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  • Vale S.A. nada fez após cinco anos do crime em Mariana

    Vale S.A. nada fez após cinco anos do crime em Mariana

    Há exatamente cinco anos acontecia o rompimento da barragem do Fundão em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, MG, levando 20 vidas, destruindo a vila e jogando toneladas de lama de minério no oceano ao acabar com a vida ao longo do Rio Doce em Minas e no Espírito Santo. A barragem da Vale S.A. e BHP Billiton, mas operada pela mineradora Samarco, rompeu-se na tarde do dia 5 de novembro de 2015.

    Durante todo esse período, mais de 1.800 dias, os responsáveis pelo crime não foram julgados. Em 2019, o crime de homicídio foi retirado do processo. As mortes provocadas pelo rompimento da barragem foram consideradas pela Justiça como simples consequência da inundação causada pelo rompimento, prevalecendo a impunidade. De lá para cá, as comunidades destruídas não foram reconstruídas e não há respostas para a recuperação do meio ambiente e para moradores, que passaram a sofrer de depressão e outras doenças.

    Foto de Aloísio Morais

    “Tudo está por fazer”. Esta é a conclusão da chefe da Força-Tarefa Rio Doce, Silmara Goulart, procuradora do Ministério Público Federal (MPF), sobre o crime cometido pelas empresas Vale S.A., BHP Billiton e Samarco. “A sensação, olhando cinco anos de desastre, é de consternação e profunda tristeza com a desolação, tudo ainda está por fazer”, conclui Silmara. “Nenhum grupo de atingidos foi integralmente indenizado, o meio ambiente também não foi integralmente recuperado e sequer o distrito de Bento Rodrigues foi reconstruído”, afirmou.

    Além disso, um outro bom exemplo que ela aponta é o auxílio emergencial pago aos atingidos, que foi suspenso em plena pandemia. A procuradora ressalta também o fato do caso envolver duas empresas que estão entre as mais ricas do mundo, a Vale e a BHP Billiton, controladoras da Samarco, que atua em Mariana. “Antes do desastre, elas preferiram economizar para não reparar a barragem que estava em risco. Agora, os mesmos responsáveis preferem brigar para economizar centavos às custas da dignidade humana. Nós, do MPF e instituições parceiras, tentamos todas as estratégias possíveis, pedimos recomendações, recorremos de decisões, mas os resultados são frustrantes”, disse Silmara durante entrevista coletiva.

    Na zona rural de Barra Longa as casas e imóveis das comunidades foram parcialmente encobertas pela lama que chegou pelo rio Gualaxo do Norte. Foto de Tânia Rego/ABR

    Na ocasião, MPF, Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais e do Espírito Santo criticaram a  Fundação Renova, criada pelas mineradoras para reparar os danos ambientais e sociais, pelo descumprimento de acordos feitos ainda em 2016, como a criação das câmaras técnicas para assessorar os atingidos. Apenas cinco das 23 câmaras foram contratadas até agora. “Brumadinho (na Grande Belo Horizonte, onde outra barragem se rompeu há quase dois anos) tem assessoria técnica, embora a Vale lute contra. Lá temos avanços incríveis que, infelizmente, não temos em Mariana, onde o desastre é mais antigo”, apontou o promotor André Sperling.

    As instituições criticam também a atuação da 12ª Vara da Justiça Federal por decisões recentes envolvendo a tragédia de Mariana. “A diferença principal (entre a reparação em Brumadinho e Mariana), além da experiência acumulada de um caso para o outro, é a atuação do Judiciário Estadual, que foi bem superior em comparação com o Judiciário Federal”, completou Sperling.

    Ilustração de Vilé

    O procurador Edilson Vitorelli, do MPF, lembrou que, no meio deste ano, o órgão ficou sabendo pela imprensa que corria na Justiça um processo de reparação de dano que não constava no processo coletivo. “Começamos a fazer pesquisa e descobrimos que a Justiça Federal de Belo Horizonte admitiu a instauração de 13 processos desmembrados do nosso processo federal, os quais não eram conhecidos de nenhumas das instituições da força-tarefa. Desses 13 processos, além do MPF não ter sido intimado, nove foram mantidos em segredo de Justiça. Nem que se tentasse pesquisar não seria viável localizá-los. Quem faz coisa certa não faz escondido. Se fosse coisa boa para os atingidos não seria feito de forma oculta”, afirmou Vitorelli.

    A Fundação Renova, administrada por Samarco, Vale e BHP Billiton, informou que os novos processos indenizatórios, de adesão facultativa, foram implementados a partir de decisão da 12ª Vara Federal, após petições apresentadas pelas Comissões de Atingidos de Baixo Guandu (ES) e Naque, no Vale do Aço. “O papel da Fundação Renova é executar o que está definido pela sentença judicial”, justificou.

    Até setembro, segundo a Renova, foram destinados R$ 10,1 bilhões para as ações de recuperação e compensação. Até 31 de agosto, cerca de R$ 2,6 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios para cerca de 321 mil pessoas.

    Ilustração de Janete

    Nota do MAB

    A propósito dos cinco anos do crime da Vale S.A. em Mariana, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) divulgou a seguinte nota:

    Nós, atingidos e atingidas de toda a bacia do Rio Doce e litoral capixaba, somos pescadores e pescadoras tradicionais do rio, do mar e do mangue, marisqueiras. Somos trabalhadores da cadeia de apoio da pesca, comerciantes, pousadeiros e surfistas. Somos ribeirinhos e agricultores familiares e artesãs. Somos povos tradicionais, indígenas e quilombolas, assentados da reforma agrária, moradores das comunidades atingidas. Nós somos homens e mulheres, idosos e crianças que tivemos nossos sonhos e projetos de vida interrompidos há cinco anos, pelo crime das mineradoras Vale, Samarco e BHP.

    Estamos hoje, dia 5 de novembro de 2020, em Regência (ES), reunidos na foz do rio Doce, para dizer às empresas criminosas: Nossas vidas não têm preço! Não daremos quitação geral as empresas! Não estamos quites deste crime!

    Não tivemos de volta nossas vidas, nosso rio, nosso trabalho, nossa renda, nosso lazer, nossa autonomia, nossos sonhos, nem sequer as nossas casas foram concluídas em Mariana e Barra longa, nos três reassentamentos propostos. Somos seres humanos e não mercadoria, não estamos a venda, sem reparação não haverá quitação.

    Temos direito a ter voz e vez nas decisões. Estamos cansados de ter nossos destinos colocados à mercê de empresas, políticos e juízes, poderosos e donos desse sistema, que rouba nossos direitos à luz do dia sem nenhum pudor, e nos afundam cada vez mais nessa lama tóxica de interesses privados.

