são tão diferentes? De acordo com a cientista, toda a sociedade está estruturada para favorecer o homem. “Estamos condenando a sociedade a acreditar ter mulheres simpáticas e homens inteligentes”, disse. Como argumento, um estudo feito pela revista Science perguntou a crianças de 5 e 7 anos se um exemplo de pessoa inteligente teria o sexo feminino ou masculino. Aos 5, meninos responderam masculino e meninas responderam feminino. Aos 7, a maioria optou pelo masculino.

    Sendo assim, a professora defende as ações afirmativas como capacitadoras de mudanças no cenário da mulher na ciência e nas áreas em geral, como a política. Essas ações se valendo de maiores artifícios além das cotas. Citando o caso de Hipátia de Alexandria, matemática em 415 a.C. que definiu que as órbitas eram elípticas e, ao não retirar o dito, foi assassinada pelo governo, Márcia acredita que há potencial o suficiente nas mulheres e muita luta à frente. Elogia iniciativas como Tem Menina no Circuito e finaliza: “A gente tem que trabalhar juntos e juntas, homens e mulheres, e é já”.

    “Eu fui uma resistente, guerrilheira, lutei contra a ditadura civil-militar e fiquei presa 3 anos. (…) E existiam 14 lideranças sempre procuradas, eram 13 homens e uma mulher. Quem era a mulher? Eu”. Eleonora Menicucci se apresentou depois de Márcia com um discurso mais geral da questão mulher e sociedade, apresentando políticas públicas a favor delas. “Muita gente me pergunta quando eu descobri o feminismo. Eu descobri o feminismo na tortura. (…) Eu tinha uma filha de 1 ano. Estávamos presos eu e meu então marido e ela só foi torturada e ameaçada na minha frente, na dele não. Alguma coisa estava errada. Não que eu quisesse que ele também sofresse, mas por que em mim? Porque a mulher é o sexo frágil”.

    Eleonora Menicucci. Foto: Isabela Abalen / Jornalistas Livres

    Eleonora afirmou que passamos por uma difícil conjuntura brasileira e que as mulheres devem se analisar dentro dessa. Segundo ela, passamos por uma vigência de golpe parlamentar, midiático, fundamentalista, patriarcal, sexista e judiciário. O sexista do golpe vem do fato de que tiraram a primeira mulher eleita e reeleita no Brasil, com 54 milhões de votos. E se fosse um homem no poder, seja Fernando Henrique ou Lula, não se teria chegado a esse ponto. Parafraseando Simone de Beauvoir, Menicucci lembrou que, em tempos de crise, as mulheres são as que mais perdem. Além delas, os jovens. Se considerarmos a etnia: mulheres e jovens negros.

    Eleonora concluiu admitindo a perda de “tudo”, “desde a Secretaria de Políticas para as Mulheres até todos esses direitos conquistados”. Ela disse não acreditar em democracia sem voto, nem em equidade de gênero sem democracia. Incitando a busca por Diretas, juntou-se às outras palestrantes e a esperança e a próxima luta das mulheres e sociedade foram discutidas. Alice Rangel lembrou: “todo mundo fala em gênero, a gente introduziu esse tema” e, já em acordo que há esperança, definiu: “há necessidade de uma equidade de gênero, e isso tá tomando consciência. Há muitos projetos novos com esse objetivo”.

    Antes do fim, Eleonora pôde convidar: “precisamos de um pacto com os movimentos sociais, os partidos, a comunidade científica, as instituições de conhecimento, o povo. Todos temos que sentar na mesa, e a grande mesa são as ruas”.