Jornalistas Livres

Tag: resistência

  • Fórum Social das Resistências 2020, desabafos, experiências e desafios

    Fórum Social das Resistências 2020, desabafos, experiências e desafios

    Luciana Fagundes, especial para os Jornalistas Livres, Foto: Alexandre Costa

    Movimentos Sociais e lideranças estiveram unidos mesmo sob chuva

    O Fórum Social das Resistências com o lema, “Democracia, Direitos dos Povos e do Planeta” aconteceu em Porto Alegre de 21 a 25 de janeiro e contou com mais de cinquenta atividades com o objetivo de articular ações e iniciativas de resistência no Rio Grande do Sul, no Brasil e na América Latina.

    O primeiro ano do governo Bolsonaro, os inúmeros retrocessos e os constantes ataques à democracia estiveram presentes nas pautas de praticamente todas as atividades, assim como a preocupação com o crescimento dos movimentos fascistas e o ambiente de crise econômica, social e ambiental.  De todos os cantos do Brasil e da América Latina chegaram relatos de preocupação e busca por alternativas coletivas de resistência.

    Com chuva e tudo!

    A XXII Marcha Pela Vida e Liberdade Religiosa, atividade destinada a marcar o início do Fórum Social das Resistências 2020, precisou enfrentar a chuva que veio para aliviar as altas temperaturas da capital gaúcha daqueles dias. Os povos de matriz africana comandaram um carro de som que percorreu as ruas do centro de Porto Alegre até o Largo Zumbi dos Palmares, na Cidade Baixa, chamando a atenção das pessoas para a necessidade de perceber os retrocessos que estão em curso, especialmente, com relação às liberdades individuais.

     

    Marcha no centro de Porto Alegre marca a abertura do FSR

    Os desafios da comunicação abriram os debates no CAMP

    A comunicação como ferramenta de resistência esteve no debate que abriu as atividades do CAMP (Centro de Assessoria Multiprofissional) no dia 22/1.

    A Roda de Conversa “Comunicação, as mídias livres e as lutas por democracia”, permitiu desabafos, relatos e provocações. A diversidade de sotaques presente nas falas dos participantes deixou evidente que a agonia é mais ampla do que pensamos ser, mas não há como negar a disposição de entender e aprender a lidar de forma eficiente com o “inimigo”.

    Os depoimentos reconhecem uma certa ingenuidade que se abateu na militância de esquerda brasileira durante os governos Lula e Dilma quando a grande mídia permitiu a presença de agentes dos governos Lula e Dilma na lista vip dos “banquetes” promovidos pela grande mídia. Carlos Tibúrcio, idealizador do programa Democracia no Ar, que nasceu com o objetivo de fortalecer a comunicação independente e alternativa, foi um dos mediadores da atividade provocando o debate. Algumas considerações estão no vídeo abaixo:

     

     

    MPF sediou atividades do Fórum pela primeira vez no RS

    Por iniciativa da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) e do Comitê de Gênero e Raça, o Ministério Público Federal do RS recebeu, pela primeira vez, duas atividades do Fórum das Resistências: “Enfrentamento ao encarceramento em massa, ao genocídio das juventudes, à criminalização das lutas, movimentos sociais e dos Direitos humanos” e “Diversidade, Igualdade e Direitos Humanos”.

    Na segunda atividade, Alice Martins, coordenadora da Ocupação Baronesa, que está se reconstruindo após o ataque do poder público estadual. Alice foi um dos destaques do debate. Entenda:

     

    Os desafios da democracia hoje foi tema de debate promovido pelo grupo de referência do Fórum

    No dia 23/1, na sede da Fetrafi, a mesa 3 que debateu os desafios da democracia teve as presenças do ex-governador do RS, Olívio Dutra e da médica Kota Mulanji.

    Olívio Dutra era governador do RS em 2001 quando aconteceu o primeiro Fórum Social Mundial, evento que se transformou em referência para o mundo como ambiente de debate sobre as necessidades dos países oprimidos e em desenvolvimento fazendo o contraponto ao encontro de Davos. Desde então, Olívio tornou-se referência no RS, no Brasil e no Mundo. Abaixo, um trecho da sua fala no Fórum Social das Resistências 2020:

    Outra presença importante na mesma atividade foi a de Regina Nogueira, mais conhecida como Kota Mulangi – que quer dizer “combatente” – e é presidente do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nuttricional dos Povos de Matriz Africana (FONSANPOTMA). Kota também colocou a necessidade de todos e todas se engajarem na defesa dos direitos retirados dos povos originários quando declara: “Vocês podem não acreditar em nada do que eu estou dizendo aqui, mas eu estou aqui, e o plano era que eu não estivesse.”