    Nossos saberes tradicionais e populares, o nosso conhecimento acumulado por meio de gerações sobre nossos territórios e nossos modos de vida deve ser levado em conta. Já estávamos nos territórios antes da lama chegar. Estaremos aqui, e a nossa descendência estará por gerações nos mesmos territórios, mesmo após a Fundação Renova e os governantes que hoje estão à frente da reparação.

    Não permitiremos mais que as nossas vidas sejam resolvidas entre quatro paredes pelas criminosas e seus cúmplices. A solução do problema vira de nós, atingidos e atingidas, povo unido e organizado.

    A verdadeira participação popular virá das ruas, das praias, das escolas, das beiradas de rios e mangues, das vilas e das comunidades atingidas. Virá do povo atingido, em seu espaço de vivência, de afeto e de luta.

    E, por fim, não abriremos mão de nossa saúde e bem-estar. Além das 19 vidas e do aborto em Bento Rodrigues, muitas outras vidas foram perdidas nesses cinco anos. Vidas que se foram, e vidas que nunca mais serão as mesmas.

    Queremos de volta nossa água, nosso rio, nossas praias, nosso lazer e nosso alimento. Aqui está o povo que sempre trabalhou duro para ter o que comer, e sempre produziu alimento saudável para as nossas famílias e comunidades.

    Não pedimos para ser atingidos por esse crime, mas agora que fomos, seremos de cabeça erguida e com a certeza de que estamos do lado certo da história. É hora de o Brasil dar um basta a essas empresas que se orgulham de recordes seguidos de lucro – enquanto negam ao povo humilde a justa reparação aos danos causados aos nossos territórios, aos nossos corpos e as nossas vidas.

    Vale, Samarco e BHP, se preparem, pois estamos aqui para dizer em alto e bom som: saímos do luto, e os próximos cinco anos serão de muita luta!

    Do Rio ao Mar, não irão nos calar! Águas para Vida, Não para Morte!

    Ruínas deixadas pela lama em Bento Rodrigues – José Cruz/Agência Brasil
    Barra Longa (MG) – Rio Gualaxo do Norte poluído pela lama levada pelo rompimento da Barragem de Fundão – José Cruz/Agência Brasil

    Obs. A foto de abertura deste texto é de Antônio Cruz/ABR

  • Crime em Mariana: 5 anos se reproduzindo

    Crime em Mariana: 5 anos se reproduzindo

    Dia 5 de novembro de 2020, cinco anos do crime/tragédia das mineradoras Samarco/Vale/BHP Billiton e do Estado. Dói, mas é preciso recordar e denunciar.

    Por Gilvander Moreira*

    Pela impunidade reinante e pela continuidade da engrenagem criminosa, o Governo de Minas Gerais, as mineradoras e as autoridades não aprenderam nada com os crimes/tragédias da Vale e do Estado, em Mariana e em Brumadinho. Pior, jamais aprenderão, pois cegados pelo ídolo do mercado idolatrado estarão sempre ajoelhados se empanturrando das benesses do sistema de morte, enquanto se enlameiam de sangue por ações ou omissões cúmplices que fomentam a reprodução da mineração devastadora. Covardemente, teremos outros crimes/tragédias sendo preparados enquanto continuar a atual composição estrutural da Comissão de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) com 12 conselheiros/as, sendo 10 conselheiros/as do Governo de Minas, da União e representantes das grandes empresas de mineração (de entidades a elas ligadas) e apenas 2 conselheiros representando a sociedade civil: CEFET-MG[1] e FONASC[2]. Com essa composição tremendamente injusta e desigual, o resultado das votações é sempre 10 votos a favor dos licenciamentos de novos projetos da mineração contra 1 ou 2.

    Durante as longas reuniões de apreciação e votação de novos projetos de mineração os 10 conselheiros representantes do Estado e de entidades que representam as mineradoras quase não falam, ficam olhando no celular e ao final, SEMPRE votam a favor dos projetos de mineração devastadores. Isso é injustiça que clama aos céus! É uma casa de horrores!

    A missão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), por lei, é “garantir a sustentabilidade”, mas decidem sempre pró-mineração e contra a sustentabilidade. Em uma reunião que autorizou a retomada de mineração na Serra da Piedade, em Caeté, ao lado de Belo Horizonte, uma representante da Secretaria de Governo (SEGOV) chegou ao absurdo de dizer que “princípio da precaução não tem poder de barrar mineração”. Indignado, eu disse que já vi várias decisões judiciais impedirem/suspenderem mineração alegando o princípio constitucional da precaução. A ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em Minas Gerais, a museóloga Célia Corsino, disse em Audiência Pública na ALMG, que “jamais daria anuência do IPHAN-MG ao projeto de mineração na Serra da Piedade”. Logo depois, Célia Corsino foi exonerada da Superintendência do IPHAN, em MG, pelo Governo Federal de Jair Bolsonaro. Júlio Grillo, ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em Minas Gerais, foi exonerado pelo desgoverno federal um dia após ele votar contra a retomada da mineração na Serra da Piedade.

    Os crimes/tragédias não são apenas da mineradora Vale, mas também do Estado, porque os licenciamentos ambientais concedidos pelo Governo de Minas Gerais que, em conluio com o capital, se ajoelha diante do poderio econômico das grandes mineradoras e dribla todos os argumentos técnicos e jurídicos suficientes para não conceder licenciamento ambiental a empreendimentos extremamente devastadores socioambientalmente. O Estado concede licenças ambientais para projetos devastadores e, pior, não fiscaliza. Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Mina Capão Xavier, da Vale, em Nova Lima, MG, uma funcionária da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), do Governo de Minas Gerais, disse: “A FEAM não fiscaliza. Nós apenas lemos os relatórios produzidos por funcionários das mineradoras”. Por isso, o crime não é só da Vale, mas também do Estado que está acumpliciado ao capital desde que se iniciou há 300 anos mineração no estado de Minas Gerais.

    A impunidade do crime/tragédia acontecido a partir do distrito de Bento Rodrigues alimentou a construção de outros crimes/tragédias como o da Vale, a partir de Brumadinho. Com o passar do tempo, rastros de morte vão sendo percebidos e se avolumando. As águas da bacia do Rio Paraopeba garantiam 50% do abastecimento público de Belo Horizonte e região metropolitana. A COPASA[3] investiu 130 milhões de reais para captar água do Rio Paraopeba em uma grande obra inaugurada em dezembro de 2015, prometendo que a obra garantiria o abastecimento de BH e região metropolitana pelos próximos 25 anos. Tudo isso foi perdido. E agora, onde arrumar água para garantir o abastecimento de cinco milhões de pessoas de Belo Horizonte e região metropolitana? A nova captação de água que a Vale está fazendo no Rio Paraopeba, acima de Córrego do Feijão, na comunidade de Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, além de estar sacrificando impiedosamente várias comunidades e aumentando a devastação ambiental, não garantirá o abastecimento de BH e RMBH por muitos anos.

     Onde há muito minério há também muita água. O Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, é também um Quadrilátero Aquífero. Os lugares onde as mineradoras se instalam eram paraísos naturais, mas após a chegada das mineradoras iniciou-se um processo absurdo que sacrifica no altar do deus do mercado a dignidade humana e a dignidade da mãe terra, da irmã água, da flora e da fauna. Bento Rodrigues, por exemplo, era um ‘paraíso na terra’, mas após a mineração da mina de Fundão, estava sendo abastecida por caminhões pipas, antes de ser devastada pelo crime tragédia da VALE/SAMARCO/BHP que aconteceu na tarde do dia 05 de novembro de 2015 e continua impune e matando de muitas formas. Em um instante, 19 vidas de seres humanos foram ceifadas. Pior, dezenas de pessoas, em 5 anos, já morreram vítimas das consequências dramáticas daquele crime hediondo e ecocida.

    Tripudiando sobre as vítimas, o Governo de Minas já autorizou o retorno da mineração da mineradora VALE/SAMARCO/BHP em Mariana, aprovou a construção da barragem de Maravilhas 3 da Vale, o alteamento da Barragem da mineradora Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, à revelia da Lei “Mar de Lama”, de iniciativa popular,  aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais – Lei Estadual nº 23.291/2019.

    No Brasil, há mais de 24 mil barragens: de água para irrigação, de rejeitos de mineração com lama tóxica ou de água para geração de energia em hidrelétricas. As barragens de hidrelétricas são feitas de concreto com ferro e aço, mas as barragens de rejeitos minerários são apenas uma montanha de lama com calços quebradiços. Mais de 700 grandes barragens são de rejeitos minerários, sendo que 70% destas estão em Minas Gerais, mais de 460. Desde a década de 1970, volta e meia, alguma barragem de rejeitos minerários tem se rompido. Em Minas Gerais, houve vários rompimentos de minerodutos, o Minas-Rio, por exemplo, que consome diariamente água que dá para abastecer uma cidade de 230 mil pessoas e transporta o equivalente a 1.600 carretas de minério por dia. As nossas montanhas estão sendo arrancadas e vendidas pela metade do preço de banana e, pior, todas as nascentes, rios e os lençóis freáticos estão sendo sacrificados. As condições objetivas de vida estão em exaustão e colapso nos territórios sob a sanha das mineradoras.

    Recentemente houve mais uma operação do Ministério Público de MG com o apoio das Polícias Militar e Civil visando combater a atuação de uma associação criminosa estruturada para facilitar a concessão de licenças ambientais no âmbito da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) Zona da Mata mineira, vinculada à SEMAD. As investigações até então realizadas apontam para o pagamento de propinas a funcionários públicos e a falsificação de documentos e relatórios em processos administrativos de licenciamento ambiental.

    Ilustração de Janete

    Na Bíblia, o profeta Miqueias mostra que a riqueza de quem se enriqueceu se baseia na miséria de muitos e tem como alicerce a carne e o sangue do povo. Denuncia Miqueias: “Essa gente tem mãos habilidosas para praticar o mal: o príncipe exige, o juiz se deixa comprar, o grande mostra a sua ambição. E assim distorcem tudo. O melhor deles é como espinheiro, o mais correto deles parece uma cerca de espinhos! O dia anunciado pela sentinela, o dia do castigo chegou: agora é a ruína deles” (Miqueias 7,3-4). Os opressores dos tempos bíblicos, atualmente são os diretores, executivos, acionistas da mineradora VALE e todos os seus vassalos nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

    Na Bíblia, no livro do Êxodo se diz que o Deus da vida, para forçar a libertação do povo escravizado, enviou dez pragas sobre os faraós – com coração endurecido – do imperialismo do Egito que superexplorava o povo. A 1ª praga/prodígio é narrada em Êxodo 7,14-24: “transformou o Rio Nilo em sangue. Todos os peixes morreram. O rio ficou poluído e morto. Os egípcios não podiam beber mais da água do rio” (Êxodo 7,20-21). Depois da 1ª praga, as seguintes eram gradativamente piores, até o povo superescravizado conquistar a libertação, com a travessia do mar vermelho. Quantas barragens ainda precisarão romper e mais quantos crimes acontecer para que as autoridades ouçam os clamores do povo, da mãe terra, da irmã água e de todos os seres vivos?

    03/11/2020

    (*) Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

    Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

    1 – Palavra Ética na TVC/BH: Crimes da Vale e Samarco. Produção de farinha/Acampamento Nova Esperança 2

    2 – Denúncia comovente/Marino/crime/SAMARCO/VALE/BHP/ESTADO/Audiência Pública da ALMG. Parte I/Vídeo 2

    3 – Massacre da Samarco/Vale/BHP: luta profética-2a Romaria das Águas/Terra-bacia do rio Doce. 3a parte

    4 – MAB na 19a Romaria das águas e da terra de MG: desastre da Samarco/Vale/BHP, pecado grave. 24/07/16

    5 – Tribunal Popular julga crime das mineradoras Samarco/Vale/BHP: crime de Mariana. BH, 01/04/2016

    6 – Vale e Estado de MG são cúmplices: Crime continua em Ponte das Almorreimas, Brumadinho, MG/06/3/2020

    7 – Vale mente e comete crimes também em Catas Altas, MG. Por território Livre de Mineração! Vídeo 1

    8 – “Meu irmão está debaixo da lama tóxica do crime da Rio Verde, hoje Vale, há 19 anos”. Bruma/Vídeo 5

    9 – “Vale comete crime e nós é que pagamos?” Ponte das Almorreimas, Brumadinho, MG. Vídeo 2 – 26/12/2019

    10 – Cresce o crime da VALE e do Estado; cresce a luta. Atingidos no TJMG, em BH. Vídeo 3 – 21/11/2019

    Obs. 2: no YOUTUBE – no canal: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos – existem centenas de videorreportagens denunciando os crimes tragédias das mineradoras Vale, Samarco, BHP, Angloamerican, SAM etc. 


    [1] Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.

    [2]  Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas.

    [3] Companhia de Saneamento de Minas Gerais.

  • Quatro anos do crime da Vale em Mariana

    Quatro anos do crime da Vale em Mariana

     

    Quatro anos após o rompimento da barragem de rejeitos da Vale/Samarco, em Mariana, entidades e movimentos ingressaram com um caso perante a Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA) pedindo a condenação do Estado Brasileiro pelas violações de direitos humanos cometidas ao longo da Bacia do Rio Doce.