     

    Manifestantes caminharam do Centro Histórico até o Largo Zumbi dos Palmares

    Nesta atividade, duas ausências foram destacadas e lamentadas: Sônia Guajajara, da articulação dos Povos Indígenas do Brasil, por motivos de saúde, e Preta Ferreira, representante do Movimento de Luta pela Moradia de SP, que não foi autorizada pela Justiça para viajar e participar do Fórum Social das Resistências.

     

     

     

     

    Uma Ciranda ao som da música Coração Civil abriu a Assembleia dos Povos 

    A mística cultural preparada para a abertura da Assembleia dos Povos, momento onde os encaminhamentos de cada atividade foram apresentados, mostrou que as pessoas que participaram do evento precisavam aliviar as tensões provocadas pelo momento político e pelos intensos debates e reflexões que ocorreram no Fórum Social das Resistências. Confira no vídeo abaixo:

     

     

     

     

  • CHILE: Os abusos dos carabineros ao usar seu arsenal contra protestos

    CHILE: Os abusos dos carabineros ao usar seu arsenal contra protestos

    Por José Tomás Tenorio, jornalista chileno

    Com mais de 3.400 pessoas feridas e pelo menos cinco falecidas em mãos das forças de segurança depois de mais de dois meses de protestos no Chile, duras críticas tem surgido desde diversos setores da sociedade e do mundo político local pela atuação dos “carabineros”, a polícia chilena, que tem sido acusada de uma série de abusos e violações aos Direitos Humanos contra os manifestantes.

    Equipadas com um grande arsenal de equipamentos anti-motim, que inclui, entre outras coisas, bengalas, escudos, gás lacrimogêneo e carros que lançam jatos de água e de gás, as Forças Especiais acumulam críticas pelo uso de espingardas carregadas com cartuchos de 12 tiros de borracha, os chamados pellets, uma arma que é considerada como a principal causa da “epidemia” de lesões oculares que atualmente vive o Chile. De acordo com o relatório mais recente do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH), 351 pessoas resultaram com lesões oculares nas manifestações, relatando-se dezenas de casos nos quais perderam 100% da visão em um dos olhos devido ao impacto dos pellets da Polícia.

    Segundo o protocolo da instituição, as espingardas devem ser utilizadas somente como último recurso frente a manifestantes violentos, tomando precauções para que a distância do disparo não coloque em perigo quem receba o impacto, e evitando disparar contra idosos e menores de idade. Porém, em reiteradas ocasiões pode-se ver as Forças Especiais de carabineros utilizando esta arma como uma das suas principais ferramentas para dispersar grandes grupos de pessoas, sem importar a distância nem considerar se a manifestação era pacífica. Inclusive, foi revelado o caso de dois estudantes escolares do Liceo 7 de meninas de Santiago que foram feridas pelos pellets depois de que um agente da polícia disparou contra elas no interior do colégio.

    Além disso, um estudo da Universidade do Chile —uma das instituições mais prestigiosas do país— concluiu que somente 20% do material dos pellets utilizados pelos carabineros corresponde a borracha, enquanto o 80% restante corresponde a silício, sulfato de bário e chumbo.

    Manifestante ferido por “bala de borracha”
    Raio X mostra Projétil de metal encravado na perna de homem que foi atingido por uma suposta bala de borracha
    Raio X mostra projétil de metal encravado na perna de homem atingido por suposta bala de borracha

    E, apesar de que inicialmente o comando dos carabineros negou este estudo, em novembro o diretor geral Mario Rozas afirmou que, depois de investigações realizadas pela própria instituição com respeito às munições anti-motim, as espingardas com pellets “só poderão ser utilizadas, assim como as armas de fogo, como uma medida extrema e exclusivamente para a legítima defesa” dos agentes.

    Outro dos elementos questionados quanto à sua utilização nos protestos tem sido o gás lacrimogêneo, que os carabineros usam de três formas diferentes: mediante granadas de mão, espingardas que lançam granadas e carros que lançam gases, conhecidos popularmente como “zorrillos” (gambás). As principais críticas apontam ao uso indiscriminado deste elemento para dispersar aos manifestantes, além dos potenciais riscos para a saúde que este representa.

    Afogamento

     

    O composto utilizado pelas forças policiais é o clorobenzilideno malomonitrilo, ou gás CS que, ao entrar em contato com uma pessoa, produz de maneira imediata irritação e sensação de ardor nos olhos, no nariz, na boca, na pele e nas vias respiratórias, além de uma tosse contínua e uma sensação de afogamento. Em ocasiões, ante exposições mais severas, as pessoas podem experimentar vômitos devido a esse gás.