    O caso foi apresentado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos (OEA), e pede a condenação do Brasil por falha sistemática na fiscalização e reparação aos atingidos. Entidades pedem que o Brasil seja condenado pelas violações ao direito à vida, às garantias processuais e à proteção judicial, à liberdade de associação, ao direito à propriedade privada e coletiva, à igualdade perante a lei e ao direito a uma vida digna, segundo o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

    A iniciativa inédita foi uma articulação do Centro de Direitos Humanos e Empresas (HOMA-UFJF), FIAN Brasil, Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA), Justiça Global, Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB), e Núcleo de Direitos Humanos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

    As entidades pedem a condenação do Estado Brasileiro em medidas de não repetição, em medidas reparatórias direcionadas à população atingida pelo rompimento da barragem de Fundão e também ao meio ambiente. Passados quatro anos desde o desastre, poucas medidas de reparação foram efetivamente tomadas para reparar os direitos violados da população que habita a bacia do Rio Doce. O rompimento de uma nova barragem de rejeitos da Vale, em Brumadinho, também demonstra de maneira evidente que o Estado Brasileiro tem falhado no seu dever de fiscalização.

    Raphaela Lopes, advogada da Justiça Global, aponta que o Estado Brasileiro tem responsabilidade direta no rompimento da barragem da Samarco, controlada pelas mineradoras Vale e BHP. “A responsabilização do Estado em relação ao rompimento da barragem de Fundão surge a partir de dois fundamentos. O primeiro diz respeito às medidas que não foram tomadas devidamente para prevenir que o desastre acontecesse. Isso tem a ver com o próprio licenciamento da barragem de rejeitos, que não foi feito de modo diligente, e também com o processo de monitoramento do funcionamento dessa barragem. O segundo fundamento decorre da falha sistemática do Estado em reparar os danos oriundo do rompimento da barragem de Fundão”, afirmou Raphaela.

    A petição apresenta uma série de violações que ainda hoje persistem ao longo da Bacia do Rio Doce. Famílias atingidas ainda não foram reassentadas, relatos de tratamento diferenciado entre atingidos – em especial em relação às mulheres, que sofrem discriminação nos processos decisórios e no acesso à reparação -, grande incerteza com relação à qualidade da agua, o que prejudica tanto o consumo da água em cidades ao longo da Bacia do Rio Doce, quanto a pesca e as lavouras que dependem do abastecimento do rio, são algumas das violações citadas no documento.

    “O Estado Brasileiro tem sido negligente com suas obrigações tanto de assegurar a proteção social como ambiental no caso das barragens de rejeitos, e frente a isso estamos vivendo tristes cenários. Passados quatro anos, vivenciamos a completa falência do sistema judicial na reparação aos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, sem a efetivação de garantias de acesso à justiça das famílias atingidas. Esperamos que a Corte possa analisar essa caso, tão emblemático para a história brasileira, mas também para toda a realidade da mineração na América Latina. As comunidades atingidas depositam muita esperança no sistema interamericano para acessar seus direitos, na data de hoje”, disse Tchenna Maso, da Coordenação Nacional do MAB.

    As entidades pedem que o Brasil seja condenado pelas violações ao direito à vida, às garantias processuais e à proteção judicial, à liberdade de associação, ao direito à propriedade privada e coletiva, à igualdade perante a lei e ao direito a uma vida digna, segundo o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

    “Esperamos que venha a condenação do Brasil ao final desse processo, e que a Corte imponha sanções ao Estado. Além das medidas de reparação, há as chamadas medidas de não repetição, que podem incluir inclusive alterações legislativas, além da necessidade de o país avançar em uma política de reparação a atingidos por grandes desastres socioambientais, como foi o caso de Fundão”, destacou Raphaela.

    Para as entidades, o ingresso deste caso perante o Sistema Interamericano também se relaciona com o desmonte da política ambiental brasileira e seus órgãos de proteção. “O óleo que se alastra pelas praias do Nordeste, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, o rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, todos esses episódios não são acidentais, são produto de uma escolha política deliberada que inclui a flexibilização da legislação e a fragilização orçamentária e institucional dos órgãos ambientais”, salientou Melisanda Trentin, coordenadora da Justiça Global. “Esperamos que esse caso possa fortalecer os movimentos sociais, os povos e populações atingidas que lutam contra esses retrocessos na seara ambiental”, concluiu Raphaela.

    Anexo: Perguntas e Respostas sobre o ingresso de um caso contra o Estado Brasileiro pelas violações decorrentes do rompimento da Barragem de Fundão.

    – Como funciona o ingresso de um caso no Sistema Interamericano?

    O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), possui dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Corte é o órgão que pode efetivamente julgar, condenar e impor sanções aos Estados que aceitam a sua jurisdição, como é o caso do Brasil. Somente a Comissão Interamericana pode enviar os casos para serem julgados na Corte.

    No caso ingressado neste dia 05, em que se pede a condenação do Estado Brasileiro pelas violações decorrentes do rompimento da Barragem de Rejeitos do Fundão, as entidades peticionárias pediram à Comissão o envio imediato do caso perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

    – Quais os fundamentos do pedido de responsabilização do Estado Brasileiro?

    Mesmo sendo a Samarco, empresa controlada pela Vale e pela BHP, uma entidade privada, há evidente responsabilidade do Estado Brasileiro neste caso. Primeiramente, o Brasil falhou no dever de realizar a devida e diligente fiscalização e monitoramento da barragem de rejeitos. É dever do Estado zelar para que empreendimentos que imponham riscos de danos ambientais, humanos e sociais cumpram critérios específicos de segurança e mitigação de impactos. O Estado falhou durante o processo de licenciamento ambiental, no âmago do empreendimento, e também durante a fiscalização de sua operação. A evidência maior da gravidade das falhas do Estado no cumprimento do seu dever de fiscalização e monitoramento se dá na repetição do desastre: pouco mais de 3 anos após o rompimento da barragem de rejeitos em Mariana, outra barragem da Vale se rompeu em Brumadinho, deixando centenas de vítimas fatais.

    O Estado Brasileiro também é responsável por falhar continuamente no processo de reparação aos atingidos pelo desastre. Isto se dá principalmente através da celebração dos Termos de Ajustamento de Conduta – até o momento, foram 4 TACs celebrados, e a população atingida esteve ausente da concepção e discussão destes quatro acordos. Por meio da luta de atingidos, de movimentos e organizações, conseguiu-se que houvesse representação dos atingidos em algumas instâncias, como na governança da fundação Renova, por exemplo. Mas resta demonstrado que esses avanços conquistados ao longo da celebração desses acordos foram insuficientes para de fato garantir uma participação efetiva da população atingida no processo de reparação. A fórmula dos termos de ajustamento de conduta tem sido justificada pela celeridade, mas essa celeridade se dá ao custo do sacrifício de garantias e direitos da população atingida.

    – O que é possível esperar a partir do ingresso deste caso contra o Estado Brasileiro perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos?

    Os peticionários esperam que a Corte condene o Estado Brasileiro pelo conjunto de violações apresentadas. O Brasil foi denunciado pela violação do direito à vida, do direito às garantias processuais e proteção judicial, da liberdade de associação, do direito à propriedade privada e à propriedade coletiva, à igualdade perante a lei e pela violação ao direito a uma vida digna.

    A Corte poderá impor sanções ao Estado Brasileiro. Elas podem ser as chamadas medidas de não repetição, que podem incluir inclusive alterações legislativas, ou a necessidade de se avançar em uma política de reparação a atingidos por grandes desastres socioambientais. Há também a possibilidade de as sanções incluírem medidas reparatórias para a população atingida, que podem ser medidas pecuniárias, ou medidas imateriais de satisfação.

    – Qual a importância deste caso no atual contexto político?

    O ingresso deste caso e a procura de uma condenação internacional do Estado Brasileiro são fundamentais neste momento de enormes tragédias ambientais no nosso país. O óleo que se alastra pelas praias do Nordeste, as queimadas na Amazônia, o rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, todos esses episódios não são acidentais, são o resultado do desmonte da política ambiental brasileira e dos seus órgãos de proteção. E somado a tudo isso, o Conselho de Políticas Ambientais de Minas aprovou, há dez dias, uma licença que permite o retorno das atividades da Samarco, com a aquiescência de órgãos como a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais, o ICMBio, e o Iphan. A desproteção e as violações continuam, e o Brasil precisa ser responsabilizado por isso.

  • Jornada Rio Doce: A doença da Samarco em Barra Longa

    Jornada Rio Doce: A doença da Samarco em Barra Longa

    Exames detectaram contaminação por metal pesado na população de Barra Longa. Após o rompimento da Barragem de Fundão a lama química da Samarco atingiu o centro da cidade, e assim permaneceu por mais de seis meses.

    A contaminação ocorre após o prefeito retirar parte da lama com maquinários e caminhões, depositando-a no Parque de Exposições e outra parte utilizada para calçar a cidade com blocos sextavados. Atualmente o município respira a poeira contaminada por metais pesados que sai pela lateral dos blocos.

    Os estudos com a saúde da população começaram em 2017 por um grupo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, especializados em análises toxicológicas, sob-responsabilidade da Dra. Evangelina Vormittag e assinados pelo Professor Dr. Fernando Barbosa Junior. Em 2016 eles selecionaram algumas pessoas e pediram para responderem um questionário para a autoavaliação do estado de saúde. Pelos sintomas relatados foram solicitados exames de laboratório para verificar se havia alguma contaminação do seu corpo por metais pesados. Para realizar esses exames foram coletados sangue e fios de cabelo das onze pessoas.

    Os exames foram realizados em Janeiro de 2018 no laboratório da faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto. Foram pesquisados 13 metais: Alumínio, Arsênio, Bário, Cádmio, Chumbo, Cobalto, Cobre, Ferro, Manganês, Níquel, Selênio, Urânio e Zinco.

    Em todos os exames foram detectados uma diminuição expressiva da quantidade de Zinco e um excesso de Níquel e Arsênio. Os exames foram realizados em dois equipamentos e laboratórios diferentes e os resultados confirmados.

    Ainda de acordo com a avaliação médica uma pessoa com deficiência de zinco pode ter lesões de pele, difícil cicatrização de feridas, perda de apetite, emagrecimento, queda de cabelo, diarreia, alterações no paladar e olfato, alterações de comportamento e dificuldades de aprendizado e de memória. Além disso, a deficiência de zinco pode ocasionar infertilidade nos homens e desenvolvimento anormal do bebê, retardo do crescimento do feto e má formação congênita do bebê durante a gravidez.

    Caso da pequena Sofya Silva Marques, de 03 anos, que veio recentemente a São Paulo para realizar novos exames. Sofya tinha um ano quando foi atingida e nos últimos dois anos apresentou diversos problemas de saúde, dentre eles coceiras e alergias de pele incuráveis, dificuldade para respirar e perda de apetite. Simone Maria Silva Marques, mãe da Sofya enfrenta uma batalha contra a Samarco e pelo direito a saúde da filha.

    Já o excesso e contaminação por níquel no organismo provocam dor de cabeça, enxaqueca, vertigens, náusea, vômitos, problemas renais e pneumonia seguida por fibrose pulmonar. Os sintomas incluem dor no peito, tosse, falta de ar, e piora dos sintomas da pneumonia, asma e dificuldade respiratória aguda. Os efeitos crônicos da exposição ao níquel por inalação incluem renite, sinusite, úlceras nasais, perfuração dos septos nasais e diminuição da função do olfato. O excesso de níquel pode causar efeitos tóxicos para o fígado e sistema reprodutivo, resultando na produção de espermatozoides deficientes e na gravidez também pode causar má formação congênita no bebê. Há a associação de níquel a casos de câncer no aparelho respiratório (laringe e pulmão) em trabalhadores que lidam com o níquel.

    Odete Cassiano mora com o filho, o pai e a mãe, ambos com mais de 90 anos. Sua família é uma das que tiveram sangue e fios de cabelos colhidos para exames toxicológicos realizados pela Dra. Evangelina Vormittag, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, em janeiro de 2018.

    Em entrevista ela conta que desde 2016 tem problemas de saúde relacionados à lama. Ela e o pai estão contaminados. “Já conversamos várias vezes com as autoridades de saúde de Barra Longa. Eles dizem que o município não tem como tratar o pessoal. Eles sempre dão desculpas para não participarem das nossas reuniões. Hoje gasto R$ 500 por mês em remédios”, diz Odete.

    Todos os resultados dos exames foram entregues para os pacientes, bem como a Secretaria Municipal de Saúde de Barra Longa. A equipe responsável pelo exame concluiu que chama a atenção à presença do mesmo resultado para todos os 11 participantes da coleta. Além disso, das 11 pessoas, três apresentaram aumento no arsênio no sangue e cinco estão com ele no limite superior da normalidade.

    Como há presença de arsênio na cidade, demonstradas em análises de água, sedimento e solo, bem como nos peixes, pode ser que as pessoas continuem sendo contaminadas. Por isso a equipe também ressaltou a importância de se realizar um estudo epidemiológico e de risco toxicológico com urgência nas cidades atingidas.