     

    Para evitar complicações à saúde dos afetados pelo gás, o protocolo dos carabineros indica que as bombas de gás lacrimogêneo devem ser lançadas depois de tentar convencer os manifestantes a deixar uma zona determinada, e depois de avisar de que as granadas serão utilizadas, além de se ter em conta que na zona de utilização do gás —que pode ser dos 60 aos 300 metros quadrados— não haja menores de idade, idosos nem mulheres grávidas presentes.

     

    Porém, assim como no caso dos pellets, em várias ocasiões as Forças Especiais deixaram de lado o protocolo e dispararam bombas lacrimogêneas contra grupos pacíficos, sem avisar os participantes dos protestos, e disparando as granadas de forma horizontal e não em um ângulo de 45º, o que pode provocar fortes impactos na cabeça dos presentes. Nesse sentido, um dos casos mais escandalosos ocorreu no dia 6 de novembro, quando, depois de um protesto nos arredores do Costanera Center, os carabineros utilizaram grandes quantidades do gás CS, sem considerar que perto desse shopping se encontra o Hospital Metropolitano, que possui uma grande sala de neonatologia (especializada em recém-nascidos).
    Outro caso muito criticado ocorreu no dia 27 de novembro, quando uma mulher de 36 anos perdeu a vista de ambos os olhos depois de sofrer o impacto no rosto por uma bomba lacrimogênea lançada pelos carabineros. A mulher estava indo para o trabalho quando, ao passar perto de um protesto, foi alcançada pelo projétil que lhe gerou sérios danos no crânio, incluindo os dois globos oculares.
    E se bem que, nas redes sociais, várias pessoas têm dito que alguns dos lacrimogêneos utilizados pelas autoridades estão vencidos —o que poderia levar a que estes contenham cianeto no seu interior—, diversos estudos internacionais dizem que nas condições que este material é utilizado, o composto de gás CS não deveria produzir quantidades letais de cianeto, inclusive se as granadas estão vencidas há muito tempo. Ainda assim, ao ser consultado sobre isso, o coronel dos carabineros Óscar Alarcón disse em uma de suas polêmicas declarações que a exposição a gás lacrimogêneo vencido “não tem nenhum efeito, é como tomar um iogurte que venceu há cinco dias. Funciona igual, está bom igual”.
    No começo de dezembro, e depois de mais de 40 dias da explosão social, o jornal “La Tercera” informou que os carabineros utilizaram um total de 98.223 bombas lacrimogêneas. Devido a isto, a instituição realizou uma rápida compra de mais granadas deste tipo do Brasil.
    As denúncias contra a ação policial também apontam ao uso dos seus veículos rádio-patrulhas, os carros que lançam água e os “zorrillos”.
    Desde o começo dos protestos, foram registrados vários casos de atropelamentos de manifestantes por parte dos carabineros, inclusive em ocasiões de protestos pacíficos. Além disso, na metade de novembro os agentes foram acusados de ter atuado diretamente na morte de um jovem de 29 anos que faleceu depois de sofrer uma parada cardiorrespiratória na Praça Itália, no centro de Santiago.
    Naquela ocasião, um carro lança-água próximo ao lugar, e que se encontrava com a visibilidade reduzida por raios laser e por manchas de tinta nos seus vidros, disparou um jato de água aos paramédicos que tentavam socorrer o jovem em parada cardiorrespiratória, o que dificultou a ação dos médicos e o traslado da pessoa até uma ambulância próxima do lugar.
    Apesar de todas as críticas, e dos relatórios de Anistia Internacional, Human Rights Watch e da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, que tem denunciado violações aos direitos humanos cometidas pelos carabineros desde o começo dos protestos (18 de outubro), a instituição tem rejeitado as críticas que apontam para um problema maior e o alto mando tem se limitado a se referir aos acontecimentos de abuso como casos isolados.
    Além disso, o ministério do Interior tem dito que o Estado chileno está avaliando dotar os carabineros de Dispositivos Acústicos de Longo Alcance, uma arma não-letal capaz de emitir sons acima dos 100 decibéis. Porém, em resposta ao anúncio, os departamentos de Fonoaudiólogos da Universidade do Chile e da Universidade de Valparaíso alertaram sobre os efeitos nocivos para a saúde que estas ferramentas podem ter para a população e que, em casos extremos, poderia deixar os afetados com danos auditivos irreversíveis.