    A Dra. Evangelina Vormittag, pesquisadora responsável pelo estudo encaminhou um ofício a Secretaria Municipal de Saúde de Barra Longa e ao Ministério Público sobre os resultados da pesquisa para que estejam alertas para a possibilidade de intoxicação por metais pesados na região e, assim, salvaguardar a saúde da população atingida.

    Entenda o Crime da Samarco em Barra Longa

    Em Barra Longa praticamente a cidade inteira foi atingida pelo crime da Samarco. Quem não teve efetivamente a casa invadida por lama, recebeu a contaminação quando o prefeito resolveu calçar a cidade com a terra. Outra questão prejudicial foi à quantidade de caminhões e tratores da Samarco que invadiram as ruas para mudar a lama de um lugar para o outro, mexendo com a estrutura das casas, não preparadas para o alto tráfego de grandes veículos, muitas casas racharam.

    Foram mais de seis meses para que toda a lama fosse removida do centro da cidade e ainda hoje, se vê obras sendo realizadas, casas que ainda não foram recuperadas, causando outro grave problema, a depressão de uma comunidade que se viu obrigada a ficarem longos meses trancados em seus lares.

    Outro receio das mulheres, a quantidade de homens estranhos por lá. Muitos operários na cidade trabalhando na remoção da lama e nas obras, o local que não tinha gente estranha passou a ter e com isso aumentou o número de assédio as mulheres. Barra Longa tem em torno de 6.500 habitantes que, ainda hoje, convivem com máquinas, tratores e pessoas estranhas à comunidade. Uma cidade habitada por gente que só queria a calmaria das pequenas cidades.

    Antônio Luiz Gonçalves, mas conhecido como Riso, conta com tristeza que sua família, além de ser atingida, assinou na pressão a proposta de indenização da Samarco. “Quando os advogados da Samarco me disseram que aquela era a última proposta e que se não aceitasse que eu fosse procurar a justiça lenta do Brasil, fiquei com medo de morrer sem ter minha casa de volta. Assinei”, completa Gonçalves, um dos poucos que não quis entrar na ação coletiva dos atingidos em Barra Longa.

    A contratação de uma assessoria técnica

    Após o rompimento da barragem cada cidade atingida formou uma comissão dos atingidos e contrataram uma assessoria técnica para ajudá-los de forma coletiva, mas centrada ao município. Em Mariana que abrange os distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Ponte do Gama, Campinas, Pedras e Camargos a assessoria técnica escolhida pela comissão dos atingidos é a Cáritas, em Barra Longa é a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social criada por Atingidos por Barragens – AEDAS.

    Alexandra Borba, coordenadora local da AEDAS, explica que a contratação de uma assessoria para auxiliar os atingidos é uma das ações implantadas com o dinheiro que a justiça bloqueou da Samarco e que também visa assegurar o protagonismo dos atingidos no processo de reparação dos direitos.

    População cria coletivo de saúde

    Mesmo atuando com uma assessoria técnica especializada nesse tipo de conflito, a população local montou um coletivo da saúde com o apoio do MAB – Movimentos dos Atingidos por Barragens.

    Sérgio Papagaio, também morador de Barra Longa, colunista do jornal A Sirene e parte do coletivo de saúde, fala que dentre as reivindicações já encaminhadas às empresas responsáveis pelo crime Samarco, Vale SA, BHP Billiton, VogBR, ao poder público e ao Ministério Público constam solicitações como a realização e a divulgação de estudos sobre a saúde das pessoas e dos alimentos que são produzidos e comercializados no local a curto, médio e longo prazo. “Também exigimos projetos sobre a melhor forma de diminuir a poeira que continua contaminando as pessoas pelas vias nasais, durante o simples ato de respirar – veneno, já que o prefeito utilizou a lama cheia de metais pesados para calçar as ruas da cidade com blocos sextavados. Entre diversos itens, a participação popular em todas as decisões também é parte das reivindicações. Nada pode ser decidido sem o aval dos atingidos”.

    Como dizem os atingidos, quem não pisou na lama tem que ceder a vez da fala.

    Campo de futebol e ruas calçadas com a lama química

    Rosana conta que a casa dela foi atingida, além da lama que ela inala todos os dias ao viver em Barra Longa, sua casa está toda trincada devido ao alto tráfego de caminhões e tratores em uma rua não apropriada para isso. “São dois anos com eles indo e vindo para deslocarem essa lama, rachou a casa toda. Eles vieram aqui e ofereceram pintar a fachada”, completa indignada a moradora, atingida por duas vezes pela Samarco e que hoje vive a base de remédio.

    Rosana mora com o marido e o filho. Essa é a segunda vez que é atingida pela Samarco. Em 2000 sua família foi desapropriada para a construção da hidrelétrica Risoleta Neves de propriedade da Vale S.A. e da Aliança Geração de Energia S.A. A família morava entre Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, e toda a população que morava nos limites desses municípios foram obrigados deslocarem. Rosana nada recebeu da desocupação causada pela Vale S.A na época da construção da usina e luta há dois anos para que a Samarco tenha responsabilidade por todos os crimes que cometeu.

    Maria das Dores de Oliveira, senhora de 92 anos, completa 93 no dia 28 de março, moradora da casa que fica em frente ao campo de futebol de lama química depositado pela prefeitura, conta que sempre morou lá e que mais nove famílias também moravam por ali. Todo mundo foi embora, menos ela.

    “Ninguém me tira daqui. Morei toda a vida aqui, tenho tudo plantado. Eu fiquei. Eles até tentaram me tirar, mas não saí, nem quando veio toda a lama. Peguei minha nossa senhora, levantei no alto, pedi e ela ajudou a lama a fazer a curva. Isso tudo é culpa do bicho-homem… o bicho-homem vai acabar com tudo”, diz Maria das Dores.

  • Atuação do Ministério Público no maior crime ambiental do Brasil, a morte do Rio Doce

    Dois anos após o acidente Dr. Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais da Comarca de Mariana, comenta sobre o maior crime ambiental do Brasil cometido pela Samarco, em que momento se encontra o processo, sobre as indenizações e a atuação do ministério público no caso com os atingidos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Ponte do Gama, Campinas, Pedras e Camargos.

     

    As ações coordenadas por um promotor público pelo direito humano

    O nome dele é Guilherme de Sá Meneghin, titular da 2ª Promotoria de Justiça da comarca de Mariana, Minas Gerais, especializado em direitos humanos. A data é 05 de novembro, 16:20. Toca o telefone, o promotor atende e é informado que a Barragem de Fundão havia rompido.

    Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo, informações desencontradas chegavam aos montes. O promotor resolve ir até a arena, local onde as pessoas seriam recebidas. Poucos chegavam, estavam ilhados nas florestas ao redor dos locais atingidos pela lama química da Samarco.

    “Só entendemos direito o que aconteceu na manhã seguinte, quando os carros e ambulâncias conseguiram chegar aos locais do desastre. Começou a chegar muita gente na arena, foi então que, ouvindo as histórias de quem viveu o terror, nos demos conta da gravidade e da dimensão do que tinha acontecido. O maior desastre ambiental e humano do Brasil causou 19 mortes, prejuízos incalculáveis e modificou a vida de centenas de atingidos de Mariana e outros municípios”, diz Dr. Meneghin.

    E foi no mesmo dia que o promotor especializado em direitos humanos, começou a tomar os depoimentos dos atingidos e instaurou os primeiros inquéritos. “As pessoas eram transferidas da arena para hotéis e pousadas, mas elas só estavam com a roupa do corpo, muitas delas não portavam documentos e nem dinheiro. Era preciso tomar atitudes a curto, médio e longo prazo para assegurar o protagonismo dos atingidos no processo de reparação dos direitos”.

    No decorrer dos dias o promotor expediu diversos documentos, dentre eles era exigido que a Samarco fizesse o cadastro de todos os afetados, fornecesse o subsídio mensal e casa alugada para as famílias que haviam perdido renda e moradia.

    Outra medida executada pelo ministério público foi a ação que bloqueou R$ 300 milhões em bens da Samarco e de acordo com o promotor foi preciso mover outra ação para atingir o patrimônio da Vale e da BHP. “Desde domingo, dia 8 de novembro de 2015, estava pronta uma ação cautelar para bloquear os recursos necessários para pagar as indenizações e a reconstrução das comunidades. No dia 10 propus a ação e o juiz determinou a indisponibilização de R$ 300 milhões de reais da Samarco, mas nas contas só tinham R$ 8,5 milhões. Pedi ao juiz para desconsiderar a pessoa jurídica e atingir o patrimônio da Vale e da BHP. O dinheiro finalmente apareceu”, completa Meneghin de forma indignada.

    Durante esses dois anos as atuações do Ministério Público visam promover a participação dos atingidos no processo legal de reparação dos direitos violados e ajudá-los na construção de uma representação legítima para que todas as medidas adotadas pelo MP estivessem de acordo com o interesse dos atingidos, em ações coletivas.

    Mas nem sempre foi possível, em 04 de fevereiro de 2016 o processo sofreu um revés e por decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, ao examinar um recurso da Samarco, decidiu que as causas relacionadas ao rompimento da barragem, especialmente a ação civil pública principal, deveriam ser deslocadas para a justiça federal. Durante esse tempo até a volta do processo para a comarca de Mariana, o processo ficou paralisado, foram seis meses de luta para trazer a ação de volta a Mariana, fato ocorrido em 23 de agosto de 2016.

    Para a maioria dos atingidos dos distritos de Mariana, o Dr. Guilherme de Sá Meneghin está muito próximo, todas as conquistas alcançadas desde o desastre foram bastante desafiadoras e decorreram das ações ajuizadas pelo MPMG.

    E como Dr. Meneghin é especializado em direitos humanos ele tem também ficado atento aos impactos psicossociais causados por um desastre como esse. Perda de vida, desaparecimento e desalojamento de comunidades inteiras e consequente desagregação e ruptura de vínculos sociais. Tradições culturais e comunitárias, lembranças, histórias e modos de vidas atingidos também foram aniquilados.

    Quanto a Samarco e seu posicionamento em relação ao crime que cometeu, Meneghin na entrevista abaixo deixa claro que a empresa só atua sob ordens judiciais, tenta jogar a população de Mariana não atingida contra os atingidos e ainda usa termos marqueteiros para diminuir o impacto do crime que cometeu.

    Jargões utilizados pela Samarco como impactados são usados para substituir o correto que seria atingido e vítima. “Se um trator passasse por cima do seu carro você diria que seu automóvel foi impactado ou destruído? Outro termo midiático e utilizado pela Samarco é o nome do cartão alimentação que dão aos atingidos, o cartão leva o nome de benefício, o que viola totalmente a motivação pelo qual o cartão foi dado. Não é benefício é direito, é reparação pela Samarco ter destruído a vida de diversos distritos de dois diferentes Estados brasileiros. Realmente não é um benefício e sim uma obrigação para tentar minimizar o impacto do crime que cometeu”, completa o promotor.

  • Jornada Rio Doce – A busca pelos atingidos de Mariana

    Por Carolina Rubinato

    Vigésimo quinto dia de Jornada pelo Rio Doce e sigo em busca dos atingidos de Mariana, as vítimas do crime cometido pela Samarco.Elas estão espalhadas pela cidade, difícil encontrá-las. Uma estratégia planejada pela empresa: separar os atingidos como uma forma de cortar laços e dificultar a comunicação entre eles.

    Recebo uma mensagem com um possível endereço, me dirijo para lá, é um prédio e pela informação recebida seis famílias moram ali. Decido esperar sentada na calçada, alguém chegar ou sair do prédio, quarenta minutos depois e nada. Inicio minha abordagem. Toco nos apartamentos e segue o diálogo.
    – Olá, tudo bem?
    – Quem fala?
    – Meu nome é Carolina Rubinato, sou jornalista de São Paulo, estou em uma jornada pelo Rio Doce, procurando as famílias de Bento que foram atingidas e tive a informação que estão morando neste prédio. Gostaria de conversar um pouquinho, saber como estão as dores e alegrias, você pode me ajudar?
    – Não conheço ninguém, faz um mês que estou morando aqui. Tu tu tu tu, desliga.

    Tento de novo em outro apartamento.
    – Olá, tudo bem?
    – Quem fala?
    – Meu nome é Carolina Rubinato, sou jornalista de São Paulo, estou em uma jornada pelo Rio Doce, começamos em Mariana e vamos até Regência, no Espírito Santo. Estou procurando as famílias de Bento que foram atingidas e tive a informação que estão morando neste prédio. Gostaria de conversar um pouquinho, saber como estão, as dores e alegrias, você pode me ajudar?
    – Tu, tu, tu, tu, desliga.

    Faço isso com os próximos oito apartamentos.

    “Gritei para todo mundo sair da casa e correr, não deu tempo de pegar nada,

    saímos correndo só com a roupa do corpo.

    Minha mãe não quis correr, ficou.”

    Todos que me atendem desconversam. Sinto que não conseguirei nada por ali. Há muito medo. Encaminho-me para uma casa parecida com um centro comunitário, chamada Comunidade da Figueira, resolvo entrar para ver se podem me ajudar.