    Leia mais sobre os protestos no Chile em:

     

    Chile: falsa normalidade

    https://jornalistaslivres.org/o-chile-despertou/
    https://jornalistaslivres.org/negro-matapacos-o-revolucionario/
  • Aula magna de Boulos unifica esquerdas em defesa da previdência e humilha bolsonaristas

    Aula magna de Boulos unifica esquerdas em defesa da previdência e humilha bolsonaristas

    Boulos, ao lado de líder do DCE e ver. Afrânio Boppré.
    Foto Carol Morgan e Leonardo Gatti

    A Universidade  pública federal foi, na noite de quarta-feira (19), em Florianópolis, território de resistência e ocupação das esquerdas, como nos tempos das grandes reações à ditadura militar. Aula magna promovida pelo Diretório Central dos Estudantes da UFSC mobilizou mais de 2.000 pessoas para ouvir o líder do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-candidato a presidente da República pelo PSoL, Guilherme Boulos, falar sobre as estratégias de resistência contra a destruição da previdência pública e dos direitos sociais. Boulos defendeu a unidade e a maturidade da esquerda para “enfrentar um inimigo maior que quer destruir nossa perspectiva de futuro”. Bolsonaristas mobilizados por Luciano Hang foram postos pra correr pela esmagadora maioria.

     

    Do lado de fora, mais de 1.500 pessoas acompanhavam a aula magna

    Depois de lotar o auditório e o hall da reitoria da UFSC, o público ocupou o espaço externo, na Praça da Cidadania, em frente à administração, transformando em ratinhos constrangidos pouco mais de uma dúzia de militantes do MBL e estudantes de extrema direita, convocados pelo bolsonarista Luciano Hang. Dono da rede de Lojas Havan, Hang atacou a universidade por permitir a palestra de Boulos, que chamou de “invasor de propriedades”.  O empresário biliardário é famoso por ter sido indiciado em processos judiciais de sonegação de impostos, apropriação indébita de descontos do INSS, evasão de divisas, fraude em documentos federais, violação dos direitos trabalhistas e, durante o período eleitoral, constrangimento e assédio político aos empregados.

    Recebido pelo público com o bordão do Povo Sem Medo, “Aqui está, o povo sem medo, sem medo de lutar”, Boulos defendeu a universidade como espaço público de debate do pensamento crítico em oposição à tentativa de mordaça e perseguição do Projeto Escola sem Partido. Na capital de Santa Catarina, reduto do bolsonarismo, mas também a cidade onde obteve a votação mais expressiva do país nas eleições presidenciais, Boulos proclamou a união das esquerdas contra o desmonte da previdência pública, a fúria de privatização e a entrega das riquezas nacionais  ao capital estrangeiro. Ao protestar contra o assassinato de Marielle Franco e a prisão política de Luiz Ignácio Lula da Silva, foi encorajado por um coro uníssono de “Lula Livre”. Os ecos do lado de fora, onde pelo menos 1.500 pessoas acompanhavam a aula por um telão, chegaram ao auditório e levaram o palestrante ao encontro desse público.  Na Praça da Cidadania, Boulos falou em forma de jogral com a multidão: “Universidade deve ser espaço democrático, instância pública de debate. Ninguém vai impedir que a gente fale, que a gente debata, lute. Vamos em frente, resistir, até a vitória!”.

    Entre os organizadores da aula magna, dirigentes do PSoL, do DCE Luís Travassos e da universidade, havia muito temor pela segurança do palestrante e do público. Bolsonaristas chegaram a criar um evento na página do Facebook do movimento fascista Endireita UFSC para chamar um ato de repúdio contra a presença de Boulos na universidade. Contudo, em vez de intimidar, os ataques  só conseguiram  aumentar a mobilização dos estudantes, que começaram a ocupar o espaço às 17 horas, duas horas antes do início marcado, para evitar a invasão dos pró-governistas. Partidos de oposição como PT , PCB, PCdoB e PCO mobilizaram seus coletivos, assim como outras agremiações e entidades populares em defesa da democracia, da universidade e dos direitos humanos, a exemplo do Floripa Contra o Estado de Exceção, Movimento Negro Unificado, Movimento das  Ocupações Urbanas e 8M Santa Catarina e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.

    A campanha Lula Livre teve uma presença marcante no cenário do evento, com faixas cartazes, venda de camisetas, bandanas e palavras de ordem endossadas pelo palestrante que defendeu a pluralidade política no espaço da universidade. “Onde querem fazer o debate sobre as diferentes posições sobre os rumos da sociedade? No quartel?”, provocou o sociólogo. “Gostaríamos que em vez de dizerem que vão jogar pedra e ovo, tivessem a coragem de sentar aqui nessa mesa para debater com a gente o futuro do Brasil. Não debatem porque não têm projeto. Nem o chefe deles vai ao debate. Fugiu dele a eleição inteira!”. Por isso, acrescentou, “é fundamental manter esse evento depois das ameaças daqueles que só fazem gesto de arminha, mas não têm disposição de debater o futuro do Brasil”.

    Quanto mais a cobra do fascismo rodopia, mais ela provoca o grito das multidões. Em efeito contrário, as ameaças acabaram provocando um “momento emblemático de união  e resistência das esquerdas, que deve ter continuidade em 22 de março, dia de e mobilização contra a Reforma da Previdência e construção da greve nacional”, como propôs o sociólogo. O clima de grande tensão e até a expectativa de incidentes graves e agressão física se extinguiu com o carisma do guerreiro e a sede de esperança da plateia sob a lua cheia. Sem violência, como mostram os vídeos, mas com firmeza, a própria militância de esquerda enquadrou e controlou os militantes de direita do Instituto Imperial Catarinense, Liberalismo Radical, Endireita UFSC e Direita Santa Catarina, que tentavam sabotar o evento, com barulho de apitos, cornetas e palavras de ordem provocativas. Alguns deles reivindicavam a posse dos símbolos nacionais e a bandeira do Brasil, quando foram questionados sobre a posição submissa e entreguista do presidente do Brasil nas relações com Trump, nos Estados Unidos, denunciando esse falso patriotismo. Uma bandeira de Bolsonaro foi consumida pelas chamas. Numa resposta vigorosa aos ataques dirigidos do presidente contra o movimento estudantil nomeando-o  inimigo do governo, Boulos referendou a importância da juventude na luta contra a ditadura militar e, agora, no combate ao projeto fascista e entreguista. Luís Travassos, o líder estudantil, torturado e assassinado pela Ditadura Militar, homenageado no nome do DCE, foi referendado pelo vereador Afrânio Boppré como símbolo da força e da organização estudantil nacional, que tomou fôlego em Florianópolis.

    Gravação ao vivo da Aula Magna publicada pelo DCE Luís Travassos

    https://www.facebook.com/dceluistravassosufsc/videos/781675198873303/

    Com uma crítica construtiva à esquerda que foge ao divisionismo cultuado por membros do seu próprio partido, Boulos apontou como falhas da esquerda que conquistou o poder nos últimos anos o afastamento das periferias e das bases. Afirmou que Bolsonaro é fruto da desesperança, da desilusão, fruto do medo. “Para construir outro caminho, temos que ser capazes de nos reencantar para encantar as pessoas. Capazes de construir sonhos coletivamente e de nos organizar”.  Como desafio, o ativista político propôs que as esquerdas fortaleçam a unidade considerando que as diferenças entre si são menores  do que as ameaças de futuro impostas pelo governo Bolsonaro.

    Defesa de Boulos e da previdência pública une esquerda em Florianópolis. Foto: Carol Morgan e Leonardo Gatti

    O que está em jogo no país com os projetos de Bolsonaro é a perspectiva de futuro, acredita Boulos. A começar pela reforma da previdência, que quer fazer com que todos nós não tenhamos perspectiva nenhuma de se aposentar, temos que morrer trabalhando. Mas não é só a reforma da previdência: “É um ideário de sociedade que coloca o privilégio acima dos direitos, que colocar o cada um por si como princípio de organização social acima da solidariedade. É isso que eles querem fazer com a previdência como é isso que querem fazer com a universidade. Um ministro que diz que universidade e para elite intelectual. Se eles acham que a porta que se abriu, abriu demais, nós achamos é que abriu pouco. Tem que ser escancarada. Tem que ter mais negras, mais favelados “.

    Sobre as perspectivas de um governo tirano e imbatível, o líder popular apontou esperança em meio à tragédia. “Há pouco mais de quatro meses Bolsonaro foi eleito como se fosse uma derrota irreversível. Não demorou 60 dias para aqueles que se diziam ser o novo, mostrassem práticas vergonhosas de corrupção e as táticas mais velhas da política brasileira. Não demorou 60 dias para que as pessoas percebessem o despreparo, o quando colocaram um bando de trapalhões na Presidência da República”. E prosseguiu: “Não demorou 60 dias para aqueles que garantiriam a segurança pública e que acabariam com a violência se mostrassem um bando de milicianos, associados ao que tem de pior no Rio de Janeiro, que são as milícias que mataram Marielle Franco e que exploram milhões de moradores de comunidades carentes por extorsão. Essas milícias hoje estão bem próximas do Planalto, se é que não estão alojadas lá”.

    REFORMA VAI FALIR A PREVIDÊNCIA PÚBLICA

    Com a aula magna, Guilherme Boulos, começou por Florianópolis uma turnê em 17 cidades brasileiras para organizar a luta contra Bolsonaro e a Reforma da Previdência. De Florianópolis, ele segue hoje (20/3) para Curitiba, amanhã para Porto Alegre, e na sequência para Brasília, Belém, Macapá, Fortaleza, Teresina, Recife, as cidades paulistas de São Roque, Campinas, São Carlos e Franca, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Niterói e Rio de Janeiro. Boulos qualificou o projeto da Reforma da Previdência como criminoso e covarde. “Eles querem com a proposta da reforma destruir a previdência pública e jogar o dinheiro de quem puder poupar para os bancos privados. Como destroem a previdência? Tornando a aposentadoria quase impossível, determinando 40 anos de contribuição num país onde a maioria está na informalidade, 60 anos de idade num país onde a expectativa de vida não chega aos 60 em várias periferias”. Na sua avaliação, o projeto inviabiliza a previdência pública pois quem tiver condições vai para a previdência privada e dar o dinheiro pro Bradesco, pro Itaú e pro Santander. Quem não tiver, vai ganhar R$ 400,00 depois dos 60 anos. “E dizem que isso é que vai salvar a Previdência? Isso é o que vai falir de verdade, pensem bem. Hoje 2/3 da previdência é financiado por contribuição do empresário e do trabalhador em folha de pagamento. Se o trabalhador  deixa de contribuir para a capitalização, esse dinheiro que ia pro INSS vai pra previdência privada. Aí que a previdência pública vai falir porque não vai ter como sustentá-la”, afirma.”Ah mas a previdência privada é uma opção”, pondera. “Opção coisa nenhuma. Na previdência pública a empresa tem que contribuir, na privada não paga nada. Se isso acontecer, acham que o empregado vai contratar trabalhador que opte pelo INSS? Claro que não! Será uma condição para contratar. É uma jogada pra dar dinheiro pra banco e acabar com a perspectiva de futuro”.

    O que está em jogo, enfatiza o guerreiro, é a nossa geração, as próximas gerações. “O que está em jogo são as conquistas mais básicas de uma sociedade civilizada. É não ter Idoso com receita de remédio pedindo esmola na sinaleira. O que está em jogo é que a universidade seja um direito. O que está em jogo é que uma briga de trânsito não vire um bangue-bangue. Se queremos igualdade e solidariedade, ou privilégio, privatização e cada um por si. Esse é o momento da decisão”.

    Antes de proferir a palestra na UFSC, Boulos participou às 16 horas da sessão na Câmara de Vereadores em homenagem à Marielle Franco, constantemente evocada por gritos de “Marielle, presente!” e “Marielle perguntou, eu também vou perguntar: quantas mães têm que morrer pra essa guerra acabar”. Foi uma aula magna curta e antológica, com o impacto das palestras dos anos 70 e início dos 80, quando multidões se apinhavam nos auditórios da UFSC para buscar na voz de grandes líderes, de esquerda como Luís Carlos Prestes, uma saída para o inferno da ditadura. Eles são uma tragédia, mas tudo isso mostra mais cedo do que muitos imaginavam, o que previu Pepe Mujica quando veio ao Brasil falar sobre o Golpe de 2016: “Nenhuma vitória é definitiva e nenhuma derrota é definitiva”.

  • Lideranças mundiais convocam as mulheres para construção de uma articulação Internacional Femininista

    Lideranças mundiais convocam as mulheres para construção de uma articulação Internacional Femininista

    Há um chamado internacional, assinado por lideranças feministas como Angela Davis, para que as mulheres se unam além de 8 de março. Estão sendo convocadas reuniões para atos e ações unificados em mais de nove países e foi lançado o Manifesto Feminista – PARA ALÉM DO 8 de Março: rumo a uma Internacional Feminista

    O movimento tem como principal objetivo fazer uma frente feminista contra o movimento opressor, autoritário, depreciador, racista e homofóbico da extrema direita no mundo.