    Ao entrar entendo onde estou, é uma escola para adultos com necessidades especiais. Converso com a coordenadora Solange Ribeiro dos Santos, que me autoriza a falar com dois alunos que moravam em Bento na época do crime, Sônia da Conceição Felipe, 39 anos e Elias Rocha da Conceição, 62 anos.

    A primeira pergunta que faço qual o sonho de vocês, a resposta da dupla vem de forma direta. “Voltar para Bento e ter qualidade de vida”. Para os atingidos há esperança de reconstrução do Distrito. Observo, escuto e absorvo as histórias, sinto dentro de mim o desespero de fugir da lama. Sônia morou desde pequena em Bento, como tem necessidades especiais frequentava a escola da Figueira em Mariana. No dia do acidente ela não tinha ido para a escola, estava em Bento com a mãe. Conta orgulhosa que ajudou a salvar a vida de três pessoas.

    Ouvimos um barulho muito forte e alto, parecia que o mundo ia acabar. Nesse momento fui até a janela ver o que estava acontecendo, olhei e fiquei chocada com o que estava vindo em nossa direção. Gritei para todo mundo sair da casa e correr, não deu tempo de pegar nada, saímos correndo só com a roupa do corpo. Minha mãe não quis correr, ficou. A mulher do Jaime, a Carminha, machucou o pé. Corremos o mais rápido que podíamos para o mato, ficamos na floresta em um ponto bem alto, olhando lá de cima a lama levar tudo, foram apenas cinco minutos para nos salvar”, relembra Sônia.

     

    Sônia da Conceição Felipe e Elias Rocha da Conceição, ambos moradores de Bento Rodrigues. Foto por Carolina Rubinato

     

    Na manhã seguinte um ônibus conseguiu entrar na comunidade e resgatá-los. A mãe de Sônia, Marcelina Xavier Felipe, 75 anos, não correu. Arrastada pela lama quebrou a bacia, mas conseguiu segurar em um abacateiro, foi resgatada por moradores e sobreviveu.

    Elias também conta sua história. No dia do crime ele estava na escola em Mariana. Nesse momento a Solange, coordenadora da escola se junta a nós, tem participação na história do Elias. “Elias e o irmão Raimundo estavam na escola. Acabou o dia e como é de rotina, coloquei os dois dentro do ônibus para Bento e retornei, foi quando recebi a notícia do rompimento da barragem de Fundão. Naquele instante meu coração bateu muito mais rápido, tentei falar com o motorista do ônibus, localizá-los de todas as maneiras possíveis. O Elias não tem uma necessidade acentuada, mas o irmão dele, o Raimundo precisa de ajuda, fiquei em desespero. Passei a noite em claro procurando pelos meninos em hospitais e na arena”.

    Nesse momento Elias entra na história com a sua parte.

    “Estávamos indo para casa quando o ônibus parou e mandaram a gente descer e correr.

    Corremos junto com um monte de gente sem saber o que estava acontecendo, a gente só corria.

    Dormimos no mato, tinha um monte de gente chorando, triste, procurando parentes.

    Foi uma noite de pesadelos”.

    Solange conta que no dia seguinte uma assistente social ligou, estava com dois homens com o uniforme da Figueira. Os meninos, como ela carinhosamente chama os irmãos, estavam vivos.

    Solange me dá o telefone de outra pessoa atingida. Ligo para a Mônica e marco de encontrá-la às 20h30, no intervalo da faculdade onde estuda Direito. Chego ao local combinado às 20h00, envio uma mensagem avisando que já estou lá. Mônica aparece e nos dirigimos à biblioteca. Simone fala baixo, com receio de ser ouvida, diz que estão sofrendo retaliações e preconceitos por uma parte da população de Mariana.

    Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues conta que às 16h00 recebeu uma ligação avisando sobre o rompimento da barragem. Pegou o carro e foi para Bento sem saber muito bem o que tinha acontecido. Mas não conseguiu passar, a estrada estava interditada. “Encontrei algumas pessoas na estrada que me disseram pra voltar que a lama tinha matado todo mundo. Entrei em pânico e comecei a chorar, não estava compreendendo nada direito. Foram 24 horas de terror. Passei a noite na estrada e só fiquei sabendo o que aconteceu quando clareou o dia e vi que não tinha mais nada em Bento, minha casa despareceu”.

    “Eu estava sem roupa, sem nada do que era meu, sem casa, sem chão.

    Ao anoitecer do dia seguinte ao crime, o Dr. Guilherme de Sá Meneghin, promotor público, conseguiu uma liminar

    que obrigava a Samarco a nos transferir para um hotel e

    depois de alguns meses conseguimos outra liminar que obrigava a empresa a pagar aluguel para todos,

    mas tudo isso só conquistamos por ações do ministério público.

    A Samarco só responde com pressão judicial”.

    Mônica também fala do preconceito e agressões que estão expostos em Mariana. Uma parte da população culpa os atingidos pelo fechamento da Samarco que domina financeiramente o poder público local e gere a massa de empregos na região. O algoz passa a ser aclamado pela população que se vê mergulhada no caos econômico. Mais um crime social cometido pela mineradora.

    “Todos os dias nós temos nossos direitos violados. As crianças de Bento são chamadas de pé de lama nas escolas e essa é só uma parte da hostilização a qual estamos expostos. Temos um cartão alimentação que recebemos como uma pequena parte da nossa indenização. Hoje temos receio de utilizá-los no comércio, pois muitas vezes nos tratam de forma agressiva. O nome do cartão é benefício, mas deveria ser chamado de cartão obrigação. Foi a Samarco que passou por cima de seres humanos para explorar cada vez mais. A Samarco construiu o risco em cima da gente, estávamos lá, já morávamos em Bento quando a empresa chegou”, completa Mônica.

    “Meu pai faleceu há muitos anos e as fotos que eu tinha dele a lama levou, nenhum dinheiro do mundo vai me dar isso de volta. A gente continua vivendo, mas o sentimento é o mesmo do dia 5 de novembro de 2015. Eu ainda sinto raiva, angústia, desespero, incerteza, ódio e muita raiva, infelizmente”.

    Mônica me fornece mais dois telefones de moradores de Barra Longa, cidade próxima a Bento Rodrigues que também sofreu grande impacto da lama química e me conta que 11 pessoas em Barra Longa estão contaminadas por metais. “Foi gente colher exame deles, sangue e fio de cabelo, o laudo ficou pronto já”. Escuto com atenção, anoto tudo.

    Faço uma última pergunta para a Mônica. O que ela acha sobre a Fundação Renova, uma instituição criada pela Samarco Mineração, com o apoio de suas acionistas Vale e BHP Billiton, após a assinatura do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público, para criar, gerir e executar as ações de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.

    Mônica responde:

    “Ela simplesmente existe para renovar o crime da Samarco”.