     

    Trechos do Manifesto:

    “Estamos vivendo um momento de crise geral. Essa crise não é de forma alguma somente econômica; é também política e ecológica. O que está em jogo nessa crise são nossos futuros e nossas vidas. Forças políticas reacionárias estão crescendo e apresentando-se como uma solução a essa crise. Dos EUA à Argentina, do Brasil a Índia, Itália e Polônia, governos e partidos de extrema direita constroem muros e cercas, atacam os direitos e liberdades LGBTQ+, negam às mulheres a autonomia de seu próprio corpo e promovem a cultura do estupro, tudo em nome de um retorno aos “valores tradicionais” e da promessa de proteger os interesses das famílias de etnicidade majoritária. Suas respostas à crise neoliberal não é resolver a raiz dos problemas, mas atacar os mais oprimidos e explorados entre nós”.

    “Diante da crise global de dimensões históricas, mulheres e pessoas LGBTQ+ estão encarando o desafio e preparando uma resposta global. Depois do próximo 8 de março, chegou a hora de levar nosso movimento um passo adiante e convocar reuniões internacionais e assembleias dos movimentos: para tornar-se o freio de emergência capaz de deter o trem do capitalismo global, que descamba a toda velocidade em direção à barbárie, levando a bordo a humanidade e o planeta em que vivemos”.

    Para assinar o manifesto entre no site https://www.internacionalfeminista.org/

    Manifesto assinado por 24 lideranças, são elas:

    Amelinha Teles (União de Mulheres de São Paulo, Brazil)

    Andrea Medina Rosas (Lawyer and activist, Mexico)

    Angela Y. Davis (Founder of Critical Resistance, US)

    Antonia Pellegrino (Writer and activist, Brazil)

    Cinzia Arruzza (Co-author of Feminism for the 99%. A Manifesto)

    Enrica Rigo (Non Una di Meno, Italy)

    Julia Cámara (Coordinadora estatal del 8 de marzo, Spain)

    Jupiara Castro (Núcleo de Consciência Negra, Brazil)

    Justa Montero (Asamblea feminista de Madrid, Spain) Kavita Krishnan (All India Progressive Women’s Association)

    Lucia Cavallero (Ni Una Menos, Argentina)

    Luna Follegati (Philosopher and activist, Chile)

    Marta Dillon (Ni Una Menos, Argentina)

    Monica Benicio (Human rights activist and Marielle Franco’s widow, Brazil)

    Morgane Merteuil (feminist activist, France)

    Nancy Fraser (Co-author of Feminism for the 99%. A Manifesto)

    Nuria Alabao (Journalist and Writer, Spain)

    Paola Rudan (Non Una di Meno, Italy)

    Sonia Guajajara (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)

    Tatiana Montella (Non Una di Meno, Italy)

    Tithi Bhattacharya (Co-author of Feminism for the 99%. A Manifesto)

    Veronica Cruz Sanchez (Human rights activist, Mexico)

    Verónica Gago (Ni Una Menos, Argentina)

    Zillah Eisenstein (International Women’s Strike, US)

     

  • Ladeira da Preguiça resiste à tentativa de higienização social no Centro Antigo de Salvador

    Ladeira da Preguiça resiste à tentativa de higienização social no Centro Antigo de Salvador

    Por Yuri Silva, com fotos de Marcelo Teles

    Aconteceu durante todo o dia deste sábado, 12, como também ocorreu no último final de semana, uma extensa mobilização de pintura de casarões na Ladeira da Preguiça (a mesma que inspirou a música de Gilberto Gil cantada por Elis Regina), em Salvador.

    A comunidade é alvo da especulação imobiliária, da gentrificação do Centro Histórico e do Centro Antigo de Salvador e de um processo que tenta colocar em prática o projeto elitista de higienização social nessa área da cidade.

    Trata-se do velho racismo territorial, já que a Ladeira fica no Centro Histórico, em área privilegiada, à beira da Baía de Todos os Santos e de empreendimentos luxuosos, entre eles o Trapiche e a Bahia Marina, além dos hotéis Fasano e Fera Palace (este último do empresário milionário Antônio Mazzafera), todos points da elite política e econômica da capital baiana.

    Durante quatro sábados, a comunidade resolveu pintar as fachadas das suas casas, a partir de um processo de mobilização amplo, que incluiu diversos atores e parceiros, como o MUSAS (Museu de StreetArt Salvador), a incubadora de projetos sociais Salvador Meu Amor, o movimento Nosso Bairro É Dois de Julho, Articulação do Centro Antigo de Salvador, Coletivo de Entidades Negras – CEN e o Centro Cultural Que Ladeira É Essa?, instituição representativa dos moradores.

    O ato, que vai até o sábado do dia 26 de janeiro, é um grito contra o racismo do poder público e um clamor pelo direito à cidade.

    Os moradores, responsáveis por preservar uma série de casarões abandonados pelos especuladores, são constantemente alvo de tentativas de expulsão por parte do poder municipal. A resistência, contudo, tem sido palavra central na vida desta comunidade.

     

     

  • Racista ofende crianças negras de 10, 11 e 12 anos no restaurante

    Racista ofende crianças negras de 10, 11 e 12 anos no restaurante

    Por Laura Capriglione e Douglas Alves Mendes, dos Jornalistas Livres

     

    Três crianças, de 10, 11 e 12 anos, foram atacadas com injúrias racistas nesta quarta-feira (19), em um restaurante na praça da Liberdade, o Bentô House, logo depois de terem almoçado no local em companhia dos pais de um deles, ambos negros.

    Bentô House: restaurante na Liberdade e foi cenário do ataque racista

    O agressor, Luis Alberto Oze Jacob, de 47 anos, programador, morador em Osasco, almoçava no mesmo local, quando viu as crianças sentadas em uma mesa, à espera dos adultos que as acompanhavam, que estavam pagando a conta no caixa. Imediatamente, o homem começou a incitar os demais comensais em voz alta, dizendo que cuidassem de suas bolsas e pertences pessoais, que os garotos eram “filhos de detentos do PCC que vivem no Glicério” (um bairro pobre vizinho à Liberdade), que eram “filhos de presos que receberam indulto de natal”, que estavam ali “só para roubar”.

    Acompanhante das crianças, e mãe de um deles, Débora Rosa da Silva viu o que estava acontecendo e foi tomar satisfações com o agressor. Disse a ele que se tratava de injúria racial e discriminação, mas Oze Jacob, em vez de se desculpar, começou a se dizer “vítima” –segundo ele, estava apenas tentando “ajudar” os demais clientes do restaurantes.

     

     

    Duas mulheres que também almoçavam no andar térreo, mostravam-se indignadas com o preconceito manifestado pelo homem, o mesmo ocorrendo com o cineasta Diego Avarte, 33 anos, sentado ao lado do agressor e que a tudo testemunhou.

    “Eu vou chamar a polícia! Você vai ter de se explicar na polícia!”, disse Débora a Oze Jacob. Foi a senha para o homem largar seu sushi de salmão e a coca-cola zero, levantar-se da mesa, empurrar Débora e sair correndo pelo bairro da Liberdade. Ele não pagou a conta do restaurante.

     

    Em seu encalço foi o acompanhante dos meninos e pai de um deles, o professor José Francisco Ferreira de Oliveira, 60 anos, e mais dois amigos.

    Oze Jacob foi detido e levado ao 1º Distrito Policial. A coragem que demonstrava dentro do restaurante contra os três meninos (de 10, 11 e 12 anos, repita-se), sumiu. O homem, que não quis falar com a imprensa, disse à polícia que “foi mal interpretado”, que estava “triste” por ter sido chamado de “racista”, que “não entende o porquê de tanta ira”.

    Oze Jacob, que é casado com uma mulher de origem nipônica, não tem perfil nas redes sociais, mas a mãe dele tem. Ela fez campanha para Bolsonaro, é evangélica e usou o avatar: “Brasil Acima de tudo; Deus acima de todos” durante o período eleitoral.

    O delegado plantonista, Julio César dos Santos Geraldo, lavrou um termo circunstanciado, que remeteu ao Ministério Público ainda ontem.

    Bem ao lado do restaurante, poucos minutos antes da discussão entre Oze Jacob e a família negra, aconteceu um ato público exigindo respeito aos mortos cujos cadáveres afloraram neste mês na terra vermelha do bairro da Liberdade, quando da demolição de um prédio comercial. Trata-se de remanescentes do antigo cemitério dos escravos, o primeiro cemitério público de São Paulo, chamado “Dos Aflitos” (não por acaso), fechado em 1855.

    Moradores nada ilustres da cidade da São Paulo do passado, escravos, defensores da independência face à Coroa Portuguesa, loucos, líderes populares eram enterrados lá, sem caixão, sem lápides ou monumentos mortuários, enquanto os ricos encontravam o descanso eterno dentro das igrejas.

    A família negra ofendida no restaurante japonês tinha participado do ato em homenagem aos seus ancestrais. Feitiço do tempo, a agressão contra os meninos mostra que a escravidão e o racismo ainda não foram devidamente enterrados. Só isso explica o homem branco que ousa, em pleno 2018, atacar três crianças baseado no fato de que a pele delas não é “suficientemente” branca. O nome disso é racismo